Genebra
- Desde o dia 22 de agosto, a humanidade está vivendo de crédito. Nos primeiros
oito meses do ano, os seres humanos esgotaram a totalidade dos recursos que a
Terra é capaz de produzir ao longo do ano. Em 22 de agosto, alcançamos o que a
ONG Global Footprint Network (GFN) chama de « Global Overshoot Day », ou seja,
« o dia do excesso global ». Desde 2003, esta ONG mede todos os anos a pegada
ecológica do planeta, o acúmulo de recursos e a forma como os consumimos. Em
cada informe, constata como os recursos se esgotam com maior rapidez. A
capacidade de regeneração anual do planeta é limitada. Frente a isso, a
capacidade de consumo do ser humano parece ilimitada e o planeta não é
suficiente para cumprir com as exigências da humanidade.
Desde
a década de 70, os seres humanos estão vivendo muito acima de seus meios. O
informe da GFN mostra uma aceleração constante do esgotamento dos recursos. Em
2012, o « Global Overshoot Day » foi alcançado 36 dias antes do que ocorreu em
2011. A curva para baixo é constante. Os cálculos desta ONG se baseiam em dados
científicos que se articulam em torno de uma medida, o hag, o hectare global,
mediante o qual se compara a biocapacidade do planeta com o consumo de cada
país. O resultado dos estudos é catastrófico : para manter o nível de vida
atual seria preciso um meio planeta suplementar.
Os
quatro meses que restam no ano serão vividos então no crédito. Os recursos que
serão utilizados daqui até o final do ano correspondem a estoques que não se
renovam. « A hora do balanço chegou », diz a Global Footprint Network em seu
informe. Este ano, a ONG ampliou seus cálculos até os últimos 50 anos. Entre os
anos 60 e hoje os recursos planetários se dividiram por dois, enquanto as
necessidades aumentaram em níveis extraordinários, ao ponto de consumirmos hoje
cerca de 50% do que a Terra é capaz de produzir. A pressão exercida por sete
bilhões de seres humanos não se tornou desproporcional. Os principais
responsáveis pelo déficit são as emanações de dióxido de carbono e a exploração
dos recursos naturais.
«
A mudança climática como consequência dos gases de efeito estufa emitidos mais
rapidamente do que podem ser absorvidos por matas e oceanos é a consequência
mais tangível e urgente », aponta a ONG. Mas o problema não para aí. A isso se
agregam « a diminuição das florestas e matas, a perda de espécies, o colapso da
pesca, o aumento dos preços dos produtos básicos e os distúrbios civis ». O
quadro termina com uma conclusão : « as crises ambientais e a crise financeira que
estamos enfrentando são os sintomas de uma catástrofe iminente. A humanidade
está simplesmente usando mais do que o planeta pode prover » .
Nem
todos os países têm a mesma responsabilidade no desastre. Segundo a Global
Footprint Network, os Estados Unidos e o Brasil alcançaram antes dos demais
países o dia do excesso, em 26 de março e 6 de julho respectivamente. Se todo o
planeta necessitar dos recursos consumidos pelos Estados Unidos e pelo Brasil
seria necessário mais 4,16 e 1,9 planetas para satisfazer a demanda. A
exigência sobe a mais de seis planetas se vivermos como o Qatar. Por outro
lado, se todos os seres humanos viverem como a Índia, 49% dos recursos naturais
do planeta seriam suficientes.
Em
2008, a pegada ecológica da humanidade correspondia a 2,7 hag por habitante
para uma capacidade real de 1,8 hag. Dos 149 países estudados, 60 são
responsáveis pela dívida ecológica. O Ocidente tem uma influência decisiva na
deterioração planetária. Em um país como a França as necessidades ultrapassam 70%
dos recursos naturais. O informe 2012 revela que entre 1970 e 2008 a
biodiversidade planetária caiu cerca de 30%. Segundo a GFN, a cada ano
desaparecem 0,01% das espécies. O fundador da ONG, Mathis Wackernagel, recorda
que « o déficit ecológico vem crescendo de maneira exponencial há 50 anos ».
Por paradoxal que seja, há uma solução que não é um milgare, mas sim o próprio
desastre. O responsável pela ONG ressalta que, « no longo prazo, a recuperação
só poderá ter êxito se for acompanhada de reduções sistemáricas de nossa
demanda de recursos e serviços ao ecossistema ». Se isso não ocorrer, o
desastre se encarregará de fazê-lo.
Mathis
Wackernagel estima que a tendência para o megaconsumo dos recursos « mudará um
dia de direção, seja por causa de decisões, seja pelo desastre ». A questão do
uso excessivo dos recursos tem, além disso, impactos econômicos potentes. A
Global Footprint Network lembra que « dado que o déficit de recursos se torna
maior e que os preços desses recursos são altos, o custo para as nações será
insuportável ». Boa parte da humanidade está vivendo na base de crédito
financeiro. Agora, entramos em outra etapa : o crédito ecológico.
Fonte: Carta Maior