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I Semana Afro-Cultural da Frente Negra Altaneirense realizada em 2014 dentro do Projeto ARCA, em Altaneira. (FOTO/ Acervo do Blog). |
“O 13 de
maio é uma data para reflexão crítica. Isso porque é muito transparente o fato
de o fim do trabalho escravo não ter significado cidadania aos ex-escravizados
e às pessoas negras. Nos primeiros anos e décadas pós 1888, reconhecia-se essa
data, especialmente na comunidade negra, como sendo uma data relevante, mas a
realidade se impôs de forma absoluta: liberdade sem dignidade, liberdade com
racismo”. É o que aponta a historiadora Wania Sant'Anna, consultora de
Diversidade e Inclusão da Daniel Advogados.
Apesar
do 13 de maio ser marcado pela assinatura da Lei n.º 3.353, conhecida como Lei
Áurea, fato que coloca a Princesa Isabel como a pretensa salvadora dos negros
escravizados, a data não é comemorada pelo movimento negro brasileiro, por
diversos motivos, que incluem o contexto histórico em que a assinatura da lei
estava inserida.
A
socióloga e professora Najara Costa, ativista e ex-candidata à Prefeitura
Municipal de Taboão da Serra pelo PSOL, explica que a abolição de 1888 foi
inconclusiva, pois não atendia às necessidades do povo preto. Questões como
educação, moradia, trabalho e saúde não foram debatidas de forma que os negros
e ex-escravizados pudessem conquistar os acessos, segundo ela.
“É importante destacar que mesmo com o 13 de
maio de 1888, não houve políticas para que a população negra ocupasse os
espaços institucionais, pelo contrário, se consolidou no Brasil um projeto de
embranquecimento da nação, inclusive com a vinda de imigrantes europeus para
trabalhar nas indústrias”, aponta a socióloga.
Segundo
a História, a abolição não foi uma ação benevolente da princesa e do Senado,
derivada do modelo econômico baseado no trabalho escravo, que precisava ser
substituído pelo trabalho livre. O fim da escravidão no Brasil foi impulsionado
por diversos fatores, entre eles, uma importante participação popular. Cada vez
mais escravizados, negros livres e brancos se juntaram aos ideais
abolicionistas, sobretudo, na década de 1880.
Pré e pós-abolição
As
principais táticas que antecederam o 13 de maio eram reuniões em diferentes
associações abolicionistas, bem como a realização de eventos artísticos para
angariar apoio ao movimento negro. Segundo o doutor em História, Willian
Lucindo, é necessário também destacar as rebeliões e fugas de pessoas escravizadas
e a atuação dos abolicionistas negros para que o caminho até a data de abolição
pudesse ser trilhado. As organizações quilombolas, de acordo com o
especialista, também foram marcos de suma importância para o decreto que botava
fim na escravidão.
“Ainda, podemos olhar para a legislação
abolicionista, mas não como meros marcos legais do processo. É preciso observar
as ações e reações das populações negras. Lucimar Felisberto dos Santos apontou
que, após a promulgação da conhecida ‘Lei do Ventre Livre’, em 28 de setembro
de 1871, aumentou o número de casos de mulheres escravizadas participando de
fugas com suas crianças porque elas entendiam que podiam perdê-las quando
completassem oito anos de idade”, pondera o doutor.
Willian
Lucindo ainda destaca que é necessário ponderar o que aconteceu a partir de 13
de maio. De acordo com o doutor em História, os dias subsequentes tiveram
verdadeiras ondas de comoção bastante complexas.
“De um lado, muitos abolicionistas negros e
brancos buscaram criar instituições voltadas para a integração de ‘libertos’ –
como acabaram denominando todas as pessoas negras na época, na sociedade
pautada pelo trabalho livre – por meio de escolas, associações de ajuda mútua”,
explica.
“De outro lado, alguns antigos escravocratas
pediam que o governo obrigasse os ‘libertos’ a ocupar algum ofício, outros
pediam que se reforçasse a política de imigração. As pessoas negras, de um modo
geral, deram demonstração de que entendiam a liberdade como igualdade às
pessoas brancas, era mais do que o direito a trabalhar em troca de salário”,
avalia William.
Ele
destaca ainda que, de um modo geral, as instituições governamentais buscaram
controlar as populações negras e garantir que se mantivessem nos postos de
trabalho do período do escravismo, enquanto as populações negras procuraram se
distanciar ao máximo das situações e lugares que lembravam o cativeiro.
“Também foram nos dias subsequentes que se
tornou mais forte a ideia de que as pessoas negras eram mais propensas a
vadiagem, ao crime e, no caso específico das mulheres negras, à prostituição”,
pontua.
A
historiadora Wania Sant’Anna complementa e afirma que muito importante
compreender o papel do Estado na implementação de políticas a partir de 14 de
maio de 1888 e como isso, efetivamente, beneficiou pessoas brancas e funcionou
como um dos alicerces na efetivação das teorias racistas contra a população
negra e recém liberta.
“Os negros, homens e mulheres, foram
descartados e interditados pós-13 de maio e o que nós temos de desigualdade étnico-racial
no Brasil de hoje tem raízes em decisões como essas da política de imigração
europeia. E, nesse caso, ainda orientada com o objetivo de embranquecer o país”,
ressalta.
Para além do 13 de maio
Historicamente,
outros momentos foram marcantes para o fortalecimento do povo negro e,
diferentemente do 13 de maio – em que até hoje uma mulher branca é a
protagonista – houve representatividade preta e brasileira. Para Amailton Magno
Azevedo, professor do Departamento de História da PUC-SP, o movimento negro não
reconhece o 13 de maio por que elegeu outras datas que melhor expressam a luta
contra o racismo e valorização da negritude.
“Temos o 20 de novembro em 1971, data
conquistada pelo movimento negro gaúcho. O 20 de novembro relembra a
importância e relevância do papel de Zumbi dos Palmares, líder do quilombo dos
Palmares e morto pelo sistema escravocrata, exatamente no dia 20 de novembro de 1694. Essa data alterou o
marco histórico da consciência e libertação negra, até então centrado no dia 13
de maio de 1888”, avalia o pesquisador.
Em
1798, por exemplo, aconteceu a Conjuração Baiana, revolta negra e popular.
Também conhecida como Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios, o levante
tomou ruas de Salvador (BA) e foi uma das maiores manifestações do tempo em que
o país vivia uma monarquia. A luta era por uma sociedade mais democrática,
republicana e com condições que permitissem a equidade racial no Brasil. A
independência do Haiti, primeira república negra do mundo, e a Revolução
Francesa influenciaram a organização da revolta.
Já
em 1835, ocorreu no Brasil a Revolta dos Malês. Contra a escravidão e pela
liberdade religiosa, negros oriundos de vários países, mas em sua maioria
muçulmanos, protagonizaram um importante levante pela liberdade. A revolta teve
uma liderança feminina importante para o país: Luísa Mahin, que lutou pela
liberdade de seu povo até ser presa. Seu filho, Luís Gama, seguiu os passos da
mãe e é considerado um dos maiores abolicionistas do Brasil.
“A Revolta dos Malês, em 1835, segue sendo um
marco histórico na luta por liberdade, porque nos oferece a oportunidade da
complexidade da comunidade negra escravizada, como o papel das Irmandades
Negras na compra das alforrias”, salienta Wania Sant’Anna.
Entre
1838 e 1841 acontece a Balaiada, levante em que o povo negro se uniu aos
vaqueiros e camponeses no Maranhão contra as péssimas condições de vida que
levavam. O movimento, também conhecido como Guerra dos Bem-te-vis, visava o
combate à pobreza e à miséria que tomavam conta da província. Foi a mais longa
e numerosa revolta popular ocorrida na região.
No
pós-abolição, em 1910, aconteceu a Revolta da Chibata. Liderada por João
Cândido, também conhecido como “Almirante Negro”, o levante foi organizado por
marujos negros contra os castigos físicos, baixos salários e as péssimas
condições de trabalho da época. Mesmo com a escravidão abolida em 1888,
práticas escravagistas continuavam violentando os negros como punições com
chicote.
A Greve
dos Queixadas, que aconteceu entre 1962 e 1969 também teve protagonismo negro.
Contra as péssimas condições de trabalho, o movimento, também conhecido como a
Greve dos Perus, foi a primeira grande greve sindical brasileira. O levante
começou numa fábrica de cimentos no bairro de Perus, na cidade de São Paulo. A
greve durou sete anos, em plena ditadura militar.
“Temos muitos atos individuais e coletivos
que merecem ser lembrados, reconstituídos, informados à sociedade brasileira
como sendo a história das pessoas negras, africanas e seus descendentes no
Brasil”, pontua a historiadora Wania Sant’Anna”.
Como ressignificar o 13 de maio?
Para
Amailton Magno, é possível ressignificar o 13 de maio, considerando as novas
pesquisas históricas sobre o tema. Ele explica que a historiografia realça que
a abolição não deve ser compreendia apenas por um ato pessoal de uma
representante da monarquia, mas da participação ativa de abolicionistas negros,
como André Rebouças e José do Patrocínio, bem como das pessoas escravizadas que
organizaram suas revoltas contra o sistema escravocrata.
“Ainda que conservadores, como José de
Alencar, defendessem a continuidade escravidão, a pauta abolicionista e negra
saiu vitoriosa. Sob esse prisma, o 13 de maio foi também uma obra e conquista
negra”, salienta o professor.
A
professora e socióloga Najara Costa reforça que é imprescindível lembrar do 13
de maio como uma data de luta, voltada a pautar o Estado e a política. Ela
pondera que observar a questão racial para analisar os espaços sociais é
necessário, bem como problematizar esses assuntos, a fim de trazer políticas
para que as instituições assumam o compromisso contra a desigualdade.
“Portanto, o 13 de maio serve como data para
trazer à memória o que foi a violência da escravização, mas também essa
violência moderna, que permite que as desigualdades ainda persistam”,
finaliza.
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Com informações do Alma Preta.