O
que te incomoda nesta foto tirada, nesta quinta (1), na abertura do ano
Judiciário, no plenário do Supremo Tribunal Federal? Michel Temer, Rodrigo
Maia, Eunício Oliveira, Cármen Lúcia?
Seus sorrisos escancaradamente estampados?.
Mesmo
que não goste dos chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, você
tem a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, irão embora. Há algo, contudo,
que está sempre por lá, pairando sobre tudo e todos, observando, vigiando.
Claro
que não é o objeto em si – um crucifixo de madeira e metal – que tem esse
poder. Se ainda fosse uma das gemas do infinito ou uma esfera do dragão… Mas
ele funciona como um lembrete de que o Estado laico é uma ficção. Afinal,
decisões são tomadas naquele plenário sob a sombra do símbolo cristão, como a
confirmação da permissão do ensino religioso confessional em escolas públicas,
em setembro do ano passado.
Não
é porque o país tem uma maioria de católicos que outras religiões precisem
aceitar essa imagem em um espaço de Estado. Isso não é uma questão artística,
estética ou um registro histórico. Outras denominações cristãs não se veem
representadas pelo símbolo do Cristo crucificado, da mesma forma que espíritas,
judeus, budistas, muçulmanos, ateus, religiões de matriz africana, enfim.
Aquilo
não é uma estátua ornando um local público, como o Cristo Redentor. É um
tribunal! Às vezes parece a casa do Big Brother Brasil, mas ainda é um tribunal.
Se
o Supremo não quiser subtrair, então some. Coloque uma Estrela de Davi, uma
Crescente com uma Estrela, um OM em sânscrito, uma Roda do Dharma, Yin-Yang, um
Khanda. Pendure uns fios de contas e guias. E, por que não, algumas reflexões
ateístas. Mas tendo em vista todas as manifestações religiosas e crenças do
brasileiro, mesmo aquele paredão será insuficiente para registrar tudo. Então,
se não podemos todos, não coloque ninguém.
O
Estado deve garantir que todas as religiões tenham liberdade para exercer seus
cultos, tenham seus templos, igrejas e terreiros e ostentem seus símbolos. Mas
não pode se envolver, positiva ou negativamente, para promover nenhuma delas.
Por
fim, como já disse aqui várias vezes, adoro quando alguém apela para as “raízes
históricas” para justificar algo. A escravidão, sociedade patriarcal, a
desigualdade social, a exploração irracional dos recursos naturais, a submissão
da mulher como mera reprodutora e objeto sexual, o patrimonialismo e o
elitismo, caçar índios no mato, manter negros como carne de segunda – tudo isso
está em nossas raízes histórias. E queimar pessoas por intolerância de
pensamento está nas raízes históricas de muita gente. Dizer tchauzinho às
''raízes históricas'' é a verdadeira dádiva.
Pena
que muita gente tenha medo da liberdade. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).