A
votação do Projeto de Lei (PL) 7735/14 – do Poder Executivo, que estabelece
novas regras para a pesquisa e exploração do patrimônio genético de plantas e
animais nativos do país – colocou de um lado deputados voltados para a defesa
das comunidades tradicionais e, de outro, o lobby dos setores farmacêuticos e
cosméticos. O texto, considerado um retrocesso pelos primeiros, segue agora
para apreciação no Senado, onde tem prazo de 45 dias para a votação.
|
Projeto aprovado na Câmara pode fazer ciência sobre biodiversidade brasileira apenas elevar lucros de empresas. |
O
projeto, anunciado como "marco da
biodiversidade", é um facilitador para o acesso aos conhecimentos
científico, indígena e tradicionais já acumulados, abre as portas para a
criação de novos produtos a partir desses elementos, como a produção de
medicamentos e cosméticos a partir de ervas.
O
texto aprovado na Câmara incluiu uma emenda apresentada pelo PSC (partido de
Marco Feliciano), que anistia algumas centenas de milhões de reais em multas
anteriormente aplicadas por atividades irregulares praticadas por empresas em
biomas brasileiros , a chamada biopirataria.
Em
linhas gerais, o PL libera os laboratórios de autorização prévia em casos de
apropriação de recursos naturais em terras indígenas e tradicionais, e
estabelece que as empresas pagarão 1% de royalties ao governo pelo
desenvolvimento do produto (podendo cair para 0,1%) e só depois de o produto
entrar na fase de comercialização.
Para
completar, o projeto limita a participação do governo em todos os processos de
exploração do patrimônio natural do país, por meio de um conselho fiscalizador.
Entidades
ambientais apontam que o PL – caso passe pelo Senado e seja sancionado por
Dilma como se encontra – servirá exclusivamente aos interesses diretos de
empresas nacionais e multinacionais.
Soberania e dívidas
"Não somos contra a pesquisa ao nosso
patrimônio genético por estrangeiros, mas entendemos que tal pesquisa deveria
estar vinculada à participação nacional. Precisamos garantir a defesa da
soberania nacional e o avanço do conhecimento tecnológico brasileiro para não
repetir erros históricos das patentes feitas por entes externos e ver nossa
biodiversidade na mão de outros", discursou, durante a votação, a
deputada Luciana Santos (PCdoB- PE) – uma das mais resistentes à aprovação do
texto.
Luciana
apresentou uma emenda ao PL para determinar que a pessoa jurídica sediada no
exterior só poderia acessar patrimônio genético ou conhecimento tradicional,
assim como a remessa de material ao exterior, se fosse associada a alguma
instituição nacional de pesquisa científica e tecnológica. Sua emenda, no
entanto, foi rejeitada.
Os
deputados Chico Alencar (Psol-RJ) e Sibá Machado (PT-AC, líder do partido na
Câmara), também tiveram suas emendas rejeitadas. Paraense que viveu a vida
inteira no Acre e conhecedor da realidade da Amazônia, Machado propôs a mudança
da regra de isenção de pagamento de royalties pelo acesso ao patrimônio
genético ou ao conhecimento tradicional associado realizado antes de junho de
2000, quando a MP 2.186-16/01 disciplinou o tema pela primeira vez. De nada
adiantou: a isenção continuou sendo mantida no teto.
O
único destaque aprovado pelo plenário, que partiu de uma emenda apresentada
pelo PSC, reinclui no texto um trecho do projeto original vinculando o perdão
de dívidas com multas ao cumprimento de um "termo de compromisso da regularização do acesso ao patrimônio genético
ou ao conhecimento tradicional associado realizado em desacordo com as regras
atuais". Nada de mais simples: a empresa que for isentada do pagamento
de multa terá que se comprometer a regularizar sua situação – o que nem
precisaria ser incluído numa lei para ser determinado.
Defesas
"Foi um verdadeiro banho que os deputados
defensores do nosso patrimônio tomaram. Agora é trabalhar para ver o texto ser
modificado no Senado, se é que isso é possível", afirmou Adriana
Ferreira, do Instituto SOS Mata Atlântica, que acompanhou a votação.
Relator
da matéria, Alceu Moreira (PMDB-RS), alegou que o objetivo do PL é "resolver a dificuldade observada hoje por
várias empresas para cumprir as regras atuais", o que, segundo
afirmou, as fazem desistir de incorporar produtos da biodiversidade brasileira
em suas linhas de pesquisa ou substituir extratos e substâncias nativas por
similares sintéticos ou plantas de outros países.
Moreira
também contestou as acusações de que comunidades tradicionais não foram
ouvidas. Argumentou que o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) – a
quem cabe dar autorização prévia para o início das pesquisas –, conforme
colocou no seu relatório, terá de ser reformulado para assegurar maior
representatividade da sociedade civil, com a composição dividida entre órgãos
federais, setor empresarial, academia, população indígena, comunidades
tradicionais e agricultores.
Processos
Embora
a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, não tenha se pronunciado sobre
a votação do "marco da biodiversidade", ela já afirmou anteriormente
que o Executivo considera a legislação atual "confusa" e que
considerava real a necessidade de uma nova regulação sobre o assunto.
A
ministra costuma lembrar, em suas declarações, de alguns casos que terminaram
em disputas na Justiça, como a ação movida contra a Natura por índios que vivem
perto da fronteira com o Peru. A empresa foi acusada de não ter pedido
autorização para o uso do conhecimento sobre o murmuru, planta que tem
capacidade hidratante. O caso ainda vai ser julgado em definitivo pelo STJ.
Até
ser totalmente definida, a questão ainda deverá ser alvo de ampla discussão
pelos outros poderes e pela sociedade. Além de ainda poder provocar muitas
outras ações na Justiça.