“Estado democrático de direito” ou “Democracia”?, por Monica Stival



Proponho que nós, de esquerda, reflitamos sobre o que significa defender pura e simplesmente “a legalidade”, “o Estado de direito”, “a aplicação imparcial das leis”.

Quando discutimos os meios de comunicação, quando discutimos as intervenções e posições cotidianas, mesmo aquelas em almoços familiares ou nas confusões sentimentais em grupos de amigos, costumamos mostrar como é ingênua a afirmação da neutralidade. Tomamos já como discussão vencida a ideia da imparcialidade. Por que, então, haveria neutralidade ou imparcialidade no sistema judiciário?

Quando a lei antiterrorismo for utilizada contra manifestações populares, quando a lei de propriedade for utilizada contra ocupações populares daqueles que não contam nem com a garantia do direito à moradia, quando o aborto for absolutamente criminalizado, vamos defender pura e simplesmente a legalidade? Não estou sugerindo, de modo algum, menosprezar o direito positivo; estou propondo disputar o espaço que confere legitimidade às leis, às interpretações e às decisões jurídicas. É nessa medida que defender a Constituição de 1988 é defender o direito positivo vigente sobretudo porque esta Constituição é uma conquista social substancialmente progressista. Nem toda Constituição é imediatamente boa ou justa, de um ponto de vista político e social (não qualquer ponto de vista). É somente este ponto de vista que pode disputar a legitimidade dos processos institucionais – e a disputa política, sabemos bem, não se dá em esfera pública igualitária, mas nos enfrentamentos por narrativas próprias (aqui o papel fundamental das mídias alternativas e das redes sociais, apesar dos pesares) e nos enfrentamentos práticos organizados, como ocupações e manifestações de rua.

Assim, creio que a tarefa crítica de esquerda seja hoje, sobretudo, explicitar a posição política que cada decisão implica. Não podemos sacralizar o direito positivo, como se a aplicação das normas ou os procedimentos pudessem ser “puros”, independentes de narrativas e de perspectivas políticas e morais. Não se pode simplesmente defender a legalidade por ela mesma, mas disputar o sentido e, com isso, o conteúdo do sistema legal. Por exemplo, creio que caiba à esquerda mostrar que, sim, há lei de responsabilidade fiscal, cujo sentido é fundamentalmente liberal; mas ela implica crime de responsabilidade? A ilegalidade que justifica o termo golpe, abstraindo todo o resto do processo complexo de narrativa e inviabilização de certas figuras politicamente fortes, está na ligação entre a lei que regulamenta a gestão orçamentária e a possibilidade de interromper mandato – essa possibilidade não está dada constitucionalmente. Pelo menos se a questão for analisada politicamente. Afinal, além da letra da lei de responsabilidade há o espírito complexo que faz com que outros direitos dependam de grana, simplesmente – combate à zika, combate à miséria, ao desemprego, etc. Vale notar como é curioso defender alteração no sistema institucional executivo por gestão orçamentária e, ao mesmo tempo, como sugere Armínio Fraga em entrevista recente, propor “orçamento zero”, isto é, a suspensão dos repasses constitucionais – muitos dos quais ligados a políticas públicas que se sobrepuseram, por seu valor social e político, à letra do controle fiscal.

Aqui entra a decisão sobre o vínculo entre essas normas, a viabilidade de políticas públicas dentro do preceito liberal do modelo fiscal e a aplicação da lei geral ao caso particular (sem comentar que se aplicaria, se fosse o caso, a todos os governantes, em exercício ou não…). [não vou tratar aqui da questão das ilegalidades que não estão diretamente ligadas ao processo formal de impedimento aberto na Câmara Federal]. A decisão é conceito político por excelência (e não elemento especificamente jurídico, como diz Schmitt, senão formalmente ligado ao sistema jurídico nesse nosso tipo de sociedade).

Portanto, a democracia se revela esse espaço aberto à disputa política e moral sobre as leis, interpretações e decisões. É na democracia que se pode disputar o sentido político que atravessa necessariamente o sistema judiciário, na medida em que é praticado por pessoas. E explicitar isso não significa menosprezar a ordem jurídica, mas mostrá-la tão humana quanto qualquer outra esfera da vida social, tão política quanto qualquer outra intervenção no espaço comum, no espaço público. Não se pode simplesmente defender a legalidade como se estivesse em questão assentir ao que diz o sistema jurídico, como se este fosse um sistema impessoal que se revelasse a origem e o fundamento da verdade e do justo.

Ora, todo movimento social que obteve vitória na demanda por algum direito social sabe que não se pode reservar as transformações do direito positivo exclusivamente ao movimento de jurisprudência, como se as transformações – que não são “frias”, mas reacionárias ou progressistas, isto é, com sentido político – respondessem apenas a uma necessidade interna do sistema jurídico; ou como se fossem legitimadas em discussões igualitárias cujo procedimento estivesse calcado em uma razão comum. As conquistas sociais sedimentadas na forma jurídica são resultado de disputas que envolvem racionalidades distintas, que envolvem força política, que envolvem posição explícita a respeito do sentido progressista que tais demandas representam, considerando a vida concreta das pessoas (não todas, é claro…).

Combater o normativismo não implica dizer que não há democracia, mas estado de exceção. As medidas de exceção só estão em disputa política e social em uma democracia, em um espaço aberto justamente a diferentes narrativas e interpretações sobre os fatos e sobre o dever-ser (direito). Enquanto pudermos enfrentar esse debate, há democracia. E é explicitando o sentido reacionário de interpretações e decisões correntes que poderemos manter esse espaço aberto e nos colocarmos dele de maneira distinta daquela religiosa pela qual se coloca as decisões jurídicas acima da crítica social. Abrir mão de mostrar que há sentidos distintos nas normas e na sua aplicação é abrir mão de colocar-se no espaço aberto e indeterminado que a democracia permite.

Em debate sobre crise política jornalistas atacam monopólio da mídia



"Não podemos deixar que só uma mídia fale por nós", afirmou o jornalista Miguel do Rosário, do blog O Cafezinho. "As redes sociais estão esvaziando a narrativa do golpe. Estamos conseguindo amanhecer o país dessa treva com a qual a Globo quis subjugar a nação brasileira", disse a jornalista Laura Capriglione, do coletivo Jornalistas Livres.

Blogueiros e jornalistas fazem ato e aula pública sobre legalidade democrática, no centro de São Paulo.
Quem passou ontem (12) no início da noite pela Praça do Patriarca, centro de São Paulo, pôde acompanhar um debate sobre o papel da mídia na crise política do país, que nesta semana se aglutina com a votação do processo de impeachment pelo plenário da Câmara, no domingo (17). O ato, chamado de "Comunicação em Defesa da Democracia", foi realizado pela Frente Brasil Popular, que representa mais de 60 organizações do campo progressista, e reuniu jornalistas da mídia alternativa para falar sobre o papel da comunicação na conjuntura em que forças conservadoras pretendem destituir a presidenta Dilma Rousseff.

As críticas à concentração de mídia no país, nas mãos de poucas famílias; o reinado da Rede Globo sobre a formação de consciência do público, processo que vem sendo questionado pela mídia alternativa e movimentos sociais por meio das redes sociais; e a mídia tradicional como articuladora do golpe em marcha foram os aspectos que permearam as falas dos jornalistas.

"A mídia se arvora o papel de paladino da ética, mas é mentira, porque ela seleciona os adversários que ela quer destruir, seleciona o que quer segundo os seus interesses", disse Miguel do Rosário, ao criticar o problema da concentração de mídia no país. "Na Europa, tem programas de assistência social maiores que os do governo Lula", comentou sobre a dificuldade que o público tem de receber informação diversificada dos meios de comunicação.

Rosário também falou sobre o caso Panama Papers, uma série de investigações que envolvem evasão de divisas por milionários em paraísos fiscais, divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Ele destacou a presença do nome da Rede Globo no caso. "O problema é quando as empresas de mídia, elas mesmas, estão envolvidas em escândalos. Quem vai investigá-las, quem vigia os vigilantes?", indagou.

O jornalista frisou que "a imprensa não pode ter poder absoluto". E afirmou que diante disso surge o pode investigativo dos blogs, que podem esclarecer sobre a sonegação da imprensa. "E agora com o caso Panama Papers surge a Globo, que tem o modus operandi de trabalhar com empresas offshore. Os bilionários botam dinheiro em paraísos fiscais. Off-shore é palavra para enganar pobre. O Brasil é o país com a maior taxa de sonegação fiscal do mundo. No Primeiro Mundo, você tem combate à sonegação; aqui o judiciário é cúmplice por omissão da sonegação. E tem uma cumplicidade entre a mídia e o judiciário. Ela encobre a violência policial, que fica impune para continuar praticando crimes", afirmou.

Na evasão investigada pelo Panama Papers, podem estar envolvidos os direitos de transmissão de jogos de futebol. "A Globo compra os direitos da transmissão de jogos, ela joga o dinheiro em paraísos fiscais e não paga impostos. Temos de investir em meios alternativos para conduzir investigações jornalísticas", disse Rosário.

No caso do Panamá Papers, as informações ficaram nas mãos de jornalistas do Uol, Estadão e Rede TV!.  "É estranho, quem vai investigar? Eles vão usar isso politicamente só para a narrativa da grande imprensa. Temos de incentivar meios independentes, por fora da grande mídia, que chegou a um ponto em que se tornou praticamente delinquente e é agora o centro do golpe".

Rosário também informou que os jornalistas independentes estão se organizando para prestar informações sobre o Brasil a comunidades internacionais. A iniciativa chama-se Brigada Herzog:  "Estamos tentando subsidiar a imprensa fora, dando uma outra visão sobre o que acontece no Brasil. Temos de criar uma ponte para veicular essas denúncias lá fora".

A jornalista Laura Capriglione disse que a Globo é um grande drama para a democracia do país. "Pela primeira vez não estamos falando sozinhos contra a Rede Globo, e isso é um problema para a democracia. A torcida do Corinthians denunciando a Globo, isso é fundamental. Estamos vendo como os evangélicos, por exemplo, não se sentem representados pela Globo", afirmou a jornalista.

"Quem não se lembra da prisão do bispo Edir Macedo? A cobertura é incrivelmente parecida com a forma que eles apresentam do Partido dos Trabalhadores. É a mesma coisa, e tem gente desconfiada da Rede Globo. Pela primeira vez na história, as pessoas desconfiam, 'será que é verdade?' Eu acho que para isso colaborou o trabalho de cada um nas redes sociais", afirmou Laura.

A jornalista disse que existe uma disputa pela narrativa que representa a realidade na sociedade contemporânea. "As maquininhas (referindo-se aos smartphones) permitem que a gente dispute a narrativa. Em 2014, as redes sociais ajudaram a garantir a vitória de Dilma no segundo turno. E agora também. Nós somos produtores de conteúdo, cada um de nós é capaz de ser jornalista. Com a Rede Globo, era um lado só, mas aí surgem as redes sociais. Nós podemos e devemos ser produtores e transmissores desse conteúdo". E ao concluir, disse: "Nossa dificuldade é maior (enquanto jornalistas independentes), mas temos a coragem do povo e a vontade de vencer. Não vamos entregar a democracia que nos custou tanto".

O jornalista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Rafael Soriano indagou sobre a responsabilidade da mídia na morte de dois sem-terra no acampamento Dom Tomás Balduíno, no Paraná, na quinta-feira (7), com uma emboscada da Polícia Militar e de seguranças da Araupel, empresa que também ocupa a área. Soriano lembrou que a área em questão é pública, e foi invadida pela empresa. "Depois de muitas ameaças, chegamos a esse estopim na semana passada. Não é um caso isolado. O povo sem-terra tem se organizado para resistir ao golpe pelo partido da imprensa, que coloca em curso um golpe à nossa democracia", afirmou.

O jornalista do MST também lembrou de outra vítima do golpe, o presidente do PT em Mogeiro, no agreste paraibano, Ivanildo Francisco da Silva, assassinado na quarta-feira (6) com um tiro de espingarda dentro de casa, no assentamento Padre João Maria. "Esse recrudescimento da violência não é à toa, é uma articulação da elite para enfrentar quem tem capacidade de barrar esse golpe", afirmou.

A coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Rosane Bertotti, defendeu a regulamentação da mídia para a sociedade brasileira superar o atual estágio de concentração e desinformação. "Este é o grande momento em que temos de aprender a jogar o xadrez da comunicação", disse. "A comunicação está junto com a história da democracia. Não é uma questão só para jornalistas, tem a ver com nossas vidas, com o direito de viver", afirmou. "Precisamos recuperar o debate sobre a comunicação pública", disse ainda, considerando a necessidade de regulamentação prevista na Constituição de 1988 e que até hoje não foi realizada.

Leonardo Boff aponta 10 lições da crise brasileira



Toda crise acrisola, purifica e faz madurar. Que lições podemos tirar dela? Elenco algumas.


Primeira lição: o tipo de sociedade que temos não pode mais continuar assim com é. As manifestações de 2013 e as atuais mostraram claramente: não queremos mais uma democracia de baixíssima intensidade, uma sociedade profundamente desigual e uma política de negociatas. Nas manifestações os políticos também os da oposição foram escorraçados. Igualmente movimentos sociais organizados. Queremos outro tipo de Brasil, diverso daquele que herdamos que seja democrático, includente, justo e sustentável.

Segunda lição: superar a vergonhosa desigualdade social impedindo que 5 mil famílias extensas controlem quase metade da riqueza nacional. Essa desigualdade se traduz por uma perversa concentração de terras, de capitais e de uma dominação iniqua do sistema financeiro, com bancos que extorquem o povo e o governo cobrando-lhe um superávit primário absurdo para pagar os juros da dívida pública. Enquanto  não se taxarem as grandes fortunas e não submeterem os bancos a níveis razoáveis de lucro o Brasil será sempre desigual, injusto e pobre.

Terceira lição: prevalência do capital social  sobre o capital individual. Quer dizer, o que faz o povo evoluir não é matar-lhe simplesmente a fome e faze-lo um consumidor mas fortalecer-lhe o capital social feito pela educação, pela saúde, pela cultura e pela busca do bem-viver, pré-condições de uma cidadania plena.

Quarta lição: cobrar uma democracia participativa, construída de baixo para cima com forte presença da sociedade organizada especialmente dos movimentos sociais que enriquecem a democracia representativa que, por causa de sua histórica corrupção, o povo sente que ela não mais o representa.

Quinta lição: a reinvenção do Estado nacional. Como foi montado historicamente, atendia as classes que detém o ter, o poder, o saber e a comunicação dentro de uma política de conciliação entre as oligarquias, deixando sempre o povo de fora. Ele está aí  mais para  garantir privilégios do que para realizar o bem geral da nação. O Estado tem que ser a representação da soberania popular e todos os seus aparelhos devem estar a serviço do bem comum, com especial atenção aos vulneráveis (seu caráter ético) e sob o severo controle social com as devidas instituições para isso. Para tal se faz necessária uma reforma política, com nova constituição, fruto da representação nacional e não apenas partidária.

Sexta lição: o dever ético-político de pagar a dívida às vítimas feitas no processo da constituição de nossa nacionalidade e que nunca foi paga: para com os indígenas quase exterminados, para com os afrodescendentes (mais da metade da população brasileira) feitos escravos, carvão para o processo produtivo; os pobres em geral sempre esquecidos pelas políticas públicas e desprezados e humilhados pelas classes dominantes. Urge políticas compensatórias e pro-ativas para criar-lhes oportunidades de se autopromoverem e se inserirem nos benefícios da sociedade moderna.

Oitava lição: fim do presidencialismo de coalizão de partidos, feito à base de negócios e de tráfico de influência, de costas para o povo; é uma política de planalto desconectada da planície onde vive o povo. Com ou sem Dilma Rousseff à frente do governo, precisa-se, para sair da pluricrise atual, de uma nova concertação entre as forças existentes na nação. Não pode ser apenas entre os partidos que tenderiam a reproduzir a velha e desastrada política de conciliação ou de coalizão mas uma concertação que acolha representantes da sociedade civil organizada, movimentos sociais de caráter nacional, representantes do empresariado, da intelectualidade, das artes, das mulheres,  das igrejas e das religiões a fim de elaborar uma agenda mínima aceita por todos.

Nona lição: O caráter claramente republicano da democracia que vai além da neoliberal e privatista.  Em outras palavras, o bem comum (res publica) deve ganhar centralidade e em seguida o bem privado. Isso se concretiza por política sociais que atendam as demandas mais gerais  da população  a partir dos necessitados e deixados para trás. As políticas sociais não se restringem apenas a ser distributivas mas importa serem  redistributivas (diminuir de quem tem de mais para repassar para quem tem de menos), em vista da redução da desigualdade social.

Décima lição: inclusão da natureza com seus bens e serviços e da Mãe Terra com seus direitos na constituição de um novo tipo de democracia sócio-cósmica, à altura consciência ecológica que reconhece todos os seres como sujeitos de direitos formando um grande todo: Terra-natureza-ser humano. É a base de um novo tipo de civilização, biocentrada, capaz de garantir o futuro da vida e de nossa civilização.

Ah a aprovação!!! 42% dos que votaram pelo Impeachment respondem a processos no STF



Sem entrar no mérito do impedimento da Presidente, não consigo me acostumar com esse fisiologismo cínico. No [jornal] O Popular de hoje, Jovair publicou artigo falando sobre a “voz das ruas” e o “combate à impunidade”. Eis aí o arauto da voz das ruas e do combate à impunidade, de mãos dadas com um assassino. Por Valério Luiz, no Facebook; ele é filho de jornalista assassinado em Goiás; Maurício Sampaio (na foto com Jovair Arantes) é suspeito de ser o mandante do crime


Dos 38 membros da comissão que votaram pelo impeachment, 35 são indiciados por corrupção. De meme que começou a circular na rede assim que o relatório de Jovair Arantes (PTB-GO) foi aprovado

Réus e investigados atentam contra a democracia

por Jeferson Miola

O placar da comissão de impeachment da Câmara dos Deputados, com 38 votos a favor do golpe e 27 a favor da democracia, era o esperado neste teatro de exceção.

O relatório aprovado pela maioria golpista da comissão é uma peça de ficção. Não apresenta um único fato determinado, não arrola nenhum crime de responsabilidade da Presidente Dilma que possa amparar seu afastamento, como determina a Constituição brasileira.

Uma Presidente inocente foi julgada na primeira etapa deste julgamento de exceção por um colegiado ilegítimo e imoral, composto por parlamentares que são investigados ou respondem criminalmente no Supremo Tribunal Federal.

Dos 38 parlamentares que votaram pelo golpe, 16 deles respondem no STF – 42% deles – por um cardápio diversificado de crimes: eleitorais, improbidade, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, formação de quadrilha, peculato, apropriação indébita previdenciária, corrupção ativa e passiva, crimes contra o sistema financeiro nacional, incentivo à invasão de terra indígena, incitação ao crime, formação de quadrilha, contratação de pastores da própria igreja para o gabinete, desvio de recursos do BNDES e venda de cartas sindicais [não estão aqui considerados os processos em outras instâncias e esferas da Justiça].

O relator do parecer de exceção, Deputado Jovair Arantes, que leu a peça de ficção preparada pela equipe do Eduardo Cunha com supervisão do próprio, “responde ao inquérito 3609 por concussão” [propina] – um deboche.

O impeachment, a partir de agora, entra na fase de discussão e deliberação no plenário da Câmara dos Deputados, que é presidido – suprema ironia – pelo multi-réu Eduardo Cunha: contas secretas na Suíça abastecidas com dinheiro da corrupção na Petrobrás, 52 milhões de reais de propina já identificados, crimes contra a Lei de Licitações, crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva nos inquéritos 3983, 4123 e 4146.

Os golpistas chegaram ao limite das suas possibilidades; atingiram o clímax da excitação golpista. Eles não conseguirão ir além disso, além deste escárnio contra a democracia na comissão do impeachment, porque não terão os 342 votos no plenário da Câmara dos Deputados.

A guerra contra o golpe será vencida nas ruas.

“Caiu a máscara do conspirador”, diz Dilma sobre Michel Temer




A presidente Dilma Rousseff reagiu com indignação, ao saber do vazamento de um áudio do vice-presidente Michel Temer, em que ele fala como se já fosse presidente da República e pede "sacrifícios" à população. "Caiu a máscara do conspirador", disse ela, segundo seus interlocutores no Palácio do Planalto.


O ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, também reagiu. "Estou estupefato. Ele está confundindo a apuração de eventual crime de responsabilidade da presidente Dilma com eleição indireta. Está disputando votos e transformou o processo numa eleição indireta para conseguir votos em favor do impeachment. Esse áudio demonstra as características golpistas do vice".

No áudio, Temer diz que pretende manter programas sociais como o Bolsa-Família, o Fies e o ProUni.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) classificou Temer como "golpista trapalhão".

Para o colunista Jorge Bastos Moreno, do Globo, Temer deu "um tiro mortal" no impeachment. 

Os continuadores da Casa Grande estão voltando, por Leonardo Boff



Toda  crise desbasta as gangas e traz à luz o que elas escondiam pois sempre eram atuantes nas bases de nossa sociedade. Aí estão as raízes últimas de nossa crise política, nunca superada historicamente;  por isso, de tempos em tempos afloram com virulência: o desprezo e a humilhação dos pobres. É o outro lado da cordialidade brasileira, como bem o explicou Sérgio Buarque de Holanda. Do coração nasce nossa bem-querença e informalidade mas também nossos ódios. Talvez, melhor diríamos: o brasileiro mais que cordial,  é um ser sentimental. Rege-se por sentimentos contraditórios e radicais.

Há que se reconhecer: vigora ódio e profundas dilacerações em nosso país. Precisamos qualificar este ódio. Ele é ódio contra os filhos e filhas da pobreza, daqueles que vieram dos fundos da senzala ou das imensas periferias. Basta ler os historiadores que tentaram ler nossa história a partir das vítimas,  como acadêmico José Honório Rodrigues ou o mulato Capistrano de Abreu ou então o atual diretor do IPEA o sociólogo Jessé de Souza para darmo-nos conta sobre que solo social estamos assentados. As grandes maiorias empobrecida eram para as oligarquias econômicas e as elites intelectuais tradicionais e pelo estado por elas controlado, peso morto. Não só foram marginalizadas mas humilhadas e desprezadas. Refere José Honório Rodrigues:

“A maioria dominante  foi sempre alienada, antiprogressista, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é.  Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo – Jeca-Tatu -, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence”(Reforma e conciliação no Brasil p.16).

Não se trata de uma descrição do passado, mas a verificação do que está ocorrendo no atual momento. Por uma conjunção rara de forças, alguém vindo de baixo, um sobrevivente, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu furar a blindagem promovida pelos poderosos e chegar à presidência. Isso é intolerável para os grupos poderosos e intelectualizados que negam a qualquer relação com os do andar de baixo. Mais intolerável ainda é o fato de que com políticas sociais bem direcionadas foram incluídos milhões que antes estavam fora da cidadania. Estes começaram  a ocupar os lugares antes reservados aos beneficiados do sistema discricionário. Começaram a consumir, entrar nos shoppings e voar de avião. Sua presença irrita  os do andar de cima e começam a odiá-los.

Podemos criticar que foi uma inclusão incompleta. Criou consumidores mas poucos cidadãos críticos. Deixaram de ser famélicos. Mas o ser humano não é apenas um animal faminto. É um ser de múltiplas virtualidades, como todos, um projeto infinito. Ocorre que não houve um desenvolvimento do capital social consistente em termos de educação, saúde, transporte, cultura e lazer. Essa seria outra etapa e mais fundamental que já estava sendo implementada com escolas profissionais e  com o acesso de milhares de empobrecidos  à universidade.

O fato é que quando esses deserdados começaram a se organizar e erguer  a cabeça foram logo desqualificados e demonizados. Atacaram seu principal representante e líder, Lula. O fato de ter sido levado sob vara para um interrogatório, ato desproporcionado e humilhante, visava exatamente isso: humilhar e destruir sua figura carismática. Junto com ele, liquidar, se for possível, o seu partido e torna-lo inapto para disputar futuras eleições.

Em outras palavras, os descendentes da Casa Grande estão de volta. A onda direitista que assola o país possui esse transfundo. Buscar o impedimento da presidenta Dilma é o último capítulo desta batalha para chegar ao estado anterior, onde eles, os dominantes, (71 mil super-ricos com seus aliados, especialmente do sistema financeiro, que representam 0,05 da população) voltariam a ocupar o estado e faze-lo funcionar em benefício próprio, excluídas as maiorias populares. A aliança deles com a grande mídia, formando um bloco histórico bem articulado, conseguiu conquistar para a sua causa a muitos dos estratos médios, progressistas nas profissões mas conservadores na política. Esses mal sabem da manipulação  e da exploração econômica a que estão submetidos pelos ricos como notou recentemente Jessé de Souza.

Mas a consciência dos pobres uma vez despertada, não há mais como freá-la. Transformações virão, dando outro rumo ao país.

Novo governo ou governo novo?


Desde que se agravou a crise política no Brasil nas duas últimas semanas, crise esta criada, sustentada por setores conservadores, elitistas e destituídos do poder institucionalizado e, ainda alimentada por uma mídia representante dos grandes empresários que tem uma carga histórica profundamente negativa por apoiar o golpe civil-militar de 1964, o que mais tem povoado a mente dos brasileiros é a possibilidade de eleições gerais.

Mas, como falar em eleições gerais sem consultar o povo? Aliás, este é o que menos tem sido consultado. Muitos foram levados às ruas simplesmente afogados em mágoas adquiridas ao longo de décadas. Vários tomaram ruas e avenidas levados por uma causa que sequer entenderam na sua amplitude. Foram corroídos por uma carga ideológica que não é a sua, mas a de um sistema político e econômico que serve apenas  para lhe manipular. Foram convencidos de que o país está desgovernado e que a solução é sua imediata destituição.

Tanto foram convencidos que, se se perguntar porque o governo federal deve ser afastado do cargo que 54 milhões de pessoas lhe outorgou, 90% (pode ser mais) não saberão responder. As repostas são as mais estapafúrdias possíveis. São aquelas vendidas por aqueles que querem chegar ao poder a qualquer custo – nem que para isso utilize o povo como massa de manobra; nem que para isso seja necessário construir todos os dias fatos que não precisem de provas. Aliás que eles  não precisam provar. Basta acusar e jogar no ar. Essas acusações inclusive são seletivas. Outros (cito aqui Eduardo Cunha - presidente da Câmara Federal -, Paulinho da Força) são réus, fatos comprovam seus envolvimentos com corrupção, mas não merecem destaque nos noticiários. Porque os que foram às ruas bater panelas para uns não vão para outros? Seria a corrupção mais de um grupo mais destruidora para o pais do que a de outros? Por que os veículos de comunicação (aqueles que mais são vistos pela população) não povoam suas manchetes com fatos e opiniões dos réus acima referidos?

As respostas são inúmeras, mais vale deixar nítido o seu real interesse em destituir um governo que apesar dos infinitos erros, foi aquele que ainda deu visibilidade aos jogados para escanteio em gestões anteriores que eles defendiam e faziam parte. Gestões passadas que para que a economia vivesse o povo tinha que morrer e, no sentido lato do termo. Muitos morreram de fome porque não tinham sequer o lanche da manhã, que dirá das demais refeições. Muitos estavam desabrigados, por que casa não se construíam. O que se construía era mansões para os investidos no poder com dinheiro público. E são esses mesmos que estão à frente de um impeachment que se vingar passará para os anais da história como golpe, pois não tem sustentação jurídica e nem política. O impeachment da forma como está desenhado nada mais é do que um projeto conservador e elitista daqueles que não se conformaram em perder as eleições que achavam que estava ganha porque foram convencidos por pesquisas que consultavam só os seus.

Por outro lado, é sabido que a presidenta cometeu vários erros - saiu da linha de frente dos movimentos sociais, fez pactos com setores ultraconservadores e corroeu a base ideológica do Partido dos Trabalhadores (PT). Tudo isso não podia ter outro fim se não arruinar a gestão (me refiro ao 13 anos sob o comando desta agremiação)  que vinha, a priori, ao menos dando visibilidade aos setores populares. Dilma perdeu a capacidade de mobilização com as bases ao passo que foi necessário se apegar ao cargo, ao poder. Mas, a solução para a crise política no Brasil não passa pelo seu afastamento, até porque ela não cometeu crime de responsabilidade fiscal e, isso já foi explicitado em outras oportunidades. E principalmente porque as rédeas seriam tomadas pelo PMDB que, como os demais setores que o acompanham não tem projetos sociais que reestruture o Brasil e vão governar puramente para os grandes empresários.

Passa por onde então? Por novas eleições? Não acredito nessa possibilidade por duas razões. A primeira é a mais óbvia possível. Os deputados e senadores não estariam dispostos a se desfazerem de seus cargos correndo o risco de não mais se elegerem. A segunda - esta mais pragmática – é que o Brasil não apresenta um sistema político sadio que permita falar que, assim como o Impeachment, os problemas estariam resolvidos.

Vamos aos fatos. O sistema político brasileiro é totalmente dependente do econômico. Tanto é que nunca se fez uma reforma agrária, por que para fazê-la teria que mexer com os grandes latifundiários. Nunca se fez uma reforma tributária por que para fazê-la teria do mesmo modo mexer com industriais e banqueiros. Nunca se levou a sério a reforma política, inclusive quando chegou ao congresso foi deixado de lado os pontos mais progressistas como o financiamento de campanha. Então, mesmo que se tenha eleições gerais o cenário continuará o mesmo ou piorar dependendo de quem ocupe o palácio do planalto. Mas porque continuará o mesmo ou piorar? Porque infelizmente o eleitor brasileiro tem memória curta e vai eleger figuras que não tem preocupação com as causas sociais. Porque o sistema político não mudou. Sistema Político e Sistema Capitalista andam de mãos dadas.


Por fim, acredito que a saída para superar esse cenário avassalador que ora nos encontramos passa momentaneamente pela derrota ao impeachment e deixar Dilma governar até o fim do mandato e pela continuidade das investigações da lava-jato sem seletividade. Defendo ainda que o governo somente deve continuar a gestão, mas como continuidade da solução da crise, faz-se necessário e urgente uma mudança no sistema político que atendam aos setores populares vindo acompanhado em 2018 com eleições novas e um (a) governo(a) novo(a) e não simplesmente novas eleições e um novo governo, por que isso o Brasil já passa de dois em dois anos.


Eleição nova e governos novos subentende-se que a participação do povo mudou, a consciência popular mudou. Portanto, deve-se pensar em nova relação do representado com seus representantes tendo como eixo norteador uma sociedade onde quem ganha mais pague mais, seja taxado mais, contribua mais com setor público e onde quem ganha menos lhe seja criado as condições para que se tenha uma vida digna. Sem mudar os alicerces da desigualdade, nenhuma ação é válida. 

Concluo afirmando que o brasileiro já experimentou os dois lados da moeda. Já testemunhou as duas formas de gestão. Tá na ora de oportunizar quem ainda não chegou lá ( mas não pode ser qualquer um – pense bem antes de depositar confiança em oportunistas e que mudam mais de opinião do que de roupa (Marina, Pastor Everaldo, Jair Bolsonaro, Levy Fidelix, etc...). 

Chico Alencar sobre o Impeachment: "Mais que um NÃO"



O risco é nos afogarmos em águas rasas. Embora importantíssima, a decisão quanto à destituição ou preservação do mandato da presidente Dilma não terá o condão de resolver nossos mais graves problemas.

O PSOL dirá não a este pedido de impeachment porque considera, com grandes juristas, que decretos orçamentários suplementares e “pedaladas" não caracterizam crime de responsabilidade de governante, passível de traumática perda de mandato. Fosse assim, vários outros estariam na mesma condição, inclusive, retroativamente, ex-presidentes da República.

Diremos também não à articulação de setores dos grandes negócios, de parte da mídia, de partidos e parlamentares ultraconservadores, alguns saudosistas da ditadura. Este novo pacto de elite pretende, com sua pauta de retrocessos, entregar o governo inteiro ao PMDB — que está longe de ser um padrão de moralidade na vida pública nacional.

Nosso não é a um processo que, além da fragilidade jurídica, tem como condutor político o deputado-réu Eduardo Cunha. Ele, descaradamente, aceitou o pedido de impeachment de Dilma (ao tempo em que engavetava o de Michel Temer) por mera vingança, retaliando seu ex-aliado PT, que admitiu nossa representação contra Cunha no Conselho de Ética.

Nosso não é à continuada cena de cinismo explícito: corruptos “indignados” com a corrupção, legalistas louvando transgressões à lei, partidos dependentes do dinheiro dos grandes grupos econômicos escondendo, com discurso de ocasião, sua voluntária servidão.

Nosso não é, porém, grávido de sim. Um sim à continuidade das investigações da Lava-Jato, sem arbitrariedade e seletividade de vazamentos, sem “heróis salvacionistas". Para que o Ministério Público e a Justiça coloquem a nu o sistema corrompido de financiamento do sistema partidário-eleitoral em troca de contratos públicos, nesse abjeto conluio histórico que envolve empreiteiras e quase todas as legendas e figurões do nosso capitalismo de compadrio.

Nosso sim é a um novo modelo econômico, lastreado em reforma tributária progressiva e restrição ao alto rentismo. Um modelo soberano, orientado para o mercado interno, que garanta relações justas de trabalho. 

E que caminhe para novas formas de produção e consumo, vinculadas ao urgente cuidado ambiental neste planeta envenenado.

A opinião do deputado foi publicada também no O Globo

Nosso sim é a uma nova relação Estado-Sociedade, baseada na participação popular permanente e na transparência da gestão pública. Por uma reforma política — que o atual Congresso se recusou a fazer — que institua referendo revogatório de mandatos e limites austeros a gastos de campanha (só agora sem recursos de empresas, graças ao STF). Por nova dinâmica democrática vivificada em partidos que expressem conteúdo programático, expelindo o clientelismo e o fisiologismo. Nosso sim, enfim, é à busca permanente do verdadeiro poder instituinte, segundo a Constituição: o povo.

*Deputado Federal pelo Psol(RJ)