Os
analistas políticos observam os fatos políticos tout court e têm enorme
dificuldade em perceber sob os mesmos os fenômenos culturais. Como por exemplo
a decisão de extinguir o Ministério da Cultura e a mesma ameaça feita a EBC
pelo presidente eleito.
Talvez
pelo vício de restringir a cultura às suas meras expressões artísticas,
intelectuais, folclóricas ou de lazer. Ou às pautas dos suplementos de artes e
espetáculos da grande mídia. Esquecendo-se de suas manifestações judiciais,
morais, religiosas e ideológicas. E, no máximo, estabelecendo suas relações com
a economia, irmã gêmea da política. Quando não insistem em diagnosticar e
prever o desenrolar dos fatos políticos em comparação com fatos tidos como
semelhantes e ocorridos em tempos passados.
Já
os analistas e críticos culturais se obrigam à dura tarefa de estabelecer
relações entre os mais variados campos da expressão cultural, incorporando para
tal, os recursos conceituais da filosofia da arte e da cultura. Mas não têm a
merecida visibilidade por parte da grande mídia dominada pelo imediatismo da
cobertura política e econômica, quando não social e criminal.
É
triste constatar que em termos de suplementos culturais lamentavelmente
regredimos em face da importância que tiveram no passado, entre os anos 60 e
80, e a visibilidade que se prefere dar hoje em dia a meras manifestações da
cultura de massa.
Para
além da proposta de uma nova visão de nossa identidade, trata-se de uma
estratégia de argumentação sobre a fadiga da República como nossa maior farsa “progressista”,
ao mesmo tempo da descoberta desconcertante de nosso atávico conservadorismo,
amor mesmo pelas nossas tradições.
Sobretudo
pelo nosso gosto pelas torções, contorções e distorções barroquistas, pura
cultura brasileira desastrosamente transbordada para a política, a justiça, a
moral e os costumes, sem reconhecimento crítico, mas apenas tomada como nosso
“jeito” (ou jeitinho?) de ser.
Tenho
trabalhado nos últimos anos – sobretudo a partir das megamanifestações de 2013
de uma emergente classe de cidadania política – com a hipótese de esgotamento
de nosso legado cultural barroquista e com a promessa, enfim, de inauguração de
uma era iluminista de nossa cultura.
Nesse
sentido, tenho defendido a tese de que talvez estejamos vivendo o momento
histórico de superar definitivamente a hegemonia barroquista em que estamos
enredados há quatro séculos. Mas talvez não estejamos percebendo.
Todavia,
todo cuidado é pouco, pois se o iluminismo europeu, impregnado de romantismo,
denunciou o esquerdismo como a doença infantil do comunismo, o nosso legado
barroco, manco de Renascença e Iluminismo, só agora, depois de um século de
defasagem e desastroso transbordamento cultural, está a denunciar nosso
esquerdismo como a doença senil do barroquismo.
Nenhum
de nossos maiores ficcionistas, sábios ou profetas poderia imaginar essa
verdadeira reviravolta dada por nossa cultura política nos últimos anos.
Chamaria mesmo de radical torção, um verdadeiro cavalo de pau de nosso legado
contorcionista.
Mesmo
os grandes intérpretes do Brasil – dentre os mais de 50 que inventariei em meu
novo livro – denunciaram causas e fenômenos singulares de nossas raízes
históricas e culturais, como o patrimonialismo e o corporativismo, o familismo
e o cunhadismo, o coronelismo e o patriarcalismo, o fisiologismo e o
bacharelismo.
Mas
nenhum culminou no fenômeno mais abrangente, e causa última a meu ver, de todo
o complexo cultural brasileiro como o barroquismo, do qual esses outros lhe
seriam meros caudatários ou mesmo de incidência setorial nos âmbitos da vida
social, familiar, artística, econômica, política ou moral, com suas
características mais gerais de gosto pela retórica da farsa, do paradoxal, da
ironia, alegoria, paródia e hipérbole.
Para
além da proposta de uma nova visão de nossa identidade, trata-se de uma
estratégia de argumentação sobre a fadiga da República como nossa maior farsa
progressista, ao mesmo tempo da descoberta desconcertante de nosso atávico
conservadorismo, amor mesmo pelas nossas tradições, e sobretudo nosso gosto
pelas torções, contorções e distorções barroquistas. Nosso libidinal gozo com o
arrocho das volutas da cultura nas fartas espirais da natureza.
Aliás,
neste meu novo livro, faço um vasto inventário de nossos costumes barroquistas,
em todos os campos da expressão cultural nacional para além das artes e das
letras barrocas, e que podem ser simbolizados pelas figuras centrais das
volutas e espirais barrocas, sobretudo como figuras de representação retórica
do paradoxo, da farsa, da ironia e da hipérbole.
Redobradas
e desdobradas volutas como formas de se ir para a direita pelo sentido da
esquerda e para a esquerda pelo sentido da direita. Torções, retorções,
contorções e distorções em campos tão insuspeitos como os registros históricos,
os feitos empresariais, os processos judiciais, políticos, culturais e
sobretudo morais.
Somos
assim mesmo, o estilo da arte barroca do século XVI, sem a mediação e
temperança da boa forma e da justa medida da Renascença que lhe antecedeu, nem
tampouco da prudência e do equilíbrio da cultura iluminista que lhe sucedeu,
desde o século XVII e XVIII, transbordou para todo o complexo cultural
brasileiro, nossa chamada mentalidade barroquista, nosso apego à uma visão de
mundo moldada em torções, contorções e distorções da realidade.
Enfim,
nosso espírito hiperbólico, irônico, alegórico, paradoxal, parabólico, farsesco
e burlesco, com que vemos, nos inserimos e tratamos tudo em nossa volta. E
reviravoltas.
Meio
a nosso barroquismo moral pleno de relativismo, os recursismos de nosso
Judiciário plenos de atenuantes e agravantes e a farsa, para não dizer a burla,
de nossa política que quer a todos enganar por todo o tempo, eis que um capitão
imbuído dos valores da ordem, da disciplina e hierarquia aprendidos no
Exército, se empenha em levar ao cenário central de nosso barroquismo político,
o Congresso Nacional, o bom senso e a clareza do senso comum, tal qual a fábula
O rei está nu, de Hans Christian Andersen.
Só
não ouviram os que não quiseram ouvir a voz do capitão que representava a
indignação de milhões de cidadãos desde as megamanifestações de 2013 em repúdio
aos desmantelos e esbulhos de nossa cínica classe política.
A
partir daí, tem sido definitivo o exercício de outro valor muito caro aos
militares, a humildade de reconhecer seus próprios limites e se cercar dos
melhores de cada área em que terão de atuar.
Assim,
o capitão está a convocar os melhores da alta cultura brasileira para pôr em
prática políticas públicas plenas de razoabilidade e efetividade, o que pode
resultar numa oportunidade histórica de passarmos para uma era iluminista de
afirmação do bom senso e do senso de proporção, de desapego, enfim, pelo
adjetivismo, ornamentalismo e as desmesuras da vã retórica barroquista.
Para
além de um novo governo, o que vemos no Brasil é um grande embate entre duas
grandes tradições culturais do Ocidente, o iluminismo e o barroquismo em que
temos vivido imersos todos esses séculos, por não conseguirmos reunir
verdadeiras elites para empreender, enfim, a mudança do paradigma cultural da
vã retórica populista para a ordem da razão no trato da coisa pública.
Nesse
sentido, é um equívoco extinguir o equipamento público de maior garantia de
transformação cultural contra a hegemonia da revolução cultural na área da
mídia privada que teve vigência nos últimos governos petistas.
Para
além do desaparelhamento esquerdista nas áreas da educação, da Justiça e das
artes, se faz urgente não apenas um Ministério da Cultura, mas sobretudo uma
rede de televisão pública. Assim como uma campanha pelo senso comum do cidadão
comum.
Aliás,
uma única rede pública não pesa no orçamento se for gerida harmônica e
independentemente pelos três poderes da República, extinguindo-se esta
jabuticaba barroquista de três redes para cada um dos três poderes chamarem de
sua, e apenas fazerem propaganda corporativa de seus feitos, uma prova de quão
desarmônicos e dependentes são de suas desmesuras.
Sobretudo
uma única rede pública, como a BBC, mantida pela assinatura de seus usuários
voluntários, os cidadãos, e os compulsórios, com parte ínfima do orçamento
publicitário astronômico que empresas e autarquias federais destinam às redes
privadas de conteúdo duvidoso.
Manter
uma única rede de televisão pública até mesmo como reguladora da pluralidade
cultural, ideológica e doutrinária e na conservação de nossas tradições e
costumes, que deveria haver na mídia privada, mas não há, é uma oportunidade
única de garantir a restauração dos valores morais da tradição ocidental
judaico-cristã anunciada pelos ministérios da Educação e Relações Exteriores,
uma vez que é a cultura a determinante estratégica do próprio sucesso das
políticas econômicas e sociais a serem implementadas. (Por Jorge Maranhão, no
Congresso em Foco).