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(FOTO/ Reprodução/ UOL Esportes). |
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(FOTO/ Reprodução/ UOL Esportes). |
Os
velhos baobás africanos de troncos enormes suscitam a impressão de serem
testemunhas dos tempos imemoriais. Os mitos e o pensamento mágico-religioso
yorubá têm na simbologia da árvore um de seus temas recorrentes.
Na
sua cosmogonia, a árvore boabá surge como o princípio da conexão entre o mundo
sobrenatural e o mundo material. As árvores “(…) estão associadas a ìgbá ì wà
ñû – o tempo quando a existência sobreveio – e numerosos mitos começam pela
fórmula ‘numa época em que o homem adorava árvores’…”.
Uma
das versões do mito cosmogônico relata que foi através do Òpó-orun-oún-àiyé – o
pilar que une o mundo transcendente ao imanente – que os deuses primordiais
chegaram ao local aonde deveriam proceder o início do processo de criação do
espaço material.
Este
pilar – muitas vezes simbolizado pela árvore ou por seu tronco – é uma figura
de origem, é um signo do fundamento, do princípio de todas as coisas, elemento
de conexão entre a multiplicidade dos “mundos”.
Mircea
Eliade vai chamá-la de “Árvore do Mundo”, “Axis Mundi”, “Árvore Cósmica”, cuja
função é a de elidir as diversas regiões do cosmo. Para boa parte das tradições
místicas e religiosas, os “mundos” dividem-se nos espaços inferiores ou
infernais, intermediários ou terrestres e superiores ou celestes.
A
concepção católica cristã ainda compreende a existência de outros “territórios”
como o purgatório ou o limbo.
Baobá na tradição yorubá
A
tradição yorubá fala na existência de nove espaços – orun mýsûûsán -, estando
quatro deles localizados sob a superfície da Terra – îrun isalû mýrûûrin.
Uma
das divindades de origem yorubá de culto amplamente disseminado no Brasil – Oya
Ìgbàlû, mais conhecida como Yásan, cujo nome deriva da contração da expressão ì
yá-mesan-orun, a mãe dos nove orun – possui forte relação com a origem do orun
e com a árvore que liga os “mundos”.
Esta
deusa num de seus epítetos é chamada de Alákòko, a senhora do òpákòko,
demonstrando a sua relação com a árvore-mundo yorubá.
Um
dos mitos da criação conta que para cada ser humano modelado (a matéria
primordial era o barro) por Orisala criava-se simultaneamente uma árvore. Òrì
ñàlá é o grande pai da criação yorubá.
Como
divindade primordial, está ligada a cor branca, e por isso é conhecido como um
òrì ñà-funfun (literalmente òrì ñà do branco).
É
interessante notar que em Cuba há um costume de solicitar aos turistas
estrangeiros que plantem uma árvore antes de retornarem aos seus locais de
origem, como forma de permanecerem simbolicamente no país.
Um
outro mito relata a origem das árvores sagradas, especialmente o Iròkò. O Iròkò
é uma das espécies vegetais mais imponentes da terra yorubá.
O ì
tan coloca uma interessante questão ontológica, propondo igualmente a
possibilidade de se pensar numa ontologia do sagrado na perspectiva das expressões
religiosas arcaicas.
O
mito, ao afirmar que “na mais velha das árvores de Iroco, morava seu espírito”,
coloca uma nítida distinção entre ser e ente. Entre uma essência transcendente
do sagrado e a sua presença material no mundo, na mesma medida em que na mais
antiga das árvores mora o espírito.
Porém,
em toda a descendência desta velha árvore habita o princípio dela mesma: não só
geneticamente, mas principalmente a sua sacralidade.
“No
começo dos tempos, a primeira árvore plantada foi Iroco. Iroco foi a primeira
de todas as árvores, mais antiga que o mogno, o pé de obi e o algodoeiro. Na
mais velha das árvores de Iroco, morava seu espírito.
E o
espírito de Iroco era capaz de muitas mágicas e magias. Iroco assombrava todo
mundo, assim se divertia. À noite saía com uma tocha na mão, assustando os
caçadores. Quando não tinha o que fazer, brincava com as pedras que guardava
nos ocos de seu tronco.
Fazia
muitas mágicas, para o bem e para o mal. Todos temiam Iroco e seus poderes e
quem o olhasse de frente enlouquecia até a morte.(…)”.
No
Candomblé encontramos uma importante manifestação da fitolatria. Em vários
terreiros da Bahia encontramos grandes e imponentes árvores Iròkò plantadas no
espaço sagrado.
Deve-se
observar que a árvore em si não é o deus. Para tornar-se sagrada, é preciso
cumprir os rituais para que o deus encarne na planta. Após as oferendas e
sacrifícios, a árvore deixa de ser um simples vegetal e passa a ser a
morada-templo do deus Iròkò. Como um local santo, passa a ser ornamentado como
tal: com grandes laços de panos brancos amarrados em seus galhos.
Junto
a suas gigantescas raízes expostas, são colocadas oferendas: alimentos,
recipientes com água, sacrifícios votivos são realizados; enfim, tudo o que é
consagrado ao deus.
Roger
Bastide em duas obras distintas – Imagens do Nordeste Místico em Branco e Preto
e em Candomblé da Bahia – faz uma importante alusão ao interdito de tocar em
uma árvore Iròkò consagrada.
Um
dos mitos relatam uma terrível punição sofrida por uma mulher que teria tocado
o Iròkò sem ter cumprido o período de abstinência sexual antes de fazer as
oferendas ao deus (foi engolida pelo tronco da árvore).
Igualmente,
mutilar os galhos da árvore a faria sangrar. Ouvi um conhecido pai-de-santo
lamentar-se de que após ter cortado o Iròkò existente no quintal de seu
terreiro e que ameaçava uma das casas, a morte de sua mãe carnal foi imediata.
O sacerdote nitidamente estabelecia uma correlação entre a infração cometida e
a morte como punição para o ato.
“Alguns
terreiros possuem igualmente uma árvore sagrada que é vestida, enfeitada de
fitas, coberta de tecidos, rodeada por um círculo mágico – a gameleira que os
‘nagôs’ chamam de Iroko e os ‘gêges’ de Loko; se se cortasse um ramo dessa
árvore brotaria sangue, pois nesse caso a árvore é um deus”.
“A fitolatria
fetichista entre os afro-brasileiros está representada em primeira linha, no
culto à gameleira (ficus religiosa?), que os nagôs chamam Iroco e os gêges,
Lôco.
Nos
bosques e nas matas, nos caminhos do Garcia, do Retiro, do Rio Vermelho, etc.,
na Bahia, a gameleira Irôco é preparada como fetiche, a quem tributam as
homenagens do culto. Irôco, preparada, não pode ser tocada por ninguém.
Torna-se sagrada, tabú. Se a cortarem, correrá sangue em lugar de seiva e será
fulminado aquele que o fizer”.
Sem
dúvida alguma, Roger Bastide foi um dos mais perspicazes observadores dos
menores detalhes da tradição dos orixás.
Foi
talvez o autor que percebeu de forma mais clara a idéia da árvore como símbolo
da conectividade entre os mundos imanente e transcendente, segundo a tradição
religiosa afro-brasileira.
Numa
de suas obras fundamentais relata: “Encontrei até num terreiro o mito simbólico
de uma árvore cujas raízes atravessariam o oceano para unir os dois mundos;
seria ao longo de tais raízes que viriam os Orixá ao serem chamados”.
Esta
idéia é um pouco mais desenvolvida por Raul Lody, numa extensão simbólica do
Iròkò aos princípios de conexão, sustentáculo da tradição, origem e fundamento,
suporte “tecno-sacro”, via de comunicação e transporte dos deuses:
“A
árvore simbolizada, o tronco ereto e viril – membro fecundante da terra e do
céu, elo, cordão umbilical entre o orum e o aiê, na concepção restrita yorubá
-, marca espaços públicos dos Candomblés mais antigos e tradicionais.
Alguns
espaços privados são também sinalizados com o mastro, poste, tronco
rememorizador da árvore geral e fundadora da vida. É o elo entre o céu e a
terra (…) por onde vêm os orixás, voduns e inquices aos terreiros”).
Ainda como símbolo e “suporte tecnológico sobrenatural”, a árvore baobá é indicada por Bastide como território transitório entre a vida e a morte, entre a morte e a renovação da vida: “(…) as almas das filhas-de-santo mortas vêm habitar em seus ramos de onde talvez se desprendam para entrar no ventre de uma mulher que passa e continuar, assim, o ciclo das reencarnações, como sucede na África”.
Esta
nota já havia sido melhor explicada por Arthur Ramos em 1934 – época do
primeiro Congresso Afro-Brasileiro -, a partir das observações feitas no
Terreiro da Pedra Preta. Esta casa de Candomblé nada mais era do que o terreiro
do legendário Joãozinho da Goméia (pai-de-santo radicado no Rio de Janeiro após
1946, famoso por suas relações pessoais com Getúlio Vargas e Juscelino
Kubitschek), nesta época mais conhecido pelo nome de uma das suas entidades – o
Caboclo Pedra Preta.
No
breve comentário de Roger Bastide ainda se coloca uma questão pouco discutida
no Candomblé – a idéia de reencarnação -, cuja natureza é bastante singular e
em nada se relaciona com a idéia de evolução do espiritismo de Allan Kardec,
tão difundido no Brasil.
“No
terreiro Pedra Preta pode ser visto, um tanto afastada, uma árvore escavada
pela velhice, e que forma uma espécie de nicho. É lá que as almas das filhas de
santo que morreram vão se refugiar no lapso de tempo que separa seu último
momento de incorporação ao corpo e seu abandono definitivo da terra.
Garrafas
de óleo, aguardente, cachaça, água, vasilhas e pratos muitas vezes partidos,
por analogia com a morte destruidora, ossos dispersos, provam o culto dos
fiéis.
Ninguém
pode se aproximar dessa árvore mortuária, sem cortar as folhas consagradas de
um matagal vizinho, e atirá-las em oferenda àquelas que, no terreno ao lado,
dançavam antigamente sob os ditames divinos”.
Esta
relação do baobá, árvore sagrada como vínculo e conexão entre os territórios da
vida e da morte reportam ao princípio feminino. De alguma forma, esta relação
já havia sido sinalizada ao falar em Oya Ìgbàlû, divindade que comanda o mundo
dos mortos. Oya é uma deusa que tem o poder de dominar os espíritos dos
ancestrais – Baba Égun. O também supracitado òpákòko é consagrado como um dos
locais de culto dos ancestrais.
As
grandes deusas cultuadas no Candomblé guardam uma forte relação com entidades
sobrenaturais chamadas Ìyá-mi-Oxoronga. As Ìyá-mi-Oxorongá são senhoras de
imenso poder – são as grandes mães ancestrais, detentoras das forças terríveis
e destruidoras das mulheres.
São
também denominadas ëlëyë: as senhoras dos pássaros, símbolo de seu poder.
Os
mitos revelam que estas divindades chegaram ao mundo nos tempos da criação.
Numa das belas narrativas coletadas por Pierre Verger com os bàbáláwo da
Nigéria, demonstra-se a relação de Ìyá-mi-Òñòrîngà com as árvores, às quais
chamam os velhos sacerdotes africanos das artes divinatórias de pilares da
terra.
Determinadas
árvores sagradas são identificadas no mito como os “Pilares da Terra”, portanto
“Axis Mundi”, conforme indica em outra perspectiva Mircea Eliade:
“Instalação
e a consagração do tronco sacrificial constituem um rito do Centro.
Identificado à Árvore do Mundo, o tronco torna-se, por sua vez, o eixo que une
as três regiões cósmicas.
Baobá – pilares da terra
A
comunicação entre o Céu e a Terra torna-se possível por intermédio desse
sustentáculo”(14). Estas árvores “pilares da terra” cumprem na narrativa a
função de conectar estas forças do mundo sobrenatural ao mundo imanente. Com as
raízes na terra, no obscuro do subsolo gerador da vida, e com a copa nos
altiplanos sagrados, se possibilita o poder destas entidades extra-mundo no
àiyé.
Destarte,
enquanto conexão entre o espaço da existência humana e território do sagrado,
habitat dos deuses, as árvores cumprem na concepção de mundo yorubá e do
Candomblé um papel fundamental no processo de manutenção da vida e do
equilíbrio da coletividade.
É
fonte viabilizadora do intercâmbio e da comunicação em múltiplas dimensões,
entre os îrun, dentre os quais a Terra – àiyé – é um deles. Esta função não se
insere num caráter ecológico construído ideologicamente, mas numa perspectiva
de que a árvore sagrada é um deus vivo e presente, sinalizando que o primado do
sentido de ser faz da pre-sença algo pertinente também ao vegetal enquanto ente
sagrado, cujas origens remontam ao ser – árvore primeira -, fundamento de toda
a sua geração sacralizada no rito.
Esta
mesma sacralidade está presente nos aspectos sincréticos das manifestações
religiosas afro-brasileiras. A partir da interpretação de Mircea Eliade acerca
do simbolismo da Cruz, é possível pensar no significado recorrente da devoção
ao Senhor do Bonfim em Salvador (Bahia), associado à Oxalá. oxalá é um dos
orixá-funfun (portanto divindade do branco), deus primordial, criador, chegado
ao mundo imanente através da árvore – òpó Îrun oun àiyé -, pilar de sustentação
dos dois planos da existência.
A
Cruz também é símbolo de conexão entre os homens e o Altíssimo. Òñàlá também é
ligado à morte – o criador também é chamado Bàbá Ikú, o pai da morte. O branco
é a cor do luto para os yorubás. O Senhor do Bonfim está morto, crucificado;
porém é a promessa da vida em outro plano da existência. Num terreiro que
visitei em Salvador, ao ser conduzido ao local de culto aos mortos da
comunidade, encontrei uma cruz plantada ao solo na entrada do templo. Mais uma
vez o símbolo, conexão entre dois mundos distintos; contudo, em permanente
comunicação.
Baobá, a árvore do mundo
“Ainda
mais ousada é a assimilação pela imaginária, pela liturgia e pela teologia
cristãs do simbolismo da Árvore do Mundo. Também neste caso estamos às voltas
com um símbolo arcaico e universalmente difundido. (…) a imagem da Cruz como
Árvore do bem e do mal, e Árvore Cósmica, tem origem nas tradições bíblicas. É,
porém, pela Cruz (= o Centro) que se opera a comunicação com o céu e que, ao
mesmo tempo, é ‘salvo’ o universo em sua totalidade. Ora, a noção de salvação
nada mais faz do que retomar e completar as noções de renovação perpétua e de
regeneração cósmica, de fecundidade universal e de sacralidade, de realidade
absoluta e, finalmente, de imortalidade, todas noções coexistentes no simbolismo
da Árvore do Mundo”.
Texto
da Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXIV
Congresso de Comunicação – Campo Grande/MS – 2001
Baobá
localizado na província de Limpopo no norte de África do Sul e é famoso
internacionalmente por ser o maior de sua espécie no mundo.
_____________
Com informações do Geledés.
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Em Curitiba (PR), também foram registradas manifestações contra o presidente / Giorgia Prates. |
“Bolsonaro
nunca mais”. Esse foi o mote das manifestações que tomaram as ruas do país,
neste sábado (4), pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro (PL). O ato foi
convocado por mulheres das entidades que compõem a Campanha Nacional Fora
Bolsonaro, articulação que organizou seis manifestações ao longo do ano.
Os
atos foram registrados em diversos locais, como Recife (PE), Natal (RN),
Fortaleza (CE), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Pelotas (RS), Belo Horizonte
(MG), São Paulo (SP), Campinas (SP), Ubatuba (SP), Santos (SP), Brasília (DF),
Palmas (TO), Fortaleza (CE), Juazeiro do Norte (CE), Florianópolis (SC),
Chapecó (SC) e João Pessoa (PB).
Luka
Franca, jornalista e integrante da coordenação estadual do Movimento Negro
Unificado (MNU) de São Paulo, contou que, na capital paulista, cerca de quatro
mil mulheres ocuparam a Avenida Paulista, na região central do município.
“Muitas mulheres colocando na rua o que
significa Bolsonaro no poder e o bolsonarismo na vida das mulheres. Nós hoje
damos a largada para a construção do 8 de março dizendo que as mulheres nunca saíram
das ruas e construindo o “Bolsonaro nunca mais” contra não só o presidente, mas
todo o programa que ele significa”, afirma.
Nunca podemos nos esquecer da importância das mulheres na política
Para
Franca, a importância do ato está em “justamente
mostrar que as mulheres nunca saíram das ruas, tiveram um protagonismo
fundamental contra a reforma da previdência, contra a reforma trabalhista,
contra o governo Temer, contra o racismo e contra o marco temporal nesse país”.
Do
Rio Grande do Norte, Michela Calaça, do Movimento de Mulheres Camponesas,
afirmou que em Natal e em Mossoró as manifestações foram expressivas. Em outros
municípios menores, foram realizadas atividades culturais com o objetivo de
expressar a mesma mensagem: Bolsonaro nunca mais.
“Aqui em Mossoró [a manifestação] aconteceu
pela manhã. Tiveram atividades culturais, teve mística, teve poesia e tiveram
mulheres e homens na rua gritando e passando a mensagem de que a carestia não
deixa a gente se alimentar bem, que é preciso combater a fome. Para um Brasil
melhor, para o Brasil avançar, Bolsonaro nunca mais”, conta.
Para
Bruna Camilo, militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e secretária geral
do PT de Belo Horizonte (MG), a manifestação teve o intuito de dar visibilidade
às indignações das mulheres e continuar as ações unitárias iniciadas em 2018
com os atos “Ele não”.
“Se não fossem as mulheres organizadas,
Bolsonaro poderia ter tido uma vitória no primeiro turno. Nunca podemos nos
esquecer da importância das mulheres na política, nos movimentos populares.
Está chegando o último ano do governo federal, que teve uma gestão cheia de
retrocessos, com mais mulheres mortas, violentadas e empobrecidas. E nosso ato
vai ter esse tom de denúncia”, comenta.
Para
Sônia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Marcha
Mundial de Mulheres (MMM) “é importante
tirar o Bolsonaro, nem que seja um dia antes dele terminar o governo dele”.
Para ela, “é impossível continuar
convivendo com um governo que destrói vidas e direitos todos os dias”.
A
representante do Levante Feminista Contra o Feminicídio, Rita Andrade, ressalta
que o governo do presidente Jair Bolsonaro provocou um imenso desmonte nas
políticas públicas que “vinham gerando avanços sociais significativos” para a
população brasileira, e que a destruição desses instrumentos teve fortes
impactos sobre as mulheres.
“A gente vai vendo que as mulheres negras, as
mulheres periféricas, indígenas são ainda mais atingidas nesse cenário”, afirma
Andrade. Nesse sentido, o ato deste sábado foi “mais uma forma da gente dizer
em conjunto que tem que dar um basta para este governo, que não existe a menor
possibilidade de seguir com esse governo nefasto, genocida, ecocida. Um governo
que vem matando as mulheres, vem matando nossos filhos, a população negra, um
governo que não cuida do povo brasileiro”.
_______________
Com informações do Brasil de Fato.
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Comunidade Terreiro das Pretas no Crato, Cariri - Mapa Cultural - Secult. |
De
sorriso largo, roupas coloridas e cabeça adornada por uma coroa de lenço, a
descendente do povo Quilombola Verônica Neuma das Neves Carvalho, do Terreiro
das Pretas, no Crato (CE), fez da defesa da sua ancestralidade uma missão de
vida. Mais que isso: junto com a comunidade, comprou a briga pela regularização
das terras que ocupam, algo fundamental para a manutenção da história, do modo
de vida e da subsistência dos quilombolas da região.
“Nosso terreiro é conhecido como reino
encantado, e eu acho que é realmente um reino encantado, cheio de rainhas e
princesas”, afirma com contentamento contagiante. “Viver nessas comunidades é muito bom, porque você pode contar com o seu
povo, pode contar uns com os outros, você tem uma história, tem um
pertencimento, você pertence a terra e a terra é sua, eu sou da terra e a terra
é minha por isso a gente diz que a terra foge a identidade das pessoas”.
Mas
para além do orgulho, viver nos Quilombos é também sinônimo de luta e de
resistência: “É extremamente desafiante, porque
as comunidades geralmente ficam distante das sedes dos municípios, então existe
uma dificuldade de acesso. As estradas não são boas, não são seguras. Existe a
dificuldade de acessar as políticas públicas, de acessar o bem mais precioso
que é a água, a gente ainda tem comunidades que tem dificuldade muito grande de
acesso à água pra consumo humano”, lamenta.
Apesar
de estarem presentes em boa parte do território cearense, até hoje nenhuma
comunidades quilombolas do Estado possui titularidade de terra garantida. São
86 comunidades, 56 delas certificadas pela Fundação Palmares, que há décadas
resistem e lutam por reconhecimento, reparação e pelo direito à terra.
Um mapeamento realizado pelo estado em 2019 aponta que pelo menos 30 mil pessoas com mais de 18 anos vivam em comunidades quilombolas. “Isso, inclusive, refuta aquela falsa ideia de que o Ceará não tinha escravos. Teve escravos e foi um grande porto do comércio escravagista. Isso isso justifica o fato de nós termos hoje 86 comunidades quilombolas mapeadas”, disse a coordenadora especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial do estado, Martír Silva, para quem o número, apesar de expressivo, ainda é subdimensionado.
João
Luís Nascimento, professor e liderança do Quilombo do Cumbe, localizado em
Acarati (CE), conta que apesar dos avanços no reconhecimento de seu povo,
faltam políticas consistentes para a regularização fundiária: “no Ceará, não temos nenhuma comunidade com o
título da sua terra. É um Estado que nos reconhece e tem orgulho de quatro anos
antes de a princesa Isabel abolir a escravidão ter tido um movimento liderado
pelo Dragão do Mar que fez do Ceará a primeira província a abolir a escravidão.
Porém, não avançamos na questão da regularização fundiária”.
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João do Cumbe em seu território no município de Aracati. / Galba Sandras. |
Para
Renato Baiano, membro da comunidade quilombola de Encantados de Bom Jardim, no
município de Tamboril (CE), é fundamental contar e recontar sua história para
que as futuras gerações reconheçam a força de seu povo e sua importância
histórica na constituição do Brasil. “Primeiro
é importante resgatar a história, conhecer de onde viemos e quem somos nós,
para que a gente possa nos fortalecer. Ser descendente de escravos traz
preconceito, mas a gente não pode se deixar levar por isso, a gente tem que se
fortalecer cada vez mais, conhecer nossa identidade, conhecer nossa origem”,
afirma.
__________
Com informações do Brasil de Fato Ce.
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Covid-19 vitimou mais pessoas negras – Foto: Thomas de LUZE/Unsplash. |
O
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou um levantamento
nesta sexta-feira (3), com base nos dados da Síntese de Indicadores Sociais,
revelando que as desigualdades entre pessoas brancas e negras aumentou no
primeiro ano de pandemia.
O
estudo mostra que o rendimento médio da população negras foi de R$ 1.764, já a
renda média das pessoas brancas ficou em R$ 3.056, 73,3% maior, em números
absolutos. Os homens tiveram uma renda de R$ 2.608, contra R$ 2.037 das
mulheres, representando uma diferença de 28,1%.
Em
relação ao mercado de trabalho, 53% da força de trabalho, segundo o IBGE, é
formada por pessoas negras, mas os salários são abaixo dos brancos. Além disso,
o levantamento mostrou também que 64,5% do total de desempregados são pessoas
pretas ou pardas. Os dados do IBGE mostram também que 67,3% dos jovens de 15 a
17 anos, estudantes brancos, tiveram acesso a computador, notebook e internet
simultaneamente. Já entre os pretos e pardos, esse número cai para 46,8%.
Pandemia e saúde
O levantamento
também mostrou que os negros morreram mais que os brancos durante a pandemia da
Covid-19. Segundo dados do Ministério da Saúde, na faixa abaixo de 70 anos, o
coronavírus tirou a vida de 57.681 homens pretos ou pardos e matou 56.942
homens brancos. “A variação do número de óbitos está relacionada ao estilo de
vida individual e às condições de vida de grupos sociais. Pretos e pardos têm
menor acesso a serviços de saúde e, portanto, menores condições de prevenção,
diagnóstico e tratamento de doenças”, afirma Leonardo Athias, analista da
pesquisa do IBGE.
“A Covid-19 atingiu mais a população idosa,
mais branca, mas mesmo isso não impediu que morressem mais homens pretos ou
pardos, o que evidencia o menor acesso a tratamento”, conclui Athias.
_____________
Com informações do Notícia Preta.
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"Há um silenciamento muito grande quando o tema é racismo", diz professor Nicolau Neto no Papo Social Podcast. (FOTO/ Silvan Mendes). |
Por Valéria Rodrigues, Colunista
No
último domingo, 28 de novembro, o professor, fundador e editor deste Blog,
Nicolau Neto, esteve participando do “Papo Social Podcst”. O programa é uma
idealização da Fundação Educativa e Cultural ARCA (Altaneira-Ce) e tem como mediador o
educador social Fábio Barbosa e na produção e edição o também educador social
Silvan Mendes.
O “Papo
Social Podcast”, segundo Fábio Barbosa, foi pensado inicialmente apenas com
áudio, mas posteriormente houve a necessidade de transformá-lo em audiovisual e
divulgação das conversas no canal de mesmo nome no YouTube. Nomes como o do professor universitário Carlos
Alberto Tolovi, do ativista político Paulo Henrique Maia, da nutricionista
Maria Vilar e do poeta Zé Mariano já passaram por lá.
“As pessoas que eu chamo no Papo Social Podcast
elas têm uma representação dentro da comunidade seja no âmbito cultural ou
educativo ou em lutas. O Nicolau é um ativista em favor da população negra.
Então, o Papo Social vem aqui para dar
ênfase as pessoas que tem um papel fundamental dentro da nossa comunidade”,
disse o Fábio ao apresentar o professor Nicolau.
Nicolau
conversou sobre seu ativismo, suas palestras pelo cariri e fora do Estado do
Ceará, sobre a construção e a simbologia do Dia Nacional da Consciência Negra,
a Lei 10.639/2003 e do Plano de Combate ao Racismo e de Promoção da Equidade em
Altaneira, além da sanção da recente lei que transformou o dia 20 de novembro
em feriado municipal em Altaneira, sendo este município pioneiro no Ceará nessas
duas últimas conquistas.
Fábio
perguntou sobre como a população negra é vista nos livros didáticos e como a
lei citada pelo professor Nicolau está sendo aplicada nas escolas. Para o
professor, a lei por si só não é o bastante. É preciso formação para a
comunidade escolar. No entanto, Nicolau foi taxativo ao discorrer que “há um silenciamento muito grande nas escolas
públicas e particulares do Brasil quando o racismo é a temática. O silêncio
impera no Brasil quando esta é a temática."
Para acompanhar o bate-papo é só assistir ao vídeo disponível no Canal do YouTube do Papo Social Podcast abaixo:
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Novo diretor não tem experiência em arquivologia, bilbioteconomia ou história, áreas correlatas às atividades do Arquivo Nacional - Gov.BR/Divulgação. |
O
Ministério Público Federal (MPF) anunciou, em 24 de novembro, a abertura de uma
investigação para apurar a nomeação de Ricardo Borda D’Água Braga para o cargo
de diretor-geral do Arquivo Nacional, órgão federal vinculado ao Ministério da
Justiça e Segurança Pública, com sede no Rio de Janeiro.
A
decisão é contestada por entidades ligadas à arquivologia, ciência da
informação e história, que alertam para o descumprimento de um decreto que
exige experiência na área para ocupar o cargo, além de possíveis interferências
em documentos sobre a memória recente do Brasil, como os acervos do período da
ditadura militar (1964-1985) e sobre as populações indígenas.
A
exoneração da bibliotecária Neide de Sordi – seguida da nomeação do
desconhecido Braga aos cargos de diretor geral do Arquivo Nacional e presidente
do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) – acendeu um sinal de alerta na
oposição e em grupos ligados à preservação da memória e motivou a divulgação de
uma nota conjunta, contestando a decisão e exigindo explicações.
O
pesquisador Marcelo Zelic, membro da Comissão Justiça e Paz e fundador do
Armazém Memória, comemora a abertura de investigações sobre o caso por parte do
MPF, mas se mantém receoso com a falta de ligação de Braga com as áreas que
comandará e com a possível interferência em patrimônios valiosos à memória do
país.
“O receio grande que a gente tem é que ao se
priorizar, como se priorizou em inúmeras nomeações do governo Bolsonaro,
pessoas sem trajetória nessa área, é que seja um trabalho de desestruturação”,
alerta Zelic.
O
pesquisador também levantou a possibilidade de que o novo chefe do Arquivo
Nacional dificulte o acesso ou até mesmo interfira na documentação histórica:
“Há a possibilidade de censura de documentação, você tem a possibilidade de
começar a sumir a documentação. Não é difícil sumir documentação nesse país”.
Segundo
Georgete Rodrigues, professora de Arquivologia da UnB (Universidade de
Brasília) e membro do FNArq (Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do
Brasil), uma das signatárias da nota, o Arquivo Nacional possui uma base sólida
e capaz de conter eventuais excessos da nova gestão.
A
especialista também desconfia das qualificações de Braga, cujo currículo
permanece desconhecido, sabendo-se apenas que possui uma empresa de consultoria
e treinamento em segurança, além de participar
de torneios de tiro esportivo.
“Se você colocar alguém ligado à
segurança, alguém que é ligado ao atual ministro da Justiça, existe sim a
possibilidade de interferência. Agora a possibilidade de destruição do
documento eu acho que é muito difícil. A não ser que se provoque um incêndio.
Você tem os próprios servidores do Arquivo Nacional que devem ficar vigilantes,
há também boa parte do material digitalizado e espalhado em outras redes”,
afirma Rodrigues.
O
descumprimento de decreto que determina experiência acadêmica na área para o
cargo de diretor geral do órgão também é objeto de preocupação por parte de
parlamentares de oposição, que também são alvo de investigação do MPF.
A
deputada federal Erika Kokay (PT-DF) diz que o caso remete à crises também de
caráter ideológico em outras áreas do governo, como “a Fundação Palmares, os Ministérios do Meio Ambiente, Educação e das
Mulheres”.
“Nós estamos elaborando uma representação
calcada em qual aspecto legal está desrespeitando a própria legislação. Então
nós estamos fazendo um requerimento de informação, vamos tentar fazer uma
audiência pública e, ao mesmo tempo, uma representação no Tribunal de Contas”,
enumera a deputada, que pretende “utilizar
todos os instrumentos disponíveis para tentar impedir esse golpe contra o
Arquivo Nacional e contra a memória do povo brasileiro.”
Relevância do acervo
O
Arquivo Nacional, órgão responsável pela preservação e difusão de documentos da
administração pública federal, tem sua sede no Rio de Janeiro e uma unidade de
coordenação regional em Brasília, além de abarcar arquivos municipais,
estaduais e privados de relevância pública. Ao todo, são mais de 55 km de
documentos textuais, 1,74 milhão de fotografias e negativos, milhares de filmes
e outras relíquias disponíveis a pesquisadores e a qualquer cidadão, em formato
físico e digital.
Beatriz
Kushnir, pesquisadora e membro da Anpuh (Associação Nacional de História-RJ),
relembra que o Arquivo Nacional brasileiro é referência na área de arquivologia
em toda América Latina e enaltece a importância do órgão em sua trajetória
acadêmica.
“Desde 1981, eu recorro ao Arquivo Nacional
para fazer as minhas pesquisas, desde o doutorado até os pós-doutorados que fiz
depois. É, sem dúvida, uma instituição fundamental para qualquer pesquisador no
Brasil. Não existe um pesquisador no Brasil que não passe pelo Arquivo Nacional
durante a elaboração de seus trabalhos”, afirma.
Georgete
Rodrigues, que assim como Kushnir também possui vasta obra relativa ao período
da ditadura militar, também ressalta a particularidade da gestão brasileira
sobre o Arquivo Nacional, que é o vínculo institucional com Ministério da
Justiça e Segurança Pública.
“Na maioria dos países, esse órgão é
vinculado ao Ministério da Cultura, por essa forte carga histórica e cultural”,
pondera a pesquisadora que reforça o assédio de emissários do governo Bolsonaro
na “tentativa de dizer que não houve
tortura, que não houve ditadura, que se justifica uma comemoração pública de
1964”.
Rodrigues
acredita que a nomeação de Ricardo Borda D’Água Braga, por si só, já passa uma
mensagem clara e direta: “Colocar alguém
ligado à segurança é um processo intimidatório, tanto para os próprios
servidores do Arquivo Nacional como para quem pesquisa, como para dizer ‘olha
quem está tomando conta disso agora’”.
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Com informações do Brasil de Fato. Clique aqui e leia o texto completo.
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(FOTO/ Reprodução). |
"O grande valor do conceito de racismo
estrutural é a compreensão de que o racismo não é um desvio da estrutura, mas
sim, a própria estrutura. É a ética pela qual se fundamenta de maneira
estruturante as relações desiguais entre pessoas brancas e pessoas negras, ou
indígenas". A fala é de Bruna Rocha, doutoranda e mestra em
Comunicação e Cultura Contemporâneas, e CEO da plataforma Semiótica
Antirracista.
O
professor, fisósofo e doutor em Direito Silvio de Almeida, uma das referências
sobre o tema no país, define que “todo o
racismo é estrutural porque o racismo não é um ato, é um processo em que as
condições de organização da sociedade reproduzem a subalternidade de
determinados grupos que são identificados racialmente".
Para
entender as raízes do racismo estrutural no Brasil e como essa história começou
e se perpetua até os dias de hoje, de acordo com Silvio, é necessário revisitar
os períodos entre o século 16 ao século 19, em que foi instituída a escravidão,
marcada principalmente pela exploração forçada da mão de obra de negros e
negras sequestrados do continente africano e feitos de escravos pelos europeus
colonizadores no Brasil.
Os
mais de 300 anos de escravidão no Brasil, condição que só chegou ao término por
conta da resistência dos negros escravizados, somado ao interesse econômico
internacional, deixaram marcas profundas de desigualdade em todas as estruturas
de poder no país. Segundo o autor do livro "Racismo Estrutural", essa desigualdade orienta e conduz, até os
dias de hoje, as relações econômicas, sociais, culturais e institucionais do
país.
“O racismo estrutural não é só uma questão
moral, não é uma questão jurídica, não é uma questão somente econômica”,
ressalta Silvio, em conversa com a filósofa Djamila Ribeiro, disponível no
YouTube.
No
período pós-abolição, em 1888, pessoas negras não tiveram acesso à terra,
indenização ou reparo por tanto tempo de trabalho forçado. “Muitos permaneceram nas fazendas em que
trabalhavam em serviço pesado e informal. Foi a partir daí que se instalou a
exclusão de pessoas negras dentro das instituições, na política, e em todos os
espaços de poder”, complementa o jurista.
O
racismo estrutural também surge a partir de um pressuposto de superioridade de
raças, onde a raça ariana (branca) é colocada em posição de maior importância
em relação às outras, lembra “Fato que já
foi biologicamente derrubado pela ciência e, ainda assim, persiste o racismo
enquanto um processo histórico, que se baseia na opressão, na dominação e no
acesso desigual às oportunidades e direitos”, considera Bruna, a mestra em
Comunicação e Cultura Contemporâneas.
Racismo estrutural em números
Segundo
Bruna, a violência institucional ou do Estado, insegurança, criminalização dos
territórios, acesso ao mercado de trabalho e educação, em relações
interpessoais, na relação das pessoas negras com a cidade e até mesmo nas ruas
fazem parte do racismo estrutural. A
desigualdade racial no Brasil persiste devido a fragilidade de políticas
públicas para o seu enfrentamento. É o que diz o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com informações do instituto, os
negros representam 70% do grupo abaixo da linha da pobreza do Brasil.
Já a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Educação) mostra que
71,7% dos jovens fora da escola são negros, e apenas 27,3% são brancos. O mesmo
estudo demonstra a desigualdade de acesso à educação nos índices de
analfabetismo: 3,6% das pessoas brancas de 15 anos ou mais eram analfabetas em
2020, enquanto entre as pessoas negras esse percentual chega a 8,9%.
Quanto
à violência, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes
superior àquela de uma pessoa não negra. A taxa de homicídios por 100 mil
habitantes negros no Brasil em 2019 foi de 29,2, enquanto a da soma dos
amarelos, brancos e indígenas foi de 11,2, segundo os dados do Atlas da
Violência 2021.
“Muitas vezes ele [racismo] pode vir apenas
no olhar, em outras, em uma abordagem policial violenta. Pode vir num contexto
de fome, de pobreza, de viver em um território ou casa que não tenha condições
adequadas de sobrevivência, ou não ter acesso a lazer e cultura”, avalia
Bruna.
A
PNAD Contínua ainda aponta que o percentual de desemprego entre as pessoas
pretas em 2020 foi de 17,2%, enquanto a dos pardos foi de 15,8%, ambas acima da
média nacional (13,9%). Já a taxa dos brancos de (11,5%), ficou abaixo da
média. A taxa de desocupação de 2020 cresceu 1,62 ponto percentual em relação
ao ano anterior, mas entre pessoas pretas e pardas a alta foi maior, de 2,6 e
1,75 pontos percentuais, respectivamente.
Como combater o racismo estrutural?
No
Brasil, existem leis que protegem a população negra juridicamente. A
Constituição possui a Lei 7.716/1989, que torna inafiançável e imprescritível o
crime de racismo, e o Art. 140 do Código Penal abrange os delitos de injúria
racial. Contudo, de acordo com a doutora em Educação pela Universidade de São
Paulo (USP), Adriana Moreira, é necessário pensar em estratégias e instrumentos
para combater efetivamente o racismo estrutural na sociedade.
“Precisamos entender os motivos dos meninos
negros saírem mais cedo da escola do que os garotos brancos, por exemplo, ou
porque negros morreram mais na pandemia, ou porque a polícia atinge mais os
corpos negros do que os brancos. São questões fundamentais, que quando a gente
discute a estruturação dos processos, constrói a racionalização das
instituições e das relações institucionais e interpessoais, ajuda a pensar em
possibilidades de desfazer os processos”, argumenta Adriana.
A
ausência de negros e negras em cargos de lideranças nas maiores empresas do
país mostra que o racismo estrutural atua em diversas dimensões e camadas,
segundo a doutora Adriana. Ele estrutura a sociedade a partir da desvalorização
e restrição de oportunidades de pessoas negros a na ascensão social.
Uma
pesquisa do Centro de Liderança Pública (CLP), no entanto, aponta que seis
medidas fundamentais podem ser adotadas para minimizar os efeitos do racismo
estrutual no pais. O primeiro aspecto é reconhecer que o racismo é um problema
estrutural e, diante disso, adotar uma postura institucional antirracista. O
estudo mostra que a negação e naturalização do racismo são fatores que
contribuem para a sua perpetuação. Dito isso, a luta contra a desigualdade
racial não deve ser uma pauta exclusiva de um grupo formado por aqueles
diretamente afetados, "mas um
compromisso de todo e qualquer cidadão".
A
segunda medida eficaz, de acordo com a análise, é garantir representatividade
de raças e etnias nos espaços coletivos de decisão, como conselhos e órgãos
colegiados, a fim de deixar que as minorias nesses locais falem por seus
próprios interesses, sem a necessidade de porta-voz. Além disso, o CLP aponta a
promoção de atividades formativas com foco na redução de preconceitos e
estereótipos de raça como essencial para fomentar o conhecimento e diminuir a
desigualdade.
Outro
ponto é incluir a diversidade de raça como um critério para a ocupação de
cargos de liderança nas grandes empresas, criar programas de qualificação de preenchimento
e coleta de dados sobre a população negra em geral e falar de políticas
públicas transversais, a fim de enxergar que a realidade social é diversa e
complexa.
Em
termos práticos, de acordo com o estudo, uma política de redução de
disparidades de renda e redução da pobreza, por exemplo, precisa estar
associada a ações afirmativas em educação e de ampliação do acesso à saúde para
que seja efetiva. "Logo, é
necessário um olhar cuidadoso por parte dos gestores públicos e a atuação
integrada de diferentes setores do Governo".
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