27 de setembro de 2015

A imprensa e a luta contra o racismo, por Silvia Elaine Santos de Castro



Esquizofrenia. Essa foi a doença utilizada para justificar a agressão física e verbal a um senegalês no centro da cidade de Londrina, norte do estado do Paraná, no começo de setembro. Ngale Ndiaye é vendedor ambulante e mantém seu ponto de venda em frente ao prédio em que reside a agressora. Aos gritos de “preto fedido”, “macaco” e “ladrão”, a moradora jogou bananas no imigrante e exigia que ele mudasse seu ponto de venda. A humanidade, a dignidade e os direitos de Ngale foram negados neste ato.

Esse é apenas mais um caso de discriminação entre tantos outros vividos e presenciados no cotidiano brasileiro. Ação explícita que causou a revolta de muitos que passavam pelo local. Mais do que depressa, pessoas que assistiram a cena e a imprensa, que cobria, tentaram amenizar a situação. Uma senhora, emocionada, pediu desculpas à vítima em nome da pessoa agressora e do país, afirmando que aquela não era uma atitude típica dos brasileiros, que somos corteses etc. Essa foi a principal perspectiva na cobertura jornalística do fato.

Como desmembramento da cobertura, um jornal da cidade aproveitou a ocasião para abordar o tema da crise de imigração europeia e os diversos refugiados na cidade. Por que não podemos dizer que o caso de Ngale foi xenofobia? Ele foi atacado por causa da cor da sua pele, e não por seu país de origem.

Os principais sintomas da esquizofrenia são delírios e alucinações. O doente desenvolve crenças em fatos irreais que não possuem base na realidade. Na simplicidade dessa descrição, penso que vivemos uma esquizofrenia social, que insiste em negar o óbvio. Para compreender o racismo no Brasil é preciso se libertar da zona de conforto e ir além. Como já denunciou o antropólogo Kabenguele Munanga, o racismo brasileiro é um crime perfeito, um racismo sem racistas, um crime sem ator.

O regime de castas deixou legados

Pensar o racismo como caso isolado, como exceção, é um dos principais erros que cometemos ao refletirmos sobre como acontece este fenômeno no país do futebol. Numa metodologia foucaultiana, sugiro pensarmos sobre as capilaridades do racismo. Do micro para o macro. Interpretar cada ato de discriminação racial como casos isolados e desconexos reforça a ideia do “mito da democracia racial”, que o racismo está no ar, que ninguém o pratica.

É imprescindível refletir como o racismo se estrutura e é estruturado por ações cotidianas, seus efeitos e consequências. Para, quem sabe assim, podermos construir uma sociedade efetivamente menos preconceituosa. Reforçar a ideia de uma igualdade desejável, porém utópica, como já apontou Florestan Fernandes (2008), apenas cumpre a função de preservar as distancias sociais, econômicas e culturais em nosso país.

O racismo é operante em nossas relações como mecanismo de hierarquia social, quando um ser humano se identifica como sendo mais digno e detentor de mais direitos do que o outro. É preciso admitir que o regime de castas operante no período escravocrata deixou legados nas nossas relações raciais que ainda não conseguimos nos desvencilhar. A negação da humanidade de africanos foi a justificativa usada para o regime de trabalho escravo. Isso soa familiar?

A esquizofrenia social na/da mídia

Diversas estratégias foram utilizadas para a manutenção dos privilégios sociais herdados do período escravista. A principal delas são as nossas relações raciais. O entendimento de que as vivemos harmonicamente por sermos um país miscigenado é a máxima operante, e este fato é utilizado para minimizar possíveis enfrentamentos sociais diretos. A orientação moral do brasileiro foi historicamente de tolerar [utilizo o verbo tolerar no sentido de suportar com indulgência, ou seja, sempre com um mal estar aparente] a diversidade, desde que esta não interfira ou transgrida o seu padrão de normalidade. Talvez, essa pode ser esta uma das causas da nossa dificuldade de enxergarmos o abismo que separa brancos e negros em nosso país.

Qual o lugar dos veículos de comunicação na manutenção deste padrão?

Como já apontou Muniz Sodré (1999), a mídia é o intelectual coletivo deste poderio. Os discursos midiáticos tecem uma rede de produção e reprodução do preconceito e do racismo. “Funcionam também como uma espécie de ‘grupo técnico de imaginação’, responsável pela absorção, reelaboração e retransmissão de um imaginário coletivo atuante nas representações sociais” (pág.244).

Sodré aponta quatro fatores operantes do racismo mediáticos: 1) a negação, ou seja, “a mídia tende a negar a existência do racismo, a não ser quando este aparece como objeto noticioso”; 2) o recalcamento, a repressão de aspectos positivos das manifestações simbólicas de origem negra; 3) a estigmatização, segundo Goffman, estigma é a marca de desqualificação da diferença que sucinta juízo de inferioridade sobre o outro. Ou seja, num país de dominação branca, a pele escura tende a tornar-se um estigma; 4) a indiferença profissional, por se organizar empresarialmente, quando a obtenção do lucro é o objetivo principal, os profissionais da mídia pouco se interessam por questões referentes a discriminação do negro e das minorias.

O caso de Ngale teve repercussão nos noticiários locais devido à não conformidade do comportamento da agressora com o padrão moral da sociedade brasileira. Em âmbito nacional, o racismo é discutido, apenas, como tema esporádico, dissociado da realidade e do seu contexto.

Por uma outra comunicação

O discurso da atriz Viola Davis na premiação do Emmy Awards no último domingo (20/09) foi emblemático. Ganhadora do premio de melhor atriz dramática, Viola resgata a humanidade de todos os descendentes de africanos escravizados na Diáspora quando afirma que o que separam brancos e negros em nossa sociedade são as oportunidades.

Para combater o nosso imaginário preconceituoso é fundamental que sejam pensadas políticas públicas que promovam a diversidade étnica e racial dos agentes dos veículos de comunicação. Se quisermos ter um país realmente igualitário é preciso que ações práticas sejam feitas.

O geógrafo Milton Santos, ao pensar o processo de globalização, propunha o entendimento de que ela era composta por três perspectivas: a primeira seria o mundo como nos fazem ver (a globalização como fábula), a segunda o mundo tal como ele é (a globalização como perversidade) e uma outra globalização, ou o mundo como ele pode ser.

Conduzindo este olhar para a comunicação, penso que nossa produção na mídia flutua entre os veículos como fábula e tal qual eles são, perversos, que segrega e discrimina.

Chegamos ao tempo em que, pensar uma outra comunicação se faz necessário para se (re)pensar a identidade nacional e a verdadeira democratização da mídia.

Compreendendo a importância de seu papel neste cenário, a Federação Nacional do Jornalista, tem desenvolvido ações neste sentido como a criação de Comissões de Jornalista pela Igualdade Racial (Cojiras) em diversos estados. Recentemente esta iniciativa foi implementada no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná. Este é um primeiro passo para se efetivar a discussão sobre qual o papel dos profissionais e sua qualificação para a cobertura em casos que envolvem as questões de raça, gênero e etnia.

Pensar o racismo na/da mídia e os meios de se enfrentar preconceito racial nos meios de comunicação é o caminho que temos para combater a esquizofrenia social que nos assola e caminhar em direção de uma sociedade efetivamente democrática.

26 de setembro de 2015

Projeto de alunos da EP Wellington Belém é terceiro lugar na IV Mostra Regional de Educação Ambiental



Raimundo Júnior, Luana Alves e Luana Gomes, alunos da
EP Wellington Belém, durante exposição de projeto
na IV Mostra Regional de Educação Ambiental.
Os educandos Luana Alves da Silva, Luana Gomes Mota e Raimundo Júnior, da Escola Estadual de Educação Profissional Wellington Belém de Figueiredo, localizada no município de Nova Olinda, região do cariri, participaram nesta sexta-feira, 25 de setembro, em Crato, da IV Mostra Regional de Educação Ambiental.

Com o projeto inovador intitulado “Utilização das Sementes da Moringa Oleífera para a purificação da água no Semiárido Nordestino”, desenvolvido pelos alunos, orientado pela professora de Biologia Valéria Rodrigues e apoio de forma efetiva do professor coordenador Francisco de Assis, a escola que conta apenas com pouco mais de um ano de funcionamento conquistou o terceiro lugar.

A IV Mostra Regional é parte integrante da V Mostra de Educação Ambiental da Rede de Ensino do Estado do Ceará que teve como tema gerador a “Água na perspectiva da Escola Sustentável”, em face de um cenário nada animador ocasionado pelas mudanças climáticas e consequente preocupação com a garantia de recursos hídricos para as atuais e futuras gerações. Cada projeto poderia tem como eixo norteador de suas problematizações os subtemas Segurança Alimentar, Desenvolvimento Econômico, Garantia Hídrica, Água e Currículo, Convivência com o Semiárido e Gestão Racional da Água. 

Alunos e professores durante a IV Mostra
Regional de Educação Ambiental.
Segundo a professora orientadora do projeto, Valéria Rodrigues, “os educandos se mostraram muito seguros durante a exposição da temática, e isso nos permite afirmar que estamos no caminho certo, sempre tendo como eixo norteador de nossos trabalhos a formação de alunos pesquisadores. Me senti contemplada”, ressaltou.

A diretora da instituição de ensino supracitada, a professora Lúcia Santana, em fotos compartilhadas pelo coordenador escolar Francisco de Assis, parabenizou os envolvidos diretamente. “Parabéns aos nossos alunos que representaram brilhantemente a EEEP. Wellington Belém de Figueiredo. Agradecimento especial a dedicação e apoio do Coordenador Francisco de Assis e da Professora Valéria”.

O encontro se deu no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) e o primeiro lugar ficou com a Escola de Ensino Fundamental Estado da Paraíba, localizada á praça Dr. Joaquim Fernandes Teles, em Crato.

25 de setembro de 2015

Segundo INEP, cartão de confirmação do ENEM será liberado nos próximos dias



O cartão de confirmação de inscrição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2015 deve ser liberado nos próximos dias. A informação foi divulgada no início da tarde de hoje, 25 de setembro, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Ao acessar o documento, os 7,7 milhões de participantes poderão consultar os locais onde serão aplicadas as provas, marcadas para 24 e 25 de outubro. O acesso somente poderá ser feito no site do Enem. Os inscritos não poderão mais mudar o local onde os testes serão realizados.

De acordo com o Edital do Enem 2015, o documento poderá ser impresso, mas não é obrigatório apresentá-lo nos dias dos exames. Nesta edição, as provas iniciarão depois de 30 minutos do fechamento dos portões.

Até a edição do ano passado, os cartões eram enviados pelos Correios e publicados na página do Exame. Na ocasião, os documentos foram liberados em 21 de outubro, 18 dias antes das provas serem aplicadas (8 e 9 de novembro). Em 2015, o Ministério da Educação (MEC) optou por somente disponibilizar aos estudantes o documento para impressão por meio da página do Exame. Com isso, de acordo com a pasta, haverá economia de R$ 18 milhões em papel.

Enem 2015

Dia
24 de outubro
25 de outubro
Horário
13h30 às 18h
Ciências humanas e ciências da natureza
Provas
13h30 e 19h
Linguagens, códigos e suas tecnologias, matemática e redação

Segundo o balanço do Enem 2015 liberado Inep, a maioria dos participantes já concluiu o ensino médio (4.491.820). Em seguida, vêm os que o concluirão em 2015 (1.649.807), os que ainda o cursam (1.157.478) e os que não estão cursando o ensino médio (446.952). Saiba mais

Programas

Depois de fazer o Enem, os candidatos podem concorrer às vagas oferecidas pelo Sistema de Seleção Unificada (SiSU), do Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica (Sisutec), para cursos técnicos, e do Programa Universidade para Todos (ProUni). Também podem participar do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)




24 de setembro de 2015

Altaneira ganhará centro esportivo diz prefeito em anúncio


O município de Altaneira, na região do cariri, ganhará um centro esportivo com área destinada a uma piscina, academia, dentre outras modalidades esportivas como capoeira, karatê e danças.

A construção, segundo anúncio do prefeito Delvamberto Soares (Pros) na manhã desta quarta-feira (23) em sua conta na rede social facebook se dará junto ao Ginásio Poliesportivo Antonio Robério Carneiro e será fruto de recursos adquiridos por intermédio da Deputada Estadual Miriam Sobreira (Pros) a partir do Programa de Cooperação Federativa, conforme imagem ilustrativa deste artigo compartilhada pelo gestor municipal.

Para o prefeito, esta obra se configura “de maior importância para o Município, pois fará com que os alunos tenham educação e atividades esportivas em horário integral” ao passo que agradeceu a deputada e ao governador Camilo Santana (PT).

De acordo com ofício compartilhado na rede social, o objeto está orçado em R$ 500.000 (quinhentos mil reais).

23 de setembro de 2015

ENEM 2015: A redação é um dos maiores desafios



Para muitos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a redação é um dos maiores desafios. Prova que vale até mil pontos e tem caráter eliminatório para quem tira zero, a redação pode fazer a diferença para quem pretende obter vaga na educação superior pública ou o acesso a programas educacionais do governo federal como o Programa Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

Para o professor de língua portuguesa e literatura Rafael Batista, a prova de redação do Enem é diferente daquelas aplicadas em outros vestibulares. “A redação do Enem tem um diferencial: precisa avaliar o aluno que termina o ensino médio, mas também avaliar se esse estudante se porta como um sujeito crítico diante da realidade”, afirmou. “Além de apresentar argumentos, o aluno também precisa apresentar propostas de intervenção para se demonstrar como um sujeito crítico.”

O professor também destacou a importância de o estudante compreender o que é exigido pelo exame. “É importantíssimo que os participantes percebam que a redação não pode ferir os direitos humanos, já que estamos falando de um debate social para a promoção da dignidade”, salientou. “Além disso, a estrutura do texto tem de ser dissertativa, ou seja, um texto que exponha informações e apresente argumentos.”

No Enem, a redação deve ter no mínimo oito e no máximo 30 linhas. O texto deve ser dissertativo-argumentativo. Os participantes que fugirem do tema proposto, escreverem número menor de linhas do que o exigido ou deixarem a folha em branco podem receber nota zero. Textos que desrespeitem os direitos humanos também recebem nota zero.

Avaliação

No processo de correção das provas de redação, os participantes são avaliados em cinco competências, que valem, cada uma, até 200 pontos — domínio da norma-padrão da língua escrita; compreensão da proposta; capacidade de organizar e relacionar informações; construção da argumentação e elaboração de proposta de intervenção ao problema exposto.

As redações do Enem são aferidas por dois corretores, de forma individual. Cada um deles atribui nota entre zero e 200 pontos a cada uma das competências. Caso haja diferença superior a 100 pontos entre as notas totais dos dois corretores ou de mais de 80 pontos em qualquer uma das cinco competências, a redação segue para um terceiro avaliador. Na hipótese de a discrepância continuar depois da terceira avaliação, a redação será corrigida por uma banca com três professores, que será responsável pela nota final.

O Guia de Redação, na internet, explica tudo sobre a redação do Enem e oferece exemplos de textos com nota mil.

Pesquisador brasileiro propõe mudanças no ensino de História e Culturas Afro-Brasileira e Africana nas escolas



Desde que foi promulgada a Lei 10.639, que tornou obrigatória a inclusão dos conteúdos de História e Culturas Afro-Brasileira e Africana em todos os níveis de ensino no país, em 2003, muito se discute sobre a aplicação dela. O livro O ensino de filosofia e a lei 10.639, do professor Renato Noguera, produzido pela Pallas Editora em coedição com a Fundação Biblioteca Nacional, defende mudança de paradigmas: descolonizar o pensamento e desfazer a ideia de que a filosofia seja uma aventura exclusiva da cultura ocidental. O livro foi um dos ganhadores do Edital de Coedições para Autores Negros, da Biblioteca Nacional em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, do MinC.


O professor lembra que a produção africana existe desde a antiguidade e que, antes da Grécia, os egípcios formularam importantes teses filosóficas. “Além disso, nada mais empobrecedor na área de filosofia do que as respostas fáceis e dogmas”, acrescenta. Por isso, o autor sugere, no livro, revisitar a produção acadêmica de africanas e africanos em todo o mundo, de forma a combater o racismo epistêmico, observando o protagonismo e a autoridade de negras e negros em todas as áreas.

Uma das questões centrais do texto é justamente a invisibilidade da produção intelectual negra.  “Esse roteiro é benéfico para a democracia e ampliação da diversidade étnico-racial nos circuitos acadêmicos. Os centros de produção e difusão de conhecimento acadêmico ainda são muito eurocentrados. Algumas décadas atrás a história da Europa era considerada a narrativa da trajetória da humanidade”, esclarece Noguera.

O público-alvo esperado inicialmente constitui-se, sobretudo, de docentes de filosofia do ensino médio e de pessoas que trabalham com a pesquisa sobre o ensino de filosofia. Apesar de a publicação ter sido pensada principalmente para esses profissionais, Renato torce para que ele conquiste o interesse do público em geral. “O livro também provoca debates entre os que atuam na universidade e, eventualmente, entre o público que se depara com declarações que contrariam o senso comum a respeito da filosofia. Ideias como ‘os gregos não inventaram a filosofia’ podem gerar debates mais acalorados”, diz Renato.

O autor espera que a publicação ajude a desfazer ideias preconcebidas sobre a relação entre a filosofia e a cultura ocidental. “O meu convite, tanto às pessoas que têm criticado o livro como às que o têm elogiado, é que busquem as fontes que indico e que revejam a formação oficial na área. O que eu digo no livro é que não devemos ficar restritos a uma historiografia apenas”.

Os reis que não se fala



Que menina nunca sonhou em ser uma bela princesa, morando num castelo medieval de pedra, como os dos contos de fada? E que rapaz nunca almejou ter a força e a coragem de Rei Artur, príncipes e cavaleiros medievais, que arriscam suas vidas em caçadas a dragões e guerras sangrentas? Príncipes e princesas brancos em castelos de pedra? Monstros das neves e dragões no topo de montanhas geladas? Somos criados dentro de um imaginário fantasioso completamente alheio ao nosso Brasil.

O único desenho conhecido de Shaka com a
azagaia é o escudo pesado em 1824, 04 anos
antes de sua morte. Foto/Wikipedia.
Boa parte de nossos heróis e sonhos vem de um contexto muito diferente do nosso: a Europa medieval. Boa aceitação das fábulas de Esopo e contos de fada dos irmãos Grimm? Ou talvez influência de princesas e príncipes da Disney? Aulas e mais aulas sobre a dinastia dos Tudors ou sobre personagens como Pepino, o Breve? São muitas as causas de nossa educação imaginativa e histórica eurocêntrica. Mas seriam esses os únicos reis da história (real ou imaginada) dignos de lembrança?

Na insistente educação brasileira para desconhecermos África, aprendemos a ignorar belas histórias africanas de coragem, honra e bravura, que, na verdade, estão muito mais próximas de nossas raízes brasileiras do que imaginamos. Fechamos os olhos para uma realeza que, inclusive, até hoje está presente no continente africano.

O imperador etíope Menelik II.
Enquanto as meninas eram (e continuam a ser) educadas para serem passivas, fracas e dependentes dos homens – como princesas da Disney e dos contos de fada – uma verdadeira rainha africana poderia ser um exemplo muito mais valioso e poderoso para as crianças brasileiras : Ginga, a incapturável rainha angolana.

Nzinga Mbandi, ou Ginga, foi estrategista política e militar, guerreira e diplomata, e se manteve no poder por mais de 40 anos. Inteligente, forte e carismática, a rainha resistiu fortemente à invasão portuguesa no século XVII, negociou acordos diplomáticos com sabedoria, liderou rebeliões e jamais se entregou ou aceitou a dominação de estrangeiros. Mas a realeza de Ginga não é a única que merecia lugar de destaque em nosso imaginário popular.

Muitos foram os reinados e linhagens reais africanos. Alguns sucumbiram à força militar europeia dos colonizadores, outros foram cooptados pelo regime colonialista e tiveram parte importante na dominação europeia, mas outros resistiram. Líderes como o imperador da Etiópia Menelik II, que impediu com êxito a colonização italiana, e o líder étnico e estrategista militar Shaka Zulu que, mesmo liderando um povo de pouca expressão territorial e populacional, conseguiu, através de táticas militares criativas, conquistar o temor dos colonizadores britânicos, mostram que é preciso muito mais do que riquezas e armas para ser um grande líder e mudar a história.

Rainha Ginga em negociação de paz com o governador português em Luanda,
em 1657.

As consequências de desprezarmos nossas raízes africanas são muito mais amplas do que imaginamos. Histórias, contos, mitos e fábulas moldam todo o caráter de um povo. Ao adotarmos um imaginário cultural estritamente europeu, deixamos de enriquecer as crianças com exemplos de personalidades reais fortes e carismáticas, que poderiam nos descolar da admiração por vencedores pela opressão e nos aproximar daqueles que provam que a verdadeira força não depende do gênero, ou da riqueza material e superioridade militar, mas sim da resiliência, criatividade, coragem e bravura.

21 de setembro de 2015

Documento inédito demonstra como a ditadura perseguiu militantes negros


Por Marsílea Gombata, no Carta Capital

Documento inédito mostra como a repressão monitorava integrantes do então embrionário movimento negro brasileiro.

Abdias Nascimento, dentre outros integrantes do movimento, foram espionados.
Com medo de que a luta pela igualdade racial crescesse à luz de movimentos internacionais como o Panteras Negras e se voltasse contra a polícia, a ditadura passou a seguir os passos de militantes e reuniões do embrionário movimento negro brasileiro.

Documento de 24 de outubro de 1979 mostra como o IV Exército, no Recife, descrevia um foco de “problemas”. “A partir de 1978 apareceu um novo ponto de interesse da subversão no País, particularmente nos estados do Rio de Janeiro e, com mais ênfase, na Bahia: a exploração do tema racismo, procurando demonstrar a sua existência e colocar o negro brasileiro como motivo de discriminação”, diz o texto de sete páginas.

O relatório nunca antes divulgado revela que o “método” utilizado para a obtenção das informações deu-se pela “infiltração em entidades dedicadas ao estudo da cultura negra, por meio de palestras em reuniões e simpósios”, como a IV Semana de Debate sobre a Problemática do Negro Brasileiro, em abril de 1978 na Bahia. A temática das palestras, segundo os militares, tratava de temas como “a tão falada democracia racial não passa de um mito”, “o racismo no Brasil é pior do que no exterior, porque é sutil e velado”, “a existência da Lei Afonso Arinos, contra o racismo, é prova de que ele existe”, “a Abolição da Escravatura foi imposta pelas necessidades da economia capitalista e não por uma preocupação sincera com a situação do negro”.

O documento havia sido solicitado em 11 de junho, por meio da Lei de Acesso à Informação, ao Comando do Exército, que oito dias depois respondeu não possuir arquivos sobre o monitoramento de ativistas negros. A Controladoria-Geral da União (CGU) encontrou, no entanto, o relatório no Arquivo Nacional, em Brasília, há duas semanas. Segundo o ouvidor-adjunto da CGU, Gilberto Waller, esta é a primeira vez que se encontra um documento confidencial elaborado exclusivamente para tratar do tema, quando o que se via até então eram trechos e citações a outros textos. “Vemos que o Estado se preocupou com o movimento negro a ponto de ter classificado as informações”, explica. “Na visão da CGU, em termos de acesso à informação, é um grande ganho conseguir algo de valor histórico tão relevante.”

O relatório, cujo rodapé alerta: “Toda e qualquer pessoa que tome conhecimento de assunto sigiloso fica, automaticamente, responsável pela manutenção de seu sigilo. Art. 12 do decreto no 79.099, de 6 de janeiro de 1977”, cita a mobilização nacional em torno da formação do movimento contra a discriminação racial. “Os grupos do Movimento Negro de Salvador são: Ialê, Malê, Zumbi, Ilialê, Cultural Afro-Brasileiro. Esses grupos apresentaram, no dia 8 julho de 1978, ‘moção de solidariedade aos integrantes do movimento paulista contra a discriminação racial, pelo ato público antirracista do Viaduto do Chá’”. 

O objetivo era evitar que a luta pelos direitos civis nos
Estados Unidos alcançasse o pais.
O ato, segundo a socióloga Flavia Rios, autora da tese Elite Política Negra no Brasil: Relação entre movimento social, partidos políticos e estado, diz respeito à marcha que saiu naquele dia do Viaduto do Chá em direção ao Teatro Municipal para a criação do Movimento Unificado contra a Discriminação Racial, que mais tarde se tornaria o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial. “Ele é formado por ativistas de várias regiões do País, tem essa característica nacional”, conta a também coautora da biografia sobre a militante negra Lélia Gonzalez. “Havia uma preocupação da ditadura de que ideais do movimento armado Panteras Negras, por exemplo, e da luta dos direitos civis americanos pudessem chegar aqui. Por isso, o regime acompanhou vigilantemente manifestações políticas e encontros.”

O informe até pouco considerado inexistente fala ainda sobre uma “campanha artificial contra a discriminação no Brasil” e lembra que, “em virtude das restrições políticas”, o Movimento Negro de Salvador passou a realizar reuniões paralelas e a adotar organizações celulares, com base nos “centros de luta”, compostos de três integrantes. A capital baiana teria sete desses centros, cuja função era “mobilizar, organizar e conscientizar a população negra nas favelas, nas invasões (de terras urbanas), nos alagados, nos conjuntos habitacionais, nas escolas, nos bairros e nos locais de trabalho, visando a formar uma consciência dos valores da raça”.

Além do encontro nacional do Movimento Negro de Salvador, entre 9 e 10 de setembro de 1978, no Rio de Janeiro, os arapongas descrevem a Terceira Assembleia Nacional do Movimento Negro Unificado, em 4 de novembro de 1978, na capital baiana, com militantes de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Citam o Congresso Internacional da Luta contra a Segregação Racial entre 2 e 3 de dezembro de 1978, em São Paulo.

E relatam o ciclo de palestras do Núcleo Cultural Afro-Brasileiro, no segundo semestre de 1978 em Salvador, do qual participaram opositores como o deputado federal baiano Marcelo Cordeiro e o paulista Abdias do Nascimento, professor emérito na Universidade de Nova York. Além do acadêmico, são citados militantes monitorados como José Lino Alves de Almeida e Leib Carteado Crescêncio dos Santos, além do senador baiano Rômulo Almeida e “agitadores angolanos no movimento negro, caracterizados como refugiados da guerra civil”.

Em relação ao teor da agenda do Movimento Negro à época, os repressores ressaltam que a pauta era composta de pontos como a necessidade de se contestar o regime, aprofundar o engajamento no movimento pela anistia, projetar no exterior a imagem do “mito da democracia racial brasileira”, escolher o 20 novembro para o Dia Nacional da Consciência Negra, melhorar as condições de emprego da população negra, e buscar dar fim à sua marginalização na sociedade e à maior proporção de negros nas penitenciárias.

Estima-se que 42 dos 434 mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura eram negros.