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Para o MST, medida que beneficia ruralistas deve agravar os conflitos no campo. (Foto: MST). |
O
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) enviou memorandos
às superintendências regionais do órgão determinando a suspensão de todos os
processos de aquisição, desapropriação e adjudicação de terras destinadas à
reforma agrária. A determinação também vale para as áreas da Amazônia Legal,
que inclui nove estados banhados pela bacia hidrográfica do Rio Amazonas.
Conforme
o documento, distribuído no último dia 3, a medida foi tomada devido a mudanças
na estrutura regimental do Incra, sua vinculação ao Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA) e às novas diretrizes adotadas pelo novo
governo em relação à reforma agrária.
A
reportagem da organização Repórter Brasil apurou junto aos movimentos sociais,
servidores de carreira do Incra e especialistas na questão fundiária que a
medida é o primeiro passo do governo de Jair Bolsonaro (PSL) para extinguir a
reforma agrária. E também uma maneira de o governo ganhar tempo até serem
editadas medidas que favoreçam o agronegócio, hoje no comando dos ministérios
da Agricultura e do Meio Ambiente.
“Se isso acontecer (a extinção da reforma
agrária), haverá mais confrontos no campo”, disse o dirigente nacional do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Alexandre Conceição à
Repórter Brasil. “Os latifundiários venceram junto com Bolsonaro e o que eles
querem é mais concentração de terras nas mãos de poucas pessoas.”
Bolsonaro
transferiu o programa de reforma agrária para o Ministério da Agricultura,
comandado pela ruralista Tereza Cristina (DEM-MS), que ficou conhecida como
"musa do veneno" por causa
do seu esforço pela revogação da atual Lei dos Agrotóxicos por meio do Pacote
do Veneno.
A
secretaria responsável pelo programa é chefiada pelo também ruralista e
presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia.
Ele protagonizou um embate com o MST durante a década de 1990, em disputas por
terra no Pontal do Paranapanema (SP). Chegou a ser acusado por um fazendeiro de
organizar milícias privadas na região.
“Colocaram a grande raposa tomando conta do
galinheiro”, disse o professor da Universidade Federal da Paraíba, Marco
Mitidiero, à Repórter Brasil, referindo-se a Garcia. O professor, que pesquisa
a questão fundiária brasileira, entende que a suspensão da reforma agrária faz
parte do plano do governo Bolsonaro de barrar a desapropriação de terra. E
acredita que os movimentos sociais urbanos e rurais estão se articulando contra
a medida do Incra, que deve levar a uma nova onda de ocupações de terra.
A
intensificação da violência no campo deverá ser um dos principais impactos da
suspensão. De acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2017
foram registrados 1.431 conflitos no campo com 71 mortes. É o maior número de
assassinatos desde 2003, quando 73 morreram por conflitos rurais. Os números de
2018 ainda não foram divulgados pela CPT.
Jeane
Bellini, coordenadora da CPT, afirmou à Repórter Brasil que os avanços dos
ruralistas na política institucional reflete na violência no campo. “Cada vez que a bancada ruralista cresce em
influência, os grileiros avançam.”
A
reforma agrária vem sendo esvaziada desde 2016. Em 2015, o orçamento federal
foi de R$ 2,5 bilhões para aquisição de terras, gestão do cadastro rural,
regularização fundiária, assistência técnica e social, educação e pacificação
no campo. Para 2019, a Lei Orçamentária Anual prevê gastos de R$ 762 milhões – corte
de 70% em quatro anos. Em 2018, o último ano do governo de Michel Temer, o
Incra tinha à disposição mais de R$ 34 milhões, mas gastou somente R$ 25
milhões. (Com informações da RBA).