Um pais doente de realidade, por Ana Cristina Rosa

 

(Ana Cristina Rosa. FOTO |Reprodução).

O Brasil é um país “doente de realidade”. A constante negação da verdade me leva a essa conclusão. Enquanto parte dos indivíduos prefere alterar os fatos a admitir inúmeras situações que fazem de nós uma das nações mais desiguais do planeta, a maioria vive em constante provação por conta da “desrealização” da vida como ela é.

Essa “dissonância cognitiva” emperra o desenvolvimento socioeconômico e nos impede de avançar coletivamente, fomentando discurso de ódio e negando a mais evidente de todas as mazelas brasileiras: o racismo institucional.

No último país das Américas a “abolir” a escravidão (em 1888, há apenas 136 anos), foram criadas leis específicas para impedir a inclusão social dos ex-escravizados. Depois de cerca de quatro séculos de trabalho forçado, os negros não poderiam adquirir a posse de terras, nem estudar e seriam presos por ficar “vadiando” nas ruas.

Sem proporcionar as mínimas condições para que os afrodescendentes se tornassem “cidadãos” de fato e de direito, o país foi adubando as raízes do racismo institucional. Tanto que, até hoje, pretos e pardos enfrentam inúmeras dificuldades para alcançar o básico: alimentação, moradia, saúde e educação.

Mas, apesar das evidências, não falta quem insista em distorcer a realidade para colocar o abusado no papel de abusador quando uma iniciativa é adotada para enfrentar a desigualdade racial. A ponto de cotas raciais nas universidades serem classificadas como “privilégio” ou instrumento capaz de “restaurar o racismo” onde ele havia sido abolido.

Não sei como é no país de Alice, mas no meu, os negros, em geral, não saíram da base da pirâmide. E isso se deve aos obstáculos criados pelo racismo institucional, que entrava a vida de pretos e pardos.

Nada disso é novidade. Mas, como cunhou Tom Jobim, “o Brasil não é para principiantes.” Então, às vezes, é preciso desenhar.

“Ando tão à flor da pele/Que a minha pele tem o fogo do juízo final.” – Zeca Baleiro.

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Publicado originalmente na Folha de São Paulo e replicado no Geledés.

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