8 de fevereiro de 2025

A luta da Frente Negra Brasileira por uma educação de qualidade para o povo negro se mantém

 

Frente Negra Brasileira. (FOTO | Reprodução).


Em 1931, 43 anos após a abolição da escravatura, o racismo era chamado de “preconceito de cor” e havia poucas mobilizações expressivas que reivindicavam igualdade racial. Foi neste cenário que, em 16 de setembro, nasceu a Frente Negra Brasileira (FNB) em São Paulo, primeira organização a impactar de forma definitiva o movimento negro do século XX, influência que reverbera até os dias de hoje.

Encabeçada por Arlindo Veiga dos Santos e José Correia Leite, a FNB reivindicava melhores condições de vida para a população negra, desenvolvendo uma série de atividades de caráter cultural e educacional para os membros, como festas, palestras, cursos de alfabetização e festivais de música. Além de defender uma maior participação dos negros na política.

Essa articulação surgiu em um momento no qual se fortalecia o discurso a favor do branqueamento da população e de uma suposta democracia racial no Brasil, sobretudo após a publicação do livro “Casa-Grande & Senzala”, do sociólogo Gilberto Freyre, que cunhou no Brasil um ideário de harmonia entre as três raças a partir da década de 1930.

“Esse discurso se consolida justamente no momento político onde também temos a força da Frente Negra surgindo de forma muito ousada, ao construir uma contranarrativa e fazer frente política a toda essa dinâmica e a esses discursos que falavam da inviabilidade e da falta de necessidade, inclusive, dessa articulação política por parte da população negra”, ressalta Giselle dos Anjos, pesquisadora do CEERT e doutora em História Social pela USP (Universidade de São Paulo).

Rapidamente a FNB ganhou adeptos pelo país, com nomes como Abdias Nascimento e Sebastião Rodrigues Alves, desdobrando-se em filiais por São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Sul.

Com o intuito de lançar candidaturas negras e entrar de forma efetiva no debate político do país, a FNB fundou em 1936 o primeiro e único partido negro da história do Brasil. No entanto, essa mobilização e a organização como um todo chegou ao fim no ano seguinte, em 1937, com o Estado Novo que instaurou a ditadura de Getúlio Vargas.

O legado da Frente Negra Brasileira

Uma das principais bandeiras defendidas pela FNB era o acesso à educação de qualidade por parte da população negra, uma atuação que reverberou e foi incorporada pela maioria das organizações com este recorte ao longo do século XX e XXI. A principal conquista dessa luta histórica foi a Lei 10.639 de 2003, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira nas escolas.

“Uma preocupação da comunidade negra de uma forma mais ampla foi com a questão da educação, usada como uma estratégia política de fortalecimento para alcançar a mobilidade econômica e social. Então é muito interessante perceber a iniciativa da Frente Negra de oferecer cursos de formação para garantir esse avanço educacional”, afirma Giselle.

Desde os anos 1990, o CEERT também atua em duas pontas importantes desse campo. Por exemplo, há mais de 20 anos, o Prêmio Educar para Igualdade Racial e de Gênero promove a identificação, difusão, reconhecimento e o apoio a práticas pedagógicas e de gestão escolar vinculadas à temática étnico-racial, fortalecendo o cumprimento da Lei 10.639/2003.

“Mais do que a conquista da lei em si, temos um esforço no sentido da garantia da sua implementação de forma efetiva. A Frente Negra nos ensinou a importância de uma educação comprometida com a experiência negra na sociedade brasileira”, ressalta a pesquisadora.

Na outra ponta, o Programa Prosseguir atua para desenvolver futuras lideranças negras que estão nas universidades públicas e privadas, por meio de estratégias de fortalecimento e permanência acadêmica, além de estabelecer diálogos e pontes com o mercado de trabalho.

“O crescimento da presença de jovens negros nas universidades é resultado da luta histórica do movimento negro. A própria Frente Negra tinha o objetivo de que pessoas negras estivessem mais qualificadas para atuar no mercado de trabalho. Na mesma direção, o Prosseguir versa sobre essas questões, de garantir a permanência nas universidades e do reconhecimento do potencial dos/das jovens negros/as para a atuação em defesa da justiça social em seus territórios”, destaca Giselle.

Um nome importante da luta por melhores condições de trabalho para a população negra é Laudelina de Campos Melo (1904-1991), integrante da FBN, que criou a primeira associação de empregadas domésticas no Brasil, na cidade de Campinas (SP).

“Tanto a Frente Negra como a própria Laudelina versavam sobre essa necessidade de uma inserção mais qualificada e da garantia de direitos. E hoje a gente vê que a população negra em geral, e especialmente as mulheres negras, têm se inserido em outros setores trabalhistas, para além da prestação de serviços, como nas áreas de educação e saúde, a partir de formações médias e técnicas, mas também de nível superior”, explica Giselle.

A pesquisadora ressalta que apesar da relevância de traçar paralelos entre mobilizações que estão localizadas em períodos históricos diferentes, é fundamental evitar anacronismos. Assim, entender que a experiência da Frente Negra, iniciativa da década de 1930, é diferente do movimento negro organizado depois de quase um século, nos anos de 2020.

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Com informações do CEERT.

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