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"Quando
saí [do convento], era como eu tivesse renascido"
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Elizabeth Murad (foto), de Fort
Pierce (EUA), lembra bem do dia em que saiu do convento há 41 anos. Sua
sensação foi de alívio. Ela tocou as folhas de cada árvore pela qual passou.
Ouviu os pássaros enquanto seus olhos azuis percorriam o céu, as flores e
grama. Naquele dia, tudo lhe parecia mais belo.
“Quando
saí, era como se eu estivesse renascido”, contou. "Eu estava usando de
novo os meus sentidos, querendo tocar em tudo e sentir o cheiro de tudo. Senti
o vento soprando em meu cabelo pela primeira vez depois de um longo
tempo." Ela ficou 13 anos em um convento franciscano de Nova Jersey.
Hoje,
aos 73 anos, Elizabeth é militante ateísta. É filiada a uma fundação que
denuncia as violações da separação entre o Estado e Igreja. Ela tem lutado
contra a intenção de organizações religiosas de serem beneficiadas com dinheiro
público. Também participa do grupo Treasure Coast, de humanistas seculares.
Em
sua casa ela tem uma foto em preto e branco tirada há 50 anos onde aparece com
o hábito de freira. Guarda essa foto como marco de uma época em que suas
dúvidas se acentuaram, questionando a sua fé. "Foi o começo do que sou
hoje."
Elizabeth
nasceu em um lar católico. Ia à missa aos domingos, se confessava a cada duas
semanas e às sextas-feiras sua família se abstinha de carne. “Uma vez, comi
carne por engano em uma sexta-feira”, disse. "Então corri sem parar até a
igreja para me confessar. Eu não queria ir para o inferno."
Um
dia uma irmã entregou em sua classe uma história em quadrinhos sobre como se
tornar “noiva de Cristo”. “Eu pensei ser o tipo de vida que gostaria de
ter", disse. "As meninas da classe viviam chorando por causa dos
meninos que não gostavam dela, e eu decidi que não ia desperdiçar minha vida daquele
jeito. Eu preferia fazer algo mais significativo.”
Ela
entrou no convento quando se formou no ensino médio. "Ela pensou que foi
chamada por Deus", disse o pediatra James Oleske, irmão de Elizabeth.
“Minha mãe e meu pai ficaram muito chateados, mas concordaram porque
acreditavam que ela estava em busca de sua felicidade”, afirmou. "Mas eu
sabia que ela não pertencia ao convento."
Não
demorou para que Elizabeth começasse se frustrar, porque, como já achava o seu
irmão, ela percebeu que a vida em um convento conservador não fazia sentido.
Ela
se lembrou, por exemplo, de um episódio no convento nos anos 60 que se deu com
a implantação dos ensinamentos do
Concílio Vaticano II.
"Havia
um grande problema sobre as mudanças que tinham de ser feitas em nossos
hábitos”, disse. "Nós passamos horas discutindo se o hábito devia ser na
altura do joelho ou abaixo. Eu me levantei e disse: ‘Por que estamos falando de
joelhos? Não deveríamos nos concentrar em fazer o bem para a comunidade, ou
algo assim?'"
A
madre superiora não gostou da rebeldia de Elizabeth e, como castigo, deixou-a
por uns tempos sem o anel de casamento com Deus.
Toda
sexta-feira Elizabeth, a exemplo das demais irmãs, tinha de cumprir o rito da
mortificação corporal, chicoteando as costas com uma corrente. "Eu não
conseguia acreditar que havia um Deus que queria aquilo para nós."
Quando
Elizabeth falou no convento sobre suas dúvidas e incertezas, foi encaminhada a
um psiquiatra e a um retiro espiritual. Então ela concluiu que tinha chegado o
momento de deixar o hábito. E chamou Oleske para tirá-la do convento.
Oleske
disse que a readaptação da irmã à vida secular não ocorreu de imediato naqueles
anos 70. Ela continuava a não usar maquiagem e com frequência esquecia sua
bolsa nos locais em que passava, porque, como freira, não a usava. Andava
curva, com as mãos cruzadas, como na época em que esteve no convento. “Ela
interagia com as pessoas como se fosse freira”, contou o irmão. "Ela era
uma mulher adulta, mas agia como uma adolescente precoce, com poucas
experiências de vida."
Na
tentativa de se reencontrar, Elizabeth pesquisou o judaísmo e o budismo, mas
não se sentiu atraída por nenhuma das duas crenças. "Não demorou muito
para perceber que eu estava falando para mim mesmo”, disse. “Então decidi que
não queria nada com religião.”
Em
1976, ela foi contratada como assistente de serviço social (profissão na qual
se formara após sair do convento) em Miami, onde conheceu James Murad, com quem
se casou. “Nós nos apaixonamos.” O casamento durou 29 anos e só se acabou com a
morte de James, aos 70 anos.
James
era ateu e humanista, e Elizabeth aderiu o estilo de vida do marido,
tornando-se a militante que é até hoje.
O
marido foi importante na transformação de Elizabeth em uma humanista secular,
mas ela lembrou que uma conversa que teve com sua mãe talvez tenha sido mais.
"Eu
tinha 10 anos e estava sentada na minha cama. Minha mãe, que penteava meu
cabelo, do nada me disse: 'Você sabe, eu realmente admiro as pessoas ateias.
Elas podem ser amáveis apenas por uma questão de serem boas. Sua bondade não
tem nada a ver com ir para o céu’".
"Isso,
o que ela me disse, ficou comigo toda a minha vida."
Créditos: Filosofia Ateísta