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Festas Juninas e o incremento da cultura afro-brasileira



Desde os povos primitivos, os homens se acostumaram a se reunir em torno de uma fogueira para dançarem e agradecerem aos deuses pelas colheitas do mês junho, tradição que, com o passar do tempo, se tornou uma celebração a Santo Antônio, São João e São Pedro. O que para os europeus é a transição da primavera para o verão e a época de maior fertilidade, no Brasil representa a chegada do inverno, o que não impediu que pessoas de todos os estados adaptassem a tradicional festa junina para o país. No Brasil, ao contrário do vinho, os dançarinos aproveitam o quentão e os caldos para afastar o frio.

Essa festa não é nem cristã. Essa ação de você fazer em junho uma homenagem aos santos não começou assim. Na Grécia e em Roma já se prestavam essas homenagens, mas é ainda mais antigo”, reforça o folclorista e ex-presidente da Associação de Folclore de Minas Gerais, Carlos Felipe Horta. Mas foi com o Cristianismo e a incorporação de diversos elementos da cultura popular que os arraiais se fortaleceram, tendo no Brasil um estilo único graças às crenças e costumes das diferentes regiões, além da influência afro-brasileira.

Arraiá da Escolinha Disneylandia no XII Festival Junino
do município de Altaneira.
Se engana quem pensa que não há explicação para os hábitos e brincadeiras da festa junina. A tradicional encenação do casamento, na qual ao longo dos tempos o delegado, o pai da noiva, a amante abandonada e outros personagens comuns em muitas histórias brasileiras foram adicionados, criando uma cerimônia tragicômica, tem origem nos primeiros anos do Brasil Colônia, quando não havia padres para as celebrações. Na época, como explica Carlos Horta, as uniões eram feitas em frente às fogueiras e as chamas simbolizavam a aprovação dos santos. Dessa forma, também surgiam os laços entre compadres e comadres.

A festa também é uma homenagem à população do campo e às cidades do interior do país. Mesmo nas capitais, pessoas de diversas idades se vestem com roupas características da zona rural, além de relembrar a figura do caipira. Apesar de a festa junina permitir uma mistura de ritmos, como o sertanejo e o forró, a quadrilha é considerada por muitos uma tradição. A dança – que teve início na Grã Bretanha, foi adaptada pelos franceses, importada por Portugal, que por sua vez trouxe o ritmo ao Brasil – era originalmente destinada aos grandes salões, mas ganhou outra sonoridade em solo brasileiro. “A quadrilha se incorporou à festa no Brasil porque ela ‘chegou e pegou”, explica o especialista.

O folclorista Carlos Felipe Horta explica que a festa é tão importante para na zona rural que influencia até mesmo a política das pequenas cidades e povoados. “Em junho e julho, deputado e senador que não aparecer na festa de São João não ganha voto”, conta.

Nos dias de festa, além de dançar, as crianças também aproveitam para brincar de pescaria, passa-anel, jogos com argolas, cadeia, correio elegante, sorteio de prendas e outros. As brincadeiras são semelhantes àquelas das quermesses e outras feiras religiosas e fazem parte do lúdico brasileiro.

Os brasileiros não escondem a crença em superstições, que fazem parte do imaginário popular nos 365 dias do ano, mas é na festa junina que algumas se fortalecem. Nesta época, Santo Antônio é o preferido dos fiéis para fazer preces e promessas, principalmente quando o assunto são casamentos. As solteiras que desejam se casar costumam rezar para o santo, só que se a oração não for atendida, decidem ser mais severas. “Você pede, se não consegue, apela”, explica Horta. Um dos artifícios para “convencê-lo”, é colocar a imagem no poço e, em último caso, tirar a imagem de Jesus que é carregada por Santo Antônio. “Aí ele te ajuda de qualquer maneira”, reforça o folclorista.

Outra crendice é pegar um prato com água e derramar uma clara de ovo sobre ele. Caso a imagem que se forme seja semelhante a uma estrela, é preciso se alegrar porque isto é um sinal de fortuna e amor a caminho. Mas se a figura for parecida com uma cruz, o perigo é iminente, alerta Carlos Horta.

Por meio das influências afro-brasileiras, em especial do Candomblé, a festa junina brasileira passou a ter novas manifestações no país. Um exemplo é a relação estabelecida entre os santos e os orixás. “As imagens de São Pedro e São João são ‘sincretizadas’ com a de Xangô”, afirma o especialista em folclore brasileiro. Santo Antônio é representado por Ogun. Seguindo esta vertente, outras superstições foram adicionadas à festa. É o caso da tradição de se dançar com uma tigela cheia de brasas na cabeça, comum para alguns descendentes de africanos.

A festa junina do Quilombo Mato do Tição, citada por Horta, é um exemplo do encontro entre a cultura africana e a crença em São João. Membros da comunidade localizada na cidade de Jaboticatubas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, festejam a principal atração da festa, momento em que as brasas da fogueira são colocadas no chão e os fiéis caminham sobre elas para demonstrar a fé no santo.

Quitutes

Aqueles que estão acostumados a frequentar festas juninas sabem que existem algumas comidas consideradas tradicionais da festa. A atração principal dos arraiais brasileiros é o milho. A partir do cereal, grande parte dos quitutes típicos de São João é feita, como a canjica, a canjiquinha, o curau, o cuzcuz, a pamonha, a pipoca, o milho cozido e o suco de milho verde. O amendoim e o coco também aparecem como ingredientes de muitas receitas, é o caso dos doces pé de moleque, cajuzinho, bom-bocado, cocada e quebra-queixo.

Da mesma maneira que as festividades na Europa são “regadas” a vinho, a bebida também é apreciada no Brasil, mas por aqui se bebe o vinho quente e o quentão – receita que mistura gengibre e cachaça. Como a comemoração aos santos geralmente é feita a noite, os caldos e o churrasquinho são boas pedidas para se esquentar no inverno.

Carnaval português

Tendo vivido por muitos séculos sob a forte influência do Cristianismo, para os portugueses, as festas para os santos estão entre os principais eventos do país. São Pedro é aquele que protege os pescadores e navegantes, classe muito respeitada no período colonial. Já os pastores e criadores de animais vêem em São João um protetor. E não poderia faltar Santo Antônio, um legítimo português nascido em Lisboa e conhecido pelas habilidades de casamenteiro. O folclorista Carlos Felipe Horta explica que esse conjunto de características deu à festa um terreno fértil para o desenvolvimento. “A festa se espalhou por toda a Europa, mas em Portugal é mais forte”, afirma.

José Amaro de Sousa Pinto, diretor cultural do Grupo Folclórico Gil Vicente, do Centro da Comunidade Luso-Brasileira (CCLB) de Belo Horizonte, explica que a Festa de São João é tão importante para os portugueses que se compara ao carnaval para os brasileiros. “Têm marchas e desfiles. A festa dos santos populares é a festa aberta ao público mais importante; é como o carnaval no Brasil”, conta. Assim como na folia de fevereiro, em junho os fiéis enchem as ruas das principais cidades e decoram os locais com bandeirinhas e arcos, como os vistos nas festas juninas.

Os portugueses também costumam apelar aos santos, mas o mais comum é fazer brincadeiras e simpatias para atrair boa sorte. Um dos costumes é bater na cabeça das pessoas que participam da festa na rua com um alho ou com um martelinho. O ato é uma forma de distribuir a sorte entre todos. O trevo de quatro folhas e o manjerico são plantas usadas para atrair energias positivas. A primeira deve ser colocada na carteira e a segunda no chapéu, no bolso da camisa e em vasinhos para perfumar. “Toda gente leva para casa para dar sorte”, conta.

Mas as crendices mudam dependendo da região, que, como afirma Amaro, são muito distintas. Para as cidades e povoados litorâneos, há o hábito de vestir roupas feitas de papel e entrar no mar à meia-noite. Muitos também aguardam ansiosos para comer os principais pratos da culinária portuguesa na festa dos santos populares. Na festividade, os comerciantes abrem barraquinhas para vender castanhas quentes, pão de milho com sardinha, galinha assada e vinho.