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Luis Fernando Veríssimo pergunta se no céu há lugar para ateu




A Recepção

Por Luis Fernando Veríssimo

A recepcionista que me recebe na porta do céu é simpática. Digita meu nome no computador, sorrindo. Mas o sorriso desaparece de repente. É substituído por uma expressão de desapontamento.

Ai, ai, ai… – diz a recepcionista. – Aqui onde diz 

“Religião”. Está: “Nenhuma”

- Pois é…

- O senhor não tem nenhuma religião? Pode ser qualquer uma. Nós encaminhamos para o céu correspondente. Ou, se o senhor preferir reencarnação…

- Não, não. Não tem céu só pra ateu?

Não existe um céu só para ateus. Nem para agnósticos. Também não são permitidas conversões “post-mortem” ou adesões de última hora. E me deixar entrar numa eternidade em que nunca acreditei, talvez tirando o lugar de um crente, não seria justo, eu não concordo?

- Espere! – digo, dando um tapa na testa. – Me lembrei agora. Eu sou Univitalista.

- O que?

- Univitalista. É uma religião nova. Talvez por isso não esteja no computador.

- Em que vocês acreditam?

- Numa porção de coisas que eu não me lembro agora, mas a vida eterna é certamente uma delas. Isso eu garanto. Pelo menos foi o que me disseram quando me inscrevi.

A recepcionista não parece muito convencida mas pega um livreto que mantem ao lado do computador e vai direto na letra U. Não encontra nenhuma religião com aquele nome.

- Ela é novíssima – explico. – Ainda estava em teste.

A recepcionista sacode a cabeça mas diz que irá consultar o supervisor. Eu devo voltar ao meu lugar e esperar a decisão. Sento ao lado de outro descrente, que pergunta

- Você acredita nisto?

Eu… – começo a dizer, mas o outro não me deixa falar. – É tudo encenação. Tudo truque. Quem eles pensam que estão enganando?

E o outro se levanta e começa a chutar as nuvens que cobrem o chão da sala de espera.

- Olha aí. Isto é gelo seco! Você acha mesmo que existe vida depois da morte? Você acha mesmo que nós estamos aqui? É tudo propaganda religiosa! É tudo…

Salto sobre o homem, cubro sua cabeça com a camisola, atiro-o no chão e sento em cima dele. Para ele não estragar tudo. Claro que também acredito que aquilo é uma encenação. Mas seja o que for, durará uma eternidade.


Via Pragmatismo Político