Reproduzimos
abaixo excelente análise do jogo eleitoral deste ano na sucessão ao palácio do
planalto a luz do cientista político Antonio Lassance, publicado no site Carta
Maior. No texto, Lassance demonstra o porque do Eduardo Campos ser o candidato
pelo PSB mesmo com menos intenções de voto do que Marina Silva.
Vamos ao texto
Por
mais paradoxal que pareça, a Eduardo Campos pode interessar até mais uma
vitória de Dilma Rousseff, com a ajuda de sua mão em um eventual segundo turno,
do que uma candidatura de Marina Silva voando pelo PSB - mesmo que Marina
demonstre mais intenções de voto em pesquisas. A razão maior é muito simples.
Ele quer ser um protagonista, e não um coadjuvante em 2014. Se não puder
vencer, Campos não abre mão de, pelo menos, ser um dos grandes responsáveis por
decidir a parada das próximas eleições presidenciais.
Campos
avalia que pode haver segundo turno, e que o candidato preferencial das
oposições pode ser ele. Esteja sua previsão certa ou errada, o mais importante
é saber que é com ela que o candidato trabalha no momento. E mesmo que não seja
Campos o escolhido para enfrentar Dilma em um eventual segundo turno, o
terceiro lugar na disputa seria um grande trunfo para quem quer fortalecer-se
politicamente.
Se
terceirizasse a cabeça de chapa para Marina Silva, Campos abdicaria do controle
sobre a estratégia do PSB na campanha e ficaria refém de Marina e de sua Rede.
Abriria mão de ser o fiador maior do candidato vencedor, se houver segundo
turno.
Como
eleições são feitas não apenas para se eleger presidentes, mas também
governadores e montar as coalizões dos governos (o federal e os estaduais),
Campos teria seu papel e o de seu partido diminuído se não estivesse à frente
da candidatura. Ele quer a Presidência, mas precisa, acima de tudo, sair com o
PSB maior do que entrou em 2014.
Uma
votação expressiva de Marina seria uma vitória claramente imputada a ela,
pessoalmente, e não ao PSB. Terminada a disputa, o partido de Marina, a Rede,
seria formado e roubaria a cena. A cena, deputados, senadores e talvez até
alguns governadores.
Os
planos do pré-candidato do PSB dependem da amarração de três fatores: a aliança
tática com o PSDB nos palanques estaduais; convencer Marina a ser sua vice; e
ter votos suficientes para ajudar a forçar um segundo turno. Se ficar em
segundo, melhor para ele, mas ficar em terceiro também lhe interessa. Ver
Marina em seu lugar, nem pensar. É o pior dos mundos para Eduardo Campos, só
comparável a uma vitória de Dilma Rousseff em primeiro turno.
O
interesse de forçar uma eleição em dois turnos explica o movimento recente de
Campos de trazer o PSDB para seu governo em Pernambuco e para o governo do PSB
no Piauí. O gesto foi feito para agradar os tucanos nacionalmente e diminuir o
temor que têm de serem apenas um trampolim para Campos, que se projetaria em
estados governados pelo PSDB.
Tais
temores se ampliaram desde a filiação de Marina Silva ao PSB, em outubro de
2013. A jogada fez os tucanos sentirem que Campos estava pisando sobre suas
cabeças. Para Aécio Neves, suas chances de ir para o segundo turno aumentam com
Campos e diminuem muito com Marina. Mais uma vez, os fatores envolvidos
favorecem a opção pelo nome do governador de Pernambuco e tornam a escolha por
Marina contraproducente para o PSB.
De
todo modo, Campos precisa colar em Marina. Pouco conhecido no país, precisa
dela como vice. Quer o seu “recall” - o retrospecto da eleição passada que
tornou Marina muito conhecida do eleitorado. No entanto, a vice, que era dada
como certa, tornou-se depois uma séria dúvida.
Marina
também sabe fazer cálculos e tem seus próprios interesses, que são um pouco
maiores do que os de apenas servir de perfume à candidatura de Campos.
As
alianças do governador, dentro e fora de Pernambuco, criaram uma saia
justíssima para a Rede e deixaram no ar um sentimento do tipo: “façam o que
Marina diz, mas não façam o que o Eduardo faz”. A dobradinha que melhora a
imagem de Campos trouxe desgastes à de Marina, conforme várias pesquisas
atestaram.
Marina
cogitou voltar atrás na ideia de ser vice. A informação, antecipada por Carta
Maior e que, depois, se tornou notícia corrente, criou um problema na
candidatura do PSB. O preço pago por Campos para evitar o recuo foi negociar
com a Rede a disputa por São Paulo. Campos rifou o chefe do PSB no estado, que
já estava nos braços do governador Geraldo Alckmin e seria vice na chapa do
PSDB.
Em
troca, a Rede quer lançar ou Luíza Erundina (PSB-SP). Uma segunda opção
aventada é a do vereador Ricardo Young (PPS-SP), também vinculado à Rede.
Erundina ainda resiste a perder o mandato de deputada federal para cumprir o
papel de D. Quixote. Young tem resistências internas do próprio PPS,
principalmente do presidente nacional, Roberto Freire, aliado contumaz do PSDB
paulista.
Eduardo
Campos e Marina Silva podem estar juntos na mesma equipe, mas são tão parceiros
quanto eram Fernando Alonso e Felipe Massa na Ferrari. São tão próximos quanto
eram Michael Schumacher e Rubinho Barrichello. A função de Marina Silva é a de
se conformar com a segunda posição.
A
expressão “jogos ocultos” ou “jogos intrincados” (“nested games”) se tornou
comum na Ciência Política para explicar razões que a própria razão comum
desconhece. Em geral, algo que parece inexplicável, ou que só tem razões
abjetas, como as dos sete pecados capitais da maldade humana (da soberba à
inveja, passando pela cobiça), na verdade pode ser melhor elucidado se
entendermos o grande tabuleiro no qual um ator está inserido, e a maneira como
ele move suas peças.
Cada
movimento é feito com o respaldo de um conjunto de outras peças e movimentos do
próprio ator, mas também levando em conta os lances dos adversários. Um
movimento óbvio e previsível é, muitas vezes, o menos recomendável. É por isso
que Eduardo Campos, mesmo sendo uma escolha com menos intenções de voto, é
candidato a presidente, e não se fala mais nisso. Marina Silva será, no máximo,
sua vice.