18 de abril de 2022

Plano de Aula: as simbologias do coronelismo a partir de patrimônios públicos

 

Professor Nicolau Neto durante roda de diálogo sobre Coronelismo com estudantes da Escola Menezes Pimentel (Potengi-CE). (FOTO/ Nicole Mendes).

Apresentação/justificativa

Durante o período da República Velha que se estendeu de 1889 a 1930, o Brasil testemunhou o desenvolvimento e o fortalecimento do coronelismo por meio das oligarquias. Com Campos Sales que presidiu o país entre 1902 e 1906 uma prática conhecida como Política dos Governadores deu as principais bases da força de atuação e coerção dos coronéis, alcunhado de chefes político locais.

Foi Victor Nunes Leal, jurista brasileiro, quem primeiro apresentou o termo em uma obra clássica denominada “Coronelismo, Enxada e Voto – O município e o regime representativo no Brasil (2012)”:

 

“.... devemos notar, desde logo, que concebemos o “coronelismo” como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. Não é, pois, mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa”. (p.23).

 

E continua ao destacar que esse sistema possui “peculiaridades locais” e, que por isso mesmos se constitui como um “compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente, os senhores de terras” (p.23). Sendo assim, essa troca de favores se dava entre a população carente de recursos econômicos e cada vez mais empobrecida e os coronéis.

          No cariri cearense, a prática coronelista também foi sentida, visto que a política dos governadores que se configurava em uma relação não só de troca de favores entre coronéis e a polução empobrecida dos municípios, mas uma relação de forças entre governo federal, passando pelos estados até chegar ao nível local. Nomes como o do Padre Cícero, primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, Antonio Joaquim de Santana, chefe político de Missão Velha e Felinto da Cruz Neves, prefeito de Santana do Cariri são exemplos da existência dessa prática política que não cessou em 1930, mas que ainda permanece com novas roupagens. Permanece ainda viva na memória e nos símbolos históricos como o Casarão do Coronel Felinto, em Santana do Cariri-CE. Um patrimônio histórico que remonta aos fins do século  XIX abrigando fontes riquíssimas de um período de grandes conflitos políticos, de domínio e de relação de forças. De igual modo, a própria Igreja Católica da Cidade, que foi palco de discórdias entre o próprio Coronel Felinto e Manoel Alexandre, homem de grandes posses.

Objetivos

          É válido destacar que esse período deixou marcas profundas e muitas de suas práticas e vícios ainda resistem ao tempo e é dentro deste contexto que os alunos e alunas poderão compreender a partir desses símbolos históricos temas como voto de cabresto, mandonismo, clientelismo, além de identificarem que com novas roupagens o coronelismo permanece bem vivo no coração e na mente de muitos e que continua a nos incomodar enquanto cidadãos, alunos/as e profissionais da História e nos coloca diante de novos desafios.

Percurso

          Os alunos e alunas sairão a partir das 06h30 da sede da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Menezes Pimentel em direção a Euroville, localizada em Araporanga, zona rural de Santana do Cariri, para um momento de relaxamento por meio de um piquenique sob a orientação do professor de Inglês, Jailton. Posteriormente, por volta das 09h00 sairão com destino ao Casarão do Coronel Felinto e a Igreja de Senhora de Santana, ambos os prédios localizados na cidade de Santana do Cariri. Por fim, antes do retorno a cidade de Potengi, os/as estudantes visitarão o Pontal.

Conclusão

Findado esse momento, espera-se que os estudantes possam distinguir a partir dos debates em sala com a análise dos espaços visitados como se davam o controle e o domínio da população dentro dessa relação de forças chamada coronelismo e entender que muitas das práticas aqui estabelecidas resistem ao tempo. 

Referência

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Demarcação de terras, reforma agrária e estatização: o que defende o pré-candidato Léo Péricles

 

(FOTO/ Emília Silberstein).

Leonardo Péricles, presidente do Partido Unidade Popular (UP) e pré-candidato à presidência da República, afirma que, se eleito, vai lutar pelos direitos dos povos quilombolas, principalmente o direito às terras. Em entrevista exclusiva à Alma Preta Jornalismo, ele falou sobre empregabilidade, economia, meio ambiente e citou os principais desafios de sua pré-campanha até o momento.

O Congresso Nacional tem pautado projetos como o PL 490/2007, que institui o Marco Temporal. O Supremo Tribunal Federal (STF),  pautou para 23 de junho de 2022, a continuidade do julgamento que decide sobre a validade desta matéria. A tese discutida diz que populações indígenas e quilombolas só podem reivindicar terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

Para Péricles, desde o início da formação do Brasil existe um processo gradativo de expulsão das comunidades indígenas e quilombolas dos seus territórios. Os povos tradicionais e originários foram submetidos a um processo de escravização ao qual resistem até os dias atuais. Por isso, segundo ele, o direito à terra e ao aquilombamento é um dos maiores bens para manter a identidade e a vida dos povos quilombolas e indígenas.

"As comunidades de remanescentes quilombolas no Brasil são de extrema legitimidade. Esses povos podem ser pescadores, ribeirinhos, vasanteiros. Um governo de esquerda precisa olhar para essas pessoas como a base da sociedade brasileira ", declara o pré-candidato.

Ele argumentou que, como presidente da República a demarcação de terras será de extrema importância no possível mandato. Essa é uma questão que, para Léo Péricles, atinge a vida dos demais setores da população brasileira, de todas as pessoas, pois, "eles [os povos tradicionais] nos mostram que é possível ter uma relação extremamente harmônica e fraternal com o meio-ambiente". 

"Eles têm uma prática de preservação permanente das nossas matas, dos nossos rios, dos animais que se encontram nessas regiões. A proteção da biodiversidade tem uma relação íntima com a quantidade de temas historicamente demarcadas", diz.

O trabalho com outros órgãos

Outras propostas legislativas que influenciam no direito na garantia ao usufruto dessas terras são os Projetos de Lei  6299/2002, conhecido como PL do Veneno por ampliar o uso de agrotóxicos, e os PLs 2633/2020 e 510/2021, que facilita a grilagem de terras. Esses projetos tramitam no Senado Federal e, se aprovados, vão para sanção do presidente Jair Bolsonaro. O PL do Veneno, por exemplo, teve aprovação em regime de urgência na Câmara dos Deputados em fevereiro.

Léo Péricles afirma que, para se garantir o direito à vida dos povos tradicionais, não basta apenas atuar junto ao Congresso nas questões legislativas, mas as autarquias e fundações precisam de uma atenção especial. Esses órgãos são diretamente ligados à execução de políticas públicas para essa população e pela fiscalização da lei.

Órgãos como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), entes do governo e autarquias que, em geral cuidam de temáticas voltadas as pessoas do campo, ribeirinhas, quilombolas e indígenas, devem ser considerados em uma possível gestão de Leonardo Péricles.

O pré-candidato menciona que, para se ter uma demarcação de terras ou uma reforma agrária eficientes, é necessário "mexer no coração desses órgãos". Para ele, a estrutura estatal deve se voltar ao povo, o que não acontece hoje em dia. "As autarquias, que deveriam garantir o cumprimento de políticas públicas estão falidas e omissas.

"Visitei ribeirinhos e quilombolas em Minas Gerais, onde as pessoas estão devastadas pelas ações das mineradoras, como a Vale, que era uma estatal, foi vendida, e agora os entes do governo não se preocupam em fazer a decida fiscalização, não dispõe de recursos humanos e nem de orçamento suficiente", reitera.

Economia e trabalho

A estatização vem como uma das propostas de fomentar a geração de empregos e a movimentação da economia em um possível governo de Leonado Péricles. Em sua visão, quando mais obras públicas como a construção de estradas, hospitais, escolas, praças, industrias, maior a disponibilidade de trabalho para pessoas de todas as esferas sociais. Assim, a riqueza brasileira e os investimentos permaneceriam em território nacional.

Outra medida considerada central que defende o pré-candidato é a suspensão do pagamento da dívida pública e, também, a sua auditoria. Segundo ele, a proposta é usar o recurso dessa dívida para o interesse do povo brasileiro.

"Hoje esta é uma dívida usada para enriquecer banqueiros. Essa quantidade de recurso pode ser revestido nas áreas sociais pra gerar milhões de oportunidades e, com certeza, nosso povo negro seria um dos principais beneficiados", explica Léo Péricles.

Desafios

O pré-candidato considera que o maior desafio de sua pré-campanha e campanha é o orçamento escasso. De acordo com ele a Unidade Popular possui, para toda a corrida eleitoral, R$3 milhões advindos do Fundo Eleitoral.

Além disso, a UP é um partido político fundado em 2014 e registrado oficialmente em 2019. Possui cerca de 2,6 mil filiados e ainda não conta com uma cadeira no Congresso Nacional. Por isso, a legenda esbarra na cláusula de barreira, instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em fevereiro de 2019.

Também conhecida como cláusula de exclusão, a legislação é uma norma que impede ou restringe o funcionamento parlamentar ao partido que não alcançar determinado percentual de votos. O dispositivo foi aprovado pelo Congresso em 1995 para ter validade nas eleições de 2006, mas foi considerado inconstitucional pela unanimidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento de que prejudicaria os pequenos partidos.

A regra determina que os partidos com menos de 5% dos votos nacionais não terão direito a representação partidária e não poderiam indicar titulares para as comissões, incluindo CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito). Também não teriam direito à liderança ou cargos nas Mesas Diretoras. Além dessas restrições, perderão recursos do fundo partidário e ficarão com tempo restrito de propaganda eleitoral em rede nacional de rádio e de TV. O desempenho eleitoral exigido das legendas partidárias será aplicado de forma gradual e alcançará seu ápice nas eleições de 2030, conforme previsto na EC nº 97/2017.

"Essa resistência à visibilidade está sendo quebrada graças às mídias independentes que, felizmente, também têm pautado a grande imprensa. Podemos não ter tempo de TV, mas podemos ir aos debates. Queremos e fazemos questão de estar em todos", conclui Léo Péricles.

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Com informações do Alma Preta.

17 de abril de 2022

Brasil vive guerra racial permanente, diz Douglas Belchior

Belchior: "O Brasil é assentado no racismo. Não existe Brasil sem racismo" - Foto: Arquivo Pessoal. 

 

"O Brasil é assentado no racismo. Não existe Brasil sem racismo. O racismo organizou historicamente a desigualdade no Brasil e continua sendo o motor, a espinha dorsal da organização brasileira. O Brasil continua matando pessoas negras. A dinâmica escravocrata permanece na sociedade brasileira. É um país em permanente guerra racial”.

É o que afirma Douglas Belchior ao TUTAMÉIA. Professor de história e liderança da Coalizão Negra por Direitos, nesta entrevista ele fala da sua trajetória de militante, trata da história do movimento negro no país, faz comparações com a realidade nos EUA e diz que a supremacia branca aqui foi mais eficiente do que a estadunidense. Define Bolsonaro como um governo de aprofundamento do genocídio negro brasileiro em máxima escala e defende um engajamento maior na campanha pela eleição de Lula.

A eleição não está ganha; se a gente bobear, vamos perder no segundo turno. A tarefa fundamental este ano é eleger Luiz Inácio Lula da Silva. É a pessoa mais qualificada, que tem mais acúmulo, é um símbolo da luta do povo trabalhador brasileiro. Vamos eleger Lula, mas para isso temos que trabalhar; não é automático”, declara.

Ao abordar a permanente guerra racial, Douglas afirma: “É, sim, uma guerra racial porque as condições sociais que geram desigualdade e violência nunca se alteraram. Mesmo nos melhores momentos da nossa experiência republicana, com os governos do PT, com Lula e Dilma, quando políticas públicas voltadas para a comunidade negra foram colocadas em prática. Mesmo nesses momentos de melhora, quando a gente olha para os índices, os que melhoram menos são os negros. Mesmo no momento de crescimento econômico, de diminuição da pobreza e da miséria e de ascensão de uma classe trabalhadora para a classe média".

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A matéria completa está no Brasil de Fato.

16 de abril de 2022

O Deus que Conheço, de Rubem Alves

 

Rubem Alves. (FOTO | Reprodução |Medium).

Por José Nicolau, editor

O Deus que Conheço” é uma das obras clássicas do teólogo, pedagogo, poeta e filósofo brasileiro Rubem Alves. O Historiador Leandro Karnal, um dos Intelectuais brasileiros mais conhecidos do público é quem apresentou e escreveu o prefácio do livro.

Rubem Alves revela nessas escritas a sua peculiar teologia, seu olhar autêntico e surpreendente sobre o sagrado.

Na obra, o autor não tem a intenção de convencer e muito menos converter quem quer que seja. Ele apresenta aqui de maneira ora cômica, ora lírica, mas sempre com uma leveza revigorante, a crença que carrega consigo. Ao expressar seu assombro diante da beleza que reside no mistério de Deus e, ao mesmo tempo, apontar as contradições e incoerências do pensamento teológico oficial, Rubem Alves pinta um retrato colorido e sutil do divino em nossa vida cotidiana, como elucidado nos mais variados sites de vendas de livros.

Caririense de Nova Olinda participa da Expo Favela e é destaque no Jornal Nacional

 

José Márcio desenvolveu um aplicativo de delivery e está na Expo Favela 2022. (FOTO |Reprodução |Jornal Nacional).

Por José Nicolau, editor

De 15 a 17 de abril, São Paulo recebe a Expo Favela. O evento visa integrar e divulgar o trabalho de artistas e criadores digitais das favelas de todo o país e é pensado e organizado pela Favela Holding e promovido pela Central Única das Favelas (CUFA).

O encontro que foi aberto nesta quinta-feira, 15, contou com a apresentação de uma pesquisa do Data Favela sobre a situação das favelas em 2022, além de promoção conferências e palestras, bem como oportunidades de comercialização de construções dos artistas. Os interessados em acompanhar as atividades têm que desembolsar entre R$ 15 e R$ 30.

Segundo o site Agência Mural, a programação terá nomes como Emicida, além dos organizadores como Celso Athayde e também conta com a participação de alguns empreendedores das quebradas da capital. Entre eles, Willian André Alves, CEO da marca de moda Afroperifa, de Perus, na zona norte da cidade. O projeto é voltado para o público preto e periférico. Willian conduzirá a palestra “Afroempreendedorismo na quebrada”, no sábado (16), às 16h.

De Nova Olinda, no cariri cearense, José Márcio está participando desta edição e foi destaque no Jornal Nacional de ontem, 15. Márcio desenvolveu um aplicativo de Delivery e falou sobre suas expectativas. "Pensar em está nessa margem é pensar em girar essa economia periférica, marginal. Que girando ela a gente garante que gere emprego, renda, possibilidade de construção e produção de novos negócios. Tudo ali passa a girar. É sobre possibilidade. É sobre acreditar em um futuro que está por vir", disse ele.

Marcio é formado em Designer de Produto pela Universidade Federal do Cariri (UFCA) e é um dos principais defensores da cultura como forma de libertação. O jovem junto a outros tem dado a Nova Olinda um papel de destaque fora do eixo político partidário ao integrar o Armazém do Saberes, um projeto que visa repensar as cidades e vivenciar as culturas e transita por todos dos movimentos sociais negros.

Filme "Medida Provisória": obra produzida pela negritude ocupa 150 salas de cinema

 

Seu Jorge e Alfred Enoch em cena do filme "Medida Provisória" - Medida Provisória / Divulgação. 

O filme Medida Provisória, do diretor Lázaro Ramos, que chega nesta quinta-feira aos cinemas de todo o Brasil, já chamou a atenção antes mesmo do público assisti-lo. Essa é a “primeira vez que um filme feito pela negritude ocupa 150 salas de cinema”, afirma o ator Aldri Anunciação, que interpreta o personagem Ivan na trama.

Anunciação, para além de ator, é também roteirista, dramaturgo, escritor e produtor. Baiano, foi forjado na mesma escola de Teatro de Wagner Moura. Foi descoberto por seu vizinho: ninguém mais, ninguém menos que o escritor Jorge Amado, que teve papel fundamental para que ele entrasse para o mundo das artes.

Em 2011 Aldri começou a produção do livro Namíbia Não!, que veio dar origem ao filme que estreia nesta semana. Em 2012 o livro foi lançado e no ano seguinte ganhou o Prêmio Jabuti. Porém, a obra, que foi pensado com uma perspectiva distópica, acabou se revelando algo próximo da realidade.

Na hora que foi feito o livro eu tava muito certo de que era uma distopia. De que era algo praticamente impossível de acontecer. Acontece que as obras de arte vão sofrendo mutações ao longo do tempo, a obra de arte é uma conexão com a realidade. Ela existe por conta de uma realidade que tá ali.”

Em entrevista ao Brasil de Fato, Aldri Anunciação falou tanto sobre sua trajetória artística e sobre como foi aliar suas ideias a outros roteiristas para fazer nascer Medida Provisória. Ele fala sobre racismo estrutural e os impactos que espera que o filme tenha tanto para a negritude, quanto para a branquitude que se propõe a ser antirracista.

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Confira a entrevista na íntegra aqui.

15 de abril de 2022

Santana do Cariri (CE)– a guerra do coronel Felinto contra Manoel Alexandre

 

Casarão do coronel Felinto, palco de um dos combates. (FOTO | Reprodução | O Povo).

Manoel Alexandre era rico e poderoso em Santana do Cariri: tinha seis fazendas, muito gado, lojas, engenho a motor e imóveis. Tinha dois filhos.

Coronel Felinto da Cruz Neve tinha mais poder político, era prefeito da cidade. Era casado, mas não teve filhos.

Corria o ano de 1925. Um dia, o filho mais velho de Mané Alexandre, desentende-se com um grupo de rapazes da cidade. Leva uma surra. Apesar de ter sido uma simples briga de rua, os agressores são identificados como partidários do coronel Felinto.

Mané Alexandre jura vingança, reúne alguns homens e vão até a cidade, mas são rechaçados. A refrega termina sem feridos. Mas a raiva aumenta.

Ele contrata 80 cangaceiros, entre eles, um irmão de lampião. O coronel resolve fazer o mesmo, contrata 40 homens do cangaço.

Arma-se uma guerra.

A tropa de Mané Alexandre invade a cidade. Entrincheirados nos altos da Igreja de Senhora de Santana, os homens do coronel abrem fogo. A batalha termina com 26 mortos.

As coisas parecem ter-se amainado, até que Mané Alexandre dá pouso a um pistoleiro famoso. Este diz que eles estavam fazendo as coisas erradas e que tinham de pegar o coronel de surpresa.

Cerca de homens se preparam para invadir a casa do coronel Felinto, de madrugada. O filho mais novo de Manoel Alexandre diz que não vai. A mãe, uma mulher colérica, instiga o filho a ir ou, então, que ele tirasse as calças para trocar com o vestido dela, que ela iria no lugar dele.

O filho vai para a cidade, participar da ação. O grupo usa uma escada para escalar o muro e começam a bater na porta para derrubá-la. Dentro da casa, apenas um homem fazia a segurança do coronel Felinto. O segurança atira e acerta a cabeça do filho de Mané Alexandre. Batendo o pé no assoalho, ajudado por um menino de 14 anos que lhe recarregava a arma, para dar a impressão que a casa estava cheia de defensores, ele consegue assustar os agressores.

Os homens fogem, levando o filho do coronel ferido, que morre no caminho. A guerra termina e começa uma longa decadência econômica de Mané Alexandre.

A história – que estará no livro de Zé Pereira com mais detalhes – ainda tem continuidade, quando o filho sobrevivente volta à cidade 26 anos depois para se tornar prefeito.

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Com informações do O Povo.

Páscoa: a irrupção do inesperado

 

Leonardo Boff. (FOTO/ Reprodução).

Os cristãos celebram na Páscoa aquilo que ela significa: a passagem. No nosso contexto, é a passagem da decepção para a irrupção do inesperado. Aqui a decepção é a crucificação de Jesus de Nazaré e o inesperado, sua ressurreição.

Ele foi alguém que passou pelo mundo fazendo o bem. Mais que doutrinas introduziu práticas sempre ligadas à vida dos mais fracos: curava cegos, purificava hansenianos, fazia andar coxos, devolvia à saúde a muitos doentes, matava a fome de multidões e até ressuscitava mortos. Conhecemos seu fim trágico: uma trama urdida entre religiosos e políticos o levaram à morte na cruz.

Os que o seguiam, apóstolos e discípulos, com o fim trágico  da crucificação ficaram profundamente frustrados. Todos, menos as mulheres que também o  seguiam,  começaram a voltar para suas casas. Decepcionados, pois esperavam que trouxe a libertação de Israel. Tal frustração aparece claramente nos dois discípulos de Emaús, provavelmente, um casal que caminhavam cheios de tristeza. A alguém que se uniu a eles no caminho dizem lamuriosos: ”Nós esperávamos que fosse ele quem iria libertar Israel, mas já passaram três dias que o condenaram à morte”(Lucas 24,21). Esse companheiro, se revelou depois, como sendo Jesus ressuscitado, reconhecido na forma como benzeu o pão, o partiu e distribuiu.

A ressurreição estava fora do horizonte de seus seguidores. Havia um grupo em Israel que acreditavam na ressurreição mas no final dos tempos, a ressurreição entendida como uma volta à vida como sempre foi é.

Mas com Jesus aconteceu o inesperado, pois na história sempre pode ocorrer o inesperado e o improvável. Só que o inesperado aqui são de outra natureza,um evento realmente improvável e inesperado: a ressurreição. Ela deve ser bem entendida: não se trata da reanimação de um cadáver como o de Lázaro. Ressurreição representa uma revolução dentro da evolução. O fim bom da história humana se antecipa. Ela significa o inesperado da irrupção do ser humano novo, como diz São Paulo, do “novíssimo Adão”.

Este evento é realmente a concretização do inesperado. Teilhard de Chardin cuja mística é toda centrada na ressurreição como uma absoluta novidade dentro do processo da evolução a chamava de um “tremendous”, de algo, portanto, que mexe com todo o universo.

Essa é a fé fundamental dos cristãos. Sem a ressurreição não existiriam as comunidades cristãs. Perderiam seu evento fundador e fundante.

Por fim, cabe ressaltar que os dois mistérios maiores da fé cristã estão intimamente ligadas à mulher: a encarnação do Filho de Deus com Maria (Lucas 1,35) e a ressurreição com Maria de Mágadala (João 20,15). Parte da Igreja, a hierárquica, refém do patriarcalismo cultural, não atribuiu a este fato singular nenhuma relevância teológica. Ela seguramente está  nos desígnio de Deus e deveria ser acolhido como algo culturalmente inovador.

Nestes tempos sombrios, marcados pela morte e até com o eventual desaparecimento da espécie humana, a fé na ressurreição nos rasga um futuro de esperança. Nosso fim não é a autodestruição dentro de uma tragédia mas a plena realização de nossas potencialidades pela ressurreição, a irrupção do homem e da mulher novos.

Feliz Páscoa a todos os que conseguem crer e também a quem não o consegue.

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Por Leonardo Boff, originalmente em seu site.