“O
público não é imbecil, ele é tornado imbecil pela mídia comprada, direta ou
indiretamente, para fazer este papel”. A sentença é do sociólogo Jessé
Souza, ex-presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).
Do DCM
Autor
de “A tolice da inteligência brasileira”
e “A radiografia do golpe”, Jessé
explica na entrevista a seguir, concedida ao jornalista Paulo Henrique Arantes,
como e por quê pregadores do ódio ganham espaço no mundo, o papel da Globo no
fenômeno Bolsonaro e a maneira como o capital financeiro se apossa do estado.
Por que a extrema-direita ganha
espaço no mundo?
Eu
acho que o avanço da direita tem a ver com uma relação de forças que é
internacional. O capitalismo financeiro cria uma nova relação com a política
que é desvalorizada para ser capturada. A política sempre foi influenciada pelo
dinheiro, obviamente, mas você tinha contrapesos antes, os quais você não tem
mais. O capital financeiro age globalmente, planetariamente, e a reação a ele é
nacional, local, fragmentada, frágil.
O
golpe no Brasil teve uma articulação internacional, foi o interesse do capital
financeiro em se apropriar de tudo que possa rapinar: pré-sal, Petrobrás,
destruir o capital tecnológico de empreiteiras, orçamento público, etc. Tudo
com ajuda nacional da mídia e dos seus sócios internos. Dentre eles o aparelho
jurídico do Estado que funcionou e funciona, com ou em consciência disso, como
“advogados do capital financeiro” internacional. O capital financeiro quer uma captura direta
da política e do Estado.
O
primeiro motivo é que a própria realização de lucro do capital financeiro exige
e vai exigir cada vez mais desigualdade. Isso reflete numa nova forma de
expropriação do trabalho coletivo que é via orçamento – aliás pago pelos pobres
e apropriado pelos rentistas -, e é precisamente o que acontece no Brasil, o
golpe foi feito para isso. Agora, inclusive, a ação do capital financeiro ficou
mais nítida no Brasil do que em qualquer outro lugar.
Como o capital financeiro se apodera
da política?
Quando
ele desvaloriza a política, as instituições políticas, usando a mídia e a
balela da “corrupção seletiva”, só dos políticos, escondendo a corrupção legal
e ilegal do mercado que compra direta ou indiretamente a mídia e a própria
política. Nesta quadra histórica, o dinheiro está se apropriando da política
completamente.
A
própria linguagem do dinheiro criminalizou a política. O Dória no Brasil é o
melhor exemplo disso, e o Trump nos EUA, quando diz: “você deve me eleger
porque eu não sou político”. Você só pode dizer isso porque a “corrupção real”,
que é a do mercado, por meios legais e ilegais, é tornada invisível pela mídia.
A
base de tudo tem a ver com isso: você tem que imbecilizar o público. O público
não é imbecil, ele é tornado imbecil pela mídia comprada direta ou
indiretamente para fazer este papel.
O populismo de direita que vemos hoje
crescer no mundo todo carrega o risco de um novo fascismo?
O
fascismo assumiu a forma que assumiu nos anos 30 pelas circunstâncias
históricas. Eu acho que o que está acontecendo agora é sim uma forma de
fascismo. Ele não precisa assumir a forma que assumiu na década de 30. Hoje ele
exerce mais uma violência simbólica, “imbecilizando”
o público, por exemplo, ao invés de usar majoritariamente a violência física,
como o antigo fascismo, embora a violência física seja utilizada hoje em dia
também.
Esses
novos líderes, todos eles, têm a ver com a reação dos perdedores do capital
financeiro que são a imensa maioria. O Bernie Sanders foi uma reação racional,
que conseguiu forte penetração na juventude intelectualizada. O Trump é a
resposta menos inteligente, emotiva, que pede um “bode expiatório”, lá os
mexicanos e aqui os pobres beneficiados pelo PT, o ódio, é a linguagem fascista
sobre o medo. É a versão que está ganhando aqui.
Por que o discurso populista de
direita, que prega o ódio, alcance tanta receptividade?
A
base do fascismo no Brasil é a classe média. A mídia manipula o falso moralismo
dessa classe para que sirva de “tropa de
choque” dos interesses inconfessos das elites. O grande elemento aí, que é
sempre esquecido, é a mídia. A mídia é o partido da elite que rapina o país.
A
mídia representa, antes de tudo, interesses, mas “tira onda” de neutra. Como esses interesses elitistas são difusos,
a mídia concentra e sistematiza esses interesses e dá boca para eles. O
capitalismo, o dinheiro, não tem boca – a mídia é a boca do dinheiro, então ela
vai manipular o povo a partir disso.
Não há um papel positivo na atuação
da mídia?
Não
sei se concordo contigo. De que papel e de que mídia você se refere? Não
existiria Bolsonaro como opção viável sem a Rede Globo. Você tem que lembrar, apenas
para ficar num único exemplo que pode ser multiplicado milhares de vezes, como
eu me lembro, do jornalista Merval Pereira, no jornal da “Globo News”, falando que vazamento ilegal não é nenhum problema
real, que isso é “normal” e acontece
sempre – imagine coisas assim ditas 500 vezes ao dia.
Como
não existe contraposição de opiniões, você vai criando um terreno favorável a
preconceitos contra os direitos individuais e, portanto, contra a própria
democracia. Quando você cria o terreno, fica fácil para um cara como o
Bolsonaro entrar, pois ele vai ocupar um espaço que foi “construído” para ele.
É
a mesma coisa do Trump. Você criou esse discurso virulento com a criminalização
da esquerda. Você criminaliza e torna suspeito todo discurso que tenta proteger
os mais frágeis. E quando você criminaliza esse discurso, você abre espaço para
a violência explícita. E quem fez isso foi a imprensa, não o Bolsonaro.
Dias
atrás, outro exemplo entre milhares, eu vi, também na “Globo News” – que a classe média feita de tola assiste massivamente
– a turma de “analistas” dizendo no Jornal das Dez que foi Cabral quem
quebrou o Rio. É uma deslavada mentira. Quem quebrou o Rio foi a mídia,
comandada pela Globo, associada à Lava Jato, que destruiu os empregos da
Petrobrás e de toda sua cadeia produtiva que é vital ao Rio.
Foram
bilhões de reais e milhões de empregos perdidos. Depois você diz que foi a
propina do Cabral. É claro que Cabral perdeu a noção das coisas. Mas o que ele
roubou é uma gota nesse oceano. É assim que você produz uma fábrica de mentira
cotidiana. O público não tem defesa contra isso.
Alguns políticos evangélicos não se
enquadrariam entre os populistas de direita?
É
claro que sim, mas eu acho que temos de separar muito bem essas coisas. O fato
de esses indivíduos serem demagogos de direita não significa que toda a
clientela evangélica o seja. Ela está sendo obviamente cooptada, de novo pelo
trabalho da imprensa.
Como
esses evangélicos são de classes populares, isso vira mais um preconceito da
classe média contra as classes populares, contra a “burrice” das classes
populares etc. Isso é uma coisa ruim, e falsa: em termos de inteligência, a
mais burra, melhor, a mais feita de tola de todas as classes foi a classe
média, que a partir de agora vai ter obrigatoriamente de pagar muito mais que
pagava antes por tudo. Já está acontecendo.
Para
você apoiar a destruição do Estado via captura do orçamento para o rentismo e a
privatização, agora muito mais cara, dos serviços que o Estado presta, você tem
que ser uma entre duas coisas: rico ou otário. É essa a questão que as pessoas
que têm que responder sem medo e com sinceridade.
Mais
uma vez: as pessoas não nascem tolas, elas são feitas de tolas. E para mim a
fábrica da tolice no Brasil é uma mídia que se apresenta como neutra e “serviço público” para, sorrateiramente,
destilar seu veneno todo dia. Ela ganha dinheiro e poder com isso e representa
os interesses de uma elite predatória.
![]() |
No painel, Bolsonaro no aeroporto de Recife (a dir.) e o sociólogo Jessé de Souza. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!