Mostra de Cinema Negro é adiada por acusações racistas e falta de representatividade


Cena do filme 'Raça' de Joelzito Araújo. Foto: Olhar Conceito.
Marcada para acontecer entre os dias 15 e 19 de novembro em Cuiabá, a “Liberdade: Mostra de Cinema Negro” foi adiada pela Secretaria de Estado de Cultura de Mato Grosso (SEC) após acusação de falta de representatividade na organização e programação do evento, por parte de agentes culturais e do audiovisual de Cuiabá, e também de abordagem racista no material de divulgação. Durante reunião para deliberar os novos rumos da mostra no Palácio da Instrução na última sexta-feira (11), novas acusações de racismo, agressão verbal e nenhuma decisão quanto ao rumo do evento.
Publicado Originalmente no Ceert


A crítica inicial se dirigiu ao conteúdo da programação do evento, que apesar de ser uma mostra sobre o cinema negro, tinha em sua relação palestrantes, cineastas e demais convidados em maioria brancos. Além disso, foi duramente criticado os dizeres “deu branco” para referenciar parte da programação em que pessoas brancas eram destaque.



Outra reclamação dos agentes culturais e coletivos negros foi a de que apenas as ditas ‘panelinhas’ foram convocadas para opinar e auxiliar na organização do evento e que nenhum coletivo negro, que segundo eles teriam propriedade para abordar o assunto, foi convidado para participar. Dito isso, foi elaborado um documento justificando o repúdio ao evento com mais de 100 assinaturas.

A reivindicação feita por meio do facebook provocou a reação da SEC que emitiu uma nota oficial, convidando a sociedade civil para reunião no Palácio da Instrução na última sexta-feira (11), a fim de ouvir as reivindicações e ampliar o diálogo.

Segue nota:

COMUNICADO:

Em respeito aos agentes da classe artística e todas as entidades que lutam pela igualdade racial e de gênero neste Estado e também pelo reconhecimento dos questionamentos pertinentes à programação da Liberdade – Mostra de Cinema Negro, a Secretaria de Estado de Cultura resolve reprogramar as atividades do evento de modo colaborativo, mantendo a participação do cineasta Joelzito Araújo e do antropólogo Celso Prudente, além da exibição dos filmes dirigidos por Joelzito.

A medida visa ampliar o diálogo e o engajamento de toda a sociedade e especialmente para dar voz a todos aqueles que atuam em prol da visibilidade e valorização da identidade cultural da ancestralidade negra.

Deste modo, a secretaria convida para reunião nesta sexta-feira (11), às 19 horas, no auditório do Palácio da Instrução para colaboração na reestruturação da programação regional no que tange a debates, mediação e filmes a serem exibidos visando a ampliação da representatividade de produtores culturais, artistas e pensadores do movimento negro em Mato Grosso.

Após a reunião, em um desabafo, a coordenadora do Movimento Rota e produtora cultural em Cuiabá, Amanda Nery, que foi a reunião, publicou na página do evento no facebook um relato da situação de desrespeito e racismo, que segundo ela e testemunhas, vivenciou.

No texto ela destaca a ausência do secretário de cultura, Leandro Carvalho, que foi representado pela secretaria adjunta Regiane Marchieli e também uma agressão verbal e racista por parte de João Manteufel, que ela menciona como “responsável pela curadoria dos filmes e dono da empresa licitada para fazer a cobertura do evento”.


João Manteufel é sócio-diretor da empresa Donamaria Produções Criativas, contratada segundo ele para registro fotográfico e filmográfico do evento. João se pronunciou por meio de nota defendendo a programação inicial do evento e defendendo seus organizadores dizendo: “Temos raízes negras evidentes, vivendo no seio da cuiabania por gerações, fato que nos orgulha imensamente. Ademais, limitar a representatividade negra e reduzi-la dessa forma é discriminar às avessas todos aqueles que podem e devem dar uma contribuição relevante em matéria cultural, mesmo que não sejam negros. Trata-se de uma discussão ideológica pobre, maniqueísta que, no fundo, reflete o interesse comercial por um mercado fechado e excludente”.

Confira a nota de João Manteufel na íntegra:

A Secretaria de Estado de Cultura comunica que o evento “LIBERDADE: MOSTRA DE CINEMA NEGRO”, que seria realizado no período de 15 a 19/11/2016, será prorrogado para uma nova data, em razão da reorganização de sua programação proposta pelo movimento negro e agentes do setor do audiovisual em reunião aberta no dia 11/11. Informamos que a SEC continuará trabalhando de forma integrada com os segmentos envolvidos para a finalização da nova programação.

Acerca da suspensão do evento LIBERDADE – MOSTRA DE CINEMA NEGRO, a Donamaria Produções Criativas esclarece que nossa participação no evento limitava-se ao registro fotográfico e filmográfico do evento. Questões atinentes às escolhas de filmes, participantes e roteiro de palestras, competem exclusivamente à curadoria.

Lamentavelmente na reunião ocorrida no dia 11/nov, na sede do Palácio da Instrução, os colaboradores da Pasta foram hostilizados a ponto de serem obrigados a se retirarem do local.

Lamentamos pelo curador Dioney Garrijo que também foi agredido com uma profunda falta de respeito. O evento demanda divulgação do ciclo de palestras e vídeos que compreendem planejamento. Por mais democrática que tenha sido a montagem do programa, sugestões de última hora prejudicaram o fechamento do material finalizado.

Quanto às colocações realizadas na reunião, reputamos como infelizes: a identidade negra, com sua riqueza, singularidade, diversidade, está muito bem representada pelo programa proposto. A acusação de que os organizadores “não são negros o suficiente” ou “não há negros na direção” para planejar e executar o evento é, não só infeliz, como preconceituosa. Temos raízes negras evidentes, vivendo no seio da cuiabania por gerações, fato que nos orgulha imensamente.

Ademais, limitar a representatividade negra e reduzi-la dessa forma é discriminar às avessas todos aqueles que podem e devem dar uma contribuição relevante em matéria cultural, mesmo que não sejam negros. Trata-se de uma discussão ideológica pobre, maniqueísta que, no fundo, reflete o interesse comercial por um mercado fechado e excludente.

Ofensas pessoais e ao trabalho profissional desenvolvido pela produtora não passarão incólumes. Serão objeto de ação própria na esfera cível e criminal.

Não aceitamos a formação de “nichos de mercado”. As propostas públicas de um governo transparente devem oportunizar a participação de todos, indistintamente, sob pena de se dar o racismo às avessas. O único critério que deve nortear qualquer produção pública é o talento como o curador tem demonstrado.

Esperamos da SEC-MT a manutenção da programação, em respeito aos organizadores, colaboradores e o povo mato-grossense interessado em conhecer e divulgar a cultura e identidade negra que marca profunda e positivamente o Estado de Mato Grosso.

A mostra de cinema negro é uma iniciativa da Secretaria de Cultura que precisa ser apoiada e aplaudida por toda a comunidade cultural e pelo público de cinema.

João Manteufel

Sócio-diretor da Donamaria Produções Criativas

Após tal ocorrido, a SEC se pronunciou cancelando o evento temporariamente:

COMUNICADO

A Secretaria de Estado de Cultura comunica que o evento “LIBERDADE: MOSTRA DE CINEMA NEGRO”, que seria realizado no período de 15 a 19/11/2016, será PRORROGADO para uma nova data, em razão da reorganização de sua programação proposta pelo movimento negro e agentes do setor do audiovisual em reunião aberta no dia 11/11. Informamos que a SEC continuará trabalhando de forma integrada com os segmentos envolvidos para a finalização da nova programação. Logo será divulgada a nova data.

Lembrando o Partido dos Panteras Negras


Por Robert Greene II ( tradução : Gleice Barros)

Publicado na Jacobin Magazine – https://www.jacobinmag.com/2016/10/black-panther-party-fifty-year-anniversary-founding/

Legenda da Foto: Charles Bursey oferece um prato de comida a uma criança durante programa social de café da manhã gratuito dos Panteras Negras.

Cinquenta anos após sua fundação, a visão anti racista e anticapitalista dos Panteras Negras continua muito relevante hoje.

Este ano marca o quinquagésimo aniversário da famosa frase de Stokely Carmichael “Poder Negro” (“Black Power”) e da formação do Partido dos Panteras Negras (” Black Panthers Party” ou BPP).
Publicado no Esquerda Online

Criação dos ativistas radicais Huey Newton e Bobby Seale em Oakland, os Panteras Negras logo se transformaram na maior e mais promissora manifestação da ideologia do “Poder Negro” a partir de sua fundação em outubro de 1966. Apesar disso, muito sobre os Panteras permanece esquecido ou distorcida pela referência de pistoleiros, o que impede uma compreensão mais profunda de seus objetivos.

Com o intenção de fazer um registro mais exato, o que se segue é uma apresentação do Partido dos Panteras Negras – grupo que meio século depois de sua fundação, continua a nos ensinar muito sobre organização, ideologia e os riscos de construir a revolução socialista nos Estados Unidos.

Origem e objetivos
Os Panteras Negras seguiram os passos de outros grupos de negros esquerdistas como a Irmandade de Sangue Africano e o Congresso Nacional Negro. Como seus antecedentes, os Panteras incorporaram tanto o nacionalismo negro quanto o socialismo. Seale e Newton defendiam a construção de uma organização que pudesse defender a comunidade negra da brutalidade policial, ao mesmo tempo que oferecesse uma audaz visão anticapitalista.

Diferente da maioria das organizações do Movimento Dos Direitos Civis, os Panteras viram a sua base ideológica de “Lumpemproletariado Negro e Urbano”, no panfleto intitulado “Sobre a ideologia do Partido dos Panteras Negros” escrito por Eldridge Cleaver, um dos primeiros líderes do grupo.

Para Cleaver e outros líderes, o lumpemproletariado negro era formado por aqueles em permanente reserva – afro-americanos em Oakland ou qualquer outro lugar que eram incapazes de encontrar emprego ou obter o conhecimento necessário para competir no moderno mercado de trabalho. Eles olhavam para este segmento da população – ao invés do tradicional agente da revolução, a classe operária organizada – para fortalecer sua luta contra a supremacia branca, o imperialismo e o capitalismo.

Nascido em Oakland, uma cidade com longa história do radicalismo e luta pelos direitos civis, o BPP formou células por todo o país – de Nova Iorque a Chicago e no Sul, em lugares tão diferentes como Winston-Salem na Carolina do Norte e New Haven em Connecticut. No auge, o BPP agrupou mais de cinco mil membros nacionalmente. E atingiram muito mais através da publicação, O Pantera Negra, com circulação de 250 mil exemplares.

O que dava coesão a várias células não era necessariamente um grande líder, mas sim o caráter do Poder Negro, a organização da comunidade e o socialismo, que canalizou a energia de jovens afro-americanos revoltados com a hipocrisia da grande sociedade liberal e a insensibilidade do conservadorismo da Nova Direita. Jovens e talentosos líderes floresceram a nível local, o mais notável deles, Fred Hampton em Chicago.

Em resistência a brutalidade policial de Oakland, os panteras adotaram a autodefesa armada, uma tática aplicada por muitos afro-americanos por todo o Sul dos Estados Unidos. A conexão geográfica não era exatamente uma coincidência. Fundada por dois sulistas (Seale do Texas e Newton de Louisiana), o BPP compartilhou de símbolos icônicos como a Organização de Libertação do Condado de Lowndes do Alabama (organizado por Carmichael). Ambos os grupos desafiavam diretamente as bases da supremacia branca.

Mas para os Panteras, a luta contra o racismo era incompleta sem a luta contra o capitalismo. O programa de 1966 com dez pontos, a mais clara expressão programática da política do grupo, lançou uma análise crítica sobre a supremacia branca e o capitalismo na América. Entre suas demandas tinha o “pleno emprego”, “moradia decente” e um “plebiscito supervisionado pelas Nações Unidas” para determinar se os afro-americanos queriam se separar dos Estados Unidos e formar sua própria nação.

Cada um destes objetivos, somados a outros descritos neste programa de dez pontos, apontou para uma organização que já vinculava várias vertentes do pensamento de esquerda predominantes no final dos anos 1960.

As atividades do Partido dos Panteras Negras

Junto às mais importantes atividades dos Panteras estavam os serviços sociais ou “programas de sobrevivência“. O mais famoso era o programa de café da manhã gratuito, que fornecia alimentação para vários jovens afro-americanos pobres em Oakland. Outro foi o programa local de educação em saúde, que auxiliou afro-americanos sem acesso a assistência médica de qualidade.

Somados, mais de sessenta programas de sobrevivência permitiram aos Panteras Negras dar suporte a muitos lutadores da classe trabalhadora afro-americana, melhorando imediatamente o nivel de vida dos residentes enquanto semeavam o futuro socialista.

Os Panteras também ficaram conhecidos por patrulhar a policia de Oakland em batidas. Armados com espingardas e livros com as leis da Califórnia, viajavam pela cidade monitorando as paradas policiais, buscando inibir a violência. Por empunhar suas armas, a Assembleia Legislativa da Califórnia aprovou, e o então governador, Ronald Reagan, votou o ato Mulford de 1967, que proibia o transporte público de armas carregadas.

A policia não viu com bons olhos a supervisão armada dos Panteras. No mesmo ano que o ato Mulford foi aprovado, uma batida policial se transformou em um tiroteio entre Newton e o policial de Oakland, John Frey, que morreu no local. O subsequente julgamento de Newton se tornou a principal causa para a esquerda americana, com o “Liberdade para Huey” assumido como um grito de guerra contra a opressão, a brutalidade policial e a supremacia branca da sociedade americana.

A inquietação se acumulava nas fileiras do governo sobre a ameaça que os Panteras representavam para a segurança nacional do país. Além dos ataques e emboscadas organizados pela polícia, o FBI, sob o crivo do impopular COINTELPRO (Programa de Contrainteligência), entrou em guerra contra os Panteras. A agência tinha um interesse especial nas células de Oakland e Chicago, incutindo desconfiança entre os membros do BPP e muitas vezes, deixando os membros inseguros sobre quem exatamente poderiam confiar.

O assassinato de Frey Hampton e, do também líder dos Panteras Negras, Mark Clark, durante batida da policia de Chicago no apartamento de Hampton, em 4 de dezembro de 1969, mostrou até onde iriam as autoridades locais e nacionais para suprimir o Partido dos Panteras Negras. Até mesmo os grupos do programa de café da manhã gratuito – reconhecido como potencializadores do radicalismos das novas gerações de afro-americanos – foram alvo do FBI e das forças policiais locais.

Sobre a pressão da forte repressão estatal, discussões ultimatistas explodiram o grupo em diferentes atividades. No início da década de 1970, os Panteras Negras tinham se dividido em linhas ideológicas e táticas diferentes.

Huey Newton queria focar a atenção do BPP no ativismo local, educação e programas de serviços comunitários. Eldridge Cleaver – naquele momento ministro de informações do BPP, mas que tinha partido para Cuba e então Argélia, depois de uma emboscada da polícia de Oakland – pressionou o partido a se preparar para realizar uma insurreição armada nos Estados Unidos. A cisão se tornou pública em 1971, quando Newton criticou abertamente Cleaver nas páginas do periódico Pantera Negra.

Quando Elaine Brown se tornou a presidente do partido em 1973 – substituindo Newton, que se exilou em Cuba –, mudou-se decisivamente a orientação basilar do partido. Brown priorizou o serviço comunitário, administrando a Escola Comunitária de Oakland durante a década de 1970 e, no processo, educando centenas de crianças afro-americanas em Oakland.

Durante seu mandato, o BPP se transformou em jogador do poder político em Oakland e Califórnia. Bobby Seale concorreu,com uma forte campanha, a prefeitura de Oakland em 1973 (terminando em segundo lugar em uma corrida com nove pessoas antes de perder em segundo turno), e Brown concorreu a câmara municipal em 1973 e 1975 (chegando perto nas duas vezes). Brown também apoiou a bem-sucedida campanha do democrata Jerry Brown a governador em 1974 (embora tenha dado pouco resultado para o eleitorado do BPP).

No final, a visão de Newton para o BPP ganhou grande espaço. Mas seu retorno do exílio em 1976 desencadeou outra luta de poder que acabou destruindo o BPP.

Relações com a esquerda
Os Panteras Negras não se isolaram do resto da esquerda. Sua célula de Chicago, por exemplo, estabeleceu relações com os Jovens Patriotas, uma organização que reunia principalmente os filhos e filhas dos migrantes brancos “Appalachian “. Em 1969, o BPP convidou os Jovens Patriotas e outras organizações de esquerda a irem a Oakland para participar da Conferência da Frente Unidos contra o Fascismo.

A liderança de Hampton foi essencial para estabelecer estes contatos. Como cabeça dinâmica do BPP em Chicago, Hampton apelou aos brancos pobres como parte do seu esforço para criar uma aliança de desprovidos que fosse antiracista e anticapitalista. Como ele mesmo explicou “não podemos lutar contra o racismo com racismo, mas sim, vamos lutar com solidariedade. Vamos lutar com o socialismo”. Seu assassinato em 1969 foi devastador para os Panteras Negras e arrancou do movimento um dos seus jovens líderes mais promissores.

Os Panteras também se envolveram nos movimentos anti guerra, vendo que sua luta pela libertação negra e autodeterminação estava vinculada a luta de resistência dos movimentos no Vietnã, Argélia e outros lugares. E até mesmo, abriram uma célula em Argélia em 1969. Quando se engajaram no movimento antiguerra (“uma das primeiras coalizões de trabalhadores que estivemos”, Seale destacou), os panteras deixaram claro que os abusos sofridos pelos afro-americanos nos Estados Unidos nas mãos da polícia refletiam a repressão que os vietnamitas e outros grupos experimentavam com o exército americano.

Os escritos de Newton sobre a ideologia do Partido dos Panteras Negras no final dos anos 1960 refletia uma tendência mais ampla entre os afro-americanos radicais – de Martin Luther King Jr a Stokely Carmichael – que lincava o racismos dentro dos EUA ao imperialismo internacional. Newton, por exemplo, expressou apoio à Palestina diversas vezes em seus ensaios amplamente lidos.

No anos 1970, como membros da ampla esquerda do Poder Negro, os Panteras se engajaram em debates sobre o melhor plano de ação para os afro americanos em decorrência do declínio do Movimento dos direitos Civis. Abnegados ao movimento do poder negro, como Amiri Baraka (LeRoy Jones antes de seu giro para o nacionalismo negro no final dos anos 1960), se tornaram marxistas declarados e evitaram a retórica nacionalista.

Os Panteras, menos nacionalistas negros do que a imaginação popular supunha, nunca abandonaram a marca do poder negro. Mas gastaram um tempo considerável pensando a melhor maneira de convergir o nacionalismo negro ao socialismo – e demonstravam na prática outros grupos de esquerda no processo.

O legado dos Panteras
O trabalho dos Panteras Negras se mantém muito importante por diversos motivos. Primeiro, eles nos relembram o problema da brutalidade policial existente há muito tempo (Martin Luther King Jr até mencionou em seu tão citado, mas frequentemente mal interpretado, discurso “Eu tenho um sonho”). Certamente, os protestos que se seguiram a morte de Denzil Dowell no norte de Richmond, comunidade próxima a Oakland, em abril de 1967, cumpriram um grande papel no crescimento do BPP de uma pequena estrutura para uma grande força política e social.

Segundo, o BPP ofereceu um bom modelo de ativismo e ideologias principistas em prática. Enquanto o grupo explodia devido aos conflitos entre Newton e Cleaver nos anos 1970, os Panteras continuaram a fazer importantes trabalhos em Oakland. Seu “programa de sobrevivência” ajudou os afro-americanos que viviam na pobreza e que não podiam depender do governo local para ter qualquer assistência. E o essencial, eles aliaram os programas de café da manhã e educação a um amplo projeto político. Uma engenhosa combinação de prática e visão, o trabalho comunitário do BPP foi o trabalho mais revolucionário que realizaram.

O Partido dos Panteras Negras também se provou um importante treino para as ativistas afro-americanas, como Kathleen Cleaver e Elaine Brown. Assim como no movimento dos direitos civis, as mulheres do partido fizeram grandes coisas no partido, mesmo que iniciais.

Isto não quer dizer que o BPP foi um modelo de direito das mulheres. Enquanto Seale e Newton formavam o grupo, eles direcionaram seus apelos aos irmãos do bloco. (Em outros tempos, a retórica deles era muito progressiva: em Agosto de 1970, Newton se tornou um dos primeiros lideres afroamericanos de qualquer tipo de ideologia a expressar solidariedade a gays e lésbicas americanos). Até mesmo durante a presidência de Brown, a liderança do grupo permaneceu majoritariamente masculina e a mulher Pantera era submetida a abusos físicos e verbais.

Mesmo assim, Brown e outras mulheres Panteras Negras abriram espaço e contribuíram poderosamente a organização.

Finalmente, o legado do Partido dos Panteras Negras pode ser visto no atual movimento “Vidas Negras Importam”. As demandas no movimento Vidas Negras por justiça econômica, poder às comunidades e reparação remonta a plataforma de dez pontos dos Panteras Negras. E, como os movimentos do poder negro e direitos civis, teve que lidar repetidamente com a cobertura mediática negativa e com uma crítica “leve” de muitos liberais americanos.


Hoje, cinqüenta anos após sua fundação, os panteras devem ser lembrados por mais do que suas beretas e espingardas negras. Apesar de suas falhas, eles transformaram o imediato e transformativo em uma potente visão política, reivindicando uma aliança multirracial contra o racismo, o capitalismo e o imperialismo, e entregou ganhos tangíveis aos mais explorados. Esta visão é agitada até hoje.




Personalidades Negras que Mudaram o Mundo: Conheça os Irmãos Rebouças



Irmãos Rebouças, Antonio e André Rebouças, nascidos em Cachoeira BA, no final do século XIX.

Filhos de Antônio Pereira Rebouças, advogado, político e conselheiro de Dom. Pedro I, recebedor da Ordem do Cruzeiro por serviços prestados na Guerra de Independência do Brasil.

Publicado originalmente na página Levante Negro

Ambos engenheiros, André ganhou fama ao solucionar o problema de abastecimento de água no Rio de janeiro, então capital ao traze-la de mananciais de fora da cidade.

Como engenheiro militar, André, auxiliou na Guerra do Paraguai ao desenvolver um torpedo utilizado com êxito durante combates.

Junto ao irmão Antônio, apresentaram a Dom Pedro II o projeto da estrada ligando a cidade de Curitiba ao litoral do Paraná, projeto esse ainda hoje admirado pela sua ousadia e a estrada de ferro de Curitiba a Paranaguá conhecida por suas soluções criativas para transpor a Serra do Mar, também projetou a estrada de ferro que liga Campinas a Limeira e Rio Claro.

André além de engenheiro foi uma das vozes mais importantes para a abolição da escravatura ao lado de grandes nomes negros como Machado de Assis, José do Patrocínio e Cruz e Sousa. Ajudou a fundar a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, participou também da Confederação Abolicionista e redigiu os estatutos da Associação Central Emancipadora.

Foi correspondente do jornal londrino The Times durante seu exílio em Lisboa, após isso vai morar durante um breve período em Luanda e por fim muda-se para a Ilha da Madeira no continente africano onde fica até a sua morte.

Devido à grande colaboração dos irmãos Rebouças seus nomes estão em diversos pontos do Brasil como a Avenida (Doutor) Rebouças em São Paulo, Túnel Rebouças no Rio de Janeiro, Rua Engenheiro Antônio Rebouças em Porto Alegre e a cidade de Rebouças no Paraná.





Crise e vergonha alheia. MEC abre edital de R$ 198 mil pra pagar lanches do ministro e ainda escreve “viagem” com “J”


O Ministério da Educação publicou um edital de licitação na semana passada para fornecer serviços de lanches, 24 horas por dia, sete dias por semana, para os voos que o ministro Mendonça Filho faz nos jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB). O governo pretende gastar R$ 198 mil por ano nesses recursos.

Publicando originalmente na Revista Fórum

Como se não bastassem os valores, o documento do Ministério da Educação ainda foi publicado com diversos erros básicos de português, como por exemplo, quando se escreveu “viajem” ao invés de “viagem”. A justificativa utilizada pelo MEC para o edital é que é preciso aumentar o “conforto” de Mendonça Filho nos voos. As informações foram divulgadas pela revista Época.

Esta contratação tem como objetivo possibilitar ao MEC viagens aéreas mais confortáveis e com recursos próprios quando da utilização em aeronaves, prover também alimentação e serviços de bordo às aeronaves que atendem ao Senhor Ministro da Educação”.

Para chegar aos R$ 198 mil, o ministério usou como base 198 viagens com dez pessoas, com o custo estimado de R$ 100 reais por pessoa. Eles escreveram um termo de referência que prevê bandejas de frutas a R$ 19 e refeições completas a R$ 54, que incluem saladas (o MEC sugere caprese ou de macarrão), prato principal (carne, frango ou até frutos do mar) e sobremesas (pudim, mousse e tortas). Há ainda itens específicos que eles sugerem, como iogurte de ameixa e água tônica.

Todos servidores públicos recebem “diárias” quando viajam, em que estão incluídos valores para alimentação. O valor para ministros pode chegar a R$580. Mendonça Filho acumulou R$ 10 mil em diárias desde junho. Ele fez 28 viagens desde maio, dessas 11 foram para Recife, cidade onde mora.

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Mendonça Filho disse que não sabia do edital e que determinou o cancelamento.


O pedido para alimentação durante os voos da FAB tramitava no Ministério da Educação desde 2014 na área administrativa, que deu continuidade ao processo sem o conhecimento do ministro Mendonça Filho. Após ser informado do ocorrido, o ministro determinou o cancelamento imediato do processo”, informou sua assessoria. Apesar de afirmar que as tratativas ocorriam desde 2014, todas as viagens citadas no edital para justificar a contratação foram feitas no período em que Mendonça Filho era o ministro.


Rebelião anunciada: Quem são os cardeais rebeldes que acusam o papa Francisco de heresia


Uma rebelião anunciada. Um grupo de cardeais manifestou publicamente preocupação com os ensinamentos do papa Francisco, acusando o pontífice de causar confusão em relação a assuntos-chave para a doutrina católica.

Em carta divulgada nesta semana, os sacerdotes questionam o papa por encorajar a Amoris Laetitia (Alegria do Amor), documento que é uma tentativa de abrir novas portas para católicos divorciados e tornar a Igreja mais tolerante com questões relacionadas à família.

Publicado originalmente no Uol

A rigor, a carta não é nova: os cardeais a enviaram ao papa em setembro, com cinco perguntas específicas que exigem apenas um "sim" ou um "não" como resposta. Eles querem esclarecer o que consideram dúvidas ou imprecisões, no que diz respeito "à integridade da fé católica ".

A novidade é que agora eles decidiram tornar seu questionamento público.

Os religiosos, representantes de setores mais conservadores do catolicismo, sugerem que o papa criou uma "grave desorientação e confusão entre os fiéis". E pedem a ele uma resposta para as "interpretações contraditórias" decorrentes de seu tratado sobre o amor.

Pano de fundo
Assinada por quatro cardeais, a carta representa um sinal claro de dissidência, que reflete o descontentamento dos setores mais conservadores da Igreja.

Dos signatários, três são cardeais aposentados: os alemães Walter Brandmüller e Joachim Meisner e o italiano Carlo Caffarra. O americano Raymond Leo Burke, único que ainda está na ativa, é crítico frequente do papa Francisco.

Eles afirmam que decidiram tornar a carta pública após esperar dois meses por uma resposta do pontífice que nunca chegou.

Mas, por trás da carta, o que se observa é uma rivalidade latente entre setores da Igreja, que já tinha sido esboçada em abril deste ano, quando a Laetitia Amoris foi publicada.

Com 260 páginas, o tratado é um guia para a vida em família e propõe que a Igreja aceite algumas realidades da sociedade contemporânea.

Ao invés de fazer críticas, o documento convida os sacerdotes a tratarem com compaixão, por exemplo, os católicos divorciados que voltam a casar, dizendo que "ninguém pode ser condenado para sempre. "

Trata-se de uma das tentativas mais contundentes do papa Francisco em tornar a Igreja Católica mais aberta e inclusiva para seu 1,3 bilhão de fiéis no mundo.
Alguns religiosos afirmam, no entanto, que a Laetitia Amoris está cheia de imprecisões que dão origem a interpretações contraditórias da doutrina católica.

De acordo com especialistas, os cardeais não escolheram tornar a carta pública agora por acaso. A divulgação aconteceu logo após o vazamento de uma correspondência do papa com os bispos de Buenos Aires, sua terra natal, em que o pontífice sugere uma interpretação do seu tratado, considerado uma "heresia" por um dos cardeais signatários.
Em particular, o polêmico capítulo oito de Amoris laetitia, que fala da possibilidade dos divorciados que voltam a se casar em cerimônias civis, sem conseguir a anulação da união religiosa, receberem a comunhão.

A Igreja proíbe a comunhão de divorciados há séculos, por considerar como "irregular" ou ato de adultério toda tentativa de se constituir um casal após uma separação, a menos que se abstenha de relações sexuais e a convivência seja "como irmão e irmã".

A Amoris laetitia não altera a doutrina, mas abre brechas para que os bispos de cada país a interpretem de acordo com a cultura local e avaliem cada caso.

Para o papa Francisco, há fatores que limitam a "responsabilidade e culpa" do divorciado, então a "Amoris laetitia abre a possibilidade de acesso aos sacramentos da reconciliação e da Eucaristia".

"Não há outra interpretação", informou o pontífice, em sua carta aos bispos argentinos.

Aos olhos do público
A carta dos cardeais dissidentes, divulgada na segunda-feira, questiona o papa especificamente sobre esta questão.

Eles o fazem por meio de dilemas, questões teológicas que exigem uma resposta positiva ou negativa, e que são um mecanismo para tirar dúvidas sobre temas relacionados aos sacramentos ou padrões morais.

O primeiro dilema questiona se, ao contrário do que foi estabelecido por papas anteriores, "agora é possível perdoar" ou "dar a comunhão a uma pessoa que, embora unida por um casamento, vive com outra como marido e mulher", o que contradiz expressamente a encíclica do papa João Paulo II de 1981.

De acordo com os cardeais, a falta de resposta do pontífice a essa e outras quatro questões levou à decisão de tornar a carta pública, diante da sua "consciência de responsabilidade pastoral."
Os sacerdotes negam, no entanto, que se trate de um ataque "conservador" contra setores "progressistas" da Igreja, ou uma "tentativa de fazer política" ou de se rebelar contra o papa.

As entrelinhas políticas
Para os teólogos mais conservadores, os ensinamentos modernos do papa sobre as famílias e divorciados católicos são, em parte, "sacrilégio" e "podem justificadamente ser considerados hereges", como sinalizou Steve Skojec, cofundador e diretor da publicação católica One Peter Five.

Eles veem o tratado como um movimento do pontífice para afrouxar as normas morais que regem os fundamentos da Igreja.

Outros religiosos acreditam, no entanto, que a Amoris laetitia não tem peso suficiente para alimentar uma revolta entre os cardeais, muito menos o vazamento da correspondência do papa com os bispos portenhos.

A verdade é que a carta dos cardeais não é a primeira interpelação ao líder do catolicismo. Em julho, 45 teólogos e sacerdotes assinaram outro documento, dirigido ao Colégio dos Cardeais, exigindo esclarecimentos do papa Francisco.

Questões relacionadas ao divórcio - assim como à homossexualidade, à educação sexual, à desigualdade econômica, à responsabilidade no combate às mudanças climáticas e outros temas sensíveis para a hierarquia católica - vêm expondo a cisão entre o papa e os setores mais conservadores da Igreja.

"O papa não mudou a doutrina, mas abriu as portas para uma maior conexão com os católicos em questões como o divórcio, para que sejam analisados casos individuais", afirma a jornalista Caroline Wyatt, responsável há muitos anos pela cobertura de temas religiosos na BBC.

"Os conservadores dizem, por sua vez, que o papa abre caminho para um futuro caos, ao introduzir a ideia de que uma solução única para todos não deve ser o caminho a seguir dentro da Igreja".

No outro extremo, diz Wyatt, estão os liberais, também infelizes. Mas, neste caso, porque não consideram suficiente o processo tardio de modernização da Igreja: esperam "algo que o papa nunca será capaz de entregar."


O cardeal Raymond Leo Burk, em Roma (Itália), Foto: Alessandro Bianchi/Reuters.