23 de setembro de 2017

Fortaleza disputará Série B em 2018



O Fortaleza vai disputar a Série B em 2018. Apóis oito anos na Série C, a equipe  conseguiu finalmente a redenção, esperada desde 2010. Neste período foram temporadas de bastante sofrimento, quase rebaixamento para a quarta divisão e insucessos marcantes desde 2012, quando o regulamento registrou a necessidade do mata-mata. 

Do O Povo - O jogo histórico ocorreu neste sábado, em Juiz de Fora, interior de Minas, contra o Tupi, com a presença de quase dois mil torcedores do Fortaleza. Depois de vencer o confronto de ida por 2 a 0, no Castelão, na semana passada, o Tricolor perdeu por 1 a 0, neste sábado, no estádio Mário Helênio, gol marcado por Fernando.

O início do jogo já deu mostra da postura do Fortaleza, esperando as iniciativas do Tupi e tentando sair nos contra-ataques. Logo aos três minutos, em impedimento, a equipe mineira abriu o placar, gol marcado por Romarinho. O time da casa insistia e quase marcou mais duas vezes, novamente com Romarinho, em saída errada de Marcelo Boeck, e com Italo, acertando a trave.

A partir dos 30 minutos os comandados de Antonio Carlos mostraram outra postura. Com mais calma, trocavam passes e tinham em Hiago a saída de segurança e velocidade, especialmente pelo lado esquerdo. Foi assim que o atacante finalizou com perigo em duas oportunidades.

O segundo tempo mais uma vez teve domínio do Tupi. Aos sete minutos, Andrei teve gol anulado também por impedimento e aos 14 minutos foi a vez de Marcelo Boeck - o melhor atleta da campanha do acesso - ser decisivo em chute de Helder, de bicicleta.

Restanto 30 minutos para o acesso e tendo que fazer pelo menos dois gols para levar a decisão para os pênaltis, o Tupi mantinha a postura tática de ataque, mas encontrava até então uma sólida defesa do Fortaleza, que permitia pouco ao adversário.

Aos 36 minutos, o Tupi abriu o placar. Após ótima jogada pela direita, Edmário ajeitou de cabeça para Fernando e o zagueiro fez 1 a 0, na pequena área tricolor. O jogo se tornava ainda mais dramático e, na sequência, Marcelo Boeck fez duas ótimas intervenções.

Nos minutos finais, já com Leandro Cearense e Jô em campo, o Fortaleza, de forma inteligente, segurou a posse de bola no campo de ataque e só restava algo a se fazer, após oito anos: comemorar o acesso.

Foto: Fábio Lima/ O Povo.

Como anda as discussões na Câmara de Altaneira?


A nova legislatura altaneirense começou e com ela novos assentos. Três estreantes e um retorno. Destes, apenas uma mulher garantiu vaga na casa, fazendo com que este número permanecesse o mesmo, já que Lélia de Oliveira não se reelegeu. A casa tem 3 mulheres e 6 homens. Gilson Cruz e Genival Ponciano tiveram o mesmo resultado de Lélia e, Devaldo Nogueira voltou a ocupar cargo de vereador pelo PMDB depois de ter se ausentado nas últimas disputas.

Mas o que esse cenário diz sobre as discussões na Câmara? Em um passado bem recente o legislativo altaneirense era visto pela grande maioria como ineficiente. As desavenças pessoais, as picuinhas e os constantes desrespeitos ao Regimento Interno - espécie de “bíblia” - dos (as) edis superavam as matérias de interesse da coletividade. As expressões “hoje tem sessão” eram facilmente substituídas (e com sinceridade correspondiam aos fatos) por “hoje tem brigas” e “hoje tem mais embates pessoais”.  Esse era o cenário de 2013 a 2016.

2017 começou e parece que o desalento da população com os (as) edis diminuiu. Pouco mais de sete meses de discussões na Câmara e alguns nomes antes mesmo da comunidade elogiar se autoelogiaram. Regimento seguido à risca, conflitos pessoais deixado da porta para fora, harmonia entre oposição e situação e matérias que precisam ir ao encontro dos interesses da coletividade.....  

É bem verdade que o que mais tem chamado à atenção nesse início de trabalho legislativo é o cumprimento do horário das sessões. Esta não vem se alongando por horas e horas como outrora, o que ajuda e muito que discussões fora de propósito ocorram. Mas votando ao parágrafo anterior. Vejo com muita desconfiança e até com receio quem prega a harmonia cega entre polos opostos na administração. Esta é importante, deve SEMPRE ser destacada, mas harmonia não pode e nem deve ser vista como ausência do contraditório – ponto mestre para que se tenha uma gestão eficiente, eficaz, transparente e a serviço da eliminação/diminuição das desigualdades raciais. As questões do nosso país precisam ser vista pelo lado racial e não social.

Quanto ao Regimento Interno, cumpri-lo sem desrespeitá-lo não é uma das tarefas das mais fáceis. Se se levar em conta a comparação que fiz ao iniciar o texto, ela não para por ai. Regimento e Bíblia não só são vistas como base para quem as usa, mas seus usuários e usuárias líderes também se equivalem (com raríssimas exceções). A grande maioria não lê e quando executa a leitura usa em benefício próprio. Espero que essa nova composição legislativa faça diferente.

Mas para quem acompanha semanalmente as sessões percebeu que aqueles velhos conflitos entre oposicionistas e base da administração retornaram. Para quem estava cansado (a) de testemunhar as mesmas músicas tocando.... Pediu para sair do salão. Se a memória não me falha há três sessões um embate entre o vereador Valmir Sousa (PDT) e a vereadora Alice Gonçalves (PRP) chamou a atenção. Ambos discutiam acerca de iluminação do distrito do São Romão. O que deveria ser um debate saudável acabou desembocando para o lado pessoal.

Já na sessão passada.... Figurinhas repetidas e discursos reeditados. Adeilton Silva (PSD) e Flávio Correia (SD) foram os antagonistas da situação. Eles travaram debate para enfatizar o que uma gestão não fez ou não priorizou e o outro o seu inverso.

As sessões melhoraram. É notável, mas parece que o clima saudável do início está retornando para o seu oposto. O que a população mais deseja é que haja mudança, mas não aquela de aparência ou ainda a que se muda para permanecer tal qual outrora. Mas para isso, ela precisa participar. Não só ouvir pela rádio ou acompanhar diretamente no plenário, mas apresentando críticas construtivas, elogios e sugerindo melhorias.

Não sei se ainda é cedo para fazer essa análise, mas tarde nunca é. Posteriormente, o Blog Negro Nicolau irá produzir um artigo acerca do desempenho de cada parlamentar e o grau de importância das matérias apresentadas, discutidas e aprovadas/rejeitadas.

Parlamentares de Altaneira em face de sessão ordinária realizada na última quarta-feira, 20/09. Foto: Júnior Carvalho.



“Paulo Freire nunca foi um doutrinador”, diz em entrevista viúva do educador



A pedagoga e Doutora em Educação, Ana Maria Araújo Freire, que relançou pela editora Paz e Terra a obra Paulo Freire, uma história de vida, vai logo avisando: “não me chama de Doutora, pode me chamar de Nita mesmo. Nem de professora, eu já não estou lecionando. Estou com 83, vou fazer 84”. Nesta entrevista, a viúva de Paulo Freire (1921-1997) relata um pouco do que o educador português Licínio Lima diz no prefácio ser um trabalho ‘incontornável para os estudiosos do pensamento de Paulo Freire’, especialmente pelos documentos inéditos.

Do Extra Classe - Com a intimidade que privou com o patrono da educação brasileira, Nita Freire ainda se coloca na pele daquele que é considerado um dos pensadores mais notáveis da história da pedagogia mundial. Fala do movimento Escola Sem Partido, da violência contra professores e sobre os ataques que Paulo Freire tem recebido de pessoas “do calibre” de Magno Malta e Marco Feliciano. “Tenho pena de todas essas pessoas que se envolveram para levar uma coisa que traduz ignorância, porque o Paulo nunca foi um doutrinador. Pelo contrário, todo o trabalho de Paulo é de conscientização para a autonomia dos sujeitos, para as escolhas dos caminhos que cada homem e cada mulher quiserem tomar”, esclarece.

Extra Classe – O movimento Escola sem Partido e seus simpatizantes atacaram até Paulo Freire nas manifestações a favor do golpe. “Chega de doutrinação marxista. Basta de Paulo Freire”, estava escrito em uma faixa. O que dizer disso?

Ana Maria Araújo Freire – Às vezes causa raiva; às vezes causa compaixão, diante do fato de que ou aquele rapaz que carregava essa faixa foi pago para carregar ou ele próprio confeccionou talvez com amigos. Tenho pena de todas essas pessoas que se envolveram para levar uma coisa que traduz ignorância, porque o Paulo nunca foi um doutrinador. Pelo contrário, todo o trabalho dele é de conscientização para a autonomia dos sujeitos, para as escolhas dos caminhos que cada homem e cada mulher quiserem tomar. O que o Paulo fez foi mostrar que o oprimido tem uma maneira de sair da condição de opressão. Ele se preocupou muito com as condições em quaisquer relações entre as pessoas. Não é justo ser apenas mandado, ser vilipendiado, em condições miseráveis. Essas pessoas têm que ascender socialmente.

EC – Isso tem incomodado muita gente nos últimos anos, não?

Ana Maria – Quem bota essa placa ‘Basta de Paulo Freire’ na realidade não quer uma divisão menos injusta das riquezas do país, não é? Tanto que os governos até FHC calculavam o orçamento da União baseado em 100 milhões de pessoas. Os 53 milhões que estavam de fora, esses não se contavam. Para eles não ia nenhuma obra de escola, de saneamento, de moradia, não ia.

EC – Voltando ao Escola sem Partido…

Ana Maria – Então, esse movimento Escola Sem Partido é uma coisa terrível, porque ele não quer que os alunos reclamem sobre o que a professora por acaso disse de errado ou por ver a professora levando temas da vida real para a sala de aula. De fato, eles não dizem nada e, depois, se queixam dizendo que se tem a obrigação de fazer reclamações para a diretoria. Abriram até um canal, não sei se funcionou, para as crianças escreverem diretamente para o MEC nessa linha: ‘professor tal falou de Marx na aula e disse que ele é muito bom’, por exemplo; falou de Paulo Freire: ‘Foi um homem muito católico, de muita fé, mas que alfabetizava’. Então, a alfabetização ficou no ‘mas que’… Que coisa perigosa!

EC – Não sabem o que estão falando.

Ana Maria – Então, são pessoas desse calibre! Aquele senador do Espírito Santo (Magno Malta – PR), que divulgou isso; que lutou por isto e na televisão está sempre nas discussões sobre esse movimento. Eu ficava boquiaberta sobre o que as pessoas diziam sobre Paulo. Não tinha nada a ver. Não conhecem e entram dentro de escolas fascistas, de ideologias fascistas, onde tudo que não é da dureza, do fascismo, é considerado como nocivo à pessoa e à Nação.
EC – Nesse contexto, além de marcar os 20 anos da morte do patrono da educação brasileira, o que significa para a senhora reeditar a biografia de Paulo Freire?

Ana Maria – Eu tinha muita vontade de reeditar, porque o livro fez dez anos e ele tinha dois erros meus, de extração minha, de dois nomes que eu coloquei errado. Tinha ainda duas questões importantes que é atualizar a linguagem e acrescentar os dados da vida de Paulo nesses dez anos que se passaram. Então eu acho que foi muito importante que a editora Paz e Terra quisesse reeditar o livro fazendo essas correções que eu apontei e pondo a público a vida, nos menores detalhes, do homem que lutou, lutou, lutou a vida inteira pela educação no Brasil. Paulo deu o seu corpo e a sua alma ao povo brasileiro; ao povo do mundo, mas sobretudo ao povo brasileiro.

EC – A atualização mantém vivo o pensamento do autor?

Ana Maria – Reeditar a biografia é deixar Paulo vivendo. Se eu não publicasse mais os livros que eu tenho direito, que Paulo me deixou como direito, se não tivesse atenta, procurando que a editora não se acomode em situações pouco visíveis para Paulo, ele já teria morrido com 20 anos. O Mario Sergio (Cortella, filósofo) conversando comigo me disse ‘Nita, os grandes pensadores daquela época de Paulo, como Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, FHC, Celso Furtado, têm livros que estão vendendo muito pouco, quase nada, e o Paulo é campeão de vendas de livros científicos há muitos anos’.

EC – Freire é mais lido na atualidade do quando era vivo?

Ana Maria – Continua vendendo! Ele está sendo mais consagrado. Engraçado, quanto mais parece que perseguem Paulo; quanto mais batem em Paulo, mais ele cresce. É uma coisa impressionante. Mês a mês, ano a ano, de pouquinho em pouquinho Paulo vai sendo mais lido e mais conhecido. Sobretudo pelos livros Pedagogia da Autonomia e Pedagogia do Oprimido, sendo este a obra mais clássica, considerado o grande livro.

EC – E ao contrário de alguns intelectuais por aí, ele nunca disse ‘esqueçam o que eu escrevi’…

Ana Maria – E aí (gargalhadas) acontece que não está vendendo. Ele (FHC) não está vendendo. Pediu e levou, né?

EC – Na sua opinião, o Pedagogia do Oprimido é realmente o melhor livro de Paulo Freire?

Ana Maria – Eu considero par a par o Pedagogia do Oprimido com o Pedagogia da Autonomia, que é um outro enfoque da educação. É um livro que traz tudo o que o Paulo escreveu desde o princípio, lá no Recife e vem vindo, vem vindo, vem vindo num fio condutor que é a pedagogia em favor do oprimido. Não é a pedagogia do oprimido, mas é uma obra – lembrando que toda a obra de Paulo é a favor do oprimido – que eu acho que é muito mais carregada dessa linha de vamos nos fazer todos iguais, marcando nossas diferenças.

EC – Em que os documentos inéditos que serão disponibilizados nessa reedição, como poemas escritos de próprio punho pelo educador deverão contribuir para conhecermos um pouco mais do homem Paulo Freire?

Ana Maria – Eu acho que contribui em especial a poesia. O homem se abre muito. Tem menos censura, mostra mais a alma, o sentimento. Embora eu considere que vários livros do Paulo, por exemplo, Cartas a Cristina, mostra muito mais sensibilidade do que razão. Em Paulo nunca falta a razão, mas o caminho dele é o caminho do sensível.

EC – Por exemplo?

Ana Maria – Tem partes do Cartas a Cristina que são muito poéticas. Infelizmente é um livro pouco lido. Talvez por ser maior e tenha sido mais difícil de vender, mas é um livro que eu acho fenomenal, no qual ele fala do princípio da sua vida, da saída de Recife para Jaboatão; aquele sofrimento do pai, eles indo para uma casa muito pobre que, felizmente, ainda está de pé. Eu tenho lutado, mas ainda não consegui que algum órgão tombe aquela casa.

EC – Ou seja, um pensador que é referenciado no mundo inteiro, mas no seu país sofre ataques de setores conservadores e a resistência à preservação da sua memória…

Ana Maria – Aquela casa deveria ser tombada pelo Iphan! Porque ainda está de pé e é uma casa de mais de cem anos que não tem condições de sobrevivência por ser muito modesta. A gente vê no mundo inteiro as casas dos importantes, dos políticos, dos poetas, dos escritores, placas indicando que eles viveram lá. Aqui no Brasil, a memória histórica é muito desprezada. A cultura no Brasil ainda não foi entendida como parte necessária e fundamental para a formação da cidadania.

EC – Como a senhora analisa o surgimento desses movimentos fundamentalistas após o período de democratização?

Ana Maria – O mundo todo está caminhando para a direita. Quando os pobres, no caso da Europa, olham os exilados chegando, o medo que os nacionalistas têm é que esses vão tomar os seus empregos. Raramente aparece um nacionalista defendendo, acolhendo e protegendo pessoas que aparecem nesses barcos precários, chegando à Espanha, por exemplo. Mas, enfim, aqui no Brasil houve 13 milhões, há quem diga 40 milhões de pessoas que mudaram de classe social. Essa população que entra começa a abrir espaços. Ela quer espaço na universidade e quer espaço no emprego e vai conseguindo. Isso deixa a direita, a classe média, que é preponderantemente de direita no Brasil, revoltada. Esses movimentos, como você citou, misóginos, partem realmente dos que se sentem desprezados. Se fala tanto que Lula fez isto e isto, não! Na realidade, o que eles querem dizer é ‘trouxe essa classe que está nos aborrecendo e abafando e nós não conseguimos passar para o patamar acima, que é a classe de elite dominante’. Por que eles acreditam que podem passar (risos).

EC – Aqui em São Paulo isso é realmente muito perceptível…

Ana Maria – Não tem chance! Você não é aceito desde o clube que eles frequentam; você não é aceito numa mesa de banquete porque pode se atrapalhar com tantos talheres e tantos copos. Desde essas coisas pequenas, eles repudiam aquele que está querendo entrar, e não ajudam. Antes, preconizam o fracasso daquele cara pra ele deixar de ter a pretensão de ser classe alta, pra ele voltar pro seu canto. ‘Vá pro seu lugar que é classe média’. Então eu acho que nesses movimentos todos surgem novas ideologias e essas ideologias que estão surgindo não são as da tolerância, do respeito ao direito, do acolhimento, da seriedade, da concessão; aberta ao direito do outro. Pelo contrário, essas ideologias são combatidas nas ruas com pedras cassetes, etc.

EC – Recentemente uma professora do Paraná foi agredida por um aluno. Em média, dois professores por dia são agredidos em sala de aula no estado de São Paulo. O interessante, além de trágico nisso tudo, é que no ano de sua morte, Paulo Freire escrevia o terceiro capítulo do livro Cartas Pedagógicas, no qual analisa a banalização da violência como resultado de uma educação precária. O que a senhora acha que Paulo Freire diria sobre isso?

Ana Maria – Paulo diria que falta, primeiro, autoridade do professor. Essa autoridade não vem sendo concedida como antigamente pela família, pelo Estado, pela sociedade toda. O professor antigamente tinha um status alto, embora não ganhasse tanto dinheiro assim, ele tinha um alto status. No momento em que os professores começam a ser degradados, esse é um dos motivos. O outro motivo é que essas classes emergentes, que subiram, acham que o filho do rico insulta todo mundo, inclusive o professor, porque tem dinheiro e tem poder. E isso não é verdade. Então é por imitação, querer ser igual em tudo que ele (o aluno) vai e bate e diz ‘e aí qual é? Eu conheço o pessoal do município de Itapevi e um rapaz negro, muito modesto, superesforçado, competente, me parece que ele é homossexual também, foi agredido várias vezes pelos alunos. O que que a Secretaria fez? Colocou ele em casa. Deu licença de seis meses.

EC – Quer dizer que o agredido é que foi afastado?

Ana Maria – A Secretaria não enfrenta porque os pais desses meninos vão lá na escola e dizem ‘meus filhos aqui podem fazer o que quiserem. Podem subir em sofá, porque na minha casa sobem; podem insultar, porque na minha casa insultam’. Então, existe um respaldo também dos pais. E porque os pais dão esse respaldo? Porque estão muito ausentes, da presença, da presença educadora com relação a seus filhos.

EC – Como assim?

Ana Maria – Não existe uma grande preocupação. O que acontece aí é que eles enchem as crianças de mimos e de presentes. Brinquedos, cada vez mais brinquedos, ‘eu quero isso, eu quero isso’, as crianças fazem birra, batem os pés no chão e os pais dão, mesmo pagando em dez, quinze vezes se for possível. Ele não pode comprar aquilo, mas ele dá. Eu acho que é esse conjunto de coisas relacionadas que determina essa falta de respeito à pessoa do professor e da direção das escolas também.

EC – O deputado federal Marco Feliciano afirmou que o aluno agressor deveria ser considerado um sujeito oprimido pelo sistema. Como a senhora recebe esse tipo de ironia?

Ana Maria – (Longa pausa) Sintoma de almas perdidas pelo mundo, não é? Porque não é possível pessoas como alguns desses pastores que estão em evidência tratarem os seres humanos como um demônio que eles têm que exorcizar. Então essa professora, para ele, comete erros horríveis! Então, o menino ainda fez bem de bater porque está exorcizando o que ela tem de mal. É a única maneira como eu vejo essa coisa, que não é através de conhecimento científico, nem religioso, nem do senso comum. É uma coisa que parte do conhecimento de um ‘místico’ que vê as pessoas da seguinte forma: ‘aquela é ruim esse aqui é bom’. Não vê que o aluno já tinha uma ficha policial por muitas passagens de agressão, inclusive a professores. E o que a família estaria fazendo? Aquilo que eu disse antes: não estava fazendo nada.

EC – Como tratar agressores como esse?

Ana Maria – Vai ter que ter uma iniciativa do Estado de colocar o menino em um reformatório. Acho que nenhum lugar hoje se chama reformatório, mas deveria voltar a se chamar re-for-ma-tó-rio, porque essas crianças, adolescentes que vão pra lá são absolutamente insuportáveis para o convívio social.

EC – Paulo Freire se declarava cristão. Em seu exílio, inclusive foi consultor do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra (Suíça). Não é no mínimo anacrônico segmentos neopentecostais da Câmara Federal e do Senado, que se dizem cristãos, serem grandes opositores ao pensamento de Freire e defensores do Escola sem Partido?


Ana Maria – Essas igrejas novas, ao contrário da igreja católica, que está marchando para a esquerda, estão marchando para a direita e eles querem ter os seus fiéis absolutamente submissos. Às vezes eu deixo ligada a televisão e os meus filhos dizem ‘tira, tira mamãe’, mas eu quero ver como é! As pessoas ficam absolutamente enlouquecidas. A lógica usada é quanto mais você dá, mais você ganha. Eu acho que falta para as pessoas que frequentam essas igrejas aquilo pelo qual Paulo tanto lutou: cons-ci-en-ti-za-ção! Falta saber quem eu sou; quem está contra mim; quem está a favor. Só essas perguntas já as ajudariam, pois, muitas vezes, lhes foram negadas o ato de pensar. Você acha que um Magno Malta, um Feliciano e um Bolsonaro, por exemplo, iriam apoiar o trabalho de Paulo Freire? É até bom que não apoiem, porque até poderia manchar um pouco a biografia do Paulo (risos).

Ana Maria Freire e Paulo Freire. Fotomontagem: Reprodução/ Blog Negro Nicolau.

22 de setembro de 2017

Cantor Carlinhos Brown diz que Princesa Isabel libertou os escravos e apanha nas redes sociais


O músico Carlinhos Brown está provocando diversas críticas por conta de uma declaração sua, durante a sua participação do programa The Voice Brasil, da Rede Globo, na última quarta-feira (20). Na ocasião, ao se referir a uma participante refugiada do Congo, de nome Isabel, disse que a Princesa Isabel “trouxe para nós uma liberdade exclusiva. Uma mulher sensível, de pele clara, que libertou os negros da escravidão”.

Da Revista Fórum - O mais curioso é que na sequência de sua fala, se referiu aos negros na terceira pessoa: “Eles que vinham do Congo Brazzaville, eles que vinham de Angola, foram pra Bahia, foram pra Recife, mas vieram muito pra o Rio”.

A cantora e rapper Joyce Fernandes, conhecida como Preta Rara, declarou, através de sua conta no Facebook: "Quanta ingenuidade meu povo, cês esperavam o quê do Carlinhos Brown?

Esse vexame dele é caso antigo, ele é mais um bibelô pra branco dizer que sim somos todos iguais e que racismo não existe”, e acrescentou: “Nem todo preto pessoa pública é militante ou atento para as nossas questões e provavelmente acredita em meritocracia, papai Noel, unicórnio e que a questão é social nunca racial”.

Foto: Reprodução/ TV Globo.


Para quem falam os militares?


Depois da revolução de 1930, nunca os militares ficaram por tantos anos fora da cena política brasileira como a partir de 1985, quando a ditadura militar chegou ao fim com a devolução do poder aos civis na pessoa de Tancredo Neves.  Passados 32 anos, aqui estamos nós, perplexos,  diante dos sinais inequívocos de que há disposição, pelo menos de alguns “bolsões”, para uma nova intervenção na política, destinada a colocar ordem no caos detonado pelo golpe parlamentar de 2016.  Houve a fala do general Mourão, defendendo a intervenção, a do general Augusto Heleno, em seu apoio, e a do comandante do Exército, na entrevista a Pedro Bial, na TV Globo, onde informou que não punirá o subordinado e também admitiu, de forma contraditória, a ação das Forças Armadas em situações excepcionais.  A pergunta que se impõe é esta:  para quem estão falando os militares? Quem são os destinatários do aviso de que eles poderão resolver a crise política se os poderes constituídos não o fizerem?  Talvez o primeiro destinatário seja a Câmara, que em breve julgará a segunda denúncia contra Michel Temer.   Talvez seja a classe política como um todo, o que nos traz a lembrança das listas de cassações, à esquerda e à direita, que vieram depois do golpe de 1964. Temer, comandante em chefe-das-Forças Armadas, segue calado, mas hoje ele volta ao Brasil e terá que se pronunciar, já que o ministro da Defesa deixou a tarefa para o comandante do Exército, que só acentuou a perplexidade.

Por Tereza Cruvinel, no 247 -  Aqui estamos, perplexos, e também divididos.  Um intelectual da envergadura de Moniz Bandeira, de convicções democráticas indiscutíveis, já vinha defendendo a intervenção militar para evitar o desmonte do Estado e a entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro predador.  A Constituição e o Estado de Direito, vem dizendo ele,  já foram rasgados no ano passado. Houve espanto e reações à esquerda, como a do petista Valter Pomar, que criticou suas “ilusões”, dando ensejo a uma troca de correspondência que merece ser lida, e está toda transcrita no blog de Pomar: http://valterpomar.blogspot.com.br.

A entrevista do comandante do Exército a Pedro Bial não serviu para dissipar, e sim para acentuar a percepção de que a fala do general Mourão não foi uma solilóquio mas a expressão de uma disposição latente no meio militar. Em que extensão é que ninguém sabe.  Tanto é que Mourão recebeu apoio explícito do general Augusto Heleno, uma voz muito respeitada no Exército, principalmente por sua atuação no comando das tropas brasileiras no Haiti.  Não punindo Mourão, justificando sua fala “em ambiente fechado” (como se houvesse licença para isso no regramento militar),   e admitindo que as Forças Armadas podem atuar para conter o caos, o comandante do Exército nada mais fez do que repetir o subordinado.  Há na praça política a interpretação de que ele não o puniu para não criar uma vítima e insuflar ainda mais o ambiente.   Mas ele fez mais que minimizar ou justificar Mourão, ao admitir a possibilidade de intervenção, em respostas contraditórias, em que misturou o emprego das Forças Armadas em situações excepcionais, como ocorre agora mesmo no Rio de Janeiro, com uma intervenção para conter o caos político.

São coisas distintas mas ele as embaralhou ao afirmar que Forças Armadas podem ser empregadas para garantir a lei, a ordem e os poderes constituídos, a pedido de um deles ou por iniciativa própria.  O artigo 142 da Constituição diz que isso só pode ocorrer na primeira hipótese (a pedido de um dos poderes).  Ele acrescentou a segunda. Vale dizer, a iniciativa própria, “quando houver a iminência de um caos”. Esta foi uma interpretação constitucional perigosa, pois na situação atual não se espera de nenhum dos Três Poderes um pedido de intervenção.

Sempre que os militares imiscuíram-se na política, foram tentados pelas “vivandeiras de quartel”, expressão que no passado identificava os políticos que pediam intervenção militar. Quem melhor as definiu foi o general Castelo Branco: “Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar."  Mas hoje não há vivandeiras, não há políticos interessados em perder tetas e mamatas, embora haja setores minoritários da sociedade civil que defendem a solução militar. Ela teria que vir por iniciativa própria das Forças Armadas, tal como disse o general Vilas-Boas.

Muitas vivandeiras se iludiram, em 1964, acreditando que os militares, após derrubar João Goulart, cumpririam o calendário eleitoral com a realização das eleições presidenciais de 1965. Eles ficaram mais 20 anos, ao longo dos quais sabemos o que aconteceu: cassações, inclusive de vivandeiras exaltadas, como Carlos Lacerda,  fechamento do Congresso, liquidação dos partidos, perseguições, torturas, mortes e desaparecimentos.

 Depois da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas com forte e decisivo apoio dos oficiais do “tenentismo”, os militares protagonizaram golpes em 1945, 1954, 1955, 1961 e 1964. Vale recordar o que disse Alfred Stepan, em seu livro “Os militares na política”, em que estudou o caso brasileiro. Os golpes triunfantes, diz ele, foram os de 1945 (que apeou Vargas do poder), o de 1954 (que o levou ao suicídio, no segundo governo), e o de 1964, que derrubou Jango e abriu a porteira para uma longa ditadura. E todos eles ocorreram em situações em que havia baixo grau de legitimidade do Poder Executivo e alto grau de legitimidade dos militares.  Em 1955 (tentativa de impedir a posse de JK) e em 1961 (veto à posse de Jango após a renúncia de Jânio), na ausência destas condições, eles perderam.

Desnecessário falar da baixíssima ou inexistente legitimidade de Michel Temer como chefe do Executivo. Isso porém não garante a legitimidade das Forças Armadas para uma intervenção. Mas eles devem ser ouvidos, por aqueles a quem estão se dirigindo. Por Temer, pelo Congresso, pelo Supremo. Antes que seja tarde.


 
Imagem: Reprodução/ Facebook.

21 de setembro de 2017

Conselho Federal de Psicologia vai à Justiça contra decisão pela ‘cura gay’



O Conselho Federal de Psicologia (CFP) vai entrar ainda esta semana com pedido de agravo contra a decisão liminar do juiz federal da 14ª Câmara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho, que abre brecha para a “cura gay”. Na última sexta-feira, o magistrado concedeu liminar a uma ação movida pela psicóloga evangélica Rozangela Justino, que pretendia suspender a resolução do CFP 01/1999, que estabelece normas para atuação de psicólogos em relação à questão da orientação sexual.

Da RBA - Em sua decisão, Carvalho mantém a resolução, mas determina que o CFP interprete a resolução de modo a não proibir que os profissionais façam atendimento buscando reorientação sexual. Ressalta, ainda, o caráter reservado do atendimento e veda a propaganda e a publicidade.

"O magistrado argumenta que a resolução está mantida, mas que o Conselho deve interpretar de maneira a permitir aos psicólogos a utilização de técnicas de reorientação da sexualidade – o que é o âmago da resolução", disse o presidente do CFP, Rogério Giannini.

Giannini avalia que a decisão, que enfraquece a resolução, está baseada em argumentos equivocados. E que desconsidera a diretriz ética que embasa o documento ao reconhecer como legítimas as orientações sexuais não heteronormativas, que portanto não podem ser criminalizadas ou mesmo patologizadas. "Valendo-se dos manuais psiquiátricos, a decisão do juiz reintroduz a perspectiva patologizante", disse.

Retrocessos

Giannini está confiante de que o desembargador que vier a analisar o caso acolha o recurso do Conselho Federal de Psicologia. “Pelos argumentos que temos e o histórico de vitórias na Justiça, nosso jurídico avalia que temos uma tese sólida, uma defesa embasada e suficiente para ganhar em primeira instância. Se não, recorreremos a todas as instâncias”, disse.

No entanto, entende que o momento exige toda cautela. Ele lembra que avançam propostas que sinalizam retrocessos também na saúde mental. É o caso do Ministério da Saúde, que tem defendido o retorno do modelo manicomial e a expansão do número de leitos em hospitais psiquiátricos – o que vai na contramão de pelo menos três décadas de lutas e conquistas por um cuidado em liberdade.

Para ele, a decisão engrossa o caldo da cultura de arbitrariedade. “Se a orientação sexual torna-se uma doença comportamental, então se caminha para o risco de muitas famílias pressionarem pelo tratamento mental, e até chegar a pedir a interdição de pessoas, que passam a ser consideradas não-aptas para exercer a cidadania. Não me surpreenderia se, a longo prazo, viesse a defesa da internação compulsória dessas pessoas.”

Segundo lembrou Rogério, as técnicas terapêuticas utilizadas na chamada reversão consistem em recursos como a lobotomia, choques, tratamento hormonal, todas elas invasivas, agressivas e violentas. "Não é coisa de sentar para se desabafar. Para mudar a orientação sexual do sujeito, você tem que mudar seus desejos, sua vida sexual ativa. Não é como mudar a alimentação, são técnicas agressivas e invasivas."

Essas terapias, conforme lembrou, são inócuas e causam mais sofrimento. Há percentuais que apontam aumento do quadro de angústia, depressão e tentativas de suicídio que muitas vezes se concretizam. "Fazer isso faz as pessoas serem submetidas a uma terapia que não é reconhecida pelo Conselho, ou seja, não pode ser exercida."

Além disso, ao permitir as terapias de reversão, a liminar contraria determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que excluiu a homossexualidade do rol de doenças.

A maior violência é oferecer a pessoa uma interpretação de sua vida como uma doença. Aquilo que te dá prazer, o relacionamento, passa a ser chamado de doença. Isso é grave, porque desqualifica essa pessoa."

De acordo com Giannini, pessoas que sofrem podem procurar a Psicologia como recurso para o alívio do sofrimento. E o psicólogo tem que atendê-lo. "Às vezes, o sofrimento tem a ver com a sua sexualidade, porque ele sofre pressões sociais. Esses profissionais devem atender o sofrimento, não utilizar o sofrimento para oferecer uma reversão de sexualidade", destacou.

Repúdio
Ontem (20), o Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (Sinpsi) publicou nota de repúdio à liminar. O sindicato relembra que a questão da “cura gay” não é novidade no campo da prática profissional da Psicologia.

A última batalha foi travada há cinco anos, quando a categoria foi convocada a se unir para barrar o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 234, que tinha o mesmo propósito. À época, a questão estava embasada em interesses de grupos religiosos em busca de legitimar sua visão de mundo e de homem, de influenciar diretamente o funcionamento da sociedade, avançando sobre outras instituições, o que provocava uma investida contra a laicidade do estado.

Para o Sinpsi, princípios religiosos não devem se misturar a princípios científicos. "E que orientação sexual não é algo a ser revertido ou curado, simplesmente porque homossexualidade não é doença."


O sindicato reiterou que o psicólogo e a psicóloga devem entender e acolher o sofrimento do paciente que se reconhece homossexual. A informação, se levada a consultório como causadora de sofrimento, deve ser tratada sem qualquer proposta de “cura”. "É preciso intervir sobre as condições que geram o sofrimento. Patologizar uma condição do ser humano só aumenta o ódio e o risco para a comunidade LGBT."


20 de setembro de 2017

Setembro Amarelo: Prefeitura de Altaneira promove caminhada pela valorização da vida e prevenção do suicídio


A administração do município de Altaneira, por intermédio da Secretaria de Assistência Social (SAS), promoveu na manhã desta quarta-feira, 20, caminhada pelas principais ruas da cidade visando chamar atenção para a valorização da vida.

Segundo informações veiculadas no portal do município, a ação faz parte da campanha “Setembro Amarelo” que objetiva conscientizar, prevenir e alertar quanto realidade assustadora do suicídio. A caminhada partiu da Escola de Ensino Fundamental 18 de Dezembro com destino à sede da secretaria e teve a coordenação de Elanny Cristina e Tatiane Evangelista, Assessora Técnica de Gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e Assistente Social, respectivamente.

Durante todo o percurso as organizadoras do ato se revezavam no discurso que iam de encontro as frases expostas em cartazes, a grande maioria nas mãos de estudantes, como “suicídio, será a solução”?; “a cada 40 segundos 1 pessoa morre por suicídio”; “sorrir e falar são as melhores soluções”; “setembro amarelo, eu disponibilizo meu inbox para desabafo, conselhos e conversas”, dentre outras chamadas.

Ainda de acordo com o referido portal, professores (as), representantes políticos, secretários (as) e demais servidores (as) da municipalidade participaram da campanha que, segundo a secretária Lan Alencar, deve ser concluída à tarde com uma palestra acerca da temática.

Caminhada marca campanha do Setembro Amarelo em Altaneira. Foto: João Alves.

Nascido no cárcere da ditadura, Paulo Fonteles Filho escreve carta ao general Mourão


Carta aberta ao general Antonio Hamilton Mourão

Caro general Antonio Mourão, desde sábado (16), é que se multiplicam vossa manifestação nas redes sociais, blogues, sites, portais e afins por conta de tua última palestra, em Brasília, em evento ligado à maçonaria quando, em ameaça velada, falaste abertamente de intervenção militar, como se contasses com o amparo ou chancela de seus companheiros de armas, ou seja, o próprio generalato tupiniquim.

Por Paulo Fonteles Filho, publicado no Viomundo

Na caserna, o tiro saiu pela culatra.

Ao invés de um palavrório decente, apaziguador em momentos de crise democrática – sim, porque a democracia e os direitos do povo foram usurpados por Temer e sua quadrilha – assistimos, atônitos, a antiga cantilena de um militar estreludo, talvez um delfim tardio dos tiranos que ensejaram um golpe militar em 64 e que levaram as forças armadas brasileiras a cometer crimes insidiosos, de lesa-pátria, com torturas, assassinatos, exílios, perseguições, censura e desaparecimentos forçados.

Entre militares decentes deves estar passando vergonha, muita vergonha, general.

Sim, porque quero crer que há militares decentes, gente preocupada com o futuro do país e não somente em fazer verborragia bolsonazi e o discurso do medo, próprio dos fascistas de plantão, ávidos por quarteladas, linchamentos e carne humana violada.

Confesso general, desde ontem estou me remoendo.

O sentimento que nos alcança é de assombro.

Meus amigos, família, pessoas que amo estão intimidadas, sequestradas pelo pavor que tal irresponsabilidade enseja.

Os dias estão muito estranhos e o medo é uma potente arma ideológica, assim foi no Reich de Hitler ou no “Brasil Grande” do Garrastazu.

Sabe general, sou de uma geração de perseguidos políticos.

Meus pais eram estudantes da Universidade de Brasília (UNB), amantes das liberdades, do Chico Buarque e dos Beatles e sem cometer qualquer tipo de crime — a não ser o de opinião — foram presos em outubro de 1971 e submetidos a terríveis torturas, além de condenações pela famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN), dispositivo que transformou o Brasil num purgatório de lobos bem felpudos.

Eu nasci na prisão e tive um irmão gerado no cárcere: o serpentário dizia que “Filho dessa raça não deve nascer” e isso ocorreu dentro das dependências do próprio Ministério do Exército, lugar onde dás expediente como servidor público federal.

Deves saber que no subsolo do teu ganha-pão foi um patíbulo para a infâmia.

Minha mãe, general Mourão, me pariu com 37 quilos, foi cortada e costurada sem anestesia e não disse um ai.

Depois de nascido — entre as feras do PIC — fui sequestrado porque não haviam algemas para os meus pulsos de recém-nascido.

Imagina que um bebê de poucos dias era considerado inimigo do status quo, aliás, muitas crianças assim foram tratadas pelo regime do terror.

Talvez a Hecilda, minha mãe, atual professora da UFPa, tenha sido a única mulher a ter tido dois filhos na prisão, sob peia.

Meu pai foi morto em 1987 e seu assassinato foi organizado por um ex-agente da comunidade de informações, James Vita Lopes.

Paulo Fonteles, pai amoroso de cinco filhos, era advogado e defendia posseiros no Araguaia.

O que o Brasil precisa general, com urgência, é a reconstrução da democracia, um judiciário independente, uma mídia imparcial, um parlamento sensível aos interesses da maioria na forma do respeito ao voto popular, de mais direitos, de Estado Democrático e respeito à soberania nacional, além de uma forte cruzada contra a ignorância, a corrupção, o racismo, a misoginia e a homofobia.

O fascismo levará o país à convulsão, além das vidas de uma geração que tem a responsabilidade com a felicidade coletiva.

É muito doloroso falar sobre isso general Antonio Mourão e lembrar que muitos foram mortos pela histeria malsã que repetes, como um ventríloquo de satanás.

Mas minha tarefa também é a lembrança de que os tumbeiros que mancharam nosso solo de vergonhas, como na escravidão ou na ditadura militar de 64, jamais poderão ficar impunes.

Tenho pena de ti general, estás num quarto escuro e sem janelas, vitima da própria bílis que lanças no ar.


#DitaduraNuncaMais