Oito frases racistas que todo negro já ouviu


Na era das redes sociais, temas como o #machismo e o #Racismo encontram duas vertentes muito distintas de opiniões: enquanto algumas pessoas acreditam que o preconceito e a discriminação ainda existem e impactam de forma bastante negativa na vida das mulheres, negros e outros grupos; outros acham que tais temas são tratados com exagero e vitimização, gerando o chamado ''mimimi''.

Prof. Nicolau Neto, editor/administrador
do Blog Negro Nicolau. Foto: Lucélia Muniz.
Do CEERT - O fato é que muitos dos internautas que se identificam com o segundo grupo talvez jamais tenham passado por situações discriminatórias, argumento do qual se vale o primeiro grupo para demonstrar que, se o preconceito e a discriminação não fazem parte da sua realidade, você jamais poderá julgar com clareza como se sentem aqueles que são vítimas de exclusão social.

Baseado neste argumento, o Geledés - Instituto da Mulher Negra - reuniu algumas frases que todo negro já ouviu na vida e que, por mais inocentes que aparentem ser, são utilizadas, em geral, para mascarar atitudes racistas; confira algumas abaixo:

1 - ''Mas eu tenho amigos negros...''

Segundo o portal do Geledés, esta frase muitas vezes é utilizada para justificar atitudes racistas, como se ter um amigo negro automaticamente tornasse a pessoa livre de preconceitos, mesmo que esta mesma pessoa tenha o costume de fazer piadas com negros ou comentários de cunho discriminatório.

2 - “Mas eu não tenho direito a minha liberdade de expressão?”

Esta frase, amplamente utilizada, tanto por figuras públicas, como o humorista Danilo Gentili, como por internautas habituados a discutir nas redes sociais, serve como uma espécie de ''pretexto'' para justificar o racismo e outros tipos de opressões, como o machismo, a homofobia, a transfobia, entre outras, segundo o Geledés.

Não há nada de errado com a liberdade de expressão. O problema é que, na maior parte das vezes, esta frase vem seguida de discursos de ódio. Vale lembrar o que diz a sabedoria popular: ''sua liberdade termina quando começa a liberdade do outro.''

3 - ''Também sofro racismo, me chamavam de 'palmito' na escola..."

O portal Geledés propõe que a pessoa que faz uma afirmação destas faça a si mesma os seguintes questionamentos antes de manifestar-se novamente: Você já foi privado(a) de entrar em um ambiente por ser branco?

Ser branco já fez com que alguém questionasse suas habilidades intelectuais?

Ser branco já fez com que alguém questionasse seu caráter?

Você já foi seguido pelos seguranças em uma loja por parecer ''suspeito'', somente por ser quem você é?

Pois é, se você respondeu não a pelo menos 2 perguntas, está na hora de rever essa história de ''racismo reverso''.

4 - ''Os negros são mais racistas que os brancos...''

Esta frase geralmente é utilizada ao referir-se a um negro que está expondo uma denúncia de racismo.

Ao contar que entrou numa loja e foi ignorada pelas vendedoras, por exemplo, uma moça negra ouve de um terceiro que está se colocando como vítima da situação em razão de sua cor, e que provavelmente, as vendedoras não a ignoraram pelo motivo que ela imagina.

5 - ''Mas o mundo está chato, tudo agora é racismo!''

O racismo sempre esteve aí para quem quisesse ver. A diferença é que, atualmente, as pessoas se posicionam contra atitudes discriminatórias que antes eram consideradas ''piadinhas''. Se você é capaz de aceitar que o mundo mudou em tantos aspectos, por que não aceitar que este tipo de ''humor'' também não é mais aceitável?

6 - ''Mas e o dia da consciência humana?''

Novembro, o mês dedicado a consciência negra existe para celebrar a luta contra o sistema escravocrata. Neste momento, algumas pessoas questionam o porquê de uma celebração do povo preto, e iniciam discursos de igualdade superficiais sem, no entanto, jamais se questionar do porquê quase não existem negros em ambientes como a televisão ou até nas universidades.

7 - ''Mas meu tataravô era preto...''

Esta frase segue a linha do argumento ''mas eu tenho amigos pretos''. Quando uma pessoa que acaba de falar algo racista ou ter uma atitude discriminatória diz essa frase, está automaticamente tentando usar o fato de ter um parente distante negro para afastar as suspeitas de que possa ter agido de forma racista. Acontece que no Brasil quase toda a população tem pelo menos um ancestral negro, o que torna esse argumento bastante superficial.

'8 - 'Somos todos (nome de uma personalidade)...''

Em movimentos como aqueles em que a internet usa a hashtag #somostodos em apoio a alguma celebridade vítima de racismo, o problema está na falta de identificação e empatia que aqueles que utilizam a hashtag muitas vezes possuem em casos de racismo que não envolvem celebridades.

Se você está do lado aquele jogador de futebol que foi hostilizado pela torcida adversária, que tal ficar do lado também de pessoas comuns que são vítimas de racismo todos os dias?

Atleta altaneirense Ravi Timóteo conquista 1º lugar na 14ª Corrida de Juazeiro do Norte


Depois de conquistar medalha de ouro na 35ª edição da Corrida Padre Cícero no dia 19 de março do ano em curso, o atleta altaneirense Ravi Timóteo, em face de “problemas de força maior”, segundo informou seu treinador Tiago Alves ao Blog Negro Nicolau, saiu de cena e passou quase um mês sem treinar.

Ravi Timóteo é 1º Lugar na Corrida de
Juazeiro do Norte. Foto: Tiago Alves.
De volta ao ritmo de treino forte, voltou a participar na manhã desta sábado, 22, também em Juazeiro do Norte, da “14ª Corrida Cidade Juazeiro”. O evento foi realizado pela Escolinha de Atletismo Os Voluntários e esteve dividida em 26 categorias, 13 para o gênero masculino e 13 para o feminino, sendo subdividida nos percurso de 25 Metros, 50 Metros, 1.500 KM, 3 KM e 9.500 KM.

A concentração dos (as) competidores ocorreu às 6h30 e a largada às 7h00. Ravi percorreu 3km na categoria sub 19, saindo da do 2º BPM – Batalhão da Polícia Militar – localizado na Avenida Castelo Branco, e trouxe na bagagem mais uma medalha de ouro e R$ 65,00. Em contato com o Blog Negro Nicolau, Tiago Alves afirmou que o atleta ficou em sexto lugar no geral e que teve o apoio da prefeitura de Altaneira.

Ao falar no nível da competição, o treinador frisou:

Não é um evento de alto nível, mas os 15 primeiros atletas estão entre os melhores do cariri”.

Ravi Timóteo é aluno da terceiro ano do ensino médio integrado á educação profissional, da Escola Estadual de Educação Profissional Welington Belém de Figueiredo, em Nova Olinda.

Teólogo Leonardo Boff voltar a criticar Temer: “a corda vai arrebentar, virá violência”



O escritor e teólogo Leonardo Boff voltou a criticar o governo de Michel Temer, o primeiro presidente denunciado por corrupção na história do País e, segundo a última pesquisa Datafolha, com apenas 7% de aprovação, a menor popularidade em 28 anos.

"Temo que dentro de pouco tenhamos sequestros e terrorismo no Brasil, em reação aos excessos do governo. A corda vai arrebentar, virá violência", escreveu Boff no Twitter.

Do 247 - Além de ter chegado ao Palácio do Planalto por meio de um golpe e de ser denunciado por corrupção, Temer tenta emplacar as reformas Trabalhista e Previdenciária, rejeitadas pela ampla maioria da população, e pior: deve ser alvo de novas denúncias do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Em maio, após vir à tona o conteúdo das gravações da JBS, o procurador também acusou Temer de obstrução judicial e organização criminosa.

Para que Temer seja investigado pelo STF, a Câmara precisa autorizar - o trâmite da denúncia por corrupção já acontece na Casa. Para escapar, o peemedebista tenta comprar votos.

Levantamento da ONG Contas Abertas aponta que o governo federal liberou em junho R$ 134 milhões em emendas parlamentares a 36 dos 40 deputados que votaram a favor do presidente Michel Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os deputados que votaram contra o presidente tiveram liberados no mesmo mês R$ 66 milhões em emendas (metade do valor dos pró-Temer).


Intensos debates marcam assembleia sobre precatório do Fundef em Altaneira


Cerca de 60 profissionais do magistérios se fizeram presentes na assembleia extraordinária do Sinsema. Foto: Nicolau Neto.
O Auditório do Sindicato dos Servidores Municipais de Altaneira (Sinsema), localizado na Avenida Santa Tereza, Sítio Poças, foi palco na manhã deste sábado, 22, de uma assembleia extraordinária com o propósito de debater, analisar e encontrar saída para o problema que se gerou com os recursos provenientes do precatório do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).

Na última terça, 18, houve reunião com esse mesmo propósito, mas sem nenhuma deliberação, o que ensejou a assembleia desta manhã. O encontro contou com significa presença da classe de professores (as), além de ter tido a participação do prefeito e do vice, Dariomar Soares (PT) e Charles Leite (PDT), respectivamente. Ambos foram convidados pela direção do sindicato, tendo sido, pois, uma exigência dos profissionais do magistério.

Maria Lúcia de Lucena, presidenta do Sinsema, afirmou que o dinheiro já estava disponível e é referente ao período de 1999 a 2003. Em contato com a redação do Blog Negro Nicolau, Lucena afirmou que em 2016 foi criada uma comissão e a esta caberá definir quais profissionais terão direito a receber o recurso, mas que ainda não foi realizada essa discussão, visto que a prioridade era construir um levantamento de todos os profissionais de 1999 até o presente. 
O prefeito Dariomar Soares diz que tem interesse em pagar o recurso do precatório, mas que só faz com ordem judicial.
Foto: Nicolau Neto.
Ao tomar a palavra, Dariomar realçou que já abriu duas contas, uma para os 60% e outra para os 40%, mas que só pode pagar com autorização judicial. Disse ainda que sua decisão se baseia na Lei de Responsabilidade Fiscal que apregoa que ele, enquanto gestor público, não pode transferir recursos voluntariamente. Ressaltou, porém, que tem todo o interesse em contribuir com os docentes nesta causa.

Diretora da Escola Santa Tereza,
Meirenildes, durante reunião do SINSEMA.
Foto: Nicolau Neto.
A fala do prefeito foi contestada pela professora e diretora da escola estadual Santa Tereza, Meirenildes Alencar. Para ela, a destinação dos recursos em destaque não entra na lei de responsabilidade fiscal. Eles, segunda Meire, são um direito dos professores que lhes foram negados pela união e que agora estão sendo repassados aos municípios, citando exemplos de cidades cearenses que já fizeram essa distribuição, como Santana do Cariri e Juazeiro do Norte. Sua fala foi endossada pelos professores Adeilton, Gilson e Nonato.

O prefeito contra-argumentou frisando que estas gestões não levaram em consideração a lei.

Depois de intensos debates, a presidente do sindicato indagou aos professores qual a melhor decisão, se esperava a notificação do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM ) sobre o caso, como colocado anteriormente pelo prefeito ou se entravam na justiça. Por maioria, a primeira proposta prevaleceu, já que Dariomar frisou que se o órgão afirmar que se deve fazer a transferência ele o fará.

Cerca de 60 (sessenta) docentes se fizeram presentes em uma reunião que se estendeu até às 11h30. 

Quem tem medo do João Cabral?


Estigmatizado pela violência, colorido pela cultura popular e vívido no cotidiano de seus moradores, o bairro João Cabral releva os contrastes e os conflitos de uma cidade interiorana em ascensão.

Entre as linhas imaginárias que delimitam geograficamente os bairros Romeirão, Triângulo e Lagoa Seca está o incompreendido João Cabral, um território marginalizado e temido, mas que possui alma tipicamente interiorana, nordestina e brasileira. Suas ruas são desniveladas, as casas têm porta aberta, as calçadas são um infinito sobe e desce — ora degraus, ora improvisadas rampas — e seus moradores ainda dão aquele jeitinho de sentar ali para jogar conversa fora.

João Cabral é, para além do Horto e dos romeiros de Padre Cícero, motivo de jornalistas, pesquisadores e curiosos voarem de São Paulo até o sertão caririense e aqui sacarem suas câmeras e gravadores. Eles ficam maravilhados de espanto com a riqueza cultural concentrada nesta terra esquecida. Apenas nos arredores da Praça do CC, única do bairro, facilmente se contam 10 grupos de tradição que dançam lapinha, coco, maneiro pau, reisado de congo e de couro, bacamarte e demais folguedos. Quadrilhas de São João também existem aos montes, disputando hora de ensaio na quadra comunitária.


Dizer que o Cariri é celeiro de cultura popular chega a ser, de tão repetido, uma afirmação banal. Mas para Antônio Ferreira Evangelista, 56 anos, líder de reisado popular e brincante há mais de 40, a raiz desse pensamento está fincada em uma localidade bastante específica: o bairro João Cabral. “Se o cabra procurar um bacamarte aqui, ele acha. Se o cabra procurar uma lapinha, acha também”, dispara orgulhoso, apontando para a rua. É no periférico João Cabral que centenárias tradições culturais de Juazeiro do Norte se organizam, se retroalimentam e descansam.

João Cabral tem a maior concentração e grupos de tradição e festejos folclóricos do cariri. Foto: Samuel Macedo.

Bairro de pés descalços, fios emaranhados flutuando sobre as casas com paredes compartilhadas, intimidades reveladas nas roupas à vista, estendidas no varal improvisado, no João Cabral é possível encontrar grandes mestres da cultura popular desfrutando um copo de café passado na hora por suas comadres, sentados nos meio-fios enquanto contam engraçadas histórias de apresentações que fizeram fora dali. Na empolgação do momento, deixam os copos sujos nas janelas alheias, que são lembrados apenas quando a dona da casa dá fé de uma louça faltando.

Morando aqui há 30 anos, o mestre Antônio vê com tranquilidade as mudanças pelas quais o populoso bairro passa. “Aqui era uma grota medonha de tão profunda, onde tudo que se via era Juremas do outro lado. Não tinha nada. Quer dizer, tinha uma ponte de madeira que os corajosos encaravam de passar. Hoje, a grota é praticamente uma avenida, e as Juremas deixaram de existir”. Conta ainda que, em meados de 1987, quando se mudou para essas bandas o bairro também levava o apelido de “baixa das almas”, pelo ruído que o vento fazia nas árvores, assustando os pastores de cabra que ali trabalhavam.

Mas medo de alma nenhuma assusta mais o mestre que o custo de morar. Antes do João Cabral, morou nos bairros Limoeiro e Franciscanos, mais próximos do centro da cidade, e foi migrando de um para o outro na medida em que o aluguel, fator determinante, aumentou com o passar dos anos e com a relevância comercial dos terrenos. “E do jeito que aqui anda aumentando também, daqui a pouco ele vai morar na ‘baixa da raposa’, ali perto do Jardim Gonzaga”, brinca o irmão Raimundo, também mestre. Antônio reza para que não.

Foto: Samuel Macedo.
O bairro é, dizem os jovens moradores, dividido em dois. A parte rica das paredes de cerâmica e dos aluguéis a R$ 500 mensais e a parte pobre, “a favelinha”, das ruas que mais parecem paletas de cores, na simplicidade das tão diversas fachadas, que não escondem as precárias condições de vida. Ainda que a dita parte rica continue bastante pobre em infraestrutura básica se comparada aos bairros vizinhos, a disputa por um status de superioridade, seja pela posse que for, existe e é forte, como relatado no trabalho acadêmico coordenado pelo pesquisador Antoniel dos Santos Gomes Filho.

João Cabral é terra de conflitos, contrastes, alto índice de criminalidade, tráfico e prostituição infantil — onde basta cruzar a rua para sair de um bairro carente de políticas de saneamento, saúde, habitação, segurança e educação — para adentrar na Lagoa Seca, bairro de condomínios, mansões e restaurantes finos, onde iluminação, rede de água e esgoto e segurança pública não são problema. E é aqui que os irmãos Antônio e Raimundo e os mestres Zé Nilton e Francisco, o Nena, trabalham incansavelmente para dar continuidade às tradições, atraindo crianças e adolescentes para a cultura, afastando-as das tentações do crime.

"Aqui a gente faz e respira cultura", diz o brincante Zé Nilton , bacamarteiro. Foto: Samuel Macedo.
O João Cabral é uma peleja”, afirma o mestre Raimundo. “Enquanto a gente peleja para tirar as crianças da rua, os mais fortes que a gente, que é o tráfico, continua colocando elas em risco”, lamenta. Para ele, a batalha cotidiana travada pelo trabalho social realizado pelos grupos de tradição no João Cabral é ação educativa, cultural e de lazer que precisa de mais atenção por parte dos poderes públicos. Entre reisado, quadrilha junina e bacamarte, são mais de 300 crianças e adolescentes diretamente envolvidos — e a meninada quer brincar!

João Cabral é bairro novo, povoado de 1980 para cá por aqueles que não temiam a tal medonha grota ou não tinham outra saída senão aqui se assentarem. Hoje é mar de casas levantadas pelo esforço exaustivo daqueles que tiveram a pele queimada pelo sol e banhada de suor e que hoje anseiam, sob o teto que construíram, descansar assistindo ao jogo de futebol do domingo. Mestre Francisco Gomes Novais, o Nena, grande nome da cultura popular, é exemplo disso. Morador do João Cabral há mais de 20 anos, encontrou, aqui, lugar para desenvolver sua arte, o bacamarte. “Nunca mexerem comigo e nunca mexeram com a cultura. Existe esse respeito, porque eles [as facções criminosas] sabem que estamos fazendo um trabalho bom, que valoriza o bairro”, diz.

Também não se mexe com as religiões — pelo menos não hoje em dia, depois de tanta resistência dos praticantes. É no João Cabral onde mais se abrigam casas de umbanda e candomblé em Juazeiro do Norte. Justamente aqui. Na rua Pio Norões, Daniel Guedes, 19, corre de um lado para o outro em busca dos preparativos para uma festividade religiosa. “Apesar de alguns olhares tortos de quem não conhece e também não faz questão de conhecer a religião, sempre fui bem tratado e me sinto bem, me sinto confortável no João Cabral”, revela. Filho de Iemanjá, praticante do candomblé no terreiro de Jagumar, Daniel cultiva com esmero dois altares em casa, um para a rainha dos mares e outro para Santo Antônio, protetor dos pobres.

Juazeiro, em cada casa, um altar. E na do candomblecista Daniel, ritos e  oferendas para Iemanjá. Foto: Samuel Macedo.

Trabalhador, o João Cabral é lugar onde tem de tudo um pouco, evitando, assim, a fadiga das senhoras de chinelos gastos e varizes desenhadas nas pernas de irem longe em busca uma mercadoria qualquer. Oficinas, mercadinhos, verdurões, cabeleireiros, lojas de roupa improvisadas em garagens sem carro a cada esquina. Trabalha-se onde mora e dorme-se onde trabalha. Preguiçoso, o João Cabral também abraça comadres de certa idade que passam o dia nas calçadas forçando a vista em caderninhos de novena ou até mesmo aprendendo com seus netos a enviar uma mensagem de áudio no Whatsapp.

O bairro também é casa de Maria Socorro Rodrigues da Silva, 58 anos, mãe de 11 filhos — dos quais apenas quatro estão vivos, adultos e sadios — e avó de 12 crianças, a quem ela declara com afeto ser “tudo na sua vida”. Personagem recorrente nas histórias do bairro, Maria Socorro é conhecida por suas aventuras alcoólicas noites adentro. Nem se orgulha nem sente vergonha de suas noitadas quando mais jovem; prefere contá-las em atmosfera blasé, de pernas cruzadas sobre a cama, que também serve de sofá em sua humilde e pequena casa.

Assentada na rua Senhor do Bonfim, antes morou na rua Farias Brito, e antes mesmo disso morava em Acopiara, de onde veio “fugida mais um bicho velho, que depois mandei embora”. Maria Socorro viu as primeiras casas serem levantadas e viu, também, os primeiros bares, estabelecimentos que anos atrás apreciava bastante. “Fui a mulher que mais bebeu cachaça nesse João Cabral, você acredita?”, e gesticula com o indicador para cima. “Juazeiro não era de ninguém, era meu. Rodei por todos os bares e bairros dessa cidade sozinha, porque só gosto se for assim”. 

Maria do Socorro, boemia,  perdas e  encontros. Foto: Samuel Macedo.

Virava noites dançando e bebendo sozinha, mas era quando o dinheiro acabava que “virava o diabo”. Não lembra as vezes em que foi levada pelos policiais por desordem e, chegando na prisão, surpreendentemente ficava sóbria. “Tá boa, Socorro?”, perguntavam os vizinhos nos dias após os virotes, preocupados. “Não, eu não tava doente não”, respondia ela cheia de graça. E lembra os relatos que ouvia, espantada, sobre os acontecimentos, sem qualquer lembrança deles. “Mulher, tu me esculhambou ontem, tu dormiu na rua, tu caiu na lama, tu avançou em cima do carrinho de picolé”.

Por essas e outras ganhou sua fama no bairro, que atribui à pobreza material na qual foi destinada a viver e às barreiras que enfrentou em consequência da falta de estudo e dinheiro. Era continuar bebendo ou viver, então decidiu viver. Hoje, do alcoolismo, ela promete, está curada. Completaram-se 12 anos desde seu último gole, e assim está melhor. Continua sendo personagem carismática nas histórias do bairro que tanto ama e por quem compra briga com motorista de ônibus e moto-táxi, que voltando do forró de todo domingo em Barbalha, tenta fazer piada dizendo: “A senhora mora no João Cabral? Ave, Maria! Deus me livre! Tenho medo até de passar perto”.

JOÃO CABRAL, O HOMEM

Conforme conta o historiador Raimundo Araújo, João Cabral de Medeiros não tinha renome quando saiu de Pernambuco e chegou em Juazeiro do Norte. Tinha, na verdade, apenas a pataca de 200 réis que seu padrinho de crisma — nada menos que Padre Cícero Romão — lhe presenteou para começar a vida adulta. Começou sua vida como comerciante, vendendo rapadura e farinha nas ruas. Pelo carisma, fez amizade com figuras importante, tais como Dr. Floro Bartolomeu, que lhe apresentou ao jogo do bicho, tornando-se o primeiro banqueiro do tipo por essas partes. João Cabral enriqueceu com as apostas, com a agricultura e com o comércio, sob benção do padre. Casou-se com Maria Coimbra e teve um filho, Antônio Coimbra Cabral, que viria a ser um líder estudantil. Morreu 1971, aos 81 anos, recebendo a homenagem póstuma de batizar um bairro.

Fonte: Cariri Revista, edição 30. Editora 309. Juazeiro do Norte. Reportagem: Alana Maria Soares.