Muitos
se julgam espertos suficientemente para manter preconceitos e achar que ninguém
percebe. Alguns têm consciência de suas cismas mentais. Outros chegam a sentir
orgulho. Mas isto desafia reflexões.
Toda
pessoa preconceituosa é um moralista. A relação é de promiscuidade mental. O
preconceituoso reprova, inadmite e exclui o outro apenas pelo que este outro é.
Nietzsche já desmontava esse farisaísmo social. ‘Nada é mais raro entre moralistas e santos do que a retidão’,
ensinava o filósofo na obra Crepúsculo
dos ídolos, número 42.
O
preconceito não é algo que se ‘quer’ apenas de uma forma estigmatizada ou feia.
Também não é uma ‘escolha’ que a parcela ‘cult’ ou ‘entrei-numa’ da sociedade
fez no sentido de começar a achar ruim certo comportamento. Aliás, esses
‘yuppies’ da sociedade, os ‘metro-mentais’ com seus ternos pretinhos de calça
fusô não produzem nada muito admirável.
O
preconceito pode ter duas causas: atraso ou provincianismo. Mas uma coisa é
certa, é uma manifestação de ignorância. No sentido ruim. Está na contramão do
progresso social como um todo, da natural evolução dos povos e dos novos
direitos. Historicamente sempre foi assim.
Quem
acha bonito cultivar preconceitos deve refletir que passa para o mundo a imagem
do ‘fariseu’ de Nietzsche. Ou a imagem
do famoso ‘imbecil’ de Bertold Brecht, no poema ‘O analfabeto político’.
O
capiau ou matuto da roça tem seus preconceitos pacatos. Talvez mais
defensivamente, por ‘medo’ da cidade grande e sua gente. Mas certamente o
preconceito mais danoso seja o do ‘doutor’ referido por Marilena Chaui na obra
Cultura e democracia, p. 355. Ou de sua esposa, a lourinha com cabelo
autoritariamente liso e mente ultrarreacionária sugerida por Chaui no
espetacular vídeo-aula sobre a ‘classe média’, no Youtube.
Certa
elite capitalista, deslumbrada com o poder financeiro, desperta para a ideia do
‘pensar’. Como se esta tarefa humana fosse simples e fácil. Aí talvez esteja
uma das raízes do preconceito como se conhece nas sociedades urbanas e
tecnológicas. Valores, juízos, educações, relações e visões de mundo são
‘teorizados’ por qualquer um desses aí. De um esquizofrênico cabo nazista
chamado Hitler e sua horda de energúmenos, até um nouveau riche do petróleo ou
da soja qualquer. ‘Mesmo’ que bilionário.
Racismo,
sexismo, machismo, discriminações ou ódios étnicos, rácicos e religiosos, tão
comuns na sociedade brasileira, ainda que alguns bem disfarçados, são exemplos
de preconceitos danosos. Também o tal do ‘bom gosto’ tão bem referido por
Adriana Calcanhoto na música ‘Senhas’, é uma forma perigosa de intolerância
disfarçada de ‘chique’.
O
fato é que o preconceito ficou bastante estigmatizado. Ninguém vai querer
assumir uma posição discriminatória. Todo mundo jurará não ser preconceituoso,
apenas ter um ‘modo próprio’ de ver a questão. Daí, uns invocarão liberdade de
expressão; liberdade de pensamento; liberdade de crença filosófica ou
religiosa; e mesmo a não-discriminação para exercer seu ‘modo de pensar’. Ou
seja, querem que o preconceito seja um direito.
Como
não há um menu universal de o que é ser preconceituoso, ficam noções gerais e
principiológicas. Na educação, nas sociedades e nos sistemas jurídicos. A
Constituição da República, por exemplo, no artigo 5o, inciso XLI, é taxativa: ‘A lei punirá qualquer discriminação atentatória
dos direitos e liberdades fundamentais.’
Nos
78 incisos que compõem o citado artigo constitucional, que garantem a plena
liberdade da pessoa, está um indicativo seguro de que nada que ‘discrimine’
relativamente àquele rol será aceito. Ou seja, reduza, diminua, impeça a pessoa
de ser o que ela queira ser, livremente. Desde que este ‘livremente’ não seja
ser livremente preconceituoso.
A
defesa do preconceito costuma invocar uma ou outra ‘lógica’. O problema é que
como a lógica não se interessa com a verdade ou falsidade das premissas, mas
apenas com sua relação, dá-se uma aparência de perfeição. Mas no caso do
preconceito, saber se o conteúdo é bom ou podre faz toda a diferença.
Políticos
brasileiros ultraconservadores, reacionários ou fundamentalistas, por exemplo,
têm se insurgido contra a união gay. Este é apenas um exemplo. Alegam, os
políticos, que não podem ser ‘discriminados’. Querem exercer a intolerância com
liberdade. O problema é saber se, por exemplo, alguém tem direito a ser
nazista, alegando que não pode ser discriminado. O ‘conteúdo’ nazista ofende a
história e o mundo. Houve uma coesão mundial em torno do tema. Assim é com
outros tantos temas.
O
direito comparado, a história, a sociologia dos sistemas evoluídos, o cinema e
as artes são um ótimo referencial para se identificar o rumo que determinadas
questões vêm tendo no mundo. Se uma determinada questão vem sendo
paulatinamente aceita ou proibida.
Qualquer
pessoa que queira ‘calibrar’ o próprio pensamento, sua visão de mundo e suas
ideias, se tomar por base um menu de referências assim terá uma ótima
ferramenta. Poderá melhorar muito os próprios conceitos.
Mas
uma coisa é certa. Quando se começa a ouvir, maciçamente, que determinada
questão é preconceituosa, pode-se estar diante de um poderoso indicativo. Não é
o meu umbigo que diz o que é ou não é preconceito. Nem o seu. É o mundo. E ele
precisa de mais tolerância, afeto e amor. Não apenas nominalmente, como
bandeira política. Mas de verdade.
A
análise é de Jean Menezes de Aguiar, do Observatório Geral
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