Descolonizar escola, nova batalha de Bell Hooks

 

(FOTO/ The Badger Heald)

Este texto é o prefácio de Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança, de Bell Hooks, recém-lançado pela Elefante, parceira editorial de Outras Palavras. Título original: “Reaprendendo a esperançar.

Começar por sempre pensar no amor como uma ação, em vez de um sentimento, é uma forma de fazer com que qualquer um que use a palavra dessa maneira automaticamente assuma responsabilidade e comprometimento.

Bell Hooks, Tudo sobre o amor

A obra de bell hooks ocupa especialíssimo espaço na formação ativista de muitas brasileiras, sobretudo as pretas, que, como eu, afetuosamente acessaram seus textos a partir das traduções e da circulação entre pares, décadas antes de sua aguardada publicação no país. Suas reflexões e seus estudos sobre raça, gênero e educação sacudiram ambientes acadêmicos e de militância negra e feminista, incitando diálogos potentes com o pensamento de intelectuais ativistas, como Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro, Luiza Bairros, Beatriz Nascimento, entre tantas outras que, em suas trajetórias, confrontaram a especificidade das experiências de racismo e sexismo vivenciadas pelas mulheres negras brasileiras com o alcance do ideal de justiça social tão central na face pública dos movimentos feminista e negro.

Em Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança, bell hooks narra seu processo de formação acadêmica e identifica como epicentro de sua brilhante carreira a vivência como estudante de escola segregada onde professoras e professores alicerçaram o processo de ensino no fortalecimento da autoestima e na crença absoluta na capacidade de estudantes negros e negras construírem trajetórias acadêmicas com a excelência necessária para sustentá-los no confronto com o poder e com os efeitos do pensamento supremacista branco que enfrentariam ao longo de suas carreiras futuras.

Diante disso, a transformação da sala de aula em ambiente de afirmação da autoestima de jovens e crianças negras é central em sua experiência como educadora do ensino básico e superior e no desenvolvimento dos pilares de sua pedagogia engajada.

O exercício de transposição desse ponto de partida defendido por bell hooks para a realidade do Brasil encontra desafios similares e outros bastante específicos das relações raciais por aqui: de similar, destaco a necessária atenção à autoestima, à saúde mental e emocional de estudantes e profissionais da educação, em especial negras e negros cotidianamente submetidos à descrença de suas capacidades e ao descrédito em relação a seus conhecimentos e sua cultura ancestral. De específico, destaco a disseminação do mito da democracia racial que atua direta e fortemente no silenciamento dos efeitos do racismo institucional no estabelecimento de processos educativos qualificados em todos os níveis e para a totalidade dos estudantes.

Para nós, o reconhecimento das desigualdades raciais implica, sobretudo, a necessidade de ampliação de ações afirmativas que explicitem o comprometimento dos sistemas de ensino com a aprendizagem e o sucesso escolar e acadêmico de todos os estudantes. Esse processo de ampliação das políticas de Estado em prol das reparações históricas conta com um ator imprescindível, o Movimento Negro brasileiro.

É Nilma Lino Gomes quem define o Movimento Negro como “importante ator político, que constrói, sistematiza, articula saberes emancipatórios produzidos pela população negra ao longo da história social, política, cultural e educacional brasileira em prol da superação do racismo” 1.

Apropriar-se da interpretação histórica das relações raciais desenvolvida pelo Movimento Negro brasileiro é essencial para a construção de uma proposta político-pedagógica comprometida com o direito de alunos e alunas vivenciarem trajetórias escolares ou acadêmicas de excelência.

Esse fundamento indica a educadores, educadoras e sistemas de ensino a urgência da disseminação de uma narrativa crítica da história do país que situe, na resistência negra e indígena às opressões, a concretização do ideal de nação cidadã e equitativa.

Em obras anteriores2, bell hooks orienta a construção de um ambiente educacional onde estudantes e professores, por meio da alegria, do amor, da cumplicidade e da autorrealização, articulam conhecimentos de diferentes procedências e nesse processo constroem aprendizagens significativas e transformadoras com repercussões ao longo de toda a vida. Essa defesa do ambiente escolar como espaço de inovação, descolonização de mentes e zelo pela integridade emocional de estudantes e professores se aprofunda nos dezesseis ensinamentos presentes em Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança, no qual bell hooks confronta duas visões de qualidade nas relações estabelecidas na sala de aula.

Por um lado, a autora apresenta a perspectiva que situa positivamente a representação das regras de dominação características do pensamento supremacista branco, capitalista e patriarcal. Essa sala de aula que se apresenta como um “microcosmo da cultura do dominador” concede ao professor ou à professora o poder autocrático de decisão quanto à relevância ou à insignificância de experiências de um conhecimento ou outro.

Diametralmente oposta a essa proposição, bell hooks situa e defende a educação como prática da liberdade e a sala de aula como ambiente de intensos questionamentos direcionados à formação do pensamento crítico e ao enfrentamento direto da naturalização da subordinação e da humilhação em relações baseadas na manutenção do poder. Essa sala de aula que se configura em espaço de pertença, cuidado mútuo e valorização das diferenças também possibilita a conexão da educação com um território que extrapola a formação acadêmica para encontrar na humanização e no amor a Pedagogia da esperança de Paulo Freire e nela assentar os fundamentos das comunidades educativas e de resistência: “A luta pela esperança significa a denúncia franca, sem meias-palavras, dos desmandos, das falcatruas, das omissões.Denunciando-os, despertamos nos outros e em nós a necessidade, mas o gosto também, da esperança” 3.

Esperançar, para bell e Freire, é condição para o estabelecimento de comunidades educativas dispostas a reagir à violência das opressões vigentes em ambientes estruturalmente hostis à liberdade de expressão e a questionamentos das relações verticalizadas que as sustentam. É justamente nesse ponto que os ensinamentos encontram o desejo de ser feliz em sala de aula vivenciando a troca e o afeto mútuo: bell hooks não romantiza sua trajetória de professora progressista e intelectual negra; muito pelo contrário, apresenta os desafios contidos na experiência de desenvolver uma prática de ensino fundada no diálogo crítico, no antirracismo e feminismo, concebida em ambientes historicamente favorecidos pelos sistemas de opressão que ela denuncia e combate de maneira sistemática.

No oitavo ensinamento deste Ensinando comunidade, “Superando a vergonha”, bell hooks alerta para os sentimentos e as percepções potencialmente destrutivas da continuidade do sucesso acadêmico de estudantes que apresentavam qualidades evidentes em suas comunidades no ensino médio, mas que se viram invisibilizados ou humilhados no ensino superior:

Tomamos conhecimento de estudantes negros que apresentam desempenho aquém de suas habilidades. Ouvimos dizer que eles são indiferentes, preguiçosos, vítimas que querem usar o sistema para ganhar algo sem precisar retribuir. Mas não tomamos conhecimento das políticas de vergonha e de humilhação. (p. 157)

Nos ensinamentos da autora, o estabelecimento de comunidades de resistência, que por meio do exercício do mutualismo praticam acolhimento e proporcionam pertencimento, é essencial para a sustentação da capacidade de cultivar esperança, afeto e reconhecimento de um sentido comum na experiência de formação acadêmica de estudantes negras, negros e lgbtqia+. Na falta delas, o aumento dos casos de suicídio de estudantes negros nas universidades públicas brasileiras demonstra que o enfrentamento ao racismo, quando solitariamente vivido, configura-se em campo minado para a saúde mental e porta aberta para o risco de humilhação, desonra e finalmente interrupção das possibilidades de autorrealização, desenvolvimento coletivo e sobrevivência.

É possível construir essa comunidade de resistência que aproxima estudantes, professores e gestores dos diferentes sistemas de ensino que constituem a formação acadêmica; porém essa rede é insuficiente para a proteção social e emocional que garante à totalidade de estudantes negras e negros vidas maiores que sobrevidas no cotidiano das exigências da produção acadêmica. É preciso uma comunidade mais conectada que promova a aproximação mais profunda entre estudantes e professores com o mundo além da academia, pois é nesse mundo que reside o sentido de coletividade que sustenta o engajamento como possibilidade para o enfrentamento ao racismo e a disposição para “trocas dialéticas” nas salas de aula.

A rede de sustentação das microrresistências diárias ao racismo e ao sexismo reafirmada em Ensinando comunidade é composta por pessoas e situações que envolvem família, amor, sexualidade, espiritualidade, professoras dedicadas a fortalecer a autoestima e estudantes que desafiam o status quo. Essa rede é convocada também para o acolhimento dos que sucumbem à humilhação e o enfrentamento daqueles e daquelas dedicados à desonra de estudantes negras e negros.

Ainda no oitavo ensinamento, bell hooks nos conta que, no ambiente segregado onde iniciou sua escolarização, era considerada boa escritora, e isso era natural; nos ambientes escolares brancos, conviveu, perplexa, com questionamentos acerca da autoria de seus textos bem escritos. Em vários ensinamentos contidos nesta publicação, me reconheci como educadora, e em muitos outros momentos o fio da memória da estudante preta foi puxado. Nesse caso, especificamente, revivi a surpresa e a irritação de minha primeira professora de literatura ao descobrir que eu já havia lido todos os livros que ela tentara me indicar, logo eu, a estudante preta, filha da servente escolar e do restaurador de livros. Meus conhecimentos nunca foram reconhecidos ou valorizados nas aulas de literatura, mas sorrateiramente participei da formação daquela primeira comunidade de resistência leitora, forjada por meus amigos da quinta série, dialogando sobre personagens e sugerindo novos desfechos para as histórias pouco animadoras impostas e nunca discutidas em sala de aula.

Em Letramentos de reexistência 4, a pesquisadora Ana Lúcia Silva Souza alerta para o necessário reconhecimento dos estudantes como portadores de conhecimentos complexos e importantes para a qualificação dos processos de escolarização que se estabelecem a partir da apropriação, por parte da escola, das práticas de uso da linguagem em circulação nos territórios ativistas e no cotidiano de resistência às várias camadas de exclusão, racismo e discriminação enfrentadas por crianças e jovens pretos e pretas no Brasil.

Ensinando comunidade reensina o esperançar de Paulo Freire e nos convoca a praticar a pedagogia desassossegada que constrói aulas perfeitas, descritas por bell hooks como um improviso de jazz, momentos únicos em que todos estão presentes por inteiro e no agora.

1GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 24.

2Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. 2ª ed. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017; Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática. Trad. Bhuvi Libanio. São Paulo: Elefante, 2020.

3FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. 11ª ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2015, p. 215.

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4SOUZA, Ana Lúcia Silva. Letramentos de reexistência — poesia, grafite, música: hip-hop. São Paulo: Parábola, 2011.

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Por Ednéia Gonçalves, no Outras Palavras.

Há 52 anos era assassinado o guerrilheiro Mariguella

 

Mariguella. (FOTO/ Reprodução).


No dia 4 de novembro de 1969, exatamente 52 atrás, era brutalmente assassinado o militante, guerrilheiro e intelectual marxista Carlos Marighella. Ele é autor de um lúcido e afiado ensaio da antologia CAMINHOS DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA, organizada pelo historiador Luiz Bernardo Pericás. Intitulado “A crise brasileira”, o artigo faz um balanço crítico da derrota dos comunistas diante do golpe de 1964 e conclui discutindo a guerrilha como forma de luta de classes. As ressonâncias com a nossa conjuntura atual são inegáveis:

“A subestimação do perigo de direita no panorama político brasileiro foi fruto do reboquismo e da ilusão no governo. [...] A falta de vigilância e a ilusão de classe subsistem exatamente quando a liderança deixa de lado o estabelecimento de um plano tático marxista e não leva em conta a obrigatoriedade do princípio da retirada. O marxismo leninismo e inteiramente avesso à concepção de que na luta de massas tudo se resume a avançar. Assim, ao acionar a linha política de apoio às reformas propugnadas pelo setor da burguesia no poder, não era suficiente assinalar os êxitos obtidos pelas massas. Tornava se preciso, simultaneamente, alertá las e organizá las para a possibilidade de recuo da burguesia, uma capitulação ante a direita ou o desencadeamento do golpe militar – sempre na ordem do dia, quando o movimento de massas cresce a ponto de ameaçar o poder ou a ponto de levar a democracia a uma mudança de qualidade. O erro que se manifestou foi, portanto, um erro ideológico, que pode ser traduzido como a perda do sentido de classe da luta revolucionária do povo brasileiro.”

– Carlos Marighella, “A crise brasileira”, em: CAMINHOS DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA, organizado por Luiz Bernardo Pericás 

📚 Dicas de leitura

◢ CAMINHOS DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA, organizado por Luiz Bernado Pericás http://bit.ly/2TiWCSc

◢ O QUE RESTA DA DITADURA: a exceção brasileira, organizado por Edson Teles e Vladimir Pinheiro Safatle

http://bit.ly/2yNyrDn

◢ DITADURA: o que resta da transição, organizado por Milton Pinheiro http://bit.ly/2yUHgLl

◢ MEMÓRIAS, de Gregório Bezerra 

http://bit.ly/2zP1nIS

◢ MARGEM ESQUERDA 22, com dossiê especial sobre os 50 anos do Golpe de 1964 

http://bit.ly/margem-22

◢ MARGEM ESQUERDA 3, com dossiê especial sobre os 40 anos do Golpe de 1964 http://bit.ly/margem-3

◢ OUSAR LUTAR: memórias da guerrilha que vivi, de José Roberto Rezende e Mouzar Benedito 

http://bit.ly/2yNb115

📺 Na TV Boitempo

◢ A legitimidade da violência revolucionária de Marighella aos Panteras Negras, com Jones Manoel e Vladimir Safatle

https://bit.ly/3aJFw9q

📰 No Blog da Boitempo

◢ “Marighella: ecos do chamamento”, por Felipe Catalani

https://bit.ly/3aIGnHu

◢ “Marighella”, por Lincoln Secco

https://bit.ly/3aKX993

◢ “Marighella: o filme e a resistência de ontem e de hoje”, por Flávio Aguiar

https://bit.ly/3AJKJIT

#Marighella #Revolução #Boitempo

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Com informações da Boitempo.

Em votação apertada, Câmara aprova PEC dos Precatórios

 

O deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, antes da votação da PEC dos Precatórios(FOTO/Pablo Valadares/Câmara dos Deputados).

Na madrugada da quinta-feira, 4, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/21, do Poder Executivo, quanto ao teto para o pagamento de precatórios, dívidas originadas em ações judiciais em que o governo saiu perdedor. A votação teve 312 deputados a favor e 144 contra.

Relator da PEC dos Precatórios, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) afirmou que as negociações sobre a proposta permitiram a construção de um texto que supera divergências. “Nós estamos reajustando o antigo Bolsa Família, hoje Auxílio Brasil. Para a mãe de família não importa se chama Bolsa Família ou Auxílio Brasil, ela quer receber os R$ 400”, disse.

Ele afirmou que o texto que foi à votação fez mudanças pontuais. “É o mesmo texto que saiu da comissão especial, com apenas a inclusão da prioridade dos recursos do Fundef dentro do teto que está sendo criado para os precatórios", disse.

Motta também ressaltou a renegociação de dívidas previdenciárias e o pagamento de 40% das dívidas do Fundef no ano que vem e os 60% restante em duas parcelas de 30% nos anos subsequentes. “Não haverá calote”, destacou.

Ele enfatizou ainda que a regra imposta ao limite de pagamento de precatórios privilegia as requisições de pequeno valor, os idosos, as pessoas com deficiência ou doenças graves. O relator afirmou ainda que a mudança no teto de gastos vai garantir recursos para a compra de vacinas para a imunização da população em 2022.

Oposição critica "calote de precatórios" para financiar Auxílio Brasil

O líder da Oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que para financiar o Auxílio Brasil basta a edição de uma Medida Provisório, e não uma Proposta de Emenda à Constituição. “Nenhum parlamentar precisa manchar sua biografia aprovando a PEC do Calote”, disse. Molon disse que tal matéria teria o voto favorável da oposição, que é contrária à PEC dos Precatórios por impor limite ao pagamento de dívidas de professores e da educação e pela liberação de recursos para serem aplicados por critério do relator do Orçamento.

A líder do Psol, deputada Taliria Petrone (Psol-RJ), também afirmou que há outras fontes de financiamento para o Auxílio Brasil. “É necessário R$ 30 bilhões para o auxílio em um espaço fiscal de R$ 100 bilhões. Não é verdade que é preciso dar calote dos precatórios para garantir um auxílio digno para os brasileiros”, disse.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) criticou a apresentação de um novo texto por meio de emenda aglutinativa. O deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP); o líder da Minoria, Marcelo Freixo (PSB-RJ); e a líder do Psol, deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), questionaram a autorização do registro de presença e de voto dos deputados em missão oficial.

As questões de ordem foram rejeitadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele destacou que as missões oficiais são autorizadas pela Câmara dos Deputados e que a emenda aglutinativa é regimental.

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Com informações da Agência Câmara de Notícias, Agência Estado e O povo.

Mais de 13 mil pessoas: Pará é o estado que mais resgatou trabalhadores escravizados em 15 anos

De 1995 até 2020, 55.712 pessoas foram encontradas em condição semelhantes à de escravidão no Brasil - Assessoria/MPT-PA/AP

O trabalho em condições semelhantes à de escravidão é crime e uma grave violação aos direitos humanos, mas permanece ocorrendo corriqueiramente em todo o Brasil. E, a cada nova operação que resgata trabalhadores em fazendas, garimpos e carvoarias, aumenta a lista de calamidades conhecidas a que o homem submete o homem por meio do método milenar de exploração pelo trabalho.

O Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas reúne dados de ações de órgãos públicos desde 1995. Daquele ano até 2020, o total de resgates foi de 55.712 pessoas trabalhando sem equipamentos adequados, sem folga semanal, tendo para beber somente a água da chuva e até dormindo ao lado de porcos e chiqueiros.

Na análise, o Pará foi o estado com mais resgates de pessoas nessa situação: 13.225 trabalhadores nos últimos 15 anos, uma média de 508 vítimas por ano. Em 2020, Minas Gerais foi o estado com maior número de resgates, com 351 casos, seguido por Distrito Federal, Pará, Goiás e a Bahia.
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As informações são do Brasil de Fato. Leia a íntegra clicando aqui.

Reinaldo, o Rei contra os Ditadores

 

Reinaldo. (FOTO/ Reprodução/ Acervo Crítico).

O jogador que encarou os generais argentinos e brasileiros e ajudou a desvendar o maior esquema de tortura da história da América do Sul

O ano era 1977, e o Atlético Mineiro tinha um time de causar inveja. Em seu elenco, o principal nome era Reinaldo, centroavante muito rápido e goleador, que foi artilheiro daquela edição do Campeonato Brasileiro.

Reinaldo comemorava gols com o braço levantado em riste, com punhos cerrados. Gesto atribuído ao símbolo internacional de luta por direitos humanos e sociais e incorporado à luta antirracista com os Panteras Negras.

Durante o ano de 1978, a pressão pela convocação de Reinaldo era reprovada pelos generais brasileiros que, na época, o consideravam de esquerda e subversivo.

No período, a seleção brasileira tinha em seu quadro de cartolas mais de 50% de membros do Exército. Porém, a pressão foi tão grande que acabaram levando o jogador.

Durante os últimos jogos da seleção em território nacional, o presidente do Brasil, General Geisel, chamou Reinaldo para uma conversa e "recomendou" que se ele fizesse gol, não se atrevesse a comemorar como sempre fazia, pois aquela comemoração era coisa de comunista.

Malas prontas, desembarque no aeroporto de Buenos Aires, a Copa do Mundo de 1978 começou na Argentina. Assim como o Brasil, o país vivia uma sangrenta Ditadura Militar, comandada pelo General Videla.

O jogo de estreia do Brasil foi contra a Suécia. Reinaldo e Zico estavam jogando muito. Reinaldo, então, fez um gol e, após segundos de hesitação, soltou o gesto dos Black Panthers.

O atleta não jogaria mais pela seleção, foi sacado e nunca mais colocado naquela Copa.

No hotel, Reinaldo recebeu um envelope com um relatório. O documento contava a história da "Operação Condor", uma cooperação entre países sul-americanos para matar e torturar possíveis inimigos do Regime, principalmente políticos. A documentação revelava que políticos importantes chilenos foram mortos pela sanguinária Ditadura de Pinochet e que a morte do ex-presidente JK, no Brasil, foi fruto da operação.

Como não entendia espanhol direito, e de posse de um documento importante, o que o jogador conseguiu entender já foi suficiente para compreender sua missão. Ele, então, procurou o amigo Gonzaguinha, que tinha contatos com movimentos sociais e instituições ligadas aos direitos humanos e entregou os documentos. Aqueles papéis foram extremamente importantes para aumentar o desgaste na imagem internacional dos generais sul-americanos e também para elucidar crimes contra a humanidade cometidos por eles.

Por fim, Reinaldo se tornou um dos maiores jogadores da história da América do Sul e não foi só pelo talento e pelo futebol, mas sim por alterar os rumos da história.

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Por Joel Paviotti, no Acervo Crítico.

Conheça Tia Simoa, mulher negra e símbolo de luta contra a escravidão no Ceará

 



(FOTO/ Reprodução).

Por Karla Alves, Colunista.

A Preta “Tia Simoa” foi uma negra liberta que, ao lado de seu marido (José Luís Napoleão) liderou os acontecimentos de 27, 30 e 31 de janeiro de 1881 em Fortaleza – Ce , episódio que ficou conhecido como a “Greve dos Jangadeiros”, onde se decretou o fim do embarque de escravizados naquele porto, definindo os rumos para a abolição da escravidão na então Província do Ceará, que se efetivaria três anos mais tarde. No entanto, apesar de sua importante participação para a mobilização popular que impulsionou os acontecimentos, esta mulher negra teve sua participação invisibilizada na história deste Estado onde, ainda hoje, persiste a falsa premissa da ausência de negros.

As mulheres negras cearenses são comumente indagadas sobre sua origem e constantemente remetidas à Bahia, principalmente se não submetem seus cabelos a processos de alisamento. Esta não aceitação de nossa identidade se deve a cruel associação do negro à condição de escravo, que no caso do estado do Ceará, teve seu processo diferenciado das principais capitanias importadoras de mão de obra escravizada devido a suas condições climáticas e geográficas, o que não significa dizer que aqui não tiveram escravos ou que não existiram negras e negros livres, a exemplo da “Tia Simoa” que, além de liberta lutou pela liberdade de seu povo, evidenciando uma expressiva característica da população negra (escravizada ou liberta) deste período que ultrapassa a visão dicotomizada entre o conformismo e a resistência, pois demonstra “uma experiência construída historicamente pela etnia negra” (FUNES) estabelecida através de sua sociabilidade, engajamento e luta inserida em seu cotidiano.

A ausência desta documentação histórica se repete no tocante as demais lideranças negras que atuaram no restante do país como Luíza Mahin (Ba), Mariana Crioula (Rj), Tereza de Benguela (Mt) dentre tantas outras que poderiam figurar na lista de resistência e resiliência negra feminina mas que são invisíveis na historiografia oficial do país, bem como na história do feminismo brasileiro que desconhece o extenso histórico de enfrentamento político e social da mulher negra no Brasil. A omissão desta representação na história oficial perpetra o imaginário social e destina, controla e manipula a subjetividade desse contingente significativo de mulheres no Ceará, assim como no restante do Brasil que, além de não veem suas demandas específicas inseridas no debate sobre feminismo também não se percebem nos principais embates simbólicos travados no bojo dessa importante organização política.

Atrelando o conceito de gênero ao de “raça”, onde ambos descartam o discurso biologizante das diferenças para se deterem ao campo semântico do conceito abreviado de “mulher negra”, devemos considerar que este é, sobretudo, um conceito determinado pela estrutura da sociedade e pelas relações de poder que a conduzem. Dessa forma, conhecer a história de Simoa, mulher negra cuja história está submersa entre os escombros da memória é, pois, estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social historicamente invisibilizado no estado do Ceará. Ao sabermos da influencia que as representações históricas exercem na organização social poderemos compreender de que forma o discurso, inserido no pensamento social, contribui para a construção das relações que se estabelecem neste meio.

Ao eleger os sujeitos de uma representação histórica, estamos exercendo o que Bourdieu chama de “poder simbólico” (2006, p.14), pois estamos nomeando um objeto constituído na enunciação. Compreendendo o discurso como campo de exercício deste poder e, portanto, como instrumento de dominação, ele assim se efetua ao tomar reconhecimento e se concretiza ao tornar-se uma representação social ideologicamente estruturada, vindo a contribuir significativamente para a construção da realidade.

Com isso quero dizer que, ao buscar conhecer a estrutura socioeconômica dos responsáveis pela produção e reprodução deste discurso, podemos entender como se formaram as configurações ideológicas acerca da imagem da população negra no Ceará, sobretudo no discurso do período pós-abolição, onde se elegeu os sujeitos para representarem o movimento abolicionista ao mesmo tempo em que sepultava a memória dos “atores” esquecidos. É por meio do poder simbólico que a historiografia oficial tende a forjar a “não presença” de negras e negros no estado do Ceará e, assim, a naturalizar essa invisibilidade por meio da reprodução deste discurso no âmbito educacional perpetrando o imaginário social.

É, portanto, percorrendo o itinerário oposto que buscamos desvendar os elementos para compor nossa representação histórica a partir do protagonismo de mulheres negras que tiveram sua participação omitida nos discursos sobre a série de ações de resistência e de enfrentamento à escravidão, como no caso do movimento abolicionista no Ceará que resultou em uma abolição pioneira no Brasil e que este mês completa 130 anos, nos levando, mais uma vez, a refletir sobre os desdobramentos deste processo no bojo dos discursos que se sucederam. Da mesma forma, a omissão sobre o protagonismo de mulheres negras ao longo da história do Brasil se reproduz no tocante a história oficial do feminismo brasileiro.

Ao voltar o olhar para o feminismo brasileiro percebemos as profundas desigualdades que se reproduzem em suas contradições internas, principalmente quando visto a partir da dimensão racial, ao desconhecer e desconsiderar o duro processo de aprendizagem em busca da construção da identidade da mulher negra. É necessário, portanto, avançar diante destas e outras contradições específicas através de um denso questionamento da lógica estrutural da sociedade, onde estará presente o racismo.

É neste sentido que buscamos reescrever nossa história, para que possamos nos reconhecer como sujeitos em nosso próprio discurso e, assim, fortalecer os laços de nossa identidade através da organização coletiva. Pouco sabemos sobre a vida da Preta “Tia Simoa”, que de forma quase que despercebida passa as vistas dos historiadores, constando apenas um minúsculo relato sobre sua participação na Greve dos Jangadeiros de janeiro de 1881 (GIRÂO, 1984, p.104), o que demonstra a dívida histórica deste país para conosco.

Contudo, Simoa representa para nós uma visão alternativa de mundo ao mesmo tempo em que propõe para todos novas discussões acerca das estruturas sociais tradicionais, nos permitindo a reconfiguração de uma realidade social. Em nome dela, saudamos a todas as negras invisíveis na história e nos fortalecemos no eco de suas vozes silenciadas para dizer que aqui estamos e que daqui, do Ceará, falamos em inúmeras primeiras pessoas e dizemos que ainda há muito que se contar. Nossa história apenas começou.

Ataques contra o filme ‘Marighella’ são racistas, diz seu Jorge

 

Seu Jorge (à esq) e Wagner Moura, o diretor do filme.  (FOTO/ Reprodução/ Notícia Preta). 

O ator e cantor Seu Jorge foi criticado nas redes sociais por ser supostamente retinto demais para interpretar o papel do guerrilheiro Marighella no filme de Wagner Moura. As críticas surpreenderam Seu Jorge e, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o artista disse ver racismo nas raízes da controvérsia.

Eu convivo com isso desde criança, nunca foi diferente. O que hoje é diferente é a possibilidade de representatividade. Um dos acertos desse filme é justamente devolver a origem de Carlos Marighella, um personagem que sofreu não só um apagamento, mas também um embranquecimento, como muitos outros da nossa história”, afirma.

É um processo de eugenização dizer que ele não era preto. Os avós dele foram escravos, sabe, a questão é que ele nunca esteve nessa condição de homem negro que se cala.”

A situação é consequência de um país que ainda hoje não sabe ao certo como lidar com seu histórico racista, acredita. Não ajuda também o fato de Sérgio Camargo ocupar a presidência da Fundação Palmares, numa gestão que Seu Jorge julga ser “contraproducente, um desserviço”. “É lamentável a postura desse senhor, que eu não conheço e também não reconheço como um líder com capacidade de nos orientar no caminho do progresso.”

Após dois anos da estreia mundial no Festival de Berlim, o longa “Marighella” será finalmente lançado no Brasil no dia 4 de novembro.

É inacreditável que o filme só vá estrear agora. Em Berlim, foi aplaudido de pé por dez minutos; Seu Jorge [que interpreta Marighella] já ganhou prêmios na Itália e na Índia. Mas é um filme feito para o Brasil. A primeira estreia foi cancelada pela Censura. Os pedidos que a O2 [produtora] fez à Ancine eram absolutamente normais, negados assustosamente numa época em que Bolsonaro atacava o cinema nacional“, declarou o diretor do filme, Wagner Moura, ao jornal O Globo.

Gravado na Bahia, em São Paulo e no Rio de Janeiro, o longa-metragem é baseado no livro “Marighella o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, do jornalista e escritor Mario Magalhães, e mostra os últimos anos de vida do guerrilheiro, morto em uma emboscada em 1969.

Com informações do Notícia Preta.

Jornalista que cobre o G20 relata a situação deprimente de Bolsonaro no evento

 

(FOTO/ Twitter/ Reprodução).

O jornalista Jamil Chade, do portal UOL, que cobre o encontro do G20, em Roma, na Itália, publicou um relato com as impressões sobre a presença de Jair Bolsonaro no evento que reúne líderes responsáveis por 80% da economia mundial. Para o correspondente, desde o primeiro minuto, o ocupante do Palácio do Planalto parecia desconfortável e totalmente deslocado.

Na antessala destinada a abrigar líderes mundiais, cercada de guarda-costas e veículos militares blindados que fazem a segurança do evento, autoridades como a alemã Angela Merkel, o francês Emmanuel Macron, o português Antônio Guterres, secretário-geral da ONU, e a holandesa Ursula van der Leyen, presidente da Comissão Europeia, tratam de assuntos de Estado, em tom característico, enquanto Jair Bolsonaro se mantém isolado e ignorado num canto.

Tentando se entrosar, pergunta a garçons e organizadores se “são todos italianos ali”. Os empregados, preocupados em manter o foco no emprego, apenas fazem um sinal com a cabeça. As investidas inconvenientes e desconexas seguem e se amplificam. Bolsonaro, agora em tom mais alto, faz piada com a distante final da Copa de 70, entre Brasil e Itália. Ninguém entende e o radical de extrema direita segue em seu isolamento.

Chade relata ainda que, com a aproximação de um guarda-costas da conferência, presumivelmente um agente de segurança do governo italiano, Bolsonaro olha para o homem, trajado de terno e com o semblante sem expressão típico, e diz: “máfia”.

Um vexame. Quem conhece a história e as mazelas italianas das últimas décadas sabe que o crime organizado é uma das chagas do país, onde quadrilhas altamente sofisticadas operam em vários ramos, sobretudo no tráfico de drogas, colocando a nação peninsular na desconfortável posição de uma das principais portas de entrada de entorpecentes da comunidade europeia.

A comitiva brasileira, formada por ministros e diplomatas, resolve agir. Saem com chefe de Estado brasileiro em busca de interlocutores. Um dos abordados, como já noticiado, é Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia. A conversa entre os dois é recheada de mentiras por parte de Bolsonaro, que falou sobre a “forte recuperação econômica brasileira” e a “alta popularidade”, num país em que 58% da população consideram seu governo ruim ou péssimo.

Numa síntese, o jornalista do UOL afirma que nas cimeiras internacionais onde Bolsonaro está presente nos últimos três anos, apenas seus ministros o cercam, enquanto líderes mundiais o ignoram totalmente.

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Com informações da Revista Fórum.