Criado
pelos revolucionários russos de 1917, o símbolo da foice e do martelo cruzados
representa a união política entre os trabalhadores do campo e da cidade. Com a
vitória dos bolcheviques e o surgimento de um país poderoso, o ícone passou a
ser utilizado por todos os partidos comunistas de outros países, estivessem ou
não no poder. No Brasil, o símbolo passou a ser utilizado em 1922 com a
fundação do partido inspirado nas ideias de Karl Max (1818-1883) e Vladimir
Lenin (1870-1924). Mas agora, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) resolveu
propor a criminalização do emblema e até da militância comunista no Brasil,
provocando uma reação indignada de juristas e políticos.
Publicado originalmente no Congresso em Foco
O
parlamentar, filho do também deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), apresentou
projeto de lei que altera duas outras normas legais e prevê a criminalização da
utilização do ícone e a militância comunista, equiparando a atuação desse grupo
ao nazismo e a propaganda política da ideologia ao terrorismo. A primeira
alteração prevê mudança na lei que define os crimes resultantes do preconceito
de raça ou de cor (Lei 7716/89). A proposta acrescenta uma frase aos artigos
primeiro e vigésimo da legislação: a criminalização do “fomento ao embate de classes sociais”.
Deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP). Foto: Divulgação. |
No
parágrafo primeiro da mesma lei, o projeto acrescenta as expressões “foice e martelo” no texto original que
proíbe a fabricação, comercialização, distribuição, veiculação de símbolos,
emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou
gamada. Na Lei 13.260/2016, o projeto do deputado propõe a exclusão do artigo
que isenta as manifestações públicas dos movimentos sociais, sindicais,
religiosos, de classe ou de categoria profissional com propósitos sociais ou
reivindicatórios da tipificação de terrorismo. No artigo 5º, a proposta
acrescenta a criminalização da “apologia a pessoas que praticaram atos
terroristas a qualquer pretexto bem como a regimes comunistas”.
Constituição
O
advogado José Eduardo Alckmin, especialista em direito eleitoral, considera a
proposta incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. “Por mais que discorde de uma ideia, cercear
o direito de pensar é intolerável”, diz o jurista ao Congresso em Foco. Ele
lembrou que a Constituição de 1988 garante a todos o direito de pensar
livremente, ainda que as ideias sejam abjetas. Alckmin lembrou que o valor
essencial da democracia é a liberdade de pensamento.
Alckmin
lembrou que até mesmo as ideias nazistas são de livre profusão. Segundo ele, um
escritor pode publicar um livro defendendo o ideário de Adolf Hitler
(1889-1945), uma vez que a liberdade para isso é garantida pela Constituição.
Alckmim ressaltou ainda que, em qualquer ideologia, o que pode ser
criminalizado é a atuação violenta de determinados grupos, e não a ideologia
que professam. E lembrou a famosa frase atribuída ao filósofo francês Voltaire:
“Posso não concordar com o que você diz,
mas defenderei até a morte os eu direito de dizê-lo”.
O
advogado Flávio Brito também considera o projeto de Bolsonaro um factoide e
apenas uma estratégia de marketing para conseguir mais votos. “Ideias não podem ser criminalizadas”,
disse Brito. Ele lembra que a Constituição garante o direito à liberdade do
pensamento e de manifestação. O jurista considera a proposta de Bolsonaro não
passa pelo crivo de constitucionalidade na própria Câmara.
PCdoB
Em
entrevista ao Congresso em Foco, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ)
classificou o projeto de “ridículo”. Ela diz acreditar que o texto deve ser
derrotado logo na primeira análise a ser feita pela comissão de mérito da
Câmara. “É uma proposta fascista e
infantilóide”, disse a parlamentar, líder da bancada de 11 deputados do
partido. Jandira considera que o projeto de Bolsonaro fere a liberdade de
expressão e de organização partidária garantidas pela Constituição.
Pela
proposta de Eduardo Bolsonaro, os partidos comunistas que utilizam o símbolo
seriam proibidos de estampar o ícone em bandeiras, publicações e propagandas. O
PCdoB, por exemplo, com 92 anos de fundação, teria que ser proscrito, como
ocorreu no Brasil em dois períodos. O primeiro em 1924, durante o governo
Epitácio Pessoa, até 1927, quando volta a ser permitido. Em 1947 o registro é
novamente cancelado pela Justiça. No ano seguinte, os parlamentares do partido
foram cassados, entre eles o escritor Jorge Amado.
Como
golpe militar de 1964, o comunismo voltou à clandestinidade. Mesmo sem
proibição formal, prevista em lei, os militantes e dirigentes comunistas
passaram a ser perseguidos e mortos pela repressão. Com o racha ideológico
mundial, os partidários da ideologia se pulverizaram e assumiram várias
denominações, mas conservaram o mesmo símbolo. Essas legendas só voltaram a ser
legais com a anistia, em 1985, decorrente do fim da ditadura militar.
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