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Cimi apresenta relatório apontando que a violência contra os povos indígenas cresceu em 2012. Foto: Elza Fiúza/ABr |
Houve
um crescimento de diferentes formas de violências cometidas, em 2012, contra os
povos indígenas, que vão de ameaças de morte, assassinatos, omissão e
morosidade na regularização das terras à desassistência em saúde e educação.
Esta é a constatação apresentada no Relatório Violência Contra os Povos
Indígenas no Brasil que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançado nesta
quinta-feira (27), às 9h, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), em Brasília (DF).
Nas
três categorias abordadas no Relatório, verifica-se uma ampliação do número
total de casos e vítimas. Em comparação com 2011, os casos de Violência contra
o Patrimônio saltaram de 99 para 125, o que representa um aumento de 26%. Em
relação à Violência por Omissão do Poder Público, foram relatadas 106.801
vítimas, o que significa um aumento de 72%, considerando que 61.988 vítimas
foram registradas em 2011. O mais acentuado crescimento é observado no total de
vítimas da categoria Violência contra a Pessoa, em que estão incluídas ameaças
de morte, homicídios, tentativas de assassinato, racismo, lesões corporais e
violência sexual. Nesta categoria, houve um aumento de 378 para 1.276 vítimas,
o que revela uma expansão de 237% em comparação com 2011.
Os
dados do Relatório revelam que voltou a crescer o número de assassinatos de
indígenas em 2012. Em todo o Brasil foram registradas 60 vítimas, nove a mais
que no ano anterior. Com 37 casos, o Mato Grosso do Sul continua sendo o estado
com o maior número de ocorrências, seguido pelo Maranhão, com sete vítimas. Nos
últimos dez anos, os levantamentos do Cimi mostram que pelo menos 563 indígenas
foram assassinados no país, sendo que 317 destas mortes ocorreram no Mato
Grosso do Sul. Os dados apresentados pelo Ministério da Saúde (Diasei/DSEI) são
ainda mais assustadores ao indicar que 43 assassinatos de indígenas ocorreram
no Mato Grosso do Sul em 2012.
Violência gerada pela falta da
terra
Chamam
atenção os 54 casos registrados de omissão e morosidade na regularização de
terras indígenas. Em 2011, haviam sido 46. Aqui também, o Mato Grosso do Sul é
o estado campeão de violações, com 19 casos. Em seguida, aparece o Rio Grande
do Sul, com 11 casos. Este dado revela que o governo da presidente Dilma
Rousseff tem cedido às pressões da elite ruralista e pouco tem avançado na
demarcação das terras tradicionais. Em 2012 foram homologadas apenas sete
terras indígenas pela Presidência da República, enquanto a Fundação Nacional do
Índio (Funai) publicou 11 portarias de identificação e o Ministério da Justiça
publicou apenas duas portarias declaratórias.
Os
levantamentos do Cimi indicam que das 1.045 terras indígenas, 339 (32%) estão
sem providência, enquanto 293 (28%) estão em estudo. Destas, 44 estão
engavetadas no Palácio do Planalto, aguardando apenas a assinatura da
presidente da República. Com média anual de cinco homologações, Dilma é a
presidente que menos homologou terras indígenas no Brasil desde a abertura
democrática, em 1985.
"A
vida dos povos indígenas está vinculada à terra. É na sua terra ancestral que
'o índio é'. O governo federal tem que, urgentemente, saldar esta dívida
histórica com os povos indígenas. Este é o único modo de propiciar as condições
fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses povos", afirma
Cleber Buzatto, Secretário Executivo do Cimi.
O
Relatório aponta que também aumentaram os casos de invasões possessórias e
exploração ilegal de recursos naturais (62 casos), ameaças de morte (30 vítimas
e crescimento de 200% em relação a 2011), homicídio culposo (21 vítimas e
aumento de 75%), racismo e discriminação étnico-culturais (14 vítimas) e
tentativas de assassinato (1.024 vítimas). No caso das violências relacionadas
à omissão do poder público, houve crescimento na desassistência à educação
escolar (18.865 vítimas) e à saúde (80.496 vítimas) e na disseminação de
bebidas alcoólicas e outras drogas (254 vítimas).
Violações graves
O
chocante descaso com a saúde indígena é tema de um artigo escrito por quatro
procuradores da República, que descrevem a ação coordenada do Ministério
Público Federal (MPF) no "Dia D da Saúde Indígena", realizado em 10
de dezembro de 2012. Duas graves violações de direitos vividas pelos povos
Munduruku, da aldeia de Teles Pires, no Pará, e pelos Guarani-Kaiowá de Pyelito
Kue/Mbarakay, em Naviraí, no Mato Grosso do Sul, exemplificam, no Relatório,
como os povos indígenas ainda são considerados obstáculos ao progresso tanto
pelo governo como pelo setor privado, no caso o ruralista.
Em
novembro de 2012, na trágica e truculenta Operação Eldorado, agentes da Polícia
Federal e soldados da Força Nacional destruíram inúmeros bens do povo
Munduruku, como casas e barcos. Adenilson Kirixi Munduruku foi assassinado e o
crime continua impune. No mês anterior, os Guarani-Kaiowá comoveram o Brasil
com uma carta em que, desiludidos pela iminência da reintegração de posse da
área ocupada por eles, afirmaram que iriam resistir em suas terras, mesmo que
tivessem que morrer nelas. Erroneamente, houve a interpretação de que eles
estavam anunciando um suicídio coletivo. Não era o caso desta vez.
No
entanto, os dados apontam que o suicídio está causando um genocídio silencioso
no Mato Grosso do Sul. Nove Guarani Kaiowá se suicidaram em 2012, de um total
de 23 suicídios em todo o Brasil. Novamente aqui, os dados oficiais são muito
mais dramáticos, já que o Ministério da Saúde registra 56 suicídios entre os
Guarani-Kaiowá no mesmo período.
As
ameaças a seis grupos de indígenas isolados - Awá Guajá (MA), do Alto Envira e
do Vale do Javari (AC), da área do Complexo Hidrelétrico do Madeira e do Bom
Futuro (RO), da região da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, e da bacia
do Rio Tapajós (PA) - também são retratadas no Relatório, já que os impactos
dos mega projetos de infraestrutura tornam a ameaça de extinção destes povos
uma possibilidade cada vez mais real.
Os
dados do Relatório foram obtidos a partir dos relatos e das denúncias dos povos
e organizações indígenas, de informações levantadas pelas equipes dos 11
regionais do Cimi, de notícias veiculadas pela imprensa, além de informações
obtidas por órgãos públicos que prestam assistência às comunidades. Há relatos
de casos em que comunidades inteiras foram violentadas, no entanto em algumas
não há o número preciso do total de vítimas, o que evidencia que os dados do
Relatório são parciais e que a violência praticada contra os povos indígenas no
Brasil apresenta um número de vítimas ainda maior do que o retratado nele.
Falta de vontade política
A
baixa execução de recursos autorizados pelo governo federal para a
implementação de políticas públicas evidencia situações em que o que não há, de
fato, é disposição para solucionar severos problemas enfrentados pelos povos
indígenas em praticamente todo o território nacional. Do orçamento de quase R$
68 milhões previstos para saneamento básico nas aldeias, apenas R$ 86 mil
(0,13%) foram utilizados. Para a estruturação de unidades de saúde, apenas R$
26 mil (8,70%) dos R$ 2,3 milhões foram liquidados. Dos mais de R$ 15 milhões
previstos para a demarcação e regularização de terras indígenas, apenas R$ 5,9
milhões (37%) foram executados. E do R$ 1,5 milhão previsto para apoio ao
desenvolvimento sustentável das comunidades, apenas R$ 75 mil (5,06%) foram
gastos em 2012.