26 de dezembro de 2016

Falta divã e sobra sociologia no debate político, diz historiador Leandro Karnal em entrevista


Leandro Karnal avisa que corrupção não é de esquerda nem de direita.  E que há gente demais que fala muito, ouve pouco e acredita que quem  tem opinião diferente da sua é idiota.

O final do ano chegou e, com ele, as temidas reuniões em família – quando a intolerância política vista nas redes se condensa em torno da mesa de jantar. Sobre os ânimos acirrados dos últimos anos, Leandro Karnal, professor, historiador e colunista do Estado, sentencia: “estamos precisando mais de divã do que de análises sociológicas”.


Para Karnal, em pessoas entusiasmadas em torno de boas bandeiras, como ética e redenção da política, esconde-se muito mais Freud do que sociologia. “É muito mais um sentimento pequeno burguês de reformar o mundo para ele ser digno de mim e de rejeição à própria ideia de país que um sentimento político de renovação”, afirmou em entrevista à repórter Julianna Granjeia. A seguir, trechos da conversa.

Estamos vivendo um momento de intolerância política, principalmente nas redes sociais. Como o senhor avalia isso? Por que na internet essa intolerância é tão visível?

A internet tem duas questões importantes: a facilidade da expressão da sua opinião ao custo de um clique. Mas a internet também tem a omissão do sujeito, que facilita muito porque você expressa a sua opinião e não tem um custo a esse respeito. Quem é o João da Silva que escreveu entre 700 mil na minha fanpage? Não sei. Talvez exista, talvez não, mas a internet dilui o eu e ao diluir o sujeito ela tem um poder enorme de deixar diluir todos fantasmas, todos os demônios interiores, todos os medos das pessoas, tudo aquilo que elas desejam e temem pode fluir melhor.

Por isso todos acham que podem opinar sobre tudo?

Sim, faz parte da nossa estrutura democrática desse momento que todos interpretem que a sua opinião é válida. O que está precisando realmente nesse momento é a capacidade de ler, interpretar e o desenvolvimento de uma arte de escutar. Todos querem dizer o que pensam e poucos querem aprender algo novo. Então, eu leio o autor X e eu acho que ele diz exatamente o que eu penso. Eu digo, então, que ele é ótimo. Eu leio o autor Y e ele diz o contrário do que eu penso, então, ele é péssimo, é um babaca, é um idiota. Eu julgo a capacidade argumentativa a partir do meu espelho e da minha identidade. É lógico que isso sempre ocorreu, mas hoje isso está muito a flor da pele. O debate não está inteligente e há poucas pessoas que de fato leem e interpretam. A frase que eu mais detesto nesse momento é o “ele me representa”.

Por quê?

Porque significa “ele é igual a mim”. É sempre um exercício narcísico de projeção de espelho, de especular. Eu acho que nós temos com os políticos essa relação. Os brasileiros odeiam em alguns políticos o que são e amam em alguns juízes e políticos o que gostariam de ser. Por isso que o ódio é tão intenso. Porque são exatamente a cara do Brasil, eles se comportam como todos os brasileiros. E como é tão insuportável essa visão da medusa, eu petrifico e digo que luto por um Brasil melhor, e canto o hino nacional dizendo que é uma luta pela ética, quando é uma recusa do que eu venho fazendo há anos como personagem, como cidadão, mas sem ter tanto poder como o político. Isso não quer dizer que não seja interessante protestar contra a falta de ética, mas quando você vê alguém berrando na TV com passionalidade, pensando com o fígado, como a gente diz, você entende que ali precisaria mais de divã do que de análise sociológica. E a política pública é um espaço que conduz às dores individuais. E as pessoas transferem para o palco tudo aquilo que as incomoda.

Como chegamos a esse estágio tão narcísico e individualista?

Tem coisas que são mundiais, não são brasileiras. Eu acho que tem a ver com o crescimento de uma determinada noção de infância que não pode mais ser contraditada. Tem a ver com o crescimento da noção de criança, a noção de criança que Rousseau, no Emilio, disse que é o pai do adulto, logo não posso contrariar, traumatizar. Tenho que agradar sempre, especialmente jovens de classe média e alta, que passam a infância sendo tratados como pessoas que não podem ter momentos dolorosos. A ideia de que o mundo seja um lugar bom, que ninguém seja punido, é uma grande fantasia que segundo um autor que é muito caro, o (Contardo) Calligaris, que é meu terapeuta, diz em um texto que como nós não temos mais crença na eternidade, nós transferimos para os filhos essa crença. Como eu não vou viver no paraíso, quem vai viver é o meu filho, contrariando a teoria freudiana que cultura é trauma. Quanto mais civilizado maior a negação do prazer e essa pulsão de morte.

O senhor costuma dizer que estamos condenado ao diálogo. Como conseguir dialogar em tempos de intolerância?

A condenação que eu digo é uma metáfora para que seria imperioso que nós ouvíssemos. Porque uma parte da população brasileira está convencida por A mais B e com provas evidentes que houve um golpe conservador que derrubou uma presidente inocente para se colocar no poder uma pessoa que tem um projeto conservador. E outra parte está convencida com evidências que derrubamos uma presidente Dilma corrupta e o PT e colocamos um outro projeto, e assim por diante. Vejam, é impossível viver se nós não fizermos as duas partes conversarem. É impossível, por exemplo, não levar em conta que a corrupção é ambidestra: ela não é de esquerda nem de direita. E isso dá para ser demonstrado com números. Nós temos em São Paulo uma inédita aprovação em primeiro turno de um prefeito ligado mais ao mercado do que à carreira política. Provavelmente no mundo inteiro nós teremos, durante os próximos anos, uma ênfase maior em candidatos conservadores.

Por que o conservadorismo aumentou?

Isso é fruto da crise econômica e também é fruto, no caso específico do Brasil, de um fracasso de manipulação de imagem da esquerda e de uma questão administrativa. Logo, cabe aos conservadores, ou à direita, mostrar se tem mais competência para levar adiante um projeto complexo.

Qual o seu palpite?

Eu acredito, pela tradição histórica, sem fazer profecia, que depois de quatro, cinco, seis ou mais anos, a direita estará com a mesma fama que a esquerda está hoje. Isso porque os problemas que nós temos são maiores que a posição política. Ou do que um mandato. Então veja, mal o prefeito eleito em São Paulo anuncia mudanças na Virada Cultural e já há uma chuva de artigos e de críticas a isso. Se ele cortar a Virada Cultural, haverá quem elogie a contenção de gastos, imperiosa nesse momento; se ele mantiver, haverá quem diga que isso é desperdício. Não há uma maneira de agradar a todo mundo, mas há uma maneira de ouvir mais as pessoas.

]É o que pressupões a democracia…

Sim, quando é eleito um prefeito, quando é eleito um governador ou um presidente, ele pode não ser o meu voto, mas ele é o eleito e isso significa que, a partir de primeiro de janeiro, o meu prefeito é o prefeito Dória. No caso, não posso nem dizer se votei ou não nele porque eu estava fora do Brasil quando ocorreu a eleição, mas ele é o meu prefeito e nós temos que aprender esse jogo democrático. É preciso aceitar que a minha vitória não é permanente, que o meu voto não é sempre o vencedor e que há outras posturas e que na nossa superstição numérica na democracia acreditamos que uma quantidade de votos corresponde à vontade da maioria e que essa vontade é soberana para isso. É um critério pavoroso e não achamos nenhum melhor até hoje. É um critério horroroso, é literalmente uma superstição numérica. O primeiro grande plebiscito da história tinha como um candidato Jesus, o filho de Deus, e o outro Barrabás. E o povo preferiu Barrabás e crucificaram Jesus. Esse foi o primeiro grande plebiscito que as massas se manifestarem livre e democraticamente sobre a política. As massas mantiveram essa tradição, de indicar o pior, mas o que você faria? Deixaria Pilatos decidir? Ou faria uma votação entre os 11 discípulos sobreviventes à Sexta-Feira Santa, já que Judas tinha se enforcado naquela madrugada? Como diz Churchill, o pior dos sistemas: a democracia. A democracia é um horror e não temos nada melhor. É uma coisa interessante isso, é uma escolha de Adão, Eva ou nada.

O STF vem sendo chamado a decidir cada vez mais questões da nossa democracia. O que o senhor acha dessa judicialização?

É um horror. O fato de nós termos no STF debates sobre problemas de trânsito é um absurdo. Isso tem que terminar. A Suprema Corte nos Estados Unidos é uma instituição que decide a interpretação de uma Constituição muito vaga, que é a Constituição de 1787. A nossa Constituição é muito mais precisa que a americana e a Suprema Corte dos Estados Unidos tem menos processos que o nosso STF. Os ministros do Supremo, independente da opinião que eu possa ter sobre eles, estão submetidos a uma pressão enorme, à uma quantidade desumana de processos, e não é possível dar uma opinião válida sobre tantos processos.

O senhor acha que está havendo uma confusão entre os poderes?

Sim, nós precisamos reler Montesquieu. Os poderes estão divididos. O Ministério Público propôs as dez medidas contra a corrupção, e tem plena liberdade legal para fazer o que todo cidadão pode fazer, que é propor leis para o Congresso. Mas quem vota as leis é o Congresso, não o Ministério Público. Não concordei (com esse processo), como eu também não concordei com algumas medidas que foram feitas na calada da noite pelo Congresso, mas isso faz parte da democracia.

O que o senhor acha do descrédito da população com a política?

Me preocupa muito. O Legislativo é sempre a alma e o coração da democracia. Quando as pessoas falam “fecha o Congresso, intervenção militar”, elas estão combatendo o incêndio com querosene. Elas precisam reforçar o Congresso e não podem jogar fora a criança com a água do banho. O fato de haver congressistas podres, corruptos e ineptos – muitos – não invalida nem a ideia do Legislativo, nem da democracia e nem as funções que cada um dos poderes tem. O Executivo está lançando projetos de lei em excesso, a Suprema Corte está decidindo sobre leis que deveriam ser decididas pelo Congresso e o Congresso está não reconhecendo medidas da Suprema Corte. Ou seja, é preciso que todos releiam Montesquieu. Uma das almas da democracia são os três poderes mutuamente dependentes e soberanos. Mutuamente separados e dependentes um do outro.

Como o senhor vê quando a população lança um juiz à presidência ou trata como super herói?

O sebastianismo é uma característica da nossa política, que vem ao lado de um messianismo. É preciso que os militares venham para acabar com tudo que os outros não acabaram, é preciso que a democracia venha, é preciso que Lula volte para colocar o Brasil nos eixos, outros propõe que é Fernando Henrique e, admire você, na minha página, tem campanha Leandro Karnal para presidente. Ou seja, nós estamos em um momento muito escasso de heróis. O que aparecer no mercado e não babar verde está indo. É o sinal mais evidente de que nós estamos descrentes do processo democrático e que queremos xerifes que pareçam éticos para impor a vontade daquilo que eu considero o correto.

Por que isso ocorre?

A nossa corrupção está fazendo as pessoas imaginarem que virá do horizonte alguém que irá nos salvar. E não virá. Não virá. Um juiz Moro, usando como fantasia distópica, assumindo o poder sem o controle de uma máquina partidária, não terá nenhuma base no Congresso. Resultado: ele repetirá um pouco Collor com seu partido surgindo do nada, incapaz de dialogar com o Congresso. As soluções têm que ser coletivas e é preciso se dar conta que não depende de uma pessoa só, mesmo que ela seja honesta e competente. Depende de uma transformação do sistema. Não existe nenhum obstáculo e nenhuma antipatia na candidatura do Moro. A minha antipatia é com o sebastianismo. O que tornou Portugal um país subdesenvolvido durante tanto tempo é a crença de que a força viria de fora, de uma salvação externa, de um Dom Sebastião.

Herdamos o sebastianismo dos nossos colonizadores?


Sim. Herdamos a ideia de que vai chegar um salvador, que ora pode encarnar em Collor, ora pode encarnar em Lula, ora pode encarnar nos militares, ora em um juiz. A minha resistência não é onde encarna, mas se as pessoas de fato se dão conta que nem o homem mais brilhante do Brasil, o mais probo, o mais ético, o menos venal seria capaz de sozinho resolver essa questão. Aí, a democracia tem que corresponder à concepção política atual, porque se não eu estaria impondo a minha vontade pretensamente mais esclarecida, pretensamente mais ilustrada que a dos outros para importar a ideia de um governo de filósofos. Foi tentada por Platão e foi um desastre. Porque ser um administrador não é exatamente alguém que conheça grego, alemão ou Platão. Infelizmente, com muita frequência, as pessoas notadamente honestas são absolutamente incompetentes. E, algumas vezes, o mal, muito mais carismático.

Leandro Karnal. Foto: Iara Morselli/Estadão.

25 de dezembro de 2016

Questões de Classe, direitos ameaçados e a trincheira dos trabalhadores




O Brasil começou a se democratizar com a Consolidação das Leis de Trabalho. No período que antecedeu a chegada de Getúlio Vargas ao poder, o presidente até hoje venerado pela elite paulista, Washington Luis (1926-1930), se notabilizou por frequentemente afirmar que "a questão social é questão de polícia".
Por Emir Sader, na RBA

A passagem para o período sob gestão de Getúlio foi notável, não apenas pelo começo do reconhecimento dos direitos da classe trabalhadora, mas também na forma de se dirigir aos brasileiros, chamando-os de "trabalhadores do Brasil".

Concomitantemente o Estado foi assumindo responsabilidades para garantir os direitos da classe trabalhadora, como a criação de ministérios como o do Trabalho e da Saúde, além de instituir a Previdência Social e a Justiça do Trabalho.

Naquele momento, o mercado deixava de ser o encarregado, junto com a polícia, de tratar das questões sociais.

Getúlio nunca foi perdoado por isso. Mesmo desenvolvendo uma política que promoveu a projeção da burguesia industrial como setor hegemônico na economia, nunca foi aceito por esta.

Um líder que encontrava sua legitimidade e as sucessivas vitórias eleitorais no apoio dos trabalhadores organizados em sindicatos, era visto por essa elite como seu maior adversário, a quem sempre combateu, desde o seu surgimento, em 1930, até sua morte, em 1954.

E essa elite seguiu combatendo o getulismo até o golpe de 1964, que interveio e destruiu a estrutura sindical para promover o arrocho salarial, o santo do "milagre econômico" da ditadura.

Mas a Consolidação das Leis do Trabalho sobreviveu a tudo isso, como conjunto de leis que garantem um mínimo de respeito e observância dos direitos da classe trabalhadora.

FHC pregou fortemente contra a CLT, estigmatizada como responsável por níveis de investimento empresarial abaixo do potencial, que se daria pelo suposto alto custo da força de trabalho.

O governo Lula e os que o seguiram até este ano provaram que nada disso é verdade. Que é perfeitamente possível promover um ritmo alto de crescimento economico com garantia dos direitos dos trabalhadores, a criação de dezenas de milhões de empregos com carteira assinada e a elevação do salario mínimo com ganhos reais em torno de 70% acima da inflação. Desmoralização cabal das mentiras sobre a CLT.

Atualmente porém, o governo Temer, surgido do golpe e pautado pela revanche contra os direitos adquiridos e consolidados nos governos do PT, retoma a mesma cantilena para criminalizar a CLT, os sindicatos e a luta dos trabalhadores. Como se os gastos com salário tivessem algum peso importante no preço final das mercadorias.

Volta-se aos tempos do ícone da elite paulista, Washington Luis – "a questão social é questão de polícia" –, de desreconhecimento dos direitos dos trabalhadores, de tentativa de enfraquecer a CLT, de promover semanalmente novas iniciativas que atentam contra as condições mínimas de dignidade das jornadas de trabalho. Diminuir a hora de trabalho de almoço, sob a alegação de que seria excessiva e dizendo que os trabalhadores podem comer um sanduíche com uma mão, enquanto operam a máquina com a outra.

Enquanto isso, na região da Avenida Paulista, nas proximidades da Fiesp, de onde é diretor o autor dessa barbaridade, eles almoçam lautamente, todos os dias, por duas horas e meia.

Como em todo regime que rompe com a democracia, os direitos dos trabalhadores são vítimas preferenciais. Busca-se criar as condições mais favoráveis à super exploração do trabalhador e à degradação das condições de trabalho. Expulsam milhões de trabalhadores da esfera dos contratos formais, protegidos pela CLT, para que sobrevivam em condições precárias, na informalidade e sem direitos. Formas cada vez mais selvagens do tal banco de horas, em que o trabalhador ficaria totalmente à disposição dos empresários, para trabalhar jornadas extenuantes, se o capital precisar, para depois ficar tempo longo sem trabalho.

Em torno da defesa da CLT, das condições básicas de trabalho, da luta contra o desemprego, se joga, em grande parte, o sucesso ou o fracasso do governo do golpe e do próprio golpe.

É hora de convencer setores cada vez mais amplos de trabalhadores de que sua trincheira indispensável de luta é o sindicato, para se defender da ofensiva diária contra a sua dignidade, para derrotar o governo golpista e sua tentativa de vingança contra o direito dos trabalhadores.

Precarização e informalidade são os resultados das ofensivas do governo
Temer sobre a proteção aos direitos dos trabalhadores e demanda união
para a luta por sua defesa.

24 de dezembro de 2016

A história real do natal que se tornou a maior festa religiosa dos cristãos


Origens pagãs

Quando buscamos a verdadeira história do Natal, acabamos diante de rituais e deuses pagãos. Sabemos que Jesus Cristo foi colocado numa festa que nada tinha haver com Ele. O verdadeiro simbolismo de Natal oculta transcendentes mistérios. Esta festividade tem sua origem fixada no paganismo. Era um dia consagrado à celebração do “Sol Invicto”. O Sol tem sua representação no deus greco-romano Apolo e, seus equivalentes entre outros povos pagãos são diversos: Ra, o deus egípcio, Utudos na Babilônia, Surya da Índia e também Baal e Mitra.

Por Lealcy B. Júnior, no Ceticismo

Mitra era muito apreciado pelos romanos, seus rituais eram apenas homens que participavam. Era uma religião de iniciação secreta, semelhante aos existes na Maçonaria. Aureliano (227-275 d.C), Imperador da Roma, estabeleceu no ano de 273 d.C., o dia do nascimento do Sol em 25 de dezembro “Natalis Solis Invcti”, que significava o nascimento do Sol invencível. Todo O Império passou a comemorar neste dia o nascimento de Mitra-Menino, Deus Indo-Persa da Luz, que também foi visitado por magos que lhe ofertaram mirra, incenso e ouro. Era também nesta noite o início do Solstício de Inverno, segundo o Calendário Juliano, que seguia a “Saturnalia” (17 a 24 de dezembro), festa em homenagem à Saturno. Era portanto, solenizado o dia mais curto do ano no Hemisfério Norte e o nascimento de um Novo Sol. Este fenômeno astronômico é exatamente o oposto em nosso Hemisfério Sul.

Estas festividades pagãs estavam muito arraigadas nos costumes populares desde os tempos imemoráveis para serem suprimidas com a advento do Cristianismo, incluso como religião oficial por Decreto por Constantino (317-337 d.C), então Imperador de Roma. Como antigo adorador do Sol, sua influência foi configurada quando ele fez do dia 25 de dezembro uma Festa Cristã. Ele transformou as celebrações de homenagens à Mitra, Baal, Apolo e outros deuses, na festa de nascimento de Jesus Cristo. Uma forma de sincretismo religioso. Assim, rituais, crenças, costumes e mitos pagãos passam a ser patrimônio da “Nova Fé”, convertendo-se deuses locais em santos, virgens em anjos e transformando ancestrais santuários em Igrejas de culto cristão. Deve-se levar em consideração que o universo romano foi educado com os costumes pagãos, portanto não poderia ocorrer nada diferente.

Todavia, o povo cristão do Oriente, adaptou esta celebração para 6 de janeiro, possivelmente por uma reminiscência pagã também, pois esta é a data da aparição de Osíris entre os egípcios e de Dionísio entre os gregos.

Jesus, o “Filho do Sol”

No quociente Mitraísmo/Cristianismo se observa surpreendentes analogias. Mitra era o mediador entre Deus e os homens. Assegurava salvação mediante sacrifício. Seu culto compreendia batismo, comunhão e sacerdotes. A Igreja Católica Romana, simplesmente “paganizou” Jesus. Modificou-se somente o significado, mantendo-se idêntico o culto. Cristo, substituiu Mitra, o “Filho do Sol”, constituindo assim um “Mito” solar equivalente, circundado por 12 Apóstolos. Aliás, curiosa e sugestivamente, 12 (n. de apóstolos), coincide com o número de constelações. Complementando as analogias astronômicas: a estrela de Belém seria a conjunção de Júpiter com Saturno na constelação do ano 7 a.C, com aparência de uma grande estrela.

Nova Ordem

Uma nova ordem foi estabelecida quando o decreto de Constantino oficializa o Cristianismo. Logo, livres de toda opressão, os que então eram perseguidos se convertem em perseguidores. Todos os pagãos que se atrevessem a se opor as doutrinas da Igreja Oficial eram tidos como hereges e dignos de severo castigo.

Culto às “Mães Virgens”

No Antigo Egito, sempre existiu a crença de que o filho de Ísis (Rainha dos Céus), nasceu precisamente em 25 de dezembro. Ísis algumas vezes é “Mãe”, outras vezes é “Virgem” que é fecundada de maneira sobrenatural e engravida do “Deus Filho”.

Tal culto à “Virgem” é encontrado entre os Celtas, cujo a civilização, os druídas (sacerdotes), praticam o culto baseado em um “Deus Único”, “Una Trindade”, a ressurreição, a imortalidade da alma e uma divindade feminina: uma “Deusa-Mãe”, uma “Terra-Mãe” e uma “Deusa Terra” também virgem, que se destinava a dar à luz a um “Filho de Deus”.

Este culto as “Deusas Virgens-Mães” está reiterado em muitas religiões e mitologias, inclusive civilizações pré-colombianas, como em numerosas mitologias africanas e em todas as seitas iniciáticas orientais.

A reconfortante imagem do arquétipo “MÃE” é primordial para existência humana. Este arquétipo pode assumir diversas formas: deusas, uma mãe gentil, uma avó ou uma igreja. Associadas a essas imagens surgem a solicitude e simpatia maternas, o crescimento, a nutrição e a fertilidade.

Culto ao “Deus-Herói”

Como afirmei, a concepção de uma “Rainha dos Céus” que dá à luz a um “Menino-Deus” e “Salvador” corresponde a um arquétipo básico do psiquismo humano e tem sua origem nos fenômenos astronômicos. Enviado por um “Ser Supremo”, que é o PAI, o FILHO assume suprimindo o PAI, como acontece em todas as sagas gregas, indo-européias e diversas culturas. Coincidentemente, existe um padrão constante que quase sempre expressa o mesmo propósito: fazer do FILHO um HERÓI, que cumpre o mandato do PAI, sucedendo-o. Este HERÓI se faz causa de um ideal primeiro que se move ao longo da História como MODELADOR de uma cultura.

A versão do nascimento e infância de Jesus é uma repetição da história de muitos outros Salvadores e Deuses da humanidade. Ilustra bem a figura do “Arquétipo Herói”, comuns em qualquer cultura e que seguem sempre a mesma fórmula. Nascidos em circunstâncias misteriosas, logo exibe força ou capacidade de super-homem, triunfa na luta contra o mal e, quase sempre, morre algum tempo depois.

Este arquétipo reflete o tipo de amadurecimento sugerido pelos mitos: nos alerta para ficarmos atentos as nossas forças e fraquezas internas e nos aponta o conhecimento como caminho para se desenvolver uma personalidade saudável.

“Anexo a nossa consciência imediata”, escreveu Carl Jung, “existe um segundo sistema psíquico de natureza coletiva, universal e impessoal, que se revela idêntico em todos os indivíduos”. Povoando este inconsciente coletivo, afirmava, havia o que chamava de “arquétipos”, imagens primordiais ou símbolos, impressos na psique desde o começo dos tempos e, a partir de então, transmitidos à humanidade inteira. A MÃE, o PAI e o HERÓI com seus temas associados, são exemplos de tais arquétipos, representados em mitos, histórias e sonhos.

Eis que nasce Papai Noel

Com o passar do tempo, de gerações que foram sucedendo-se, veio o esquecimento e nem Mitra, nem Apolo ou Baal faziam mais parte do panteão de algum povo. Acabou restando somente símbolos: a árvore, a guirlanda, as velas, os sinos e os enfeites. Até que no séc. IV, mais exatamente no ano de 371, uma nova estrela brilha em nosso céu e na Terra nasce Nicolau de Bari ou Nicolau de Mira. A generosidade a ele atribuída granjeou-lhe s reputação de mágico milagreiro e distribuidor de presentes. Filho de família abastada, doou seus bens para os pobres e desamparados. Entretanto, tecia um grande amor pelas crianças e foi através delas que sua lenda se popularizou e que Nicolau acabou canonizado no coração de todas as pessoas.

No fim da Idade Média, ainda “espiritualmente vivo”, sua história alcançou os colonos holandeses da América do Norte onde o “bom velhinho” toma o nome de “Santa Claus”. Ao atravessar os Portais do Admirável Mundo, muito sobre o que ele foi escrito lhe rendeu vários apelidos, como: “Sanct Merr Cholas”, “Sinter Claes” ou “Sint Nocoloses”, e é considerado sempre como padroeiro das crianças.

O Papai Noel Ocidental

Até aproximadamente 65 anos atrás o Papai Noel era, literalmente, uma figura de muitas dimensões. Na pintura de vários artistas ele era caracterizado ora como um “elfo”, ora como um “duende”. O Noel-gnomo era gorducho e alegre, além de ter cabelos e barbas brancas.

No final do século XIX, Papai Noel já era capa de revistas, livros e jornais, aparecendo em propagandas do mundo todo. Cartões de Natal o retrataram vestido de vermelho, talvez para acentuar o “espírito de natal”. A partir daí o personagem Papai Noel foi adquirindo várias nuances até que em 1931 a The Coca-Cola Company, contrata um artista e transforma Papai Noel numa figura totalmente humana e universalizada. Sua imagem foi definitivamente adotada como o principal símbolo do Natal.

A imagem do Noel continuou evoluindo com o passar dos anos e muitos países contribuíram para sua aparência atual. O trenó e as renas acredita-se que sejam originárias da Escandinávia. Outros países de clima frio adicionaram as peles e modificaram sua vestimenta e atribuíram seu endereço como sendo o Pólo Norte. A imagem da chaminé por onde o Papai Noel escorrega para deixar os presentes vieram da Holanda.


Hoje, com bem mais de 1700 anos de idade, continua mais vivo e presente do que nunca. Alcançou a passarela da fama e as telas da tecnologia. Hoje o vemos em filmes, shoppings, cinemas, no estacionamento e na rua. Ao longo desses dezessete séculos de existência, mudou várias vezes de nome, trocou inúmeras de roupa, de idioma e hábitos, mas permaneceu sempre a mesma pessoa caridosa e devotada às suas crianças. E, embora diversas vezes acusado de representar um veículo que deu origem ao crescente consumismo das Festas Natalinas, é preciso reconhecer que ele encerra valores que despertam, revivem e fortalecem os nossos sentimentos mais profundos. Sua bondade é tão contagiante que atinge tipo “flecha de cupido”, qualquer pessoa, independente de crença ou raça, o que evidencia a sua magia e seu grande poder de penetração no mundo.

Para Globo aumento da exploração é sinônimo de “modernização da lei”



Michel Temer, rejeitado por 77% dos brasileiros segundo pesquisa Ipsos divulgada nesta sexta-feira, ainda se mantém no poder graças à Globo. O grupo de comunicação da família Marinho é hoje a sua principal base de sustentação política.
Do 247

Nesta sexta-feira, a manchete do jornal O Globo foge do padrão noticioso. Em vez de simplesmente noticiar a reforma trabalhista proposta por Temer, o periódico celebra mudanças que, supostamente, modernizam as leis trabalhistas e fortalecem os sindicatos.

Entre as mudanças sugeridas estão a possibilidade de uma jornada de 12 horas diárias, os contratos temporários de quatro meses e a prevalência do negociado sobre o legislado – o que significa que acordos entre patrões e empregados, mesmo se estiverem abaixo do que prevê a lei, não poderão ser questionados na Justiça do Trabalho.

São propostas que, evidentemente, favorecem o capital em detrimento do trabalho. Empregadores poderão contratar funcionários sem direitos trabalhistas por mais tempo, poderão ampliar jornadas e terão espaço para reduzir obrigações trabalhistas se os empregados concordarem – o que, em tempos de recessão, é plausível que ocorra.

Trata-se, portanto, do fim da Consolidação das Leis do Trabalho, que permitirá a Temer realizar um sonho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: enterrar a era Vargas.

A isso, o Globo dá o nome de modernização. Embora as mudanças tenham sido apontadas pela Central Única dos Trabalhadores, maior central sindical do País, como autoritárias, inoportunas e ineficazes (leia aqui), o jornal dos Marinho também fala em fortalecimento dos sindicatos.





23 de dezembro de 2016

TSE afirma que se Temer Cair, o povo é quem escolhe na eleição direta em 2017


Se a chapa da presidente cassada Dilma Rousseff e do presidente Michel Temer for cassada no processo que tramita no Tribunal Superior Eleitoral, os brasileiros serão convocados para comparecer às urnas novamente e escolher o próximo mandatário do País — em 2017 ou mesmo no primeiro semestre de 2018.

Diferentemente do que vem sendo falado, a previsão é de eleições diretas nesse caso. Ao HuffPost Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral afirmou que, caso haja "decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário”, serão convocadas novas eleições no prazo de 20 a 40 dias.

A eleição só será indireta se o registro for cassado nos últimos seis meses do mandato. Essa regra foi estabelecida na minirreforma eleitoral aprovada pelo Congresso Nacional em 2015.

O tribunal destacou, contudo, que se a cassação do mandato do presidente não ocorrer por decisão da Justiça Eleitoral, aplica-se o art. 81 da Constituição Federal. Nesse caso, vale eleição indireta:

Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita 30 dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei”, diz a Carta Magna.

Dúvidas

Embora a regra esteja no Código Eleitoral e na Constituição, ela gera dúvidas. Líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE) protocolou uma consulta no TSE para saber quem elegerá o novo presidente, caso a chapa Dilma-Temer seja cassada.

Integrantes do governo apostam em eleições indiretas, pois acreditam que a Constituição se sobrepõe ao Código Eleitoral.

Para deixar o texto claro, o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) apresentou uma proposta de emenda à Constituição que estabelece eleições diretas no caso de vacância do cargo. Ele diz que esse é um pleito do povo.

A base governista tem trabalhado para manter a emenda parada na CCJ. O argumento é de que a proposta é “inadequada” para o momento. O deputado Carlos Marun (PMDB-MS) é um dos que chamam a matéria de “casuísmo”.

Nos bastidores, aqueles que acreditam que o governo Temer “já acabou” trabalham para emplacar, por eleições indiretas, nomes como o do ex-ministro Nelson Jobim ou até mesmo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Lava Jato

A chapa Dilma-Temer é investigada no Tribunal Superior Eleitoral por possíveis irregularidades na prestação de contas.

A delação da Odebrecht pode deixar o presidente Temer em situação ainda mais delicada. Isso porque, segundo o Estado de S. Paulo, foi relatado que a empreiteira fez uma doação ilegal de cerca de R$ 30 milhões à coligação reeleita em 2014.

Ciente dos problemas envolvendo a chapa, Temer pediu em abril ao TSE para separar as responsabilidades e, automaticamente, desvincular as contas de Dilma Rousseff. Em setembro, o tribunal informou à Polícia Federal, em um caso relacionado às contas de 2010, que os dois integrantes da chapa são responsáveis "solidários" pela prestação do que foi arrecadado e gasto.

ATUALIZAÇÃO:

Após grande repercussão desta reportagem, a assessoria do TSE entrou em contato para informar que há duas legislações possíveis para esta questão. Entretanto, a assessoria técnica do TSE afirmou ao HuffPost Brasil, no último dia 12, que o texto da minirreforma eleitoral que prevê a eleição direta até antes dos últimos seis meses dos mandato está “em plena vigência”.

À reportagem, o TSE ainda fez a seguinte ressalva: "No entanto, é preciso observar se a cassação do Presidente da República se deu por decisão da Justiça Eleitoral. Se não, aplica-se o art. 81 da Constituição Federal”.




22 de dezembro de 2016

Jesus da comunhão versus Papai Noel do mercado



Minha família não fugiu a regra da maior influência religiosa do país. Cresci em meio a pobreza e aos valores católicos que, contraditoriamente à vida, valorizavam essa pobreza. E no Natal, marco maior da crença, dividir o pão, comungar o momento, os alimentos e o desejo coletivo de felicidade e melhores dias, me marcaram profundamente.

Por Douglas Belchior, no Blog Negro Belchior


Mais tarde, na práxis da vida real, a religião virou pó. Mas alguns de seus valores não.

Que o Natal sirva, ao menos, para lembrar o quanto melhor seria o mundo, se nosso bem fazer, se nosso bem querer se estendesse para além do umbigo e dos desejos materiais tão eficientemente encarnado pelo fantasioso Papai Noel.

Que o espírito de Jesus, homem com pés da cor de bronze queimado, com pele da cor de jaspe e sardônio e com cabelos feito lã de cordeiro, nos fortaleça em nossa luta diária pela tal justiça, tão desejada entre nós!


E que sejamos felizes, o quanto for possível, apesar dos pesares, tão bem colocados por Frei Betto na entrevista a seguir.


Asè!

Mercado procura obscurecer Jesus e impor Papai Noel no Natal

Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto, vive no convento de ordem dominicana, em Perdizes. Autor de 53 livros, já ganhou o Prêmio Jabuti pelas obras “Batismo de Sangue” e “Típicos Tipos – perfis literários”.

Por Guilherme Almeida, no Brasil de Fato

 Adepto da Teologia da Libertação, é um grande defensor dos direitos humanos no Brasil e uma das maiores vozes em favor dos movimentos populares. Foi assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2003 e 2004, e coordenou o programa Fome Zero. Desde de que professou na Ordem Dominicana, em 1966, acompanha as mudanças na Igreja Católica.

Em entrevista concedida ao Brasil de Fato SP, Betto elogia o Papa Francisco, analisa as mudanças no Vaticano e a crise da Igreja Católica no Brasil. Ele demonstra preocupação com o processo de “confessionalização da política”.

Qual é sua avaliação sobre o Papa Francisco?

Foi uma grande novidade a eleição do [Jorge Mario] Bergoglio. É um latino-americano e tem muita sensibilidade pela questão social. Realmente, seus primeiros passo são positivos. Começou uma reforma da Igreja de cima pra baixo, o que corresponde à estrutura piramidal da Igreja Católica. Foi um fato praticamente inédito a renúncia do Bento XVI. E ele deixou o cargo deixando claro as razões. Disse que havia uma esquema de corrupção na Igreja, que precisava ser combatido mas que não tinha forças.

O que mudou com o novo Papa?

Ele abandonou uma série de símbolos que eram da nobreza, como a capa, o sapato vermelho e a cruz de ouro. Abandonou títulos derivados muito mais do Império Romano do que da tradição cristã como sumo pontífice. Também é interessante o fato dele preferir morar na Casa de Santa Marta, que é uma casa de hóspedes, com um refeitório usado pelo pessoal que trabalha no Vaticano, largando a residência pontifícia.

Houve alterações na estrutura da Igreja?

Agora, ele nomeou uma comissão de oito cardeais de cinco continentes para estudar a reforma da cúria, mas só saberemos o resultado no fim de janeiro. O novo Papa deu sinais também de querer reformar ou até erradicar o Banco do Vaticano, que oficialmente tem o nome de Instituto de Obras Religiosas. Os fundamentalistas de direita dentro da Igreja começam a ficar preocupados.

O que essas modificações apontam?

Deslocam o debate dentro da Igreja do pessoal para o social. Abre-se pistas para uma nova teologia, principalmente a respeito da moral sexual, que é um tema congelado dentro da Igreja desde o século 16. Acentua-se também a questão da opção pelos pobres e a denúncia da desigualdade social.

Qual é o principal desafio da Igreja agora?

O desafio principal está na questão dos ministérios, da ordenação de mulheres e na moral sexual. A questão financeira também é importante, porque há corrupção, mas não é prioritário. O mais urgente é a Igreja se abrir para a pós-modernidade. Portanto, rever questões como o celibato, ordenação de mulheres, patriarcalismo, volta ao ministérios sacerdotal dos padres casados. Quando o Papa fala que a Igreja precisa de uma Teologia da Mulher, está abrindo portas para uma reflexão. Estamos mais perto dessa abertura do que com os pontificados anteriores. Passamos praticamente 35 anos de pontificados conservadores. Agora existe muita esperança de melhora.

Você fala em diferentes teologias dentro da mesma religião. O que isso significa?

Tudo depende da Teologia que os agentes pastorais assumem, aqueles que animam a comunidade. Se é uma Teologia fundamentalista, reacionária, ou se é uma teologia da libertação, que coloca todos nós, cristãos, como discípulos de um prisioneiro político. Jesus não morreu de hepatite na cama nem em um desastre de camelo em uma esquina de Jerusalém.

A morte de Jesus tem um significado…

Ele foi preso e torturado, julgado com dois presos políticos e condenado a pena de morte dos romanos. Que fé os cristãos tem hoje que não questionam essa desordem estabelecida? A fé de Jesus o levou a ser considerado subversivo, portanto, uma ameaça para a desordem estabelecida. Aí ele foi eliminado. Não é nem questão de politizar a história, é retomar o passado como realmente foi.

O Natal é um exemplo história religiosa que mudou de sentido?

O que é o Natal? Um casal de Nazaré, Maria e José, vão para Belém. Lá são rejeitados e convocados pelo recenseamento do Império Romano. Tem várias hipóteses de por quê eles foram rejeitados. A minha é que foram rejeitados porque Maria chegou grávida e eles não estavam oficialmente casados. Então, eles literalmente ocuparam uma terra privada. Eu costumo brincar que, no dia seguinte, o “Diário de Belém” deve ter dado a manchete: Família de sem-terra ocupa propriedade rural. Jesus nasceu em um curral. Isso é muito simbólico. Na época de Jesus, quem lidava com animais, como o açougueiro, era socialmente rejeitado. Está lá na Bíblia visivelmente. Mas muita gente não tem olhos pra ver.

Mesmo com esse pano de fundo, por que o Natal se transformou em um feriado de troca de presentes?

A data tem um sentido religioso muito forte e é muito sedutora do ponto de vista de seu simbolismo. O mercado procura cada vez mais obscurecer a dimensão de Jesus de Nazaré e impor o Papai Noel, que tinha originalmente a cor verde. A Coca-Cola impôs a cor vermelha. Isso é histórico. Há uma ‘Papainoelização’ que transforma o Natal em uma festa do consumo.

O que você indica para retomar o sentido original?

Eu tenho dito a muitos casais que têm sensibilidade religiosa e filhos pequenos que tenham muito cuidado. Temos que resgatar a espiritualidade e do sentido religioso da festa. Se não vamos entrar no grande paradigma da pós-modernidade, que pode ser o mercado e não a solidariedade. A religião foi um paradigma medieval. A razão foi o paradigma moderno.

E agora?

O mercado quer se impor na pós-modernidade. É a mercantilização de todas as dimensões da vida. Isso já ocorre fortemente nas duas grandes datas cristãs, que são o Natal e a Semana Santa. Essa última virou miniférias. Poucos se lembram que é a celebração da morte e ressurreição de Jesus.

O Brasil passou e ainda passa por um processo de diversificação de religiões. Em números absolutos, mais pessoas se declaram de diferentes religiões, diferentes da católica. O que você pensa disso?

Eu não acho nem negativo nem positivo. Como católico, eu faço autocrítica. A Igreja Católica vem perdendo terreno pela sua incapacidade de se adaptar aos tempos atuais. Eu gostaria que essa mensagem, do ponto de vista cristão da Teologia da Libertação, tivesse muito mais incidência na sociedade.

Por quê?

Quando a Teologia da Libertação e as comunidades eclesiais de base eram bem vindas na Igreja Católica, havia muito maior número de católicos. Com a repressão e marginalização, houve uma colonização dos movimentos carismáticos e espiritualistas. Aí começou um esvaziamento da Igreja. É o caso de perguntar: é esse o caminho, já que a Igreja está se esvaziando?

A consequência é a multiplicação de novas religiões…

Temos um pluralismo religioso que questiona profundamente a Igreja Católica. E isso é muito positivo. Não dá pra competir com as igrejas evangélicas, que formam um pastor em oito meses. Na Igreja Católica, é preciso oito anos: quatro de filosofia, quatro e teologia e ainda a heroica virtude do celibato. Não dá pra competir. Na minha opinião, nem se trata de competição ou de uma disputa. A Igreja Católica está sendo questionada e levada a rever seus métodos de evangelização, o perfil como instituição e o trabalho dos ministros. Tudo tem que ser profundamente revisto.

Você acha que existe clima para uma revisão dessa magnitude dentro da instituição?

Com Francisco, sim. Ele está aberto a essa revisão profunda, com tudo aquilo que tem dito. Eu tenho muito otimismo. Agora, as coisas na Igreja são lentas e a instituição tem uma estrutura muito pesada. Não tenho esperança que isso aconteça muito depressa. Mas será desencadeado um processo novo de renovação da Igreja.

Como você vê a representação política de grupos religiosos na política? Você considera nocivo para a democracia uma figura religiosa disputar um espaço político?

Não, a figura religiosa pode participar, sem desrespeitar o pluralismo religioso e querer transformar a sua concepção religiosa em lei universal a ferro e fogo. Foi o que aconteceu com o deputado que foi eleito para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e dos Deputados [referência ao pastor da Igreja Assembleia de Deus Marcos Feliciano] na questão da homossexualidade.

Qual o impacto dessa conduta?

 A política é um espaço laico. Portanto, quando se confessionaliza a política, se nega a laicidade desse espaço. É evidente que os evangélicos fundamentalistas gostariam de impor a sua doutrina, principalmente sua doutrina moral, ao conjunto da população. Para isso, só há um jeito: a persuasão, através da pregação e a conversão. Temo que a gente esteja assistindo silenciosamente a um ascenso de um projeto de confessionalização da política. Seria um passo atrás em relação à modernidade e ás conquistas da autonomia do Estado, do espaço político e da laicidade.