Lula. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress). |
Independentemente
do resultado do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, pelo Supremo
Tribunal Federal, nesta quarta (4), ainda teremos um país na manhã seguinte.
Seria importante, portanto, que não agíssemos como se o mundo acabasse após a decisão.
Para
quem sofre de problemas crônicos de interpretação de texto, não estou sugerindo
panos quentes a nenhum dos lados. O debate deve ser feito com a gravidade e a
seriedade que o tema demanda. Mas as poucas pontes de diálogo que restaram após
o impeachment de Dilma Rousseff correm o risco de ruir nesse processo, abrindo
caminho para o inominável. Diálogo não significa conciliação ou ''acordão'',
mas tornar a convivência possível.
As
afirmações de generais de pijamas, de que podem promover um golpe militar caso os
resultados das eleições de outubro não sejam do seu agrado, não devem ser encaradas
como ameaças reais. Afinal, parte considerável das Forças Armadas opera, hoje,
dentro de parâmetros democráticos e encara essas declarações estapafúrdias da
mesma forma como vemos um tio descompensado no WhatsApp . da família. Mas o
espaço que se confere a elas e a consequente reverberação funcionam como um
termômetro do nível de respeito às instituições. Que anda baixo, muito baixo.
O
próprio Supremo, por sua ação e inação, é um dos responsáveis pela situação de
crise institucional que chegamos, ao dar pesos diferentes a crimes semelhantes
dependendo do réu, ao se calar quando precisávamos que reafirmasse a Constituição
Federal e por passar por cima da mesma Constituição quando bem quis. Por sua
covardia e fraqueza nos momentos em que foi chamado a garantir isonomia no
tratamento a diferentes grupos políticos à luz da lei, tornou-se cúmplice da zorra
que bate à sua porta.
Poderia
ter discutido, há muito tempo, a questão da possibilidade de execução
provisória da pena após condenação em segunda instância para todos os casos.
Mas esperou o processo de Lula cair à sua mesa como uma bigorna, criando tensão
para a corte e milhares de outros brasileiros que poderiam ser beneficiados se
voltasse o entendimento de prisão após trânsito em julgado.
Enquanto
isso, religiosos e parte da mídia inflamam a população, desumanizando o
adversário e transformando o jogo democrático em uma luta do bem contra o mal.
E políticos inflamam seus eleitores contra jornalistas, progressistas e
conservadores, por eles estarem divulgando fatos reais e não as opiniões que
convém a esses políticos. Como consequência, pessoas passam a desejar e a
festejar a morte daqueles que foram desumanizados e jornalistas sérios passam a
apanhar nas ruas porque cismam em não concordar que emoções superam provas.
Neste
momento, pessoas decretam a inutilidade não só do parlamento, mas também da
própria atividade política – que, teoricamente, deveria ser uma das mais nobres
práticas humanas. Outros solicitam que se encontre um ''salvador da pátria''
que nos tire das trevas, sem o empecilho de pesos e contrapesos.
Mas
isto é Brasil. E ao clamarem por messias, receberão o anticristo.
A
corrupção minou bastante a credibilidade de instituições. Mensalões,
Trensalões, Lavas-Jato e a maioria dos escândalos, que permanecem longe dos
olhos do grande público, foram relevantes. Mas a incapacidade da classe
política de garantir a proteção do emprego da população mais vulnerável e um
mínimo de segurança pública para tocar o dia a dia jogaram água no moinho da
antipolítica.
A
maior parte do povão, a maioria amorfa em nome do qual tudo isso é feito, mas
que raramente se beneficia do grosso do Estado, não foi às ruas nem pró, nem
contra Dilma Rousseff. Da mesma forma, não irá nem a favor, nem contra prisão
de Lula. Continua onde sempre esteve: trabalhando pelo bem-estar de uma minoria
e assistindo a tudo bestializado pela TV.
Nesse
contexto, ter opinião virou crime, defender um ponto de vista, delito, abraçar
uma ideologia, passível de morte. Ou, em outras palavras, ''fazer política é
escroto''. Ou, pior, caminho para o enriquecimento ilícito. Ou seja, espalha-se
a percepção de que quem se engaja na política, partidária ou não (porque muitos
fazem questão de resumir toda política à partidária), tem interesses financeiros.
Porque muita gente não consegue entender que a vontade de participar dos
desígnios da pólis não seja apenas por ganho pessoal.
Para
piorar, alguns grupos que viviam à sombra de partidos, de um lado e de outro do
espectro ideológico, mas principalmente entre os conservadores, se fortaleceram
no processo de impeachment. Os partidos e parte da imprensa acharam que estavam
reunindo as forças ao seu lado para a guerra. Agora, começaram a perceber que
podem sair desse caos como coadjuvantes. Transformados em milícias digitais que
operam perfis falsos e páginas voltadas à desinformação e manipulação, esse
pessoal não acredita no diálogo, apenas na porrada e na humilhação.
Gritar
tudo isso para a nossa bolha nas redes sociais também não resolve. Ou você
respira fundo e conversa com quem pensa de outra forma, promovendo a empatia
onde ela não existe e concedendo – nessa conversa – o mesmo tratamento que
confere aos seus amigos, ou continuaremos vendo exércitos se armarem de cada
lado para uma guerra em que apenas as baratas sobreviverão.
Meu
medo é que o ódio mútuo esteja consolidado de tal forma que as pessoas já não
sejam incapazes de perceber que a discussão não é entre esquerda e direita, mas
entre civilização e barbárie.
E,
após uma guerra nuclear, restem apenas as baratas.
Baratas
que podem se tornar a principal referência política. Baratas que podem ser
eleitas para o comando da República. Porque, se por um lado, são asquerosas,
por outro, são simples e resistentes.
Estavam
lá antes de nós e estarão muito depois de todos irmos embora. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).