Abdias
Nascimento, Clóvis Moura, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Jurema Werneck e
Sueli Carneiro são apenas alguns nomes da extensa lista de intelectuais negros
brasileiros. Não é incomum, entretanto, que um estudante deixe o ensino
superior sem conhecer e sem ter lido nada desses pensadores. Para
pesquisadores, falta à academia e à educação de forma geral um conhecimento
maior sobre a intelectualidade negra, não apenas brasileira. É preciso também
ter acesso a obras de pensadores negros traduzidas.
A
busca pelo protagonismo negro foi o que motivou a pesquisa do professor de
história Carlos Machado. No livro Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e
Afrodescendente, ele compilou algumas histórias e legados de pesquisadores
negros para a humanidade. Ele explica que essas pessoas são responsáveis por
invenções que fazem parte do nosso cotidiano. "Mas o eurocentrismo
escondeu ou apagou essa história como se ela não existisse e aí essas
informações, uma parcela delas, ficou como se fosse um legado europeu",
disse.
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Abdias Nascimento, ex-senador da República, é intelectual negro brasileiro conhecido no exterior. |
Segundo
ele, a matemática tem origem no continente africano, assim como a astronomia e
a universidade. "Há anos eu tinha
ouvido falar que as primeiras universidades do mundo tinham sido construídas na
Europa, como a Universidade de Bologna no século 11, mas há notícias de
universidades, centro de estudos na África já no século 30 antes de Cristo",
diz. "Temos diversas influências
africanas no nosso cotidiano, na metalurgia, selagem, na filosofia, na
engenharia, na arquitetura, no urbanismo, a presença negra está além da música
e da cultura, a presença negra está em vários campos do conhecimento e isso
precisa ser resgatado para além do século 21."
A
pesquisa, no entanto, não foi fácil. Machado conta que, em 1995, quando buscava
por pesquisadores negros, "aparecia
cientista negro como obra de ficção científica e não como algo real".
Segundo ele, esse apagamento do protagonismo negro data do processo de
escravidão, que começou a partir do século 15 e tinha como objetivo desumanizar
quem era escravizado. "Você não
dominava apenas com as armas. Você dominava por meio da cultura e da religião.
Então você tinha que destruir totalmente este ser humano. Então, ele tinha que
abraçar totalmente a cultura europeia como se fosse a única possível. E a
cultura africana foi vista como uma coisa bárbara, baixa, selvagem".
A
dificuldade que ele encontrou na década de 90 persiste hoje. Segundo a advogada
e pós-doutora pela Universidade de Texas Ana Luiza Flausino esse é um desafio
que a universidade brasileira coloca para os pesquisadores negros. "Os
nossos temas são vistos com muita desconfiança", diz. “De forma geral, nós
não traduzimos textos de pessoas negras de África e da diáspora. A universidade
não tem cumprido esse papel de priorizar também a tradução de textos, só fica
reeditando clássicos europeus. A gente tem pouco acesso, em língua portuguesa,
a alguns clássicos fundamentais e não estou colocando só pessoas negras, mas de
indianos, do oriente. A gente tem tão pouca coisa que circula em termos
globais, que a gente acaba perdendo com a possibilidade de troca", diz.
O
mestrando em direito Marcos Queiroz estuda o impacto da revolução haitiana nos
processos constituintes do Brasil e da Colômbia na Independência. "[Os
autores negros] muitas vezes não estão na bibliografia, dependendo da forma
como se faz o curso, pode-se nunca ler um autor negro", diz. "A
academia nos exclui dos espaços do fundamento teórico, de pesquisa".
"Não
é só estar dentro da universidade, a gente quer que o conhecimento mude, que a
gente conheça autores negros, que leia sobre autores negros e não só negros
pesquisando o que a universidade sempre pesquisou", diz. "Acho que a
universidade reflete uma das facetas mais tenebrosas do racismo. Apaga nossas
trajetórias e nosso conhecimento", diz Queiroz.