5 de setembro de 2017

O povo nem se deu conta da independência


Há tempo, meus botões, iconoclastas à beira do sacrilégio, sustentam que nem tudo nos cardápios da Marquesa de Santos ostentava perfeitas condições de consumo. Eventuais indagações a respeito parecem despidas de sentido. Ocorre, entretanto, que um mexilhão estragado, digamos, poderia ter exercido notável influência sobre o Grito.

Por MinoCarta, no CartaCapital - Sabe-se que Dom Pedro vinha de Santos depois de almoçar com a amante e, ao subir a serra no caminho de São Paulo, deu para experimentar os dissabores da digestão penosa, com consequências abaixo do umbigo.

Nas alturas do Ipiranga, próximas da cidade, um renque de bananeiras cuidou de lhe oferecer abrigo para o cumprimento da operação inevitável, embora nem sempre definitiva, em tais ocasiões. E das sombras o príncipe finalmente emergiu para proclamar a Independência.

Em paz com as entranhas, ou ainda a sofrer do aperto inconcluso? Gritou, segundo as páginas amarelecidas, “Independência ou morte!” A ser verdade factual a frase que a história coloca na boca do príncipe, ela ganha o som da irritação.

Por que propor uma alternativa tão drástica? A palavra morte ali não se justifica, mesmo se em jogo estava uma imponente briga familiar que o opunha ao pai Dom João VI. Sobra a hipótese de que a parada forçada debaixo das bananeiras tivesse sido insatisfatória.

Como se sabe, a retórica oficial no Brasil se esbalda. Claro está que nosso herói não montava o cavalo de Napoleão, como pretende o pintor francês François-René Moreaux ao retratá-lo na chegada a São Paulo. Na opinião dos meus botões, tratava-se de um muar. Na tela, o povo festeja o gesto do seu príncipe, a mostrar consciência de um triunfo há tempo almejado. No meio da festa, enxergo, oh! surpresa, um rosto talvez mulato.

No caso, a verdade factual obviamente é outra. Metade da população era de escravos, e quem não era só com o passar dos meses foi obrigado a dar-se conta da mudança, pela qual, teoricamente, o Brasil deixava de ser colônia. Não demoraria muito para tornar-se súdito do império britânico em lugar do português. Demoraria a Abolição, de fato ainda não extinta até hoje no país da casa-grande e da senzala.

Nesta moldura, figuras como Joaquim Nabuco, Machado de Assis, o Barão de Mauá e Castro Alves são empolgantes exceções. A Editora Hedra tomou a feliz iniciativa de publicar um precioso livrinho, intitulado Alencar – Cartas a Favor da Escravidão.

O autor de Iracema, a virgem índia dos lábios de mel, gostava dos românticos franceses, logorreicos e empolados, e era dado ao culto de uma Idade Média habitada por fadas e ogros. Verificamos agora que José de Alencar pode ser incluído entre os pais fundadores da República do Estado de Exceção, juntamente, entre outros, com os inquisidores do auto de fé em andamento.

Segundo Alencar, radioso seria o futuro dos Estados Unidos e Brasil escravocratas exatamente em função da presença no trabalho deste braço forte e cativo. A tese hiperbólica do escritor, fervoroso leitor de Atala, de Chateaubriand, fábula inspiradora de Iracema, é simples, conforme resume o autor do prefácio do livro da Hedra, Tâmis Parron: “Ao contrário da Antiguidade, os povos bárbaros não mais conquistam os instruídos”.

Resultado: agora, ou seja, segunda metade do século XIX, a civilização captura incultos e os põe a trabalhar com o efeito de “moralizá-los” no mais longo prazo possível. O escravo deveria elevar preces de agradecimento aos seus deuses e é certo que três séculos e meio de escravidão não bastam, longe disso, para o bom êxito da operação de “moralização”.

Alencar não conseguia imaginar o Brasil desgovernado por uma malta de desinstruídos predadores, com raras exceções, Getúlio e Lula, mais, um tanto de raspão, JK.

Alcançaram a grandeza os EUA, poderoso “irmão do Norte”, como outrora se lia nos editoriais do Estadão, pela interferência de novas forças civilizadoras, chegadas em sólidos barcos de passageiros, embora as feiticeiras de Salem retornem, imunes à fogueira, com novos nomes e semblantes.

Enquanto por aqui a casa-grande e a senzala continuam de pé. De fato, os predadores nunca se expuseram de forma tão prepotente em todos os meus 71 anos de Brasil.

O impeachment de Dilma Rousseff, com panelaços e idiotas nas ruas de uniforme canarinho, é o início da debacle conclusiva, a levar ao Estado de Exceção, ou seja, ao atoleiro em que afundamos, como diz Marcos Coimbra na sua coluna desta semana.

Não se trata de defender o governo da presidenta, que, aliás, mereceu críticas muito severas de CartaCapital, ou o PT, que no poder se portou como os demais clubes recreativos a ornar a política nativa, e não foi capaz de enfrentar a manobra golpista.

A cultura da escravidão ensina que o bom combate acontece na proporção de 50 contra 1. É a história da guerrilha do Araguaia, empolgante pela coragem dos 80  moços que enfrentaram 10 mil soldados, mas, ao mesmo tempo, patética.

Os bravos são raros, em geral não somos de briga, a não ser que o adversário esteja em grande minoria ou careça dos meios para se defender. Mestre no assunto, o Duque de Caxias, exuberante figura da nossa interminável galeria de falsos heróis.

De exceção em exceção, as máfias no poder fazem o que bem entendem, em um país que não se fez nação. As ofensas à lei e à razão multiplicam-se ao sabor dos interesses imediatos das quadrilhas, para nos transformar em um Estado medieval e insignificante, colônia exportadora de commodities e de terra vendida, na superfície e no subsolo, a preço de liquidação.

A saída correta teria sido a convocação de eleições antecipadas. Mas como chegar a tanto se os poderes da República obedecem aos capi? Outra saída estaria na revolta popular, forte o bastante para tomar a casa-grande, mas cadê os sans-culottes? CartaCapital reconhece em Lula o único autêntico líder nacional. Mas, se o PT não existe sem seu fundador, o contrário é perfeitamente possível. Lula tem o povo e o PT é dispensável.

Se Lula for preso, conforme prevê a principal exceção deflagrada pelo golpe, a eleição de 2018, desde que se realize, não deixará de ser uma farsa trágica. Recomenda-se preparar os corações para dias ainda mais sombrios. Na próxima semana celebra-se o Dia da Independência 195 anos depois, o dia do tão falado grito que Dom Pedro liberou ao sair detrás das bananeiras. Já então era falácia.

O êxito golpista nos devolve imperiosamente aos tempos da colônia e a verdadeira festa é a da dependência. Só cabe lamentar, diante de uma situação que não vislumbra qualquer gênero eficaz de resistência.

Lamentamos também que alguns personagens dotados de respeitável inteligência, felizmente poucos, se façam de cegos, quando não apoiam o descalabro. É algo que me agasta e amargura entre o fígado e a alma.

A contribuição de Francois-René Moreaux à iconografia oficial: depois do Grito, o principe é recebido em São Paulo. Verdade histórica: o povo nem se deu conta da independência. Foto:  Francois-René Moreaux.

Um país quebrado que não tributa milionários e multinacionais


A população brasileira não tem o hábito de analisar detalhadamente os impostos que paga. Por isso, é normal a reprodução da afirmação – divulgada incansavelmente na grande mídia – de que no país as empresas e os empresários são sobretaxados.

Da RBA - Porém, quando nos detemos para analisar o desenho da carga tributária no Brasil e no mundo constatamos que aqui existe uma distribuição da tributação totalmente desigual. As políticas tributárias não são neutras, assim como a construção do orçamento e dos respectivos investimentos em políticas públicas, pois a depender da dinâmica podem potencializar ou não maior inclusão social e equidade.

Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os que ganham até dois salários mínimos mensais pagam 53,9% deste valor em impostos, enquanto a população que ganha acima de 30 salários mínimos paga até 29%. Concluímos, portanto, que há uma forte injustiça fiscal no formato atual de arrecadação, que privilegia as camadas mais ricas.

Até aqui estamos falando das desigualdades fiscais dentro do que está previsto na legislação. Devido à facilidade de as multinacionais e os milionários escaparem da tributação no Brasil por mecanismos lícitos (elisão) ou ilícitos (evasão/sonegação), um relatório recente da ONU considera o país um “paraíso tributário” para os “super-ricos”, que pagam uma taxa efetiva média de apenas 7% de impostos.

Como isso tudo é possível?

Vez ou outra o termo “paraíso fiscal” aparece nos rasos noticiários brasileiros, quase sempre relacionados com alguma atividade criminosa, de corrupção pública ou tráfico de drogas.

O que a mídia tradicional omite é que esses estereótipos de crime organizado e corrupção corresponderam a somente 12% dos recursos que saíram da América Latina em direção aos paraísos fiscais entre 2004 e 2013. Os outros 88% são fruto de manobras ilícitas de evasão de imposto em seus respectivos países de origem.

E qual é o tamanho do prejuízo para os cofres públicos? Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), somente em 2014 o Brasil teria perdido cerca de R$ 500 bilhões para a sonegação fiscal. A título de comparação, no mesmo ano as perdas do Brasil por causa da corrupção corresponderam a um valor sete vezes menor.

Soma-se a isso o fato de que as leis que regulam a tributação em nível internacional foram elaboradas há quase 100 anos, tornando-as incompatíveis com a economia informatizada internacional dos dias de hoje. Essas lacunas jurídicas permitem a elisão fiscal – manobras legais que permitem às empresas multinacionais burlarem o fisco nos países em que produzem lucros.

Outro mecanismo que faz com que o país renuncie a bilhões por ano de arrecadação são as anistias e isenções fiscais concedidas a grandes empresas. Para atraí-las, os governantes decidem abrir mão de seus ingressos tributários, sob a justificativa de estimular a economia e criar empregos. O problema é que as isenções fiscais não passam por controle social e são concedidas sem contrapartidas, em processos sem transparência. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, em 2013 as isenções fiscais para as grandes empresas foram seis vezes maiores do que o orçamento estadual para a saúde (R$ 32,3 bilhões versus R$ 5,2 bilhões).

Esses altos níveis de abuso fiscal por meio de diversos mecanismos violam o princípio constitucional da capacidade contributiva, uma vez que aqueles que possuem grandes quantias financeiras são os que menos pagam no final das contas. Quem paga, para valer, imposto no Brasil são os mais pobres.

Há nesse contexto uma questão de respeito aos direitos humanos e de gênero. A população pobre e que precisa ter acesso a serviços públicos de boa qualidade é a mais afetada, pois o orçamento público fica prejudicado, em quantidade e qualidade, enquanto os investimentos em concursos públicos, carreira e valorização de servidores ficam relegados ao segundo plano, assim como a manutenção e abertura de novos serviços, a criação de políticas públicas transversais e a promoção da inclusão e da equidade.

A superação da desigualdade de gênero e raça também é inviabilizada, já que as mulheres negras - que pelos indicadores sociais possuem renda mais baixa - usam a maior parte de seus rendimentos em itens básicos, por cuidarem da família, e sofrem mais com a carga de impostos cobrada diretamente sobre o consumo.

E o que podemos fazer?

O tema da tributação, tanto nacional quanto internacional , é ainda distante do cotidiano das lutas dos movimentos sociais. Além de investir em transparência e na popularização do tema, alguns países já apontaram caminhos pelos quais podemos seguir. É o caso dos islandeses, que a partir da denúncia de que o primeiro-ministro tinha contas em paraísos fiscais, tomaram as ruas até que ele renunciasse, e conseguiram. E também do Equador, que em fevereiro deste ano realizou um plebiscito nacional por meio do qual a população rechaçou a possibilidade de políticos e funcionários públicos de alto escalão terem contas em paraísos fiscais enquanto exercem seus cargos.


Nesse contexto é importante que os movimentos sociais se apropriem desse debate, pois, no Brasil, por trás do tecnicismo das discussões sobre o tema , existe um forte viés ideológico liberal.

Os patos da Fiesp: Campanha contra impostos, apesar da forte injustiça fiscal no formato atual da arrecadação.
Foto: Reprodução.

4 de setembro de 2017

Dono de restaurante Coco Bambu responde preconceito ao nordeste com poema de Patativa do Assaré


"Só pode ser nordestino". Dono de Restaurante Coco Bambu responde preconceito com Patativa do Assaré. Foto: Reprodução/ Revista Fórum.

A rede cearense de restaurantes Coco Bambu recebeu um comentário negativo no guia Trip Advisor. Até aí tudo bem. Apesar de quase todas serem positivas, um cliente reclamava do tempo de atendimento e da qualidade dos alimentos. No entanto, o cliente aproveitou para despejar seu preconceito em relação ao Nordeste. “Só pode ser Nordestino”, escreveu.

Do Portal Fórum - O proprietário da filial da rede, presente em quase todos os estados do Brasil, respondeu lembrando a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. De acordo com a lei, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional é crime. E completou com o poema de Patativa do Assaré.
“Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.”
Patativa do Assaré


The Guardian destaca caravana de Lula: “O presidente mais popular da história do país”


O jornal britânico The Observer, que sai aos domingos e é vinculado ao The Guardian, publicou uma matéria sobre a caravana do ex-presidente Lula. Com o título “A procura de reviver bonança política, herói da esquerda curte sucesso na estrada”, Dom Phillips destaca que Lula “continua sendo o presidente mais popular em décadas, se não o mais popular de toda história do país”.

Do Portal Fórum - A reportagem ressalta também que o petista chamado por Barack Obama “como ‘o político mais popular da Terra’ tem cruzado o nordeste brasileiro, região semiárida e empobrecida, para falar a multidões de adoradores”.


 “Em Ouricuri, os oradores disseram que antes de o Partido dos Trabalhadores chegar ao poder, em 2002, pessoas famintas em desespero saqueavam lojas quando as chuvas não vinham. Sob Lula, 1,2 milhão de famílias receberam sistemas de armazenamento de água e não houve saques durante a seca atual, que já dura sete anos”, diz trecho.

A reportagem aponta ainda que Lula está liderando em todas as pesquisas de intenções de votos para as eleições de 2018 e que o ex-presidente estaria sendo perseguido para não poder concorrer. “Ele já está liderando pesquisas antecipadas para a eleição do próximo ano e seu apoio cresceu mais ainda desde a condenação, enquanto internacionalmente um coro de vozes influentes argumenta que ele está sendo injustamente perseguido. Entre essas vozes está a do advogado de direitos humanos Geoffrey Robertson, que levou o caso ao Comitê de Direitos Humanos da ONU.”

Lula, no The Guardian: "herói da esquerda". 

O texto mostra como os manifestantes que protestaram contra Dilma e o PT, ignoraram denúncias de corrupção graves contra Temer. “Muitos desses mesmos políticos votaram para não afastar Temer no mês passado, quando ele foi acusado de corrupção em um caso relacionado, depois de ter sido secretamente gravado recomendando a um poderoso empresário fazer um acordo com um de seus auxiliares próximos, que depois foi filmado recebendo R$ 500 mil em dinheiro dentro de uma maleta.”

Aqui no nordeste, os apoiadores de Lula são firmes em afirmar que ele é objeto de uma armação. Enquanto sua caravana passa pelas paisagens ressequidas, entre cactos do tamanho de árvores, pessoas fluem para a rodovia, parando os ônibus, aplaudindo, saudando e filmando em seus celulares quando Lula sai para cumprimentá-los”, finaliza a reportagem.

3 de setembro de 2017

Estamos num processo de subdesenvolvimento. A solução virá pela ideologia ou pela aritmética?


A aguerrida resistência de boa parte dos “progressistas” do Congresso às mudanças necessárias para voltarmos a um desenvolvimento econômico robusto e inclusivo é, às vezes, levada à dignidade de diferenças “ideológicas”.

Por Delfim Neto, No CartaCapital - Ledo engano: é apenas irresponsabilidade aritmética. Creem que é no Orçamento que se criam os recursos, enquanto os “caretas” sabem, porque é assim que funciona o mundo, que são os recursos que limitam o Orçamento!

Não há a menor hipótese de se conquistar um voto que se pensa “progressista” cuja voz atinge altos decibéis e crê que um “grito” pode superar a aritmética. Resta apenas vencê-lo com dois votos de quem sabe o que é a regra de três. Mesmo que a esperança seja vã, cremos que vale mais um esforço para capturar um incauto “progressista”.

Comecemos tentando dar carne e osso ao indicador geral macroeconômico da economia que chamamos de PIB. Num período de tempo convencional, ele é a soma dos valores adicionados em todo processo produtivo.

E o que é o “valor adicionado”? É o total monetário do valor comercializado de qualquer bem ou serviço descontado de todas as compras de bens ou serviços para produzi-lo. Por exemplo, o “valor adicionado” de um par de sapatos é igual ao seu preço descontado de todas as compras feitas para produzi-lo.

O que sobra quando fazemos isso? Apenas o salário dos trabalhadores e o lucro do produtor. No final, o PIB é o valor da soma de todos os salários e de todos os lucros realizados em todo o processo produtivo, medidos na unidade de valor do período. Vamos chamá-lo de (Y).

Que uso pode fazer a sociedade do que foi produzido (Y)? Para organizar suas ideias os economistas construíram a contabilidade nacional, que o divide em consumo das famílias (C), investimento (I), consumo do governo (G), exportação (X), da qual se subtraem as compras externas, as importações (M). Trata-se da conhecida, mas muito maltratada identidade convencional: Y = C + I + G + (X – M).

Para avaliar a evolução das quantidades de bens e serviços ao longo dos anos, calcula-se o PIB de cada ano, com os preços de um ano-base. O IBGE faz isso com os preços de 1995. Com isso damos concretude física à evolução da quantidade de bens e serviços posta à disposição da sociedade. Ele mede o desenvolvimento econômico.

Para entender o “imbróglio” que estamos vivendo, basta lembrar que, nas últimas duas décadas, o PIB físico cresceu à ridícula taxa de 2,2% ao ano, acumulando um crescimento de 55%. Ficamos relativamente mais pobres, porque o mundo cresceu cerca de 77% no mesmo período.

Esse é um problema menor diante do fato de que, no período, a despesa real do governo cresceu a 5,4% ao ano, acumulando o fantástico crescimento de 180%! Aumentamos sistematicamente o consumo e reduzimos o investimento do governo.

Por exemplo, demos ganhos de produtividade aos aposentados e pensionistas (a quem deveríamos, apenas, manter constante o seu poder de compra), em lugar de aplicá-los no aumento da produtividade dos que estão na atividade e que devem sustentá-los.

Isso autoriza três conclusões: 1. O crescimento robusto do PIB é a condição necessária para realizar as políticas sociais civilizatórias implícitas na Constituição de 1988, até agora sujeitas a idas e vindas. 2. Ao “populismo” oportunista sempre faltará fôlego se não insistir no investimento e na exportação, mas pode até se beneficiar de alguma sorte no curto prazo.

Distribuir judiciosamente ganhos eventuais nas relações de troca é inteligente e razoável, mas esquecer que são passageiros contém em si uma tragédia anunciada. Os fracassos do “populismo” no mundo nos últimos 70 anos, em todas as suas experiências, são uma prova empírica indisputável de sua insustentabilidade.

3. O verdadeiro crescimento sustentável requer um consistente aumento da produtividade do trabalho e toda evidência empírica revela que esta é função da quantidade e da qualidade de capital à disposição de cada trabalhador e do tamanho do mercado.

Estamos reduzindo o nosso estoque de capital. Logo, estamos num processo de subdesenvolvimento! A saída é voltar a ser colônia, o que, infelizmente, é cada vez mais evidente.

Temer vem todo dia quebrando o país. Foto: Divulgação.

2 de setembro de 2017

A luta de três irmãs que tentam manter vivo idioma que só elas sabem falar


Considerada por historiadores a língua original do sul da África, N|uu está à beira da extinção.

Katrina Esau luta para salvar a vida de sua língua materna.

Do Terra - A idosa sul-africana, de 84 anos, é apenas uma de três pessoas no mundo capazes de falar fluentemente o N|uu, uma das línguas faladas pela comunidade San, também conhecida como Bushmen. Todas as pessoas pertencem à mesma família.

O N|uu é considerado a língua original do sul da África, mas está em uma lista da ONU de idiomas considerados "sob risco de extinção".

"Quando era pequena, só falava N|uu e ouvia um monte de gente falando-a também. Mas agora isso mudou", diz Esau, que vive na cidade de Upington, na província sul-africana de Northern Cape.

Por séculos, os San circularam livremente pela região vivendo da caça e da coleta de vegetais. Hoje, porém, as práticas desapareceram. Seus descendentes dizem que a língua é uma das últimas ligações entre eles e a história de seu povo.

Em uma pequena casa de madeira, Esau dá aulas de N|uu. Ensina para crianças da comunidade os 112 sons da língua, incluindo os 45 "estalos" (cliques).

"Não quero que o idioma desapareça quando eu morrer", diz a idosa, que começou a dar aulas de N|uu há 10 anos.

"Quero passar o máximo que puder, mas tenho plena noção de que não há muito tempo".

As irmãs Hanna Koper, Katrina Esau e Griet Seekoei são as últimas falantes no mundo de N||uu. Foto: BBCBrasil.com.

Em Upington, as pessoas hoje em dia falam principalmente o afrikaans, o idioma que evoluiu do holandês levado à África do Sul pelos colonizadores do país europeu, no século 17.

"O homem branco nos batia se nos visse falando nossa língua. Abandonamos o N|uu e aprendemos a falar afrikaans, embora não sejamos brancos. Isso afetou nossa identidade", diz Esau.

As outras únicas pessoas que falam o idioma são as irmãs de Esau, Hanna Koper e Griet Seekoei, ambas com mais de 90 anos.

Apelida pelos alunos de "Vovó Pintinho", a idosa diz ter esperanças de vencer a resistência da comunidade a falar o N|uu.

Assim como muitas línguas africanas, o N|uu foi transmitido de forma oral, mas essa tradição ameaça sua sobrevivência.

Até bem recentemente, não havia forma escrita da língua.

Grupo de crianças em aula de N|uu. Foto: BBCBrasil.com

Isso fez com que Esau precisasse da ajuda de linguistas. Sheena Shah, da Escola de Estudos Orientais e Africanos (Soas), em Londres, e Matthias Brezinger, do Centro para a Diversidade Linguística Africana, em Cidade do Cabo (África do Sul), a ajudaram a criar um alfabeto e regras básicas de gramática para fins didáticos.

"Essas comunidades veem a língua como uma importante marca de sua identidade", diz Shah.

"Quando analisamos línguas africanas, aprendemos que elas comunicam diferentes perspectivas de vida, relacionamentos, espiritualidade e humanidade", acrescenta Brezinger.
"Há uma riqueza de conhecimento passado de geração para geração em comunidades indígenas e sobre a qual o Ocidente sabe muito pouco. Quando essas línguas morrem, esse conhecimento único se perde".

Na sala de aula de Esau estão cerca de 20 crianças, a maior parte delas menores de 10 anos, e alguns adolescentes. Mary-Ann Prins, de anos 16, é a melhor aluna e espera um dia assumir o lugar da idosa.

"Adoro aprender essa língua. Isso faz com que eu me sinta parte de alguma coisa, como se estivesse conectada a meus bisavôs. Eles falavam N|uu e hoje posso também ser parte disso", diz a menina, com um sorriso.

Desaparecimento

O N|uu não é a única língua sob o risco de desparecer na África do Sul. Na cidade de Springbok, também na província de Northern Cape, falantes do Nama fazem lobby junto ao governo para que a língua ganhe status oficial no país.

Dança tradicional em Springbok. Foto: BBCBrasil.com

Apesar de amplamente falado na África do Sul ao longo da história, o Nama não é reconhecido como uma das 11 línguas oficiais da chamada "Nação do Arco-Íris".

"É muito triste que nossas crianças não possam aprender Nama e que jamais poderão se comunicar com os mais velhos em sua própria língua", diz Maria Damara, de 95 anos, uma das poucas pessoas que falam Nama na cidade.

"Qual será o futuro de nossa cultura?"

As línguas mais faladas da África do Sul (em percentual da população)

Zulu: 22.7% , Xhosa: 16% , Afrikaans: 13.5% , Inglês, 9.6% , Setswana, 8% , Sesotho:7.6%

O país tem ONZE línguas oficiais.

O inglês é a linguagem comum mais falada e é usada oficialmente e nos negócios

Fonte: SA.info/Censo de 2011

O líder comunitário Wiela Beker, de 56 anos, concorda:

"Se você não tem uma língua, você não tem coisa alguma. Estou conversando em inglês com você, mas não sou inglês. Quero falar Nama porque isso é o que sou."

"A não ser que façamos alguma coisa, nossa cultura vai morrer. Lutamos por nossa cultura quando lutamos por nossa língua", diz ele.

Colunista classifica nordestinos e nortistas como “ingênuos, cegos, surdos e mudos”



A colunista Eliane Cantanhêde, do jornal O Estado de São Paulo, em seu artigo diário que é replicado via rádio para todo o país, revelou nesta sexta, dia 1º, uma carga preconceituosa e discriminatória contra os pobres e miseráveis que vivem no Amazonas e nos demais estados do Norte e Nordeste.

Do Expressoam - Interpretando números de uma pesquisa nacional sobre como o juiz Sérgio Moro é avaliado na comparação com políticos de ponta e até ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Eliane afirma que o magistrado perde mais pontos nas classes D e E da parte de cima do Brasil.

É justamente no Norte e no Nordeste que o PT e particularmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são campeões de voto e têm os mais fiéis seguidores, cegos, surdos e mudos para quaisquer revelações da Lava Jato, que opõem Moro a Lula. Ali [nortistas e nordestinos], a versão de Lula vale mais do que os fatos de Moro”, diz ela em um dos trechos do artigo.

A visão geocêntrica da colunista consegue pinçar dentre os menos favorecidos do país um grupo mais segregado do que a própria segregação econômico-social já impõe a esse universo de brasileiros.

A estratificação geocêntrica sulista de Eliane permite que ela veja os nortistas e nordestinos como cidadãos e cidadãs ingênuos, “com menor escolaridade e maior ingenuidade”. Em resumo do seu artigo, ela sugere que essa parcela da população, desinformada, acredita mais no que Lula diz.

Esses “sem-estudo, desinformados e ingênuos” são, para Eliane, “cegos, surdos e mudos”, revelando aí a extensão da sua carga preconceituosa para os portadores de deficiência física.

A colunista, que é bem lida e ouvida também por essa parcela de brasileiros via rádio, hoje não foi feliz. A sugestão a Eliane dos nortistas e nordestinos, no mesmo barco dos pobres e miseráveis dos que vivem nas demais regiões do país quanto às agruras da vida, é que a jornalista acrescente conteúdos mais ricos das ciências humanas e sociais às suas avaliações.

Reduzir a gravidade do problema do país a uma disputa de torcida Moro x políticos, com desprezo à opinião pública, ainda que de “ingênuos”, não é um caminho que coopera para tirar esses brasileiros do modo com que Eliane Cantanhêde os enxerga.

Leia a íntegra do artigo “Mau humor generalizado” no Estadão.

Eliane, do Jornal O Estado de São Paulo. Foto: Reprodução/ Expressoam.




As pessoas vão à rua quando as crianças passarem fome, diz Leonardo Boff


A situação do Brasil, um ano após o final do processo de impeachment que tirou Dilma Rousseff do governo, mostra que “o golpe foi um tiro no pé” dos que o  promoveram. “Depois que Dilma foi tirada, tudo piorou. Todos os itens estão piorando de mês a mês. Diziam que a solução era tirar a Dilma e afastar o PT que o Brasil ia melhorar, mas ocorreu exatamente o contrário”, diz o frei Leonardo Boff.

Eles não têm lideranças, e grande parte é de corruptos. Grande parte foi comprada para votar pelo impeachment. Vivemos num estado de exceção. Eles violam e passam por cima da Constituição. Levaram o Brasil a um impasse.”


Da RBA -  Boff está em Chapecó (SC), onde, por coincidência, também se encontra na noite desta sexta-feira (1) a própria Dilma Rousseff. “Ela está em Chapecó fazendo concorrência comigo, pois dá uma palestra às 7 horas da noite, e eu dou às 7 e meia”, brinca o frei e escritor. A ex-presidenta ministra na cidade catarinense uma aula pública sobre os partidos políticos e a esquerda brasileira, no Complexo de Eventos Tabajara, na cidade hoje mais conhecida pelo time de futebol que disputa a primeira divisão do Campeonato Brasileiro.


Para Leonardo Boff, diante da destruição de direitos do povo e da Constituição, decorrente das políticas devastadoras promovidas pelo governo Michel Temer, “a esperança vem no momento em que houver mobilização popular: ela chegará possivelmente quando sentirem na pele as consequências funestas dessas medidas duras, desses reajustes que o presidente ilegítimo está impondo”.

Quando será essa hora? “Quando as pessoas perceberem que as crianças estão passando fome, que já não podem ser atendidas na saúde, que as escolas já não funcionam. Esse é o momento de saírem à rua, porque os adultos aguentam a fome, mas o que eles não suportam é ver os filhos que não conseguem dormir porque gritam que fome”, diz. “Aí é o momento de uma convulsão social, que, no meu modo de ver, virá mais adiante, com o protesto contra esse tipo de governo que é antivida, antipovo, e discute tudo sem consultar a sociedade, passando por cima da Constituição”.

Para Boff, o governo extremamente autoritário se baseia em uma “maioria de ministros, e grande parlamento, Senado ou Câmara, corruptos ou acusados de corrupção”.

A dramática situação do país é resultado de um golpe feito pela classe dominante “que usou o parlamento, uma parte do judiciário, aliada com uma mídia conservadora, a mídia empresarial, que deram um golpe, porque se deram conta que as políticas sociais que começaram com o Lula estavam se consolidando, e tornando já uma coisa de continuidade”.

Em sua opinião, os historiadores mostram que isso sempre ocorre quando políticas populares ameaçam se consolidar no Brasil. Boff cita números do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), segundo os quais os “multimilionários” brasileiros com renda mensal maior do que 160 salários mínimos, no topo da pirâmide social, são 71.440 pessoas.

Esses cidadãos são cerca de 0,5% dos que declaram Imposto de Renda, com rendimentos de R$ 298 bilhões e patrimônio de R$ 1,2 trilhão. “São os que estão atrás do golpe, pressionando para mudar a Constituição, para medidas severas que vão significar a transferência de muita riqueza para eles, ao preço de o povo perder direitos, empobrecer, cair de novo no mapa do fome como já caiu.”

Escritor e Frei, Leonardo Boff.. Foto: Alan Marques/ FolhaPress.