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"O Brasil ainda é extremamente colonial", diz escritora Grada Kilomba



Grada Kilomba, 48, nasceu em Portugal, cresceu em São Tomé e Príncipe (uma das ex-colônias portuguesas na África) e viaja o mundo apresentando seus trabalhos – videoinstalações, performances e produções literárias – que versam fundamentalmente sobre racismo e memória. No Brasil, onde integrou a 32ª edição da  Bienal de São Paulo, encerrada em dezembro último, apresentou a série de vídeos do seu “Projeto Desejo” e diz ter encontrado “um país fraturado”. “Há uma história de privilégios, escravatura e colonialismo expressa de maneira muito forte na realidade cotidiana”, explica.

E é espantoso ver a naturalidade com que os brasileiros conseguem lidar com isso”. Escritora, performer e professora da Universidade Humboldt – a mais antiga e uma das mais tradicionais de Berlim, onde vive atualmente –, Kilomba é autora dos livros Plantations memories – episodes of everyday racism (2008), onde conta suas histórias pessoais como mulher e negra, e Performing knowledge (2016), no qual trata da necessidade de “descolonizar os pensamentos”. “Muitas vezes, nos dizem que nós somos discriminados porque somos diferentes. Isso é um mito. Não sou discriminada por ser diferente, mas me torno diferente justamente pela discriminação que sofro”. Nesta entrevista à Muito, concedida durante a residência artística que realiza  no Instituto Cultural Brasil-Alemanha (Icba), ela fala sobre racismo e outros “ismos” que marcam o mundo contemporâneo: “O branco não é uma cor. O branco é uma definição política que representa os privilégios históricos, políticos e sociais de um determinado grupo. Um grupo que tem acesso à estruturas e instituições dominantes da sociedade. Branquitude representa a realidade e a história de um determinado grupo”.

Na Bienal de São Paulo, a senhora apresentou o Desire Project [Projeto Desejo], uma série de vídeos que indicam a presença de um sujeito sem voz, que é silenciado pela história. Vivemos num momento em que esse silêncio já foi quebrado?

Esse silêncio tem sido quebrado pontualmente. Mas não existe realmente uma linha contínua. Ele é quebrado por pensadores, por intelectuais e por artistas, que são exceções. A palavra que batiza o projeto – desejo –  vem de uma vontade de expressar o que ainda não é expressado: o que nós queremos e o que é, de fato, importante para nós. Os sujeitos historicamente silenciados, como os negros, as mulheres e os gays, estão muito treinados a dizer o que não querem. Somos contra o racimo, o sexismo e a homofobia. Mas é muito importante também  criar novas agendas, criar novos discursos. Como não nos perguntam o que nós desejamos, isso precisa ser colocado por nós. Qual é o caminho que eu quero seguir? Qual é o vocabulário que eu quero usar? Como eu quero me tornar visível? Como eu quero contar a minha história? Parte do processo de descolonização é se fazer essas questões. E isso integra um processo de humanização, porque o racismo, por exemplo, não nos permite ser humanos. O racismo nos coloca fora da condição humana, e isso é muito violento.

A senhora mora e trabalha, hoje, em Berlim, na Alemanha. Considera que a tomada de consciência de sua identidade negra é maior numa cidade predominantemente branca?

Berlim é uma cidade que não é bonita esteticamente, comparada a Paris ou Lisboa, mas é uma cidade que te leva à reflexão e ao pensamento. Isso me permitiu focar no que sou e em como quero construir o meu trabalho. Talvez em outra cidade, em outro contexto, isso não acontecesse ou fosse algo retardado. Escrevo e falo como uma mulher e artista negra. Mas, por outro lado, Berlim é uma cidade cosmopolita e eu estou em contato com tantas pessoas diferentes, de movimentos politizados distintos, que isso cria um outro discurso em mim. Eu acabo não tão focada em ser mulher e negra, embora isso faça parte da minha identidade.

Países sem passado escravocrata, como Alemanha, são identificados como territórios mais tolerantes diante da questão negra. Percebe dessa forma?

Não. A questão racial é um problema, mesmo na Alemanha, que não teve em seu território o regime escravocrata. Mas a Alemanha colonizou muitos países e tem também um passado escravocrata muito brutal. Mas essa história foi silenciada por muito tempo. O primeiro genocídio do século 20 aconteceu na Namíbia e foi realizado pela Alemanha [entre 1904 e 1908]. Mais de 100 anos depois do início da tentativa de extermínio das tribos Herero e Nama é que o governo reconheceu, oficialmente, que o país havia cometido um genocídio e fez as compensações devidas. Na Namíbia, por exemplo, os descendentes dos sobreviventes tiveram que decidir o que fazer com os crânios de parentes que haviam sido enviados a Berlim para experiências científicas. A questão é que a história colonial alemã é muito mal documentada. Mas todo o genocídio, a exploração e a violência que está por trás de um processo colonial está, também, na Alemanha. Só muito recentemente é o que país parece ter se dedicado a enfrentar essa questão. Primeiro, na forma de dor. Depois, na forma de vergonha. E isso tem permitido uma reflexão.
No Brasil, há o mito da democracia racial e uma política de eufemismos. Em sua opinião, como podemos enfrentar o racismo nessa situação?

Penso que a história colonial é uma ferida muito profunda, muito infectada, que de vez em quando sangra. E só quando ela sangra é que nós vamos lá e fazemos um curativo. Não há um tratamento contínuo dessa ferida. E a história colonial já tem 500 anos. O racismo, no Brasil, é muito presente. O Brasil é extremamente colonial. Existe toda uma estrutura colonial arraigada neste país. A arquitetura é um exemplo disso. Há uma porta da frente e uma porta dos fundos. Isso eu só vi aqui no Brasil. E as portas do fundo e as da frente possuem sujeitos diferentes. E essa arquitetura não foi construída no século 19, mas nos anos 1980, 1990. E aqui há um senhor que abre a porta, um senhor que conduz o carro, uma senhora que limpa... Estes são serviços completamente coloniais. Como é possível ter tantos corpos negros prestando serviços dentro de uma estrutura assim? O branco de hoje não é mais o responsável pela escravidão, mas ele tem a responsabilidade de equilibrar a sociedade em que vive. Ninguém escapa do passado.

A senhora já disse certa vez que uma das grandes fantasias das pessoas brancas é poder escapar da sua branquitude...

É que o branco não é uma cor. O branco é uma definição política que representa os privilégios históricos, políticos e sociais de um determinado grupo. Um grupo que tem acesso à estruturas e instituições dominantes da sociedade. A branquitude representa a realidade e a história de um determinado grupo. Quando falamos sobre o que significa ser branco, falamos de política e não de biologia. É curioso quando as pessoas  falam em “racismo reverso”, porque as pessoas que excluem, que dominam e que oprimem não podem ser, ao mesmo tempo, vítimas dessa opressão. Mas elas, certamente, desenvolvem um sentimento de culpa em relação a isso. O que muitas vezes acontece é que, como o sentimento de culpa é tão avassalador, o agressor passa à vítima e transforma a vítima em seu agressor. Isso permite que o agressor se liberte da ansiedade que o seu próprio racismo provoca. Uma pessoa negra jamais teria esta escolha. Sob esse aspecto, penso que  é impossível escapar da branquitude e daquilo que ela realmente representa.

Como transformar essa culpa que você menciona em algo produtivo?

Trabalhar o próprio racismo é um processo psicológico e não tem nada a ver com moralidade. As pessoas brancas muitas vezes perguntam: ‘Sou racista?’. Essa é uma questão moral, que não é realmente produtiva, porque a resposta será sempre: ‘Sim’. Temos que entender que somos educados a pensar em estruturas coloniais e racistas. A pergunta deveria ser: “Como eu posso desconstruir meu próprio racismo?”. Essa seria uma questão produtiva, que já se opõe à negação e inicia um processo psicológico. A questão, hoje, não é se livrar da branquitude, mas conseguir se posicionar novamente dentro dessa branquitude. Tem a ver com a forma como uma pessoa que tem acesso ao poder utiliza esse poder para criar uma nova agenda e recontar a história. Nós não podemos fugir da história que nós temos, mas podemos nos posicionar com um novo olhar.

Quando Barack Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos, a senhora escreveu sobre a importância de termos  pessoas negras no poder, criando imagens positivas para outras pessoas negras. Como vê a ascensão de Donald Trump e da extrema direita europeia?

Às vezes tenho a impressão de que vivemos numa atemporalidade, em que  o passado está sempre no presente. Nós vivemos no presente, mas o passado está sempre sendo construído. E a mudança parece algo muito pontual. O caso de Obama, sucedido por Trump, é um exemplo disso. A estrutura na qual a sociedade se forma é conservadora. O mundo vive um dilema com as três dimensões do tempo: o passado, o presente e o futuro, sem parecer, de fato, alcançar esse futuro. Há um mês, fiz um trabalho chamado “Ilusões”, em que reencenei o mito de Narciso (castigado a só conseguir amar a si próprio) e de Eco (castigada a viver repetindo o que os outros diziam), fazendo um paralelo desses mitos com nossa sociedade contemporânea – que é narcisista, branca e patriarcal. Há uma repetição infinita dessa imagem colonial, branca, patriarcal, que parece apaixonada por si mesma e obstinada a idealizar a si mesma, e que não vê mais nada diante de si, a não ser sua própria representação. É uma representação onde as outras pessoas simplesmente não existem. Donald Trump foi apoiado por boa parte do eleitorado feminino. Um eleitorado que ele explicitamente insulta. Nós somos leais ao passado, à figuras paternas e discriminatórias. Nós apoiamos figuras que excluem. Uma parceria entre Eco e Narciso que não é quebrada.

Em muitos trabalhos, a senhora alerta para o risco de ver as coisas de um único ponto de vista, mais precisamente sob o estereótipo branco dominante. A globalização e a tecnologia lançaram a promessa de ajudar a combater essa visão única. Acredita que isso tem acontecido?

Em parte. A tecnologia nos deu opções e acesso a histórias diversas. Se alguém quiser, hoje mesmo, poderá ler os jornais da África do Sul. Mas, ao mesmo tempo, a tecnologia também lhe permite assinar apenas as notícias do seu bairro, da sua rua, por exemplo, e isso é tudo o que chegará. A tecnologia, portanto, não resolveu de fato o problema. O filtro-bolha e esse isolamento de grupos que pensam diferente, muito presente nas redes sociais, são consequências de nossa aprovação para notícias e opiniões que reforcem apenas as nossas crenças preexistentes. Consumir informações que confirmem nossas ideias de mundo é simples e até mesmo  prazeroso. Mas consumir informações que nos desafiem a pensar novas formas ou a enfrentar as  nossas arrogâncias é frustrante e muito difícil.

No livro Plantation Memories – Episodes of everyday racism a senhora não aborda o racismo do ponto de vista político ou histórico, mas do ponto de vista pessoal, quase psicológico. Por que a opção?

Quando eu decidi escrever, eu quis fazer um livro que eu nunca tinha lido. Nunca se falam das pessoas e o que o racismo faz com elas. Quando falamos sobre racismo, geralmente adotamos uma perspectiva que é macropolítica. Realidades, pensamentos, sentimentos e experiências das pessoas negras são ignorados. Isso é exatamente o que eu queria ter no centro deste livro, o nosso mundo subjetivo. Quando escrevi Plantations Memories, eu estava interessada em olhar para as minhas feridas e para as feridas de muita gente. Dar ênfase a uma dimensão traumática do racismo, a uma violência diária que reencena um trauma colonial e que nos emudece. Para mim, era muito importante coletar histórias do dia a dia, que ninguém parece levar a sério, mas que são violentas e que levam ao silêncio.

Um futuro sem racismo é possível?


Não agora. Não sem racismo e sem outros “ismos”. Porque nós somos educados diariamente a pensar de forma dominante. O fato de Obama ser presidente não significou que o racismo tenha terminado, e o fato de Angela Merkel ser chanceler não significa que chegamos ao fim do sexismo. Mas antes de pensar num mundo sem “ismos”, a gente precisa pensar como é possível desconstruí-los. Como, por exemplo, é possível quebrar a cadeia de racismo que nos acompanha diariamente. É sempre uma questão ligada à realidade e ao agora.


Apresentadora de TV defende que índios não tenham acesso a remédios e morram de malária


Um vídeo divulgado pelo De Olho nos Ruralistas mostra o incômodo que uma parcela da sociedade e alguns setores da imprensa vêm sentido com o tema do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense (RJ) deste ano: “Xingu, o Clamor que Vem da Floresta!”. A música da escola de samba carioca enaltece a luta dos índios para resistir ao avanço do agronegócio, em especial na região do Xingu, conforme apurou o portal Fórum.

Imagem capturada do vídeo.
Na abertura do programa “Sucesso no Campo”, da Record de Goiás, no último domingo (8), a apresentadora Fabélia Oliveira expressa toda a sua indignação com o tema, desafiando os compositores e defendendo os latifundiários, pecuaristas e produtores rurais em geral, a quem ela se refere como “homem do campo” e “heróis”.

Que conhecimento eles têm para falar do homem do campo?”, indaga. Oliveira ainda vai além no discurso e começa a atacar os índios – exceto os “originais” – que, para ela, não deveriam ter acesso a remédios e morrer de malária ou tétano. [Assista ao vídeo no final da nota].

Não foi só na imprensa que o samba da Imperatriz gerou revolta. Há poucos dias, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu divulgou uma nota de repúdio à composição. O presidente da entidade, que assina o texto, chega a afirmar que “antes de mais nada, é preciso esclarecer e reforçar que o país do samba é sustentado pela pecuária e pela agricultura”.

Veja o vídeo abaixo


          

Nova Olinda, na região do cariri, registrou chuva de granizo nesta terça (10)


A cidade de Nova Olinda, no interior do Ceará, registrou chuva de granizo no início da noite desta terça-feira (10). O mesmo fenômeno havia ocorrido há sete dias após na zona rural de Sobral, na Região Norte do Ceará.

O granizo em Nova Olinda ocorreu na região dos bairros Vila Alta e Triunfo. A chuva na cidade foi de seis milímetros, de acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

Segundo o meteorologista da Funceme Raul Fritz, houve uma linha de instabilidade devido à influência da zona de convergência intertropical (ZCIT), que gerou a formação das nuvens que propiciam a chuva.

"Normalmente essa linha se forma à tarde, se desenvolve durante algumas horas e depois se dissipa. É uma linha de instabilidade que acompanha todo o litoral e é mais frequente no mês de fevereiro", explica.

A previsão da Funceme para esta quarta-feira (11) é de nebulosidade variável com chuva em todo o estado ao longo do dia. Na quinta (12), entre a madrugada e manhã, há possibilidade de chuvas isoladas no centro-norte do estado. Céu parcialmente nublado nas demais regiões ao longo do dia.

Foto: reprodução whatsApp. Crédito: Blog da Profº Lucélia Muniz


Bauman: Um dos grandes pensadores da modernidade falece aos 91 anos


Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, morreu nesta segunda-feira, aos 91 anos, em Leeds, na Inglaterra, onde vivia há anos, segundo informou o jornal de seu país de origem, Gazeta Wyborzca. Era considerado um dos intelectuais mais importantes do século XX, tendo se mantido ativo e trabalhando até os últimos momentos de sua vida.


O sociólogo nasceu na Polônia (Poznan, 1925) e era criança quando sua família, judia, fugiu do país e do nazismo para a União Soviética. Embora tenha retornado à Polônia anos depois, onde foi professor da universidade de Varsóvia, foi destituído do posto e expulso do Partido Comunista após ter suas obras censuradas. Em 1968, finalmente deixou o país, motivado pelas perseguições antissemitas que sofrera em decorrência da guerra árabe-israelense. Renunciou à sua nacionalidade, emigrou a Tel Aviv e se instalou, depois, na Universidade de Leeds (Inglaterra), onde desenvolveu a maior parte de sua carreira.

Bauman era criador do conceito de "modernidade líquida", – uma etapa na qual tudo que era sólido se liquidificou, e em que “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso”.

O filósofo deu aula em universidades dos Estados Unidos, Austrália e Canadá, sendo professor emérito de sociologia da Universidade de Leeds, onde trilhou a maior parte de sua carreira. Sua obra, que começa nos anos cinquenta, foi reconhecida com prêmios como o Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2010, que obteve juntamente com o colega Alan Touraine.

As teorias de Bauman exerceram grande influência nos movimentos antiglobalização. Seus ensaios alcançaram fama internacional nos anos oitenta, com títulos como Modernidade e Holocausto (1989), em que define o extermínio dos judeus pelos nazistas como um fenômeno relacionado ao desenvolvimento da modernidade. Em sua última entrevista concedida ao EL PAÍS, Bauman fez uma dura crítica às redes sociais: "As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha".

Entre suas obras mais significativas, destacam-se Modernidade Líquida (2000), em que afirmava que o capitalismo globalizado estava acabando com a solidez da sociedade industrial; Amor Líquido (2005); e Vida Líquida (2006). Além disso, é autor de títulos como A Cultura Como Praxis (1973, sem tradução no Brasil), O Mal-Estar da Pós-Modernidade (1997), A Globalização: As Consequências Humanas (1998), Em Busca da Política (1999), A Sociedade Individualizada (2001) e Vidas Desperdiçadas (2005).


Entre seus trabalhos publicados em português, também encontram-se Medo Líquido (2006), A Arte da Vida (2008), Desafios do Mundo Moderno (2015) e A Riqueza de Poucos Beneficia Todos Nós? (2015).


Os Africanos não venderam seu próprio povo para serem escravizados



Mesmo neste mundo moderno, existem guerras e rumores de guerras não importa aonde você vá. Havia guerra na Europa naqueles dias e o mesmo no continente americano. Tivemos guerras em quase todos os lugares do mundo. Tivemos guerras tribais também na África. A diferença entre as guerras tribais na África e as que ocorriam no resto do mundo é que enquanto lá fora, no mundo, os povos conquistados eram frequentemente exterminados, os povos conquistados na África (exceto árabes e muçulmanos do norte) se tornavam propriedade do conquistador. Em outras palavras enquanto o inimigo era dizimado no resto do mundo, na África eram deixados vivos para servirem a seu conquistador.


Então, sim é verdade que havia “escravos” na África naqueles dias — antes do homem branco chegar. No entanto, esses escravos não eram tirados a força de seus reinos para se tornarem escravos de outros reinos ou impérios. Eram somente vítimas de guerras tribais e isso era melhor do que acontecia mundo afora, aonde a nenhum inimigo era permitido continuar vivo.

Eu li um artigo hoje na internet e fiquei surpreso em ver tanta gente acreditando que africanos vendiam seu próprio povo pra escravidão assim como os europeus fizeram depois. Meus professores e fontes me ensinaram algo bem diferente, eu queria comentar no fórum da página onde li, mas a seção de comentários havia sido desabilitada então, por causa disso, resolvi escrever esse texto para mostrar que nós africanos não fomos estúpidos em vender nossos irmãos e irmãs como querem fazer parecer. Nós fomos estúpidos em permitir que nós mesmos fôssemos manipulados pelos estrangeiros (meu povo costuma se referir ao homem branco como estranhos brancos, então me desculpe se você ler esse termo ao longo do artigo). Nós fomos estúpidos em confiar no homem branco em primeiro lugar e depois deixar o homem branco pisar em nossas terras. Meu povo deixou o homem branco entrar em nossas terras porque disseram que estavam vindo em paz.

Antes de eu continuar gostaria que você notasse que houveram 2 tipos de escravidão na África, a primeira introduzida com a chegada do Islã através dos árabes no norte da África e aquela introduzida pelos europeus (justamente a que estou comentando nesse artigo). A escravidão do Trans-Sahara era profundamente enraizada na cultura islâmica e ainda é praticada nos dias de hoje em países como a Mauritânia por exemplo.

De acordo com meu avô nos dias, nos dias que não existiam o cristianismo e nem os sistemas modernos de governo, na África reis, rainhas e outros líderes comandavam seus impérios como chefes de estado e julgavam casos de acordo com as regras e regulamentações de seus reinos. Aqueles que desobedeciam as leis eram punidos e os que as obedeciam e se sacrificavam pela terra eram generosamente recompensados. No entanto cada terra tinha sua prisão que não eram feitas para abrigar um grande número de criminosos, sendo assim aqueles que matavam eram mortos, os que roubavam tinham que pagar pelo que roubaram, os que dormiam com outras mulheres eram banidos por isso e crianças que desobedeciam os mais velhos também sofriam punições. Meu país Gana, localizado na África Ocidental foi no passado praticamente um quartel general de negócios relacionados a escravidão aonde escravos de diferentes partes do continente eram trazidos e então negociados para embarcarem em caravelas mundo afora.

Quando os estranhos brancos chegaram pela primeira vez, nossos ancestrais não estavam certos de suas reais intenções, então a maioria das comunidades se moveram para bem longe de sua terra natal, mas os homens brancos conseguiram convencer alguns líderes que não chegaram aqui para trazer o mal e sim para trazer boas noticias (Cristianismo e a Bíblia) e também para negociar com o povo local. Alguns chefes ao longo do tempo foram aceitando que os estranhos se alocassem em suas terras, os viajantes brancos então começaram a construir centros missionários usados para rezar e negociar com os nativos. Porém o homem branco posteriormente aumentou o número de centros missionários que foram crescendo até se tornarem igrejas e catedrais, virando assim fortes e castelos que eram usados para abrigar os primeiros escravos que seriam enviados pra fora da África.

Os estranhos brancos inicialmente não perceberam que os nativos não entendiam uma palavra sequer da língua deles, o que tornava a comunicação bem difícil. Para ajudar a quebrar essa barreira o homem branco sugeriu aos líderes tribais cederem algumas pessoas de suas tribos para ensinarem sua língua para facilitar assim a conversa, mas nenhum dos líderes estavam confortáveis e preparados o suficiente para permitir que pessoas do seu povo fossem conviver com os estranhos brancos. Mais tarde alguns líderes tiveram a ideia de ao invés de mandar pessoas da tribo irem conviver com os brancos para aprenderem sua língua, os brancos poderiam levar alguns dos criminosos para escutarem os sermões cristãos e aprenderem a língua deles, visando que era melhor adicionar uma função aos criminosos ao invés de matar todos. Então os líderes tribais negociaram seus prisioneiros em troca de espelhos, garrafas de vinho entre outras coisas trazidas pelos europeus. Foi assim que o homem branco conseguiu seus primeiros escravos. Aqueles nativos (os criminosos) que foram morar e servir os homens brancos em suas fortalezas e castelos e que também aprenderam a língua dos brancos se tornaram mediadores de negócios entre os brancos e os africanos pois podiam agora falar as duas línguas, isso ajudou muito a comunicação entre eles.

Como já mencionado antes, os nativos que foram viver com os brancos eram criminosos sentenciados, sendo assim, com a proximidade e ganho de confiança do homem branco, até mesmo como forma de vingança, esses criminosos fizeram a vida dos outros africanos e suas tribos um verdadeiro inferno. Por exemplo, enquanto os brancos os enviavam para cobrarem 5 peças de ouro como taxa, os ex-criminosos agora mediadores cobravam 8 peças, cobrando assim sua própria taxa. Com o tempo esses mediadores foram se tornando tão e até mais poderosos que alguns líderes tribais, em outras palavras, a pregação cristã feita pelo homem branco transformou os criminosos locais em pessoas ainda piores do que eram antes da chegada deles. Como os homens brancos eram os únicos a terem armas de fogo, atiravam em qualquer um que esses ex-criminosos mandassem atirar. Foram eles quem ajudaram o homem branco a ter mais escravos. Os mesmos criminosos condenados a morte em suas sociedades por se comportarem de forma não-africana (desleal e indignamente com membros de suas comunidades).

Os nativos que viviam com os homens brancos os serviam tão bem que os brancos se sentiram a vontade para pedir por mais escravos. E por conta das benesses adquiridas através desses servidores locais, muitos homens brancos levavam alguns deles na volta pra casa. No exterior os estranhos brancos descobriam que seus servidores eram bastante úteis e decidiram voltar para trazer mais deles. Assim o homem branco notou que os poderia usar para trabalharem em suas fazendas e plantations como mão de obra barata e produzindo um lucro maior e voltou decidido a trazer mais servidores locais entre os comerciantes de escravos.

Com esse propósito retornaram e pediram por mais nativos, porém os líderes locais não estavam preparados para ceder pessoas livres para os europeus exceto os criminosos. Em Gana nenhum Ashanti ou povo que vivia no interior da região não queriam ter qualquer tipo de proximidade com os brancos. Na verdade os primeiros brancos a terem contato com o império Ashanti jamais retornaram. No entanto os brancos precisavam de cada vez mais escravos para poderem manter seus lucros, mas não encontravam caminho fácil para isso. Sendo assim começaram a criar inimizades entre as tribos, fazendo acontecer mais guerras tribais e consequentemente produzindo mais prisioneiros de guerras que futuramente se tornariam escravos. E foi exatamente isso que fizeram.

Ao longo do tempo os brancos começaram a armar alguns desses prisioneiros de guerra (e criminosos) para facilitar a captura de mais escravos. Tudo em troca de mais benefícios. Favor note que meu povo nunca esteve pronto pra lhes dar pessoas do nosso próprio povo para serem escravos, mas sim que foram os estranhos brancos que manipularam as pessoas criando confusão entre diversas tribos para gerar diversas guerras tribais com o objetivo de conquistarem mais escravos. Quanto mais conflitos tribais os brancos criavam, mais escravos levavam. Em Gana, por exemplo, porque o império Ashanti era tão poderoso para ser derrotado, os brancos criaram inúmeras divergências entre os Ashanti e suas tribos vizinhas. Chegando a muní-las com armas de fogo afim de facilitar a derrota dos Ashanti. Desse jeito acabaram tirando do trono o Rei Nana Prempeh I e a Rainha Mãe Nana Yaa Asantewaa para poderem controlar e colonizar o ouro e o povo Ashanti.

Por fim, quero retificar que nós africanos não simplesmente vendemos nossos irmãos e irmãs para a escravidão. Fomos ludibriados e manipulados pelos brancos que um dia chegaram a nossas terras e a parte mais dolorosa disso é que alguns de nossos irmãos africanos foram cegos demais para enxergarem o perigo e isso ainda é motivo de muita tristeza.

Texto original em inglês publicado no Africaw  e traduzido pelo Lucas Casagrande.


"Brasil vive apartheid e culpam as drogas", diz neurocientista Carl Hart



Primeiro neurocientista negro a se tornar professor titular da universidade de Columbia, em Nova York (EUA), autor do livro Um Preço Muito Alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas, o pesquisador norte-americano Carl Hart, 48, deixa, nesta quinta-feira, 3, Salvador, após cumprir três dias de uma agenda de compromissos com a Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas (INNPD) e o governo  estadual, por meio das secretarias da Justiça e Direitos Humanos e da Segurança Pública. Nessa entrevista exclusiva ao A TARDE, na segunda passagem pela capital baiana, Hart fala  sobre o trabalho que vem desenvolvendo em relação à política mundial antidrogas (na visão dele "uma política enganadora").

Entrevista cedida ao portal A Tarde em 2015

Quais são suas principais ideias sobre a política de drogas no mundo?

É uma pergunta ampla. Escrevi um livro inteiro sobre isso. As políticas de drogas são diferentes a depender de onde se está. No Brasil, o principal problema é que as pessoas estão sendo induzidas ao erro, enganadas, em relação às drogas na sociedade. Dizem à população que as drogas são um problema em si, quando as questões estão ligadas à própria estrutura social, discriminação racial, pobreza, falta de educação, falta de inclusão em certos grupos. O que há, essencialmente, é um apartheid. E culpam as drogas, por meio de campanhas contra o crack, como se o crack fosse o problema. O crack apareceu no Brasil por volta de 2005, a pobreza está desde sempre, assim como a violência e o crime. Atribuir essas questões à existência das drogas e dos traficantes é desonesto. Sugiro às pessoas, principalmente aquelas que estão sendo colocadas nas cadeias ou mortas pela polícia, que se levantem e digam: "Essa política antidrogas é besteira!".

A respeito da defesa do sr. da legalização ou descriminalização das drogas nos EUA, o mesmo pode ser aplicado no Brasil?

Claro. Seja legalização ou descriminalização, o que quer que funcione na sociedade seria bom. Devemos perguntar quais questões queremos resolver: se estamos preocupados com traficantes, teremos que pensar sobre a legalização, pois tem a ver com o comércio. Por outro lado, traficantes não terão êxito se houver inclusão social. Até descobrimos como sermos mais inclusivos, sempre teremos problemas com o tráfico. Onde houver drogas e pessoas terá tráfico. Mas, enquanto pessoas não forem incluídas, haverá economia clandestina.

O sr. crê que o uso de drogas passa por um problema de saúde em vez de polícia?

Depende muito. Para a maioria das pessoas que usa drogas não se trata de um problema de saúde, embora possa se tornar. Pense, por exemplo, no uso do automóvel. Muita gente dirige de forma imprudente e acaba tendo problemas, se envolve em acidentes, o que acaba se tornando um problema de saúde. Mas a maioria da população usa o automóvel de maneira segura e tal uso não se configura um problema de saúde pública.

Quais diferenças o sr. percebe na política antidrogas nos EUA e Brasil?

Recentemente, escrevi um artigo mostrando como a política antidrogas dos EUA foi exportada para o Brasil. É uma política criada para subjugar a população negra. Como resultado, lá, um a cada três homens negros estão sujeitos a passar algum tempo na cadeia. É uma estatística terrível. O que contribuiu para isso foi uma política de combate ao tráfico, sobretudo de cocaína e crack, criada em 1986. Agora, estamos revendo essa política, uma vez que percebemos que está errada e inapropriada. O que está sendo feito no Brasil, nos dias de hoje, é basicamente a mesma coisa que adotamos nos anos 1980. Portanto, podemos esperar os mesmos resultados: pessoas negras, particularmente homens, enchem as prisões. Isso quando não são mortas pela polícia.

O sr. foi criado em uma comunidade pobre de Miami. Há alguma similaridade com nossas favelas?

Sim, financeiramente pobre, mas culturalmente rica, em amor, em pessoas brilhantes. Não tínhamos muitos recursos financeiros, mas tínhamos outros. Não é muito diferente das comunidades onde os negros daqui são criados. Eu fui criado como um pobre, não preciso ver como é aqui para saber. Vi a pobreza o tempo todo na minha vida. A favelas daqui, em termos de arquitetura, são as piores que já vi. Já estive em inúmeros lugares, nas favelas da África do Sul, mas as estruturas das casas no Brasil são realmente ruins. Nos Estados Unidos, as pessoas são pobres, porém seus lares não são tão desiguais. Há uma pobreza séria ocorrendo aqui.

Esse talvez seria um dos motivos pelos quais as pessoas enveredam pelo tráfico?

As pessoas sempre perseguem as necessidades básicas, não importa em qual sistema vivam. Elas precisam comer, morar, precisam do mínimo de respeito. Quando não se tem isso, elas vão buscar em outro lugar. De repente, vem alguém que oferece um 'trabalho' no tráfico ou qualquer outra atividade, e essa pessoa simplesmente pega.

Temos um dilema na Bahia: a maioria dos policiais é negra e educada para combater uma população predominantemente negra. Qual a percepção do sr. sobre essa realidade?

Essa pergunta tem uns componentes notáveis. A primeira coisa é que toda pessoa, de qualquer raça, tende a ser morta por um semelhante dela. Por todo o mundo, não é incomum. Quando falamos de negros, achamos que seria incomum, mas não é. Segundo, quando pensamos na polícia, é uma organização que simplesmente faz o que a estrutura de poder quer que ela faça. E a estrutura de poder, nesse caso, é branca. Não é como se a polícia daqui se comportasse de forma anormal. Eles sabem a quem obedecem. É simples. Por isso que estou tentando enfatizar que é um problema não haver lideranças negras aqui. Por que, se houvesse, realmente poderia se traçar um panorama sobre quais são os problemas da violência, de fato. Não é uma garantia de que teríamos um entendimento por completo, até por que nos Estados Unidos temos lideranças negras em inúmeros locais, mas eles são igualmente ignorantes. Eles não entendem o que está acontecendo, enquanto outros são conscientes. Dessa maneira, o fato de haver lideranças negras não é garantia de que tenham uma leitura do contexto. Mas, certamente, essa presença aumenta as possibilidades de compreensão desse quadro.

Para sustentar a proibição, políticos no Brasil defendem que o sistema público de saúde não suportaria uma possível legalização...
Provavelmente, é algo estúpido e errado. Eu realmente não ouço políticos, não são pessoas que devem ser ouvidas nesse assunto, mas pessoas que têm publicações nessa área, que têm evidências, informação. Políticos, geralmente, são idiotas e, nem penso neles.

Muitos pela  proibição do drogas dizem que a maconha leva ao uso de outras substâncias. Quanto há de verdade nisso?

Em 1937, a ciência acreditava nisso. Mas não estamos mais em 1937. As evidências, hoje, são claras e dizer isso é de uma estupidez imensa. Eu fico surpreso que a população permita que esse tipo de pessoa a represente.

E quanto ao álcool?

O alcance é mais amplo e não é nada inesperado que mais pessoas tenham mais problemas em decorrência do consumo do álcool. Volto à comparação com dirigir veículos: a maioria das pessoas que bebe o faz de maneira segura. Quando consumido em doses moderadas, chega a ser associado a benefícios positivos à saúde. Obviamente, se as pessoas bebem demais, em excesso, elas terão problemas, assim como qualquer outra coisa consumida imprudentemente. Uma das consequências do uso abusivo, por exemplo, é a inclinação que as pessoas têm a praticar sexo sem proteção. Fora isso, está tudo bem. Em qualquer sociedade ou qualquer comportamento, potencialmente haverá problemas de todos os tipos. É algo inerente ao ser humano. Se formos pensar que tudo é nocivo, que podemos controlar tudo, a gente não vai nem comer. Não temos como evitar tudo que faz mal, caso contrário, a gente não vive.

Salvador é a cidade com a maior população negra fora da África. Ainda assim, nunca tivemos um prefeito negro. Como o sr. vê isso?

É algo vergonhoso. Percebo que há muito poucos negros em posições de liderança. Por conta disso, penso que os negros daqui deveriam protestar. Deveriam ser educados para dizer: 'Isso é inaceitável!" Até que as pessoas tenham consciência disso tudo vai continuar na mesma. Enquanto houver essa falta de inclusão, toda a conta vai ser creditada às drogas. Há um apartheid silencioso acontecendo aqui.

O sr. acredita que o Brasil, assim como ocorreu com Obama nos Estados Unidos, um dia terá um presidente negro?

Eu não sei se esse deva ser o objetivo primordial do Brasil, por agora. Não faço ideia. Até porque, se você me perguntasse se eu imaginaria que um dia haveria um presidente negro nos Estados Unidos, eu diria não. No final, estaria errado. Não sou muito bom nessas especulações. Penso que a população brasileira deveria se focar mais na igualdade, na inclusão dos cidadãos no mainstream (posição de destaque). Assegurar que deve haver mais negros com educação, moradia, empregos, na classe média. Penso que esse deva ser o foco.

Durante a estada do sr. no Brasi houve algum tipo de preconceito como um homem negro, sobretudo rastafári?

Não, porque eu não sou o típico negro comum, uma vez que ando pelas ruas e as pessoas meio que me reconhecem. Nós deveríamos andar pelas ruas e perguntar aos nativos daqui como eles se sentem. A visão deles é mais importante que a minha, porque eles vivem aqui todos os dias.

Então, o que realmente aconteceu no Hotel Tivoli, em São Paulo, na semana passada?


Nada. Absolutamente nada. Me disseram que um segurança vinha em minha direção para me barrar, mas eu não vi. Pessoalmente, eu não vi nada. As pessoas começaram a me pedir desculpas, sem motivo. Algum repórter falou com outra pessoa e vimos no que deu. No final, eu fiz um vídeo para explicar que não aconteceu nada. A notícia se espalhou como um vírus. Sabemos que há um ressentimento quanto à discriminação racial aqui. Eu acho que as pessoas se envergonharam por algo assim supostamente ter ocorrido comigo, por eu ser um estrangeiro. Por isso, tentaram resolver rapidamente. Mas esse fato não é o que deveria ser discutido, mas, sim, o racismo diário que acontece na sociedade. Fico feliz que esse assunto esteja resolvido quanto a mim.


A TV brasileira e a carinha de anjo branca



Negar o Brasil nunca foi novidade na telinha brasileira.

Quando o assunto é programação infantil, a situação é ainda mais clara.

Falta representatividade.

Recentemente, o SBT lançou o remake Carinha de Anjo e a novela já é sucesso entre meninas e meninos do País.
Por Donminique Azevedo, no Correio Nagô

Carinha de Anjo é uma versão nacional da trama mexicana (“Carita de Ángel”), exibida no Brasil entre 2001 e 2002.

Diversas adaptações foram feitas em relação à história original, inclusive núcleos novos foram criados.

No entanto, a maioria do elenco é branca e a única criança negra aluna do colégio de freiras não tem voz.

No primeiro capítulo – aquele utilizado para apresentar as personagens – a garota não tem nome, não fala e pouco aparece. Não tem papel.

Numa busca pelo site da emissora, na seção “personagem”, a menina negra também não aparece.

Fato é que crianças negras da faixa etária da Carinha de Anjo – personagem principal interpretada por uma criança branca – não contam com representatividade.

Mesmo considerando que outros atores negros participem da novela, a invisibilidade negra no núcleo de maior interesse da audiência infantil (o núcleo infantil) é um problema no processo de construção de identidade de meninas e meninos negros.

Permanece a construção de uma identidade de “branquitude”. Do anjo branco. Da beleza branca.

É imensurável o espaço que os meios de comunicação ocupa na sociedade brasileira.

Assim sendo, a teledramaturgia precisa estar mais atenta, uma vez que os limites entre ficção e realidade não têm fronteiras definidas, principalmente no que diz respeito à infância.

A telenovela não acaba quando o controle remoto é acionado. Pelo contrário, durante os meses que está no ar, desperta interesse e envolvimento através dos vários canais de mídia.

É assunto na escolinha. É um produto à venda, consumido não só por crianças brancas, mas também por negras.

A TV pode e deve ser mais diversa, afinal os danos causados pela difusão de uma história única podem ser irreversíveis.

CCo Public Domain

Retrospectiva 2016: Ellen Page joga na cara de Jair Bolsonaro o que muita gente gostaria de jogar


O deputado federal Jair Bolsonaro (PP) foi confrontado pela atriz canadense Ellen Page no segundo episódio da série documental “Gaycation”.

Durante o filme, a artista mostra como a comunidade LGBT é tratada em diversas partes do mundo. Na cena gravada no Rio de Janeiro, divulgada nesta sexta-feira, o parlamentar afirma que ser homossexual “é comportamental”. Para ele, “se o filho começa a andar com certas pessoas, vai ter aquele tipo de comportamento, achar que aquilo é normal”.

A atriz rebate um dos posicionamentos de Bolsonaro, no qual ele defendia que as famílias devessem bater nas crianças para “tirar” a homossexualidade. “Eu sou gay, então você acha que eu deveria ter apanhado quando criança para não ser gay agora?”, questionou Ellen.

Bolsonaro disse que não interessa se alguém é gay ou não é. Em seguida, o deputado elogia a artista e ainda insinua que poderia cantá-la na rua. “Se eu fosse cadete da Academia Militar das Agulhas Negras e te visse na rua, assobiaria para você”, destacou.

Na entrevista, o deputado ainda explica que quando ele era jovem, “existiam poucos gays”. Ele ainda atribuiu o possível crescimento na comunidade LGBT ao uso de drogas e à presença da mulher no mercado de trabalho.

Quando seu filho é violento, tem que dar um corretivo nele, e ele deixa de ser violento. Por que o contrário não vale?”, ressaltou ainda Bolsonaro. “Com todo o respeito, você foge à normalidade, beira à teoria do absurdo. Você e a sua companheira não geram filhos. Você depende de nós, héteros, homens”, atacou.

Após a divulgação do vídeo, a atriz norte-americana Miley Cyrus postou duas fotos nas quais ela aparece chorando com a situação dos homossexuais no Brasil. “Obrigada, Ellen Page, por mostrar a todo o mundo como eles são tratados”, escreveu.



Jair Bolsonaro e Ellen Page.

Estação do metrô é 'rebatizada' com nome de ambulante morto: Luiz Carlos Ruas


Quando você passar pela estação Dom Pedro II, nunca se esqueça: o verdadeiro nome deste metrô é Luiz Carlos Ruas, ambulante morto nesta semana tentando defender duas travestis. Em um ato nesta sexta-feira (30), em memória a Luiz, familiares, amigos e representantes da comunidade LGBTT estenderam uma faixa com o nome do vendedor mudando o nome do local simbolicamente.

Os manifestantes cobram a condenação dos primos Alípio Rogério dos Santos, de 26 anos, e Ricardo do Nascimento de 21, ambos presos nesta semana pela morte de Luiz.


Com cartazes em punho e palavras de ordem, o grupo lamentou a crueldade com que o ambulante morreu. Alípio e Ricardo espancaram até a morte. As câmeras de vigilância da estação do metrô mostram Luiz, já deitado no chão, alvo de chutes em sequência.

O ato desta sexta foi o segundo desde a sua morte e começou no lado de fora da estação. No saguão, os seguranças - que no dia do assassinato não estavam presentes - isolaram o local com grades. Houve um princípio de confusão quando o grupo tentou entrar na estação.

Mensagens e flores em memória ao ambulante morto foram reunidas diante da passarela em frente à estação Pedro II. Outra faixa como a que foi colocada na fachada da estação foi grudado sobrei o memorial improvisado.

A manifestação contou com a presença do padre Júlio Lancelotti, da Pastoral Povo da Rua, que participou das homenagens ao ambulante, além do vereador eleito Eduardo Suplicy (PT), ex-secretário de Direitos Humanos da gestão Fernando Haddad (PT).

Prisão

Os primos Santos e Nascimento, foram transferidos na quinta-feira (29) da carceragem do 77º DP (Santa Cecília) para a penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo. A Justiça decretou a prisão temporária por 30 dias da dupla; o prazo pode ser prorrogado e a Polícia Civil já informou que pedirá a prisão preventiva dos jovens.

Os investigadores disseram que 14 testemunhas confirmaram o envolvimento dos primos no ataque a Ruas.

Estação do metrô de SP é rebatizada com nome de Luis Carlos Ruas - ambulante morto. Foto: HuffPost Brasil/Agência Brasil.

A cultura cala o racismo


A coreógrafa Edileusa Santos busca novas possibilidades de diálogo por meio do corpo e divide a experiência com o público em oficinas. Foto: Edileusa Santos.

O racismo explícito de um blackface no programa Mais Você, da TV Globo, vai na contramão de uma produção artística negra em ebulição. Na segunda-feira 12, um convidado branco no quadro da apresentadora Ana Maria Braga usou uma fantasia de “nega maluca” e pintou o rosto de preto.
Por Eduardo Nunomura, na Carta Capital

A agressão em rede nacional remete a episódio de maio de 2015, quando atores brancos da peça Os Fofos Encenam adotariam a maquiagem do blackface. O espetáculo não aconteceu e o Itaú Cultural, em resposta aos protestos virtuais, iniciou uma bem-vinda revolução.

Um comitê interno de questões raciais foi criado. Debates e palestras para o público externo foram promovidos para discutir o racismo estrutural. E o óbvio logo se revelou: as instituições culturais fecham as portas para os artistas negros.

Na tentativa de virar esse jogo, a mostra Diálogos Ausentes, no Itaú Cultural, reúne obras de 15 artistas negros das artes visuais, do teatro e do cinema de vários estados. É divisora de águas pelo recado que transmite.

A curadoria é um dos elementos institucionalizadores a serviço desse projeto colonial”, afirma a curadora da mostra, Diane Lima. “Quais são os critérios de exclusão?”, questiona a jovem baiana de 30 anos, mestranda em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), que vê um longo processo de discriminação e criminalização sobre a arte afro-brasileira.


Ao lado dela está Rosana Paulino, historiadora e artista visual, doutora em poéticas visuais pela Escola de Comunicações e Artes da USP. É igualmente provocadora: “Acompanho essa cena há 20 anos. Estamos no início de um reconhecimento. A última Bienal só tinha um negro, o Dalton Paula, que também está aqui conosco. Na penúltima Bienal, nenhum”.

Dalton Paula, com Unguento (2015).
Dalton Paula, artista visual do Distrito Federal, trabalha com a temática do corpo negro, muitas vezes silenciado pelo medo e pela insegurança. Em A Cura, ele pinta em óleo imagens de benzedeiras sobre capas de enciclopédias Barsa, uma forma de mostrar como o conhecimento tradicional expõe o epistemicídio (exclusão de outras formas de conhecimento).

O paulistano Sidney Amaral, formado pela Faap, é outro nome na mostra. Na aquarela Gargalheira, um autorretrato, ele subverte a coleira usada na escravidão e contesta o conceito de que o negro nos dias atuais ou é invisível ou superexposto.

Quando falo ‘quem falará por nós’ e boto os microfones, digo que eu falo por mim, não estou num lugar de invisibilidade”, explica. Uma de suas obras, Incômodo, uma aquarela de 1,90 por 3,15 metros em que faz contraponto à Libertação dos Escravos, pintura de Pedro Américo (1889), foi adquirida no ano passado pela Pinacoteca do Estado. A instituição abrigou até fevereiro a exposição Territórios: Artistas afrodescendentes, com 106 trabalhos de criadores negros.

No teatro, encontra-se uma das áreas artísticas mais intelectualmente organizadas do movimento negro. Cada espetáculo acaba por desenvolver um trabalho de pesquisa e produção, que revira desde as tradições afro-brasileiras até as raízes do preconceito racial e da discriminação.

O coletivo Quizumba, de São Paulo, nasceu em 2008 com a proposta de estudar a formação cultural do Brasil, e nessa investigação se deparou com a história de Zumbi dos Palmares. A inquietude virou uma contação de histórias para crianças e adolescentes que rompe com a colonização cultural eurocêntrica, de Brancas de Neve e Belas Adormecidas.

Composto de jovens diretores, dramaturgos e atores da Escola Livre de Teatro e da Escola de Arte Dramática, da USP, o Coletivo Negro está na estrada há oito anos. Flávio Rodrigues, 38 anos, e Raphael Garcia e Jé Oliveira, ambos com 33, graduaram-se sem que tivessem tido uma disciplina que passasse por Abdias do Nascimento, o criador do Teatro Experimental do Negro, tema de uma ocupação no Itaú Cultural.

A ideia do coletivo foi pesquisar racialidade e poética, sem abrir brecha para críticas de que só há atores negros. “A lógica é tão perversa porque essas mesmas pessoas não questionam que a maioria dos elencos das peças, dos filmes e das novelas é formada majoritariamente por brancos”, afirma Garcia.

Em suas obras, Eneida Sanches trata de questões raciais. Foto: Tracey Collins.
As peças do Coletivo Negro tratam das inquietações e das conquistas, dos afetos e dos conflitos familiares, da vida violenta nas periferias. “Se as pessoas não estiverem sensibilizadas, isso não vai acontecer. Também se não houver ninguém na mídia ou na curadoria. Poucos críticos vêm ver nossos trabalhos, talvez porque acham que não vão encontrar arte”, alfineta Rodrigues. Em março, o grupo conseguiu acessar o cobiçado circuito Sesc, muito em parte à proximidade que o coletivo tem com KL Jay, dos Racionais MC’s.

No Sesc Belenzinho, em São Paulo, a mostra Motumbá - Memórias e Existências Negras é outra que revela a pujança das produções negras e periféricas. Com curadoria de João Nascimento, mescla música, dança, performance, teatro, literatura, cinema e artes visuais. A baiana Edileusa Santos, pesquisadora, professora, bailarina e coreógrafa, ministra uma oficina para mostrar como o som do tambor estimula a construção do movimento.

Reunidos há nove anos no Encontro de Cinema Negro Brasil, África, América Latina e Caribe Zózimo Bulbul, em homenagem ao pai do cinema negro brasileiro, profissionais do audiovisual viram quando uma arte cara se tornou possível. O acesso à primeira câmera e o ingresso dos negros nas universidades abriram espaço para a formação de novos cineastas.

Mas foi só o primeiro degrau. “Os festivais não selecionam, não querem ver. Os canais de tevê não estão interessados. Começamos a receber esse ‘não’ velado, com a desculpa de que não há público”, critica Viviane Ferreira, cineasta e advogada, presidente da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan).

Já estão presentes na Apan iniciativas do Coletivo Tela Preta e a plataforma na internet Afroflix, de Yasmin Thayná, voltada para as produções audiovisuais assinadas por profissionais negros. Dez realizadores acabaram de participar do Lab Cinegritude. Mais do que outras narrativas, a maioria da população quer se ver representada pela cultura.

A real diversidade

Espetáculos na capital paulista revelam a força das representações artísticas das culturas negras

Foto: Raul Zito.
Treme-Terra

Espetáculo de dança contemporânea, Pele Negra, Máscaras Brancas tem apresentação única em São Paulo. O trabalho da companhia Treme-Terra é inspirado no livro homônimo do martinicano Frantz Fanon, uma referência para os movimentos anticolonialistas e negros na França. Dia 17 de dezembro, às 21 horas, no Sesc Vila Mariana.

Ocupação Abdias do Nascimento

Ativista, artista, intelectual e político, Abdias do Nascimento é tema de mais uma ocupação do Itaú Cultural. Maior líder negro do século XX, Abdias fundou o Teatro Experimental do Negro, que expunha a falta da representatividade racial nas artes cênicas dos anos 1940 aos 1960. Até 15 de janeiro.

Diálogos Ausentes

Quinze artistas selecionados revelam o vigor da presença de negras e negros nas artes visuais, no teatro e no cinema. É ainda uma resposta aos protestos sobre o uso do blackface (pintura com carvão de cortiça) por uma companhia de teatro, em maio de 2015. Até 29 de janeiro, no Itaú Cultural.

Motumbá

Até março, no Sesc Belenzinho, a mostra apresenta peças teatrais, contação de histórias, oficinas de dança, exibição de filmes, debates e shows de música, como o de Bongar (17 de dezembro, às 21h30), um grupo de seis integrantes do terreiro Xambá, do Quilombo do Portão do Gelo, em Olinda, que mantém a tradição da Festa do Coco.

Quizumba

A peça para o público infantojuvenil mistura história e ficção e conta a história do menino Francisco, o Zumbi dos Palmares, que serve de lição para que o também menino Pastinha se torne valente. O espetáculo partiu de uma pesquisa sobre o teatro narrativo do Coletivo Quizumba. Dias 17 e 18 de dezembro, no Sesc Pinheiros.