Você conhece o Filme “A Educação Proibida”?



"A Educação Proibida” (título origianal La Educación Prohibida) é um documentário de 2012 que discute a educação normatizada e os valores que sustentam o sistema de ensino tradicional.

O filme é um projeto realizado por jovens alunos que passaram a questionar a maneira que as pessoas são preparadas para viver em um mundo “adulto”.


Imagem capturada do vídeo no youtube que está disponível no fim deste post. 
Em uma pesquisa que cobre 8 países e com mais de 90 educadores entrevistados, A educação Proibida é eficiente ao passar um imenso panorama da atual situação do ensino a qual tem conservado comportamentos de competição, rivalidade e a super valorização do lucro.

Estruturado em cenas ficcionais e as entrevistas com educadores, o documentário desvenda as bases do nosso ensino “Prussiano”, originado do padrão militar de educação da Prússia, no século 18, que doutrina crianças e jovens a viver no sistema vigente, treinadas a “guerrear”.

Na contramão desse ensino engessado que vivemos, A Educação Proibida mostra as possibilidades de uma nova escola, livre, que respeita o processo de aprendizagem, o ensino prático, a integração, e a construção própria do mundo pelos alunos, em que a escola oferece ferramentas para que esses futuros adultos possam construir suas próprias opiniões e visões sobre a sociedade, sem doutriná-los a aceitar tecnicamente valores e costumes sociais instituídos.

Nessa nova escola, proibida porque vai contra interesses dominantes, a postura do professor também deve mudar. O documentário mostra como a hierarquização vivenciada hoje através do medo e sentimento de inferioridade do aluno não ajuda no aprendizado, mas o desinteressa pela busca do conhecimento. A Educação Proibida é clara: entre a figura do educador e seus alunos o respeito e a troca de ideias formarão uma nova via de comunicação e uma sociedade mais justa e menos autoritária.

O filme foi financiado coletivamente graças a centenas de co-produtores e tem licenças livres que permitem e incentivam sua cópia e reprodução, por isso não deixe de assistir:
  
           

Resenha feita por Amanda Pupo, no NCEP

Ao invés de lutarmos pela construção de prédios escolares decentes, reivindicamos presídios


Em fevereiro de 1909, o poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti lançava o Manifesto Futurista, onde, entre outras sandices, pregava: “Queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo -, o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias pelas quais se morre e o desprezo da mulher”. Cinco anos depois, estourava a I Guerra Mundial e, após um interregno de apenas 21 anos, o mundo inteiro se envolveria na II Guerra Mundial, que deixaram, juntas, um saldo de 34 milhões de soldados, 65 milhões de civis mortos e 56 milhões de feridos. Marinetti ofereceu à política as bases estéticas e à arte as bases ideológicas do fascismo, que, nascido na Itália, se espraiaria pelos cinco continentes alcançando até os dias de hoje.

No Brasil contemporâneo, o pensamento fascista prolifera em terreno fértil. Os recentes massacres nas penitenciárias de Manaus (AM) e Boa Vista (RR) possibilitaram vir à tona comentários nas redes sociais que demonstram o fascínio do homem comum pela “violência arrebatadora” que inspirou Marinetti. O secretário nacional da Juventude, Bruno Júlio, declarou: “Eu sou meio coxinha sobre isso. Tinha que matar mais. Tinha que fazer uma chacina por semana”. Bruno Júlio, filho do ex-deputado federal e atual deputado estadual por Minas Gerais, Cabo Júlio (PMDB), perdeu o emprego pelo comentário absurdo. O pai, cabo da Polícia Militar, condenado em segunda instância por improbidade administrativa a 10 anos de inelegibilidade, é conhecido pelos rompantes, o mais recente por ter chamado a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) de “vaca” em sessão plenária.

Outro que fez questão de proferir sua opinião foi o deputado federal Major Olímpio (SD-SP), que no Facebook desafiou os presos do Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, a cometer massacres que superassem os do Amazonas e Roraima. O deputado, major da Polícia Militar, escreveu: “Placar dos presídios: Manaus 56 x 30 Roraima. Vamos lá, Bangu! Vocês podem fazer melhor!” Em qualquer país sério do mundo, Major Olímpio perderia seu mandato por quebra do decoro parlamentar e ainda seria processado por incitação ao ódio e à violência - mas não aqui neste canto acanhado do mundo.

O Major Olímpio segue a tradição do pensamento de ultradireita que vem prevalecendo no Congresso Nacional. Em 17 de abril do ano passado, ao declarar seu voto favorável à admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o deputado federal e ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro, homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notório torturador da época da ditadura militar. Apesar de a tortura ser considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como crime contra a humanidade, somente em junho, dois meses depois do episódio, e após pressão da sociedade, a Câmara dos Deputados resolveu abrir processo no Conselho de Ética contra Bolsonaro, e até hoje o caso se arrasta. Em maio de 1999, o deputado, em entrevista à televisão, já havia dito claramente ser favorável à tortura e à guerra civil como única solução para os problemas do Brasil.

Major Olímpio, dono de 179 mil votos, justificou seu ponto de vista no Facebook afirmando que seu papel de legislador é “manifestar o pensamento da sociedade”: “Antes eles se matem sozinhos do que matem a população”. A grande tragédia é que o Major Olímpio está certo. Ele, Bruno Júlio e Bolsonaro, o deputado mais votado do Rio de Janeiro com 464 mil votos, realmente representam o pensamento médio da população. Uma pesquisa, realizada em outubro de 2011 pelo Ibope para a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), mostrava que 46% dos brasileiros era favorável à pena de morte, 79% defendiam penas mais rigorosas para os criminosos e 86% pediam a diminuição da idade penal. Em outra pesquisa, no ano passado, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Datafolha revela que 57% dos entrevistados concorda com a frase “bandido bom é bandido morto”.

O Brasil vem se tornando dia a dia mais e mais um país fascista. Ao invés de lutarmos pela construção de prédios escolares decentes, reivindicamos presídios; no lugar de exigirmos um sistema educacional de qualidade, pedimos mais policiamento; ao invés de ruas seguras, aspiramos condomínios invioláveis. Mas, vale a pena lembrar, pelas palavras do poeta Affonso Romano de Sant’Anna: “Uma coisa é um país / outra um ajuntamento. // Uma coisa é um país / outra um regimento. // Uma coisa é um país / outra o confinamento”.

Jair Bolsonaro. Foto: André Cruz/Agência Brasil.



"O Brasil ainda é extremamente colonial", diz escritora Grada Kilomba



Grada Kilomba, 48, nasceu em Portugal, cresceu em São Tomé e Príncipe (uma das ex-colônias portuguesas na África) e viaja o mundo apresentando seus trabalhos – videoinstalações, performances e produções literárias – que versam fundamentalmente sobre racismo e memória. No Brasil, onde integrou a 32ª edição da  Bienal de São Paulo, encerrada em dezembro último, apresentou a série de vídeos do seu “Projeto Desejo” e diz ter encontrado “um país fraturado”. “Há uma história de privilégios, escravatura e colonialismo expressa de maneira muito forte na realidade cotidiana”, explica.

E é espantoso ver a naturalidade com que os brasileiros conseguem lidar com isso”. Escritora, performer e professora da Universidade Humboldt – a mais antiga e uma das mais tradicionais de Berlim, onde vive atualmente –, Kilomba é autora dos livros Plantations memories – episodes of everyday racism (2008), onde conta suas histórias pessoais como mulher e negra, e Performing knowledge (2016), no qual trata da necessidade de “descolonizar os pensamentos”. “Muitas vezes, nos dizem que nós somos discriminados porque somos diferentes. Isso é um mito. Não sou discriminada por ser diferente, mas me torno diferente justamente pela discriminação que sofro”. Nesta entrevista à Muito, concedida durante a residência artística que realiza  no Instituto Cultural Brasil-Alemanha (Icba), ela fala sobre racismo e outros “ismos” que marcam o mundo contemporâneo: “O branco não é uma cor. O branco é uma definição política que representa os privilégios históricos, políticos e sociais de um determinado grupo. Um grupo que tem acesso à estruturas e instituições dominantes da sociedade. Branquitude representa a realidade e a história de um determinado grupo”.

Na Bienal de São Paulo, a senhora apresentou o Desire Project [Projeto Desejo], uma série de vídeos que indicam a presença de um sujeito sem voz, que é silenciado pela história. Vivemos num momento em que esse silêncio já foi quebrado?

Esse silêncio tem sido quebrado pontualmente. Mas não existe realmente uma linha contínua. Ele é quebrado por pensadores, por intelectuais e por artistas, que são exceções. A palavra que batiza o projeto – desejo –  vem de uma vontade de expressar o que ainda não é expressado: o que nós queremos e o que é, de fato, importante para nós. Os sujeitos historicamente silenciados, como os negros, as mulheres e os gays, estão muito treinados a dizer o que não querem. Somos contra o racimo, o sexismo e a homofobia. Mas é muito importante também  criar novas agendas, criar novos discursos. Como não nos perguntam o que nós desejamos, isso precisa ser colocado por nós. Qual é o caminho que eu quero seguir? Qual é o vocabulário que eu quero usar? Como eu quero me tornar visível? Como eu quero contar a minha história? Parte do processo de descolonização é se fazer essas questões. E isso integra um processo de humanização, porque o racismo, por exemplo, não nos permite ser humanos. O racismo nos coloca fora da condição humana, e isso é muito violento.

A senhora mora e trabalha, hoje, em Berlim, na Alemanha. Considera que a tomada de consciência de sua identidade negra é maior numa cidade predominantemente branca?

Berlim é uma cidade que não é bonita esteticamente, comparada a Paris ou Lisboa, mas é uma cidade que te leva à reflexão e ao pensamento. Isso me permitiu focar no que sou e em como quero construir o meu trabalho. Talvez em outra cidade, em outro contexto, isso não acontecesse ou fosse algo retardado. Escrevo e falo como uma mulher e artista negra. Mas, por outro lado, Berlim é uma cidade cosmopolita e eu estou em contato com tantas pessoas diferentes, de movimentos politizados distintos, que isso cria um outro discurso em mim. Eu acabo não tão focada em ser mulher e negra, embora isso faça parte da minha identidade.

Países sem passado escravocrata, como Alemanha, são identificados como territórios mais tolerantes diante da questão negra. Percebe dessa forma?

Não. A questão racial é um problema, mesmo na Alemanha, que não teve em seu território o regime escravocrata. Mas a Alemanha colonizou muitos países e tem também um passado escravocrata muito brutal. Mas essa história foi silenciada por muito tempo. O primeiro genocídio do século 20 aconteceu na Namíbia e foi realizado pela Alemanha [entre 1904 e 1908]. Mais de 100 anos depois do início da tentativa de extermínio das tribos Herero e Nama é que o governo reconheceu, oficialmente, que o país havia cometido um genocídio e fez as compensações devidas. Na Namíbia, por exemplo, os descendentes dos sobreviventes tiveram que decidir o que fazer com os crânios de parentes que haviam sido enviados a Berlim para experiências científicas. A questão é que a história colonial alemã é muito mal documentada. Mas todo o genocídio, a exploração e a violência que está por trás de um processo colonial está, também, na Alemanha. Só muito recentemente é o que país parece ter se dedicado a enfrentar essa questão. Primeiro, na forma de dor. Depois, na forma de vergonha. E isso tem permitido uma reflexão.
No Brasil, há o mito da democracia racial e uma política de eufemismos. Em sua opinião, como podemos enfrentar o racismo nessa situação?

Penso que a história colonial é uma ferida muito profunda, muito infectada, que de vez em quando sangra. E só quando ela sangra é que nós vamos lá e fazemos um curativo. Não há um tratamento contínuo dessa ferida. E a história colonial já tem 500 anos. O racismo, no Brasil, é muito presente. O Brasil é extremamente colonial. Existe toda uma estrutura colonial arraigada neste país. A arquitetura é um exemplo disso. Há uma porta da frente e uma porta dos fundos. Isso eu só vi aqui no Brasil. E as portas do fundo e as da frente possuem sujeitos diferentes. E essa arquitetura não foi construída no século 19, mas nos anos 1980, 1990. E aqui há um senhor que abre a porta, um senhor que conduz o carro, uma senhora que limpa... Estes são serviços completamente coloniais. Como é possível ter tantos corpos negros prestando serviços dentro de uma estrutura assim? O branco de hoje não é mais o responsável pela escravidão, mas ele tem a responsabilidade de equilibrar a sociedade em que vive. Ninguém escapa do passado.

A senhora já disse certa vez que uma das grandes fantasias das pessoas brancas é poder escapar da sua branquitude...

É que o branco não é uma cor. O branco é uma definição política que representa os privilégios históricos, políticos e sociais de um determinado grupo. Um grupo que tem acesso à estruturas e instituições dominantes da sociedade. A branquitude representa a realidade e a história de um determinado grupo. Quando falamos sobre o que significa ser branco, falamos de política e não de biologia. É curioso quando as pessoas  falam em “racismo reverso”, porque as pessoas que excluem, que dominam e que oprimem não podem ser, ao mesmo tempo, vítimas dessa opressão. Mas elas, certamente, desenvolvem um sentimento de culpa em relação a isso. O que muitas vezes acontece é que, como o sentimento de culpa é tão avassalador, o agressor passa à vítima e transforma a vítima em seu agressor. Isso permite que o agressor se liberte da ansiedade que o seu próprio racismo provoca. Uma pessoa negra jamais teria esta escolha. Sob esse aspecto, penso que  é impossível escapar da branquitude e daquilo que ela realmente representa.

Como transformar essa culpa que você menciona em algo produtivo?

Trabalhar o próprio racismo é um processo psicológico e não tem nada a ver com moralidade. As pessoas brancas muitas vezes perguntam: ‘Sou racista?’. Essa é uma questão moral, que não é realmente produtiva, porque a resposta será sempre: ‘Sim’. Temos que entender que somos educados a pensar em estruturas coloniais e racistas. A pergunta deveria ser: “Como eu posso desconstruir meu próprio racismo?”. Essa seria uma questão produtiva, que já se opõe à negação e inicia um processo psicológico. A questão, hoje, não é se livrar da branquitude, mas conseguir se posicionar novamente dentro dessa branquitude. Tem a ver com a forma como uma pessoa que tem acesso ao poder utiliza esse poder para criar uma nova agenda e recontar a história. Nós não podemos fugir da história que nós temos, mas podemos nos posicionar com um novo olhar.

Quando Barack Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos, a senhora escreveu sobre a importância de termos  pessoas negras no poder, criando imagens positivas para outras pessoas negras. Como vê a ascensão de Donald Trump e da extrema direita europeia?

Às vezes tenho a impressão de que vivemos numa atemporalidade, em que  o passado está sempre no presente. Nós vivemos no presente, mas o passado está sempre sendo construído. E a mudança parece algo muito pontual. O caso de Obama, sucedido por Trump, é um exemplo disso. A estrutura na qual a sociedade se forma é conservadora. O mundo vive um dilema com as três dimensões do tempo: o passado, o presente e o futuro, sem parecer, de fato, alcançar esse futuro. Há um mês, fiz um trabalho chamado “Ilusões”, em que reencenei o mito de Narciso (castigado a só conseguir amar a si próprio) e de Eco (castigada a viver repetindo o que os outros diziam), fazendo um paralelo desses mitos com nossa sociedade contemporânea – que é narcisista, branca e patriarcal. Há uma repetição infinita dessa imagem colonial, branca, patriarcal, que parece apaixonada por si mesma e obstinada a idealizar a si mesma, e que não vê mais nada diante de si, a não ser sua própria representação. É uma representação onde as outras pessoas simplesmente não existem. Donald Trump foi apoiado por boa parte do eleitorado feminino. Um eleitorado que ele explicitamente insulta. Nós somos leais ao passado, à figuras paternas e discriminatórias. Nós apoiamos figuras que excluem. Uma parceria entre Eco e Narciso que não é quebrada.

Em muitos trabalhos, a senhora alerta para o risco de ver as coisas de um único ponto de vista, mais precisamente sob o estereótipo branco dominante. A globalização e a tecnologia lançaram a promessa de ajudar a combater essa visão única. Acredita que isso tem acontecido?

Em parte. A tecnologia nos deu opções e acesso a histórias diversas. Se alguém quiser, hoje mesmo, poderá ler os jornais da África do Sul. Mas, ao mesmo tempo, a tecnologia também lhe permite assinar apenas as notícias do seu bairro, da sua rua, por exemplo, e isso é tudo o que chegará. A tecnologia, portanto, não resolveu de fato o problema. O filtro-bolha e esse isolamento de grupos que pensam diferente, muito presente nas redes sociais, são consequências de nossa aprovação para notícias e opiniões que reforcem apenas as nossas crenças preexistentes. Consumir informações que confirmem nossas ideias de mundo é simples e até mesmo  prazeroso. Mas consumir informações que nos desafiem a pensar novas formas ou a enfrentar as  nossas arrogâncias é frustrante e muito difícil.

No livro Plantation Memories – Episodes of everyday racism a senhora não aborda o racismo do ponto de vista político ou histórico, mas do ponto de vista pessoal, quase psicológico. Por que a opção?

Quando eu decidi escrever, eu quis fazer um livro que eu nunca tinha lido. Nunca se falam das pessoas e o que o racismo faz com elas. Quando falamos sobre racismo, geralmente adotamos uma perspectiva que é macropolítica. Realidades, pensamentos, sentimentos e experiências das pessoas negras são ignorados. Isso é exatamente o que eu queria ter no centro deste livro, o nosso mundo subjetivo. Quando escrevi Plantations Memories, eu estava interessada em olhar para as minhas feridas e para as feridas de muita gente. Dar ênfase a uma dimensão traumática do racismo, a uma violência diária que reencena um trauma colonial e que nos emudece. Para mim, era muito importante coletar histórias do dia a dia, que ninguém parece levar a sério, mas que são violentas e que levam ao silêncio.

Um futuro sem racismo é possível?


Não agora. Não sem racismo e sem outros “ismos”. Porque nós somos educados diariamente a pensar de forma dominante. O fato de Obama ser presidente não significou que o racismo tenha terminado, e o fato de Angela Merkel ser chanceler não significa que chegamos ao fim do sexismo. Mas antes de pensar num mundo sem “ismos”, a gente precisa pensar como é possível desconstruí-los. Como, por exemplo, é possível quebrar a cadeia de racismo que nos acompanha diariamente. É sempre uma questão ligada à realidade e ao agora.


Apresentadora de TV defende que índios não tenham acesso a remédios e morram de malária


Um vídeo divulgado pelo De Olho nos Ruralistas mostra o incômodo que uma parcela da sociedade e alguns setores da imprensa vêm sentido com o tema do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense (RJ) deste ano: “Xingu, o Clamor que Vem da Floresta!”. A música da escola de samba carioca enaltece a luta dos índios para resistir ao avanço do agronegócio, em especial na região do Xingu, conforme apurou o portal Fórum.

Imagem capturada do vídeo.
Na abertura do programa “Sucesso no Campo”, da Record de Goiás, no último domingo (8), a apresentadora Fabélia Oliveira expressa toda a sua indignação com o tema, desafiando os compositores e defendendo os latifundiários, pecuaristas e produtores rurais em geral, a quem ela se refere como “homem do campo” e “heróis”.

Que conhecimento eles têm para falar do homem do campo?”, indaga. Oliveira ainda vai além no discurso e começa a atacar os índios – exceto os “originais” – que, para ela, não deveriam ter acesso a remédios e morrer de malária ou tétano. [Assista ao vídeo no final da nota].

Não foi só na imprensa que o samba da Imperatriz gerou revolta. Há poucos dias, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu divulgou uma nota de repúdio à composição. O presidente da entidade, que assina o texto, chega a afirmar que “antes de mais nada, é preciso esclarecer e reforçar que o país do samba é sustentado pela pecuária e pela agricultura”.

Veja o vídeo abaixo


          

Nova Olinda, na região do cariri, registrou chuva de granizo nesta terça (10)


A cidade de Nova Olinda, no interior do Ceará, registrou chuva de granizo no início da noite desta terça-feira (10). O mesmo fenômeno havia ocorrido há sete dias após na zona rural de Sobral, na Região Norte do Ceará.

O granizo em Nova Olinda ocorreu na região dos bairros Vila Alta e Triunfo. A chuva na cidade foi de seis milímetros, de acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

Segundo o meteorologista da Funceme Raul Fritz, houve uma linha de instabilidade devido à influência da zona de convergência intertropical (ZCIT), que gerou a formação das nuvens que propiciam a chuva.

"Normalmente essa linha se forma à tarde, se desenvolve durante algumas horas e depois se dissipa. É uma linha de instabilidade que acompanha todo o litoral e é mais frequente no mês de fevereiro", explica.

A previsão da Funceme para esta quarta-feira (11) é de nebulosidade variável com chuva em todo o estado ao longo do dia. Na quinta (12), entre a madrugada e manhã, há possibilidade de chuvas isoladas no centro-norte do estado. Céu parcialmente nublado nas demais regiões ao longo do dia.

Foto: reprodução whatsApp. Crédito: Blog da Profº Lucélia Muniz


Fifa aprova nova forma de Copa do Mundo a partir de 2026



O Conselho da Fifa (Federação Internacional de Futebol) decidiu hoje (10), em Zurique, na Suíça, que a Copa do Mundo terá seu número de participantes ampliado de 32 para 48 a partir da edição de 2026, ainda sem sede definida.
Da RBA

A mudança foi aprovada pelo comitê em uma votação realizada na sede da entidade, um dia após a premiação que consagrou Cristiano Ronaldo como melhor jogador do planeta em 2016.

A ampliação era uma promessa do presidente da Fifa, Gianni Infantino. Segundo o cartola, há um apoio "unânime" para inflar a Copa do Mundo, que desde 1998 é disputada por 32 equipes.

A partir de 2026, o torneio terá o formato de 16 grupos com três equipes cada, provavelmente com as duas melhores avançando para o mata-mata (jogos eliminatórios). Com esse modelo, serão 80 partidas, 25% a mais que as atuais 64.

O objetivo da Fifa seria turbinar a arrecadação com direitos televisivos e cotas publicitárias, já que a entidade teria a oportunidade de vender o torneio em mais mercados, embora a participação de um terço das seleções se restrinja a dois jogos.

A medida foi duramente criticada por sindicatos de jogadores europeus, que afirmam que os atletas serão "sacrificados" fisicamente para competir, e por personalidades mundiais, como Pep Guardiola e Joachim Löw. Todos apontam, além do cansaço, a queda da qualidade da competição.

A Fifa, no entanto, espera arrecadar quase US$ 1 bilhão a mais com cotas de televisão, uma alta de 20% no seu lucro com o setor.


Torneio terá formato de 16 grupos com 3 equipes cada na primeira fase e total de 80 partidas.

Bauman: Um dos grandes pensadores da modernidade falece aos 91 anos


Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, morreu nesta segunda-feira, aos 91 anos, em Leeds, na Inglaterra, onde vivia há anos, segundo informou o jornal de seu país de origem, Gazeta Wyborzca. Era considerado um dos intelectuais mais importantes do século XX, tendo se mantido ativo e trabalhando até os últimos momentos de sua vida.


O sociólogo nasceu na Polônia (Poznan, 1925) e era criança quando sua família, judia, fugiu do país e do nazismo para a União Soviética. Embora tenha retornado à Polônia anos depois, onde foi professor da universidade de Varsóvia, foi destituído do posto e expulso do Partido Comunista após ter suas obras censuradas. Em 1968, finalmente deixou o país, motivado pelas perseguições antissemitas que sofrera em decorrência da guerra árabe-israelense. Renunciou à sua nacionalidade, emigrou a Tel Aviv e se instalou, depois, na Universidade de Leeds (Inglaterra), onde desenvolveu a maior parte de sua carreira.

Bauman era criador do conceito de "modernidade líquida", – uma etapa na qual tudo que era sólido se liquidificou, e em que “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso”.

O filósofo deu aula em universidades dos Estados Unidos, Austrália e Canadá, sendo professor emérito de sociologia da Universidade de Leeds, onde trilhou a maior parte de sua carreira. Sua obra, que começa nos anos cinquenta, foi reconhecida com prêmios como o Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades em 2010, que obteve juntamente com o colega Alan Touraine.

As teorias de Bauman exerceram grande influência nos movimentos antiglobalização. Seus ensaios alcançaram fama internacional nos anos oitenta, com títulos como Modernidade e Holocausto (1989), em que define o extermínio dos judeus pelos nazistas como um fenômeno relacionado ao desenvolvimento da modernidade. Em sua última entrevista concedida ao EL PAÍS, Bauman fez uma dura crítica às redes sociais: "As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha".

Entre suas obras mais significativas, destacam-se Modernidade Líquida (2000), em que afirmava que o capitalismo globalizado estava acabando com a solidez da sociedade industrial; Amor Líquido (2005); e Vida Líquida (2006). Além disso, é autor de títulos como A Cultura Como Praxis (1973, sem tradução no Brasil), O Mal-Estar da Pós-Modernidade (1997), A Globalização: As Consequências Humanas (1998), Em Busca da Política (1999), A Sociedade Individualizada (2001) e Vidas Desperdiçadas (2005).


Entre seus trabalhos publicados em português, também encontram-se Medo Líquido (2006), A Arte da Vida (2008), Desafios do Mundo Moderno (2015) e A Riqueza de Poucos Beneficia Todos Nós? (2015).


O mundo caminha para rupturas, diz Boaventura de Sousa Santos


Pouca gente no planeta observa a geopolítica mundial com a lucidez de Boaventura de Sousa Santos. Catedrático aposentado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal, e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, Boaventura é também profundo conhecedor da realidade do Brasil, onde passou a ser mais conhecido no início deste século, ao organizar e participar de edições do Fórum Social Mundial, e onde esteve recentemente para lançar seu novo livro, A Difícil Democracia (Editora Boitempo).
Da RBA

Ao analisar o complexo cenário político e econômico global, o professor considera incompatível a coexistência entre a democracia e as modernas sociedades capitalistas. Para ele, a democracia, limitada ao nível do sistema político, sempre sucumbe, na prática, aos três modos de dominação de classes: capitalismo, colonialismo e patriarcado. O resultado, com alguma variação de tons aqui e ali, é a prevalência de um fascismo social. Tome-se o caso brasileiro no qual, segundo Boaventura, a democracia tinha mais intensidade antes do “golpe parlamentar-midiático-judicial” do que tem agora. Agora, a simples composição do governo mostra como a democracia está mais capitalista, colonialista e patriarcal. E o que tem o fascismo social a ver com isso?

Sua definição das situações em que o fenômeno ocorre soará familiar: quando uma família tem comida para dar aos filhos hoje mas não sabe se a terá amanhã; quando um trabalhador desempregado se vê obrigado a aceitar as condições ilegais que o patrão impõe; quando uma mulher é violada a caminho de casa ou é assassinada em casa pelo companheiro; quando povos indígenas são expulsos de suas terras ou assassinados impunemente por capangas a serviço de latifundiários; quando jovens negros são vítimas de racismo e de brutalidade policial nas periferias das cidades.

Em todos estes casos, as vítimas são formalmente cidadãos, mas não têm realisticamente qualquer possibilidade de invocar eficazmente direitos de cidadania a seu favor”, define o professor. As vítimas de fascismo social, portanto, não são consideradas plenamente humanas, como ele resume. Boaventura vê ainda nos planos do atual governo um potencial devastador, de definhamento da democracia e de um aumento brutal do fascismo social. Confira entrevista para a Revista do Brasil, disponível apenas no site.

É possível funcionar uma democracia plena em um sistema capitalista globalizado, neoliberal e com mídia oligopolizada?

Nas sociedades capitalistas em que vivemos e que, aliás, além de serem capitalistas, são colonialistas e patriarcais, não é possível democracia plena porque ela só opera (e mesmo assim com muitos limites) ao nível do sistema político, enquanto as relações sociais diretamente decorrentes dos três modos de dominação (capitalismo, colonialismo e patriarcado. Ou seja, as relações patrão/trabalhador, branco/negro ou indígena, homem/mulher) só muito marginalmente podem ser democratizadas a partir do atual sistema político. Aliás, torna-se virtualmente impossível quando o sistema político é, ele próprio, dominado por patrões, por homens e por brancos. Ao deixar um vasto campo de relações sociais por democratizar, a democracia é sempre de baixa intensidade. Mas obviamente há graus de intensidade e os graus contam muito na vida das pessoas. A democracia brasileira tinha mais intensidade antes do golpe parlamentar-midiático-judicial do que tem agora. A simples composição do governo mostra como a democracia é agora mais capitalista, colonialista e patriarcal.

O que seria a democracia do futuro? Em que ela precisa romper com a democracia que temos hoje?

A democracia que temos não tem futuro, porque as forças sociais e econômicas que atualmente a dominam e a manipulam estão possuídas de uma tal voracidade de poder que as impede de aceitar os resultados incertos do jogo democrático sempre que estes não lhes convêm. A manipulação midiática e a fraude eleitoral (constitutiva no caso dos Estados Unidos) vão acabar por retirar qualquer vestígio de credibilidade à democracia. Nessas condições, a luta pelo ideal democrático vai implicar no futuro próximo uma ruptura do mesmo calibre das revoluções da primeira metade do século 20. Esperemos que menos violenta. Será uma democracia de tipo novo que procurará garantir o máximo de autonomia do sistema político em relação aos três modos de dominação acima referidos – para o que será necessária uma Assembleia Constituinte originária – para a partir desse sistema político: a) pressionar até o limite a dominação capitalista em nome da igualdade socioeconômica por via da redistribuição da riqueza, dos direitos laborais, do acesso à terra, da tributação progressiva, do reconhecimento de outras formas de propriedade para além da privada; e b) pressionar até ao limite a dominação colonialista e patriarcal em nome do reconhecimento da igual dignidade das diferenças raciais, etnoculturais e de gênero. Ao contrário do que aconteceu até agora, as duas pressões são igualmente importantes e têm de ser simultâneas. Na medida em que tiverem êxito, as duas pressões irão deixando emergir uma outra matriz social e política que muitos chamarão socialismo, se por socialismo entendermos democracia sem fim.

E como isso seria possível?

O sistema político terá de combinar democracia representativa e participativa, o pluralismo econômico será o outro lado do pluralismo político, a ecologia será a medida do crescimento econômico e não o contrário, como acontece agora, e a educação será a prioridade das prioridades, orientada para democratizar, desmercantilizar, descolonizar e despatriarcalizar as relações sociais. As condições para ruptura são imprevisíveis e podem implicar muito sofrimento humano injusto. O importante é ter ideias para as pôr em prática quando o momento chegar e convicções para distinguir rupturas dos novos disfarces da continuidade. Até agora, as ideias de ruptura estão a vir da direita e não da esquerda, como bem ilustra a eleição de Donald Trump e o crescimento da extrema-direita na Europa. O sistema disfarça-se de antissistema para aprofundar o seu domínio e a sua capacidade de exclusão.

No livro A Difícil Democracia, o senhor observa que temos uma democracia de baixa intensidade e que “vivemos em sociedades politicamente democráticas e socialmente fascistas”. Que impactos isso causa no funcionamento da sociedade e por que chegamos nesse ponto?

As situações de fascismo social ocorrem sempre que pessoas ou grupos sociais estão à mercê das decisões unilaterais daqueles que têm poder sobre eles. Exemplos de fascismo social: quando uma família tem comida para dar aos filhos hoje, mas não sabe se a terá amanhã; quando um trabalhador desempregado se vê na contingência de ter de aceitar as condições ilegais que o patrão lhe impõe para poder sustentar a família; quando uma mulher é violada a caminho de casa ou é assassinada em casa pelo companheiro; quando os povos indígenas são expulsos das suas terras ou assassinados impunemente por capangas ao serviço dos agronegociantes e latifundiários; quando os jovens negros são vítimas de racismo e de brutalidade policial nas periferias das cidades. Em todos estes casos, estou a referir situações em que as vítimas são formalmente cidadãos mas não têm realisticamente qualquer possibilidade de invocar eficazmente direitos de cidadania a seu favor. A situação agrava-se quando se trata de imigrantes, refugiados etc. Por exemplo, a situação de trabalho escravo de milhares de imigrantes bolivianos nas fábricas de São Paulo. As vítimas de fascismo social não são consideradas plenamente humanas por quem impunemente as pode agredir ou explorar.
Mas o fascismo não tem apenas a face violenta. Tem também a face benevolente da filantropia. Na filantropia quem dá não tem dever de dar e quem recebe não tem direito de receber. Em tempos recentes, a classe alta e média alta do Brasil ressentiu muito que as empregadas domésticas ou os motoristas já não precisavam dos favores dos patrões para comprar um computador aos filhos ou fazer um curso. Ressentiam o fato de os seus subordinados se terem libertado do fascismo social. Quanto mais vasto é o número dos que vivem em fascismo social, menor é a intensidade da democracia.

O senhor classifica como esquerda um conjunto de teorias e práticas que resistiram ao capitalismo e à crença em um futuro pós-capitalista, mais justo, centrado na satisfação das necessidades dos indivíduos e da liberdade. O quanto a esquerda de hoje se aproxima desse conceito?

Desde a queda do Muro de Berlim a esquerda mundial perdeu a memória e a aspiração de uma sociedade pós-capitalista. Na América Latina, os movimentos indígenas vieram trazer para a agenda política, sobretudo na primeira década do século 21, uma alternativa vibrante ao socialismo, o buen vivir (sumak kawsay em quíchua, “bom viver”) dos povos andinos como matriz de desenvolvimento não capitalista. Essa nova matriz foi consagrada nas Constituições do Equador de 2008 e da Bolívia de 2009. Infelizmente, a prática política tem vindo a contradizer a Constituição. No fundo, a esquerda latino-americana foi sempre muito eurocêntrica e, por vezes, racista, sobretudo em relação aos povos indígenas e quilombolas. O problema da esquerda neste momento é não ter uma resposta progressista para crise do neoliberalismo que se avizinha. A eleição de Donald Trump e o crescimento da extrema-direita na Europa mostram que as forças de direita estão mais bem posicionadas para impor uma resposta reacionária.

Por que o senhor afirma em seu livro que Cuba se transformou em um problema para a esquerda?

Quando, na primeira década do novo milênio, se começou a discutir no continente o socialismo do século 21, algo inédito em nível mundial, muitas vozes (a minha incluída) advertiram que tal discussão só faria sentido se primeiro discutíssemos os erros do socialismo do século 20. Acontece que Cuba era um dos socialismos do século 20 e haveria de incluí-lo na crítica. Muitos companheiros acharam que tal crítica acabaria por vulnerabilizar ainda mais a corajosa luta do povo cubano ante a agressão do imperialismo norte-americano e o infame embargo. O capítulo do livro a que se refere foi escrito a partir de uma perspectiva socialista e solidária para com a luta do povo cubano. O texto foi muito bem recebido em Cuba por intelectuais que muito respeitamos, mas a publicação foi embargada por ordens superiores. Como vai a esquerda reagir se Cuba caminhar para uma solução de capitalismo de Estado à la chinesa ou à la vietnamita? Mas mais problemático ainda é como a esquerda reagirá a algo que tem vindo a querer desconhecer: como reagir ao fato de em vários países da Europa Oriental as sondagens de opinião revelarem repetidamente que a maioria da população destes países considera que vivia melhor no tempo do socialismo de Estado?

O Brasil da era Lula é citado como nova potência “benévola e inclusiva”. Quais foram os limites desse modelo? Como o Brasil pode ser classificado agora?

O Brasil de Lula foi o produto de uma conjuntura que dificilmente se repetirá nos próximos tempos. Tratou-se da alta dos preços dos recursos naturais e agrícolas impulsionada pelo desenvolvimento da China (e também por especulação). Permitiu que se realizasse uma notável diminuição da pobreza sem que os ricos deixassem de enriquecer, sem que o sistema político e a prática política fossem democratizados, sem que se fizesse reforma tributária, do sistema financeiro e dos meios de comunicação. E sem que se pusesse em causa, e antes se aprofundasse, um modelo de crescimento assentado na desindustrialização, na destruição do equilíbrio ecológico do país e na imposição de sofrimento injusto e ilegal (à luz do direito interno e internacional) aos povos indígenas, aos camponeses e às populações ribeirinhas. Todas estas omissões foram os limites do modelo do período Lula, um modelo tão brilhante nos êxitos do curto prazo, como leviano no descuidar das suas condições de sustentabilidade. O Brasil de agora é politicamente uma sociedade mais capitalista, mais colonialista e mais patriarcal do que era antes do golpe, e por isso menos democrática e com mais fascismo social.
Se o futuro da esquerda não será uma continuação linear do seu passado, como será esse futuro?

Estamos num período de bifurcação política, uma conjuntura altamente instável que pode caminhar em uma de duas direções opostas: ou o fascismo social se expande e se transforma em fascismo político; ou as forças democráticas prevalecem antecipando-se às forças de direita que se posicionam para “resolver” a crise do neoliberalismo que se avizinha – uma crise que elas próprias criaram com a colaboração ativa de alguma esquerda rendida à “evidência” do pensamento único. A esquerda só tem futuro no segundo caso, e para isso tem de se refundar numa dupla crença: os grandes empresários, os banqueiros e a mídia corporativa a serviço dele nunca aceitarão a “paz e amor” com as forças de esquerda. Quem governa à direita tem não só o controle do governo, como também o do poder social, econômico e político no seu sentido mais amplo. Quem governa à esquerda só tem o controle do governo e o tem de usar para neutralizar os outros poderes fáticos. Perante essa assimetria, governar à esquerda é sempre governar contra a corrente, com tolerância zero com a corrupção e dando prioridade à reforma do sistema político de modo a autonomizá-lo o mais possível em relação aos poderes que reproduzem a dominação capitalista, colonialista e patriarcal. Os lideres adequados a essa esquerda terão de ser muito diferentes dos atuais, centrados em ampliar e manter autônomas e ativas as organizações de cidadãos e cidadãs segundo mecanismos de democracia participativa. O poder político das forças de esquerda será tanto maior quanto mais amplamente for partilhado por quem não se considera “político”.

Há também um refluxo do neoliberalismo em toda a América Latina. Como a esquerda reagirá a esse contexto?

A esquerda latino-americana perdeu uma grande oportunidade histórica. Na primeira década do novo milênio o neoliberalismo estava na defensiva no continente devido à guerra no Iraque. Os governos de esquerda fizeram sonoras declarações contra o neoliberalismo e o imperialismo, mas não se envolveram com entusiasmo (sobretudo os países maiores como o Brasil) na implementação de políticas regionais que blindassem o continente depois da exaltante vitória da luta continental contra a ­Alca e tornassem a solidariedade regional numa prática consistente. Organizações como a Alba, Unasur, Banco do Sul foram sendo negligenciadas, tal como o próprio Mercosul.

Os erros da esquerda explicam a retomada neoliberal?

Hoje, o neoliberalismo na América Latina tem dois nomes: o imperialismo norte-americano e o imperialismo da União Europeia. A esquerda latino-americana está despreparada para combater eficazmente esse perigo para as forças progressistas. Desde que a Teologia da Libertação foi praticamente banida por papas reacionários, a esquerda deixou de saber onde moram os desgraçados, condenados, excluídos, silenciados, ressentidos do continente. E se soubesse onde moram, não saberia como falar com eles. Parafraseando um grande marxista deste continente, José Carlos Mariátegui (pensador peruano), o pecado capital da esquerda latino-americana é ter-se esquecido dos desgraçados e desgraçadas do continente, levada pela miragem da conquista de supostas classes médias que no continente sempre estiveram ao lado das oligarquias.

Quais podem ser os impactos de uma medida que limita gastos públicos por 20 anos para a democracia brasileira e para a sociedade?

Devastador. Anuncia um brutal aumento do fascismo social e o consequente definhamento da democracia. Trata-se de uma medida provocatória destinada a mostrar às classes populares que não poderão mais acreditar nas promessas da esquerda e que o pouco que poderão esperar do Estado é o que lhes for dado pela direita. Espero que os brasileiros e as brasileiras tornem o país ingovernável aos poderes que os querem governar com tais medidas.