28 de outubro de 2015

A necessidade das cotas raciais num país como o Brasil, por Priscilla Bezerra*



Estava eu, me preparando para dormir, quando resolvo dar aquela “última passada” no FB e me deparo com uma postagem que dizia:

Sou negra, e para mim, em vez de cotas, deveriam dar passagens de volta pra África para aqueles que choram pelo passado que nem viveram”.



Tá, e daí? E daí que eu simplesmente não consegui dormir e quase sucumbi ao ímpeto de me levantar à 1h da madruga, para tentar escrever num texto tudo aquilo que eclodia em minha mente após ler tamanha prova do que, eu humildemente, chamaria de pura ignorância histórica, falta de identidade, falta de conhecimento e reconhecimento sobre a nossa própria história.

Eu queria muito, muito mesmo, ter alguma competência intelectual para produzir algo que colaborasse para o esclarecimento sobre o quão positiva, necessária e justa é a implantação de cotas raciais num país como o Brasil, onde sequer temos a capacidade de entender quem é e quem não é parte da população negra.

Bem, em minha mente, o processo histórico da humanidade me oferece argumentos simples, porém suficientes para entender que as cotas, não somente estas, mas todo o processo de políticas de reparação e ações afirmativas envolvendo os negros, são plenamente plausíveis e, assim sendo, merecem o devido respeito e o mínimo de conhecimento histórico, por parte daqueles que pretendem argumentar contra os mesmos.

Digo argumentar porque, admiradora da História, como tenho a ousadia de me enxergar, não me permito paciência para ouvir achismos sem qualquer embasamento que justifique a reprodução de tais tipos de “opinião”. Aliás, ter opinião não é crime não, moços e moças! Entretanto, seria de bom tom e muito mais louvável que suas opiniões fossem articuladas e apresentadas depois de muita leitura, muita pesquisa e muita troca de conhecimentos.

Veja bem, conhecimentos não são aquelas coisas mal pensadas e formuladas e que são excrementadas no feed de notícias de suas redes sociais. Não! Isso não! Apenas parem! Reprodução de discursos sem questionamento sobre os mesmos, sobre quem os forjou, com base em que os forjou, por quê os forjou e com que intenção os forjou, não é maneiro não!

Então, vamos lá! Como professora que sou, não tive a honra de ser registrada com o nome Maria, mas não perco a “mania de ter fé na vida”, como diz o grande artista Milton Nascimento. Para início de conversa, pergunto a você, caro leitor: você acredita que a condição social e econômica dos seus avós, teve alguma influência ou impacto para que os filhos dos mesmos, ou seja, seus pais, estivessem hoje na condição social e econômica que estão? ( ) Sim ( ) Não.

Você acredita que, sendo seus pais quem são, tendo as profissões que têm, a escolaridade que têm, a visão de mundo que têm, a condição de classe social e econômica que têm, influenciou ou influenciará no seu futuro, na classe social e econômica que você será enquadrado devido às condições financeiras que você apresentará dentro da sociedade em que vive? ( ) Sim ( ) Não.

Vou tentar ser mais vulgar. Pergunto: Você acha que ser filho de família predominantemente branca, de classe média alta ou elite, moradora das áreas mais nobres e de maior custo de vida do país, teria algum impacto no seu futuro, na sua educação, na sua profissionalização e por fim na classe social e econômica em que as pesquisas do governo te enquadrarão?

Você acredita na maior tentativa de coação moral, contra as minorias sociais, de todos os tempos, a meritocracia? Esta reproduz a ideia de que em nossa sociedade tanto faz ser homem ou mulher (nem vou falar sobre tudo que há na questão de identidade de gênero entre ser homem e ser mulher), ser negro ou branco (nem vou falar sobre tudo que há na questão de identidade étnica entre ser negro e ser branco), ser rico, classe média, pobre ou miserável, ser natural das regiões norte e nordeste ou sul e sudeste, o que conta é o esforço individual de cada ser.

Cada um é aquilo que tratou de ser. Cada um está justamente onde merece. Mas, tenho a impressão que o buraco é bem mais fundo do que tentam nos fazer crer. Voltando às questões que lancei bem aqui acima, vamos tentar traçar uma rota para organizar nossos pensamentos e argumentos.

Eu, particularmente, responderia SIM às duas primeiras questões: sim, a condição de classe social e econômica dos meus avós tiveram influência direta na vida dos meus pais, assim como, a condição social e econômica dos meus pais tiveram influência direta no meu enquadramento social e econômico na atualidade. Seria ingênuo e até ignorante da minha parte acreditar que sendo meus pais, filhos de famílias pobres, na fase adulta da vida, seriam reconhecidos em classes sociais e econômicas diferentes.

O mesmo ocorre comigo e meu irmão, como poderíamos fazer parte da elite hoje se nosso histórico familiar se encontra todo em outro lugar? É claro que, é algo razoável que uma geração viva melhor que a anterior, pelo menos é bem comum que isso aconteça, mas, ao olharmos o tabuleiro de cima, as melhorias não nos trazem um afastamento significativo de nossas raízes. Pois bem, se para mim e para você, o passado tem um peso, tem uma influência, uma participação, por que para os negros – leia-se afrodescendentes: pretos e pardos – esse passado não teria nenhuma ligação para seu atual contexto social, econômico, cultural e político?

Por que cometer a grosseria intelectual de dizer que os negros de hoje nada tem a ver com os nossos ancestrais africanos e que, portanto, não devem receber nenhum tipo de reparação histórica pelo contexto que os empurrou e encurralou até aqui? Será que a ligação dos afrodescendentes de hoje está tão longe assim dos africanos que foram alijados de sua condição de humanos, mesmo esta sendo um bem inalienável? Será que o meu marido negro, filho e neto de negros, está realmente muito distante dos escravizados que fazem parte de sua história familiar, de sua árvore genealógica?

Afinal, a escravização do negro africano no Brasil, foi teoricamente abolida há 127 anos. Poxa, 127 anos é muita coisa, nem respinga mais nada em nós depois de tanto tempo! Será? Voltemos a citar o meu marido. Ele tem 30 anos. Gostaria de citar as idades certinhas de seus pais, avós, bisavós e tataravós, mas, no momento, não há possibilidade para obter tais informações, mas seu avô paterno completou há quatro meses, 90 anos, assim, dá para imaginar que os bisavós paternos do meu digníssimo, teriam aí, por baixo, 110 anos, portanto, provavelmente, vivenciaram a escravização do negro africano em nosso país.

Partindo daí, sigo uma linha de raciocínio que para mim, soa como lógica: Os bisavôs e bisavós do meu marido tiveram uma condição de vida que influenciou sim na condição de vida dos seus avôs e avós, um deles é esse senhorzinho que acabara de completar noventa anos.

Logo, a condição de vida dos avôs e avós do meu marido, foi determinante para a consolidação da vida do meu sogro e sogra como ela é hoje e, portanto, determinante para que meu marido e seus irmãos estejam na classe social e econômica que estão neste exato momento histórico.

Tudo bem até aqui? Vamos prosseguir. Que há uma ligação direta e inegável entre as condições de vida das diversas gerações que compõem uma família, creio, está claro. Agora, basta discutirmos sobre que condições são essas de que falo e que, a meu ver, dão todo o embasamento para o estabelecimento de cotas raciais nas universidades e em concursos de acesso a cargos públicos.

O dia era 13, o mês era Maio e o ano era 1888. Após pressões do movimento abolicionista, um membro da família Real, a Princesa Isabel, assina a tal abolição da escravatura. O Brasil estava no final do seu período imperial, estávamos às portas da República. E os negros, ex-escravizados, agora livres, viveram felizes para sempre. Viva à igualdade de oportunidades entre negros e brancos no Brasil! Viva! Mas e aí, o que a versão histórica do Homem Branco Europeu, colonizador, tenta esconder entre as fissuras dessa versão contada a nós?

É historicamente sabido por todos, que a o braço que construiu o Brasil, foi o braço negro dos africanos. Negros estes que foram impiedosamente extraídos de seu local de origem, da sua comunidade, da sua família, da sua cultura, das suas formas de organização social, dos seus deuses e de si mesmos. Foram cerceados da sua condição humana e passaram a ser objetificados, coisificados. Foram entulhados no interior de navios e foram atravessados pelo Atlântico em condições que nenhum inseto, por mais asqueroso que nos pareça, mereceria passar. Foram desembarcados num mundo totalmente desconhecido e inimaginável para a lógica de vida que tinham em seu continente, a África.

Os que conseguiram sobreviver à viagem do diabo até a terra desconhecida, além de chegarem nesta, como peças a serem negociadas, ainda se viam impossibilitados de sequer compreender linguisticamente o que ouviam ao redor. Eram adquiridos por senhores brancos como instrumentos de desenvolvimento de trabalhos que tinham um tempo de vida útil bem curto, dentro de poucos anos eram considerados inúteis, bons para serem jogados no lixo, serem substituídos, como um maquinário bem gasto e sem peças para fazer reparos.

Então, esses escravizados, considerados não humanos e nem animais, tinham o “toque de Midas” ao contrário, tudo que fosse relacionado ao negro era considerado: sujo, profano e demoníaco. Esses negros, desde o início resistiram à condição a que foram submetidos. Eram fugas, greves, negras abortando, assassinatos de senhores brancos, movimentos e revoluções. Para manterem sua fé, fizeram malabares e nos trouxeram o que chamamos de sincretismo religioso.

Foi com muita luta, muita resistência e muita união que os escravizados, ao longo de séculos, conseguiram se libertar. Claro, não podemos ignorar o contexto político econômico que fez com que a Inglaterra, dona do mundo capitalista à época, pressionasse o Brasil para o fim da escravidão, não por um sentimento humanístico, mas por simples interesse econômico: mais homens livres, trabalho remunerado, mercado consumidor aumentando. Simples assim!

Daí que chegou o grande dia e a tal Princesa Isabel assinou o documento que deixava livre todos os escravizados do Brasil. E é aí que pecam aqueles que não enxergam a necessidade das políticas de reparação para os negros. O que aconteceu depois do 13 de maio de 1888, estavam todos os escravizados livres para usufruir das mesmas e idênticas oportunidades de vida que os brancos que se sentiram no direito de dominá-los por mais de 300 anos?

A escravidão foi abolida e com ela toda a visão e todo o sentimento de asco, repulsa, desconsideração e desprezo que os brancos, senhores de escravos, construíram, disseminaram e reforçaram culturalmente no decorrer de trezentos e cinquenta anos e várias gerações, com relação aos negros? Você acredita mesmo que aqueles que viam os negros como suas posses, seus objetos, suas coisas das quais usufruíam como bem achasse melhor, do dia 13 de maio de 1888 em diante, passaram a ver esses mesmos negros, como humanos detentores dos mesmos direitos de dignidade à vida que eles?

Você realmente acredita que a partir do 13 de maio de 1888, esse homem branco, que se acreditou superior ao negro africano durante trezentos e cinquenta anos, achou justo que “seu patrimônio” passasse a ser considerado gente e que assim deveria ser tratado como igual? Você jura para mim que acredita que esses escravizados, a partir do 13 de maio de 1888, foram conduzidos às instituições de ensino do Brasil para que pudessem passar pelo processo de escolarização formal e profissionalização que, provavelmente, os levariam a uma condição de vida equiparada a do homem branco que até ontem era o dono do mundo? Você realmente entendeu, naquela aula de História, que os negros escravizados, humilhados, odiados, assassinados durante trezentos e cinquenta anos, foram tranquilamente inseridos na sociedade brasileira após o bendito 13 de maio de 1888 e assim acolhidos com todo o respeito e irmandade que o homem branco poderia oferecer?

Se sim, se você realmente acredita nisso tudo, há duas possibilidades: ou você realmente tem dificuldades em entender processos históricos, ou seus professores de História do colégio foram displicentes e/ou negligentes em demasia.

Após o tão aclamado 13 de maio de 1888, não houve a integração do negro à sociedade brasileira, muito pelo contrário, o que houve foram pencas de “planos infalíveis” para a eliminação desses negros da sociedade. Eles não foram contratados como trabalhadores assalariados, para tal, abrimos as portas para imigrantes europeus, que além de dignos de usufruir de pagamentos pelo seu trabalho, também dariam uma forcinha no processo de branqueamento da população que se formava.

Aos negros, não foram oferecidos moradia, trabalho, educação, saúde, nada! Depois que a escravidão foi abolida, os negros foram jogados à própria sorte, visto que não eram mais propriedade dos senhores e estes não tinham obrigações com os mesmos e isso era algo natural, o que não foi natural, foi o governo, o Estado brasileiro, não oferecer aos ex-escravizados, qualquer projeto de inserção na sociedade brasileira. Será que é tão difícil enxergar que os negros não tiveram vez em nossa sociedade, após o 13 de maio de 1888?! Durante o período em que foram escravizados, foram impedidos por lei de se escolarizarem, não tiveram chance de serem sequer alfabetizados.

Os muitos ofícios que sabiam exercer lindamente, não lhes serviram como fonte de renda, para isso, trouxemos o branco europeu pobre. Eram negros pelas ruas batendo cabeça, entregues à fome, às múltiplas formas de violência, humilhação, subalternização, etc. Aí você me diz: ah, mas isso já tem quase 130 anos. Pois é, 127 anos não são o suficiente para reparar os estragos de mais de 300 anos de subjugação, invisibilização, violação de direitos e dignidade dos negros que foram obrigados a fazer o nosso país.

Voltando à família do meu marido, os bisavôs e as bisavós dele foram escravizados e quando libertos não tiveram nenhuma chance de integração na sociedade em que viviam. Não foram inseridos tranquilamente no mercado de trabalho, não tiveram acesso à escola, quiçá à educação superior! Não tiveram direito a oferecer moradia digna, alimentação digna, cuidados básicos de saúde dignos aos seus filhos, avós do meu marido. Depois, os avós do meu marido filhos de ex-escravizados, tiveram uma vida livre, sofrida e miserável onde ainda carregavam os estigmas da ideia do branco europeu sobre o que era ser negro. Também, de maneira quase óbvia, não tiveram acesso à educação formal e, seus filhos, meus sogros, não tiveram uma vida muito diferente.

Filhos de uma família de negros, pobres, sem estudo e que ainda têm dificuldade de ser aceitos na sociedade brasileira, também tiveram uma vida livre, sofrida e miserável. Não sei muito, mas sei que minha sogra foi o que chamamos de boia fria, denominação para trabalhadores rurais que recebem um tratamento que não muito raro e sem requerer muito esforço, pode ser comparado à escravização vivida duas gerações anteriores a sua. E dessa forma, a vida do meu marido e dos meus cunhados, também não foi um rio de oportunidades. São homens e mulheres livres, sofridos e, se comparados ao todo branco da nossa sociedade, miseráveis. Estes, já tiveram acesso à educação formal, porém, pelo histórico sócio-econômico da família, estudaram em escolas públicas.

Precisaram trabalhar desde muito cedo, pois com os salários pagos ainda hoje à população negra do nosso país, tinham a necessidade de somar renda em casa para ter o mínimo de dignidade. Meu marido, foi agraciado com um dom, é artista e enveredou pelo caminho da tatuagem e está, apesar de muita dificuldade, alcançando algum reconhecimento na área em que atua. Seu sonho? Cursar artes plásticas numa universidade. Infelizmente, pagar por uma formação superior em artes, está fora das nossas possibilidades, ao mesmo tempo, uma universidade pública, fica difícil, pois para termos uma vida digna, ele trabalha seis dias por semana, doze horas por dia.

Mas, se algum dia houver a possibilidade dele cursar artes numa universidade pública do nosso país, eu acho completamente justo e digno que ele concorra por cotas raciais, não porque eu acredite que ele seja incapaz, mas em nome do passado que, mesmo ele não tendo vivido, exerce força suficiente sobre a vida dele hoje. Sim, é em nome de seus pais, avós e bisavós e tudo que a eles foi negado antes e após o 13 de maio de 1888 que acredito ser justo, digno e louvável que ele e todos os negros que estão onde estão devido à escravização de seus antepassados, usufruam de políticas reparadoras.

É como se toda essa historia que escrevi, pudesse ser ilustrada como uma grande corrida onde os brancos deram a largada em 1538 (no contexto brasileiro) e os negros tivessem sido impedidos de largar no mesmo instante que os brancos. Agora, o que as políticas reparadoras fazem, é pegar esses negros que não puderam largar na corrida em 1538 e os coloca ao lado do branco, na altura em que ele está e, a partir daí, depois que o almejado processo de equiparação social, econômica e política for completo, os negros passarão a correr por si só, sem interferências.

Mas, enquanto o negro for mais da metade da população brasileira e ainda assim for o percentual mínimo nos setores privilegiados, for a maior parte das classes social e economicamente vulneráveis, receber os mais baixos salários, mesmo sendo a maior parte da massa trabalhadora do país, possuir os mais baixos níveis de escolarização entre outras coisas, as cotas, assim como todas as políticas de reparação e ação afirmativa, serão necessárias, dignas e justas.

*Professora de História e Mestranda do PPGEDUC pela UFRRJ.

Espetáculo do Pente: atrizes negras discutem preconceito e autoconhecimento



Em comemoração ao mês da Consciência Negra, o Grupo Teatral Embaraça faz circulação de seu primeiro espetáculo, Pentes, pelo Distrito Federal. Na peça, quatro atrizes apresentam cenas que compõem a “saga” de mulheres negras, da negação à afirmação de seus cabelos. O espetáculo tem estreia no Teatro Sesc Garagem, com sessões nos dias 7 de novembro (sábado), às 20h, e 8 de novembro (domingo), às 20h. Os ingressos para as apresentações custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada).

A ideia para a montagem e a criação do grupo surgiu em 2012, em um projeto na Universidade de Brasília, de onde todas as integrantes do elenco eram alunas. Das primeiras apresentações em festivais universitários, o espetáculo cresceu em pesquisa sobre o tema étnico-racial e é apresentado em 2015 com elenco formado pelas atrizes Fernanda Jacob, Tuanny Araújo, Ana Paulo Monteiro e Elisa Carneiro.

O Grupo Embaraça assina a direção e o texto do espetáculo, com apoio dramatúrgico de Fabrícia Carvalho. As músicas de Pentes tem autoria do Grupo e da banda Protofonia – formada por André Chayb, André Gurgel e Janari Coelho – que toca durante todo o espetáculo. A montagem traz ações cênicas em caráter performativo e interações com a plateia, alternadas entre críticas e momentos lúdicos. Pentes se preocupa com a valorização da beleza negra, explorando histórias do cotidiano das atrizes e depoimentos pessoais para argumentar sobre identidade e identificação social.

Com inspiração nas poetizas e pensadoras contemporâneas Elisa Lucinda, Bell Hooks e Conceição Evaristo, e tendo outras referências do universo negro e até do movimento Black power, o texto é composto por grandes sutilezas que guiam as sensações de quem assiste à montagem, aliado à expressividade da banda Protofonia, que ajuda a criar momentos de diferentes intensidades dramáticas.

Toda a construção do espetáculo é focada em derrubar a imposição da estética branca como ideal de beleza e propor um diálogo em prol da aceitação da diversidade, no qual o cabelo crespo, que hoje ainda é considerado “ruim, feio ou duro”, passe a ser um cabelo como outro qualquer: bonito porque é diferente e singular.

Do Teatro Garagem, a peça segue para apresentações na faculdade IESB Oeste de Ceilândia (17 e 18 de novembro, às 19h e 11h, respectivamente), Espaço Semente do Gama (20 e 21 de novembro, às 20h), Teatro da Praça de Taguatinga (23 e 24 de novembro, às 20h), Casa do Cantador de Ceilândia (25 e 26 de novembro, às 20h) e Espaço Cultural Pé Direito da Vila Telebrasília (28 e 29 de novembro, às 20h). Com exceção das sessões em Ceilândia, que contam com entrada franca mediante confirmação prévia (vide serviço), as demais apresentações têm valor de R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada). A temporada é apresentada pelo Fundo de Apoio à Cultura do Governo de Brasília.





27 de outubro de 2015

17ª Mostra Sesc Cariri de Culturas contemplará 28 municípios. Altaneira será um dos polos



Realizada de 13 a 17 de novembro, a Mostra Sesc Cariri de Culturas chega a sua 17ª edição em 2015, contemplando os 28 municípios do Cariri cearense no circuito. Durante cinco dias consecutivos, a Mostra vai proporcionar múltiplas vivências, a fim de aprimorar o olhar e desenvolver plateias reflexivas. São apresentações de teatro, dança, exposições, shows, rodas literárias, performances poéticas e mostras de cinema e vídeo. Em 2014, 2.494 artistas participaram do evento, destes, 2.010 eram do Cariri, representando 81% do total.

Neste ano, participam da programação 127 trabalhos selecionados por edital. Foram 1.298 inscrições – 289 a mais que em 2014 –, divididas nos segmentos de artes cênicas (525), artes visuais (114), literatura (103), audiovisual (93) e música (463).


Como parte da programação, a edição também recebe shows de Elba Ramalho, Cidade Negra, Marcos Lessa e Chico Pessoa que circulam pelo Cariri durante os cinco dias de programação.

Dona Angelita, é uma das remanescente da
cultura popular em Altaneira.
Foto: arquivo do blog.

Novidades

Visando um maior engajamento na Mostra Cariri junto às prefeituras municipais da região, neste ano, além de Juazeiro do Norte e Crato, a edição terá mais cinco polos onde congregarão programações maiores: Brejo Santo, Araripe, Altaneira, Nova Olinda e Barbalha. Os outros 21 municípios receberão apresentações de Teatro de Rua e, oito deles, apresentações de Música e Literatura também, fortalecendo as ações nos municípios. Treze municípios também vão receber apresentações de cultura popular.

Como parte da programação, há quatro anos, o Sesc reforça a construção de uma identidade para a Mostra Cariri numa perspectiva de contribuir com o desenvolvimento local, tendo como espaço o Seminário Arte e Pensamento. O Seminário tem o objetivo de refletir à cerca da conjuntura atual e local, no intuito de analisar possibilidades que fortalecem a região sul do Estado.

Sobre a Mostra

Idealizada pelo Departamento Regional do Sesc Ceará, a Mostra Cultural é palco de difusão das mais diversificadas manifestações artísticas e culturais. Realizada no Cariri, a Mostra se transforma em cenário para apresentações de espetáculos de teatro, dança, exposições, shows, rodas literárias, performances poéticas e mostras de cinema e vídeo.

A Mostra não tem caráter competitivo e se apresenta como espaço de estímulo à produção nas diversas áreas artísticas, com proposta de intercâmbios interdisciplinares para desenvolvimento de projetos colaborativos nas mais variadas categorias.

Etnias apresentam ao mundo sua cultura e reivindicações nos jogos indígenas



A movimentação na vila dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI) é intensa, com turistas e moradores da região circulando o tempo todo nos espaços erguidos para o evento. Tanto dentro quanto fora das feiras instaladas na área da vila, o comércio de produtos artesanais é intenso e a pintura corporal atrai curiosos e turistas.

Por R$ 5 ou R$ 10, é possível exibir a arte indígena no rosto
durante uma semana. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por preços que giram entre R$ 5 e R$10, é possível ter arte indígena estampada no corpo durante cerca de uma semana. E não faltam “homens brancos” ostentando suas pinturas nesse período dos jogos em Palmas. A cultura indígena faz a moda na capital tocantinense.

Jefferson Manoki caminhava pela vila com um colega – ambos usando os paramentos típicos de seu povo; cocar, pinturas e adereços nos braços e pernas – quando foi abordado por uma turista com uma máquina fotográfica nas mãos. Simpático, o jovem Manoki abraçou a moça e sorriu para o flash.

Para ele, este momento é positivo para que os índios possam se mostrar para o mundo. “Eu acho bom. Assim somos mais reconhecidos, mais valorizados. E também para podermos mostrar mais nossa cultura, a cultura do nosso povo. Mas o nosso orgulho é independente do pensamento do homem branco”, afirmou Jefferson.

Para o xavante Urias Tsumey'wa, a pintura corporal é mais do que uma moda: cada uma tem um significado, cada uma traz a bagagem cultural de um povo. “A pintura representa alguma coisa, fala alguma coisa. O meu povo se pinta totalmente para a guerra, a nossa pintura é em preto e vermelho. Eu procuraria a pessoa e perguntaria por que ela está se pintando. A pintura é uma manifestação e um meio de mostrar que aquele povo existe e vive.”

Perto da área dos jogos, indígenas etinias expõem o melhor de seu artesanato. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.
Legado pode ser pequeno

O jovem estudante xavante, no entanto, diz que o legado dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas será pouco significativo para os índios. “Essa pequena ação do governo federal não satisfaz a maioria. O Brasil deve muito para o povo indígena, porque somos os primeiros povos. Não podemos falar em satisfação, isso ainda é pouco. Isso não vai beneficiar nem o povo indígena. Vai beneficiar o governo”, afirmou Urias.

Mesmo assim, o estudante afirma que os povos que se reuniram em Palmas precisam aproveitar os jogos para interagir com os “parentes”, como chamam indígenas de outras etnias, e trocar experiências. “Este é o momento de celebrar, confraternizar, conhecer outras culturas. Antigamente não havia essa interlocução de culturas.”

Os JMPI têm tido momentos de descontração, com muita festa e esporte, mas também tem havido manifestações e protestos. Embora sem espaço reservado na programação, representantes das mais diversas etnias têm encontrado formas de criticar políticas consideradas opressoras, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere a decisão sobre demarcação de terras indígenas do Ministério da Justiça para o Congresso Nacional.

Ontem (26), na Arena Verde, quatro indígenas mostraram ao público uma faixa contra a PEC e contra a morte de índios no país. O tema é frequentemente abordado nos debates que ocorrem no Fórum Social Indígena, na Oca da Sabedoria. São pequenos espaços que os índios estão abrindo por conta própria para fazer suas reivindicações. “Politicamente, nosso objetivo é chamar a atenção para a questão indígena de forma geral. Tentaremos aproximar o governo das questões políticas e diminuir o preconceito que existe entre sociedade indígena e a não indígena”, disse Mainami Santana, da etnia Xukuru Kariri.

O líder dos Karajá Xambewá, Edmilson Moreira Karajá, também destaca que os povos originários do país devem buscar avançar em suas pautas junto ao governo. “Estamos em busca dessa resposta quando deparamos com um encontro deste [Jogos Mundiais dos Povos Indígenas]. A expectativa é que nos fortaleçamos e possamos ser ouvidos, respeitados”, afirmou.

A partir do dia 1º de novembro, todos os povos voltarão para suas aldeias, os turistas para suas casas e a mídia concentrada em Palmas se dispersará. Será o fim dos JMPI. Mas Edmilson pede para que a situação de muitos dos índios no Brasil não seja esquecida. “Peço para não haver mais essas obras de hidrelétricas, de barragens nas nossas terras. Que não se aprovem esses grandes projetos, que vêm destruindo nossa cultura viva, que é nosso povo. As barragens alagam, acabam com nossas reservas”, apelou Edmilson.

Ele citou também a etnia Guarani-Kaiowá, de Mato Grosso do Sul, cujos líderes têm sofrido ameaças e ataques. “É uma calamidade o que está acontecendo com os nossos parentes Guarani-Kaiowá. Eles estão pedindo socorro. Gostaria muito que o governo visse isso com carinho, que nossos parentes saíssem tranquilos daqui, tendo uma certeza de que seriam mais bem cuidados.

26 de outubro de 2015

Racismo reverso e impossibilidade jurídica, por Laura Astrolabio*


É certo que muitos não sabem, mas Direito não se resume à letra da lei . Ou seja, Direito não se resume à citação de legislação e seus respectivos artigos.
 Lei é uma das fontes do Direito.

Além da legislação, temos como fontes do Direito:  a analogia, a jurisprudência,  a doutrina, o costume e os princípios gerais de Direito.


Então, por favor, tendo conhecimento dessa informação, antes de suscitar tão somente a lei e tão somente o princípio da legalidade e da igualdade, entendam que é imprescindível analisar caso a caso e observar as demais fontes do Direito.

Além disso, a lei deve ser observada de acordo com o objetivo para o qual foi criada.

Sendo assim, observar o espírito da lei que está sendo clamada é, no mínimo, sensato, principalmente quando a manifestação partir de operadores do Direito.

O crime de racismo está previsto na Constituição Federal de 1988, no inciso XLII do artigo 5, vejamos:

a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”

A lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, define os crimes resultantes de raça ou de cor e a lei 8.081, de 21 de setembro de 1990, estabelece os crimes e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência, praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza.

Leiam as disposições contidas na lei 7.716/1989 e depois façam as seguintes  perguntas:

Uma lei criada pouco tempo após o término da ditadura militar, num país com histórico escravocrata, contendo tais disposições, tinha/tem o objetivo de proteger quem de quem?

Quantas pessoas brancas precisaram ser protegidas pelas disposições contidas nessa lei?

Desde sempre e, até hoje, quantas pessoas brancas foram alvo de discriminação e impedidas de terem acesso a estabelecimentos comerciais ou foram impedidas de receberem atendimento em restaurantes, bares, confeitarias?

Quantas vezes virou notícia o fato de uma criança branca ser impedida de entrar num estabelecimento por ser confundida com pedinte?

Importante que tais perguntas sejam feitas e que as respostas sejam honestas e não utilizem uma falsa simetria, principalmente se considerado os dados confirmados em pesquisas sobre o tema.

E a jurisprudência? Quantos casos de racismo contra brancos foram julgados pelo judiciário?

E o costume? É costume, no Brasil, presenciar brancos sofrendo racismo?

E a doutrina? Em que momentos  e quantos  juristas afirmam que pessoas brancas são alvo de racismo no Brasil e, por esse motivo, devem recorrer ao termo "racismo reverso" para se colocarem no lugar de vítimas?

Quem é excluído pela sociedade por causa da cor da pele, pela textura dos cabelos, pelo fenótipo? As pessoas com a pele Branca ou os negros?

Quem não se vê representado nos cargos de poder, na mídia, nas revistas? O branco ou o negro?

O padrão de beleza imposto pela sociedade não é o eurocêntrico?

O preconceito está ligado à cultura e à história!! Desconsiderar esse fato para suscitar racismo reverso é desonestidade intelectual que tem como único fim levar pessoas a interpretações equivocadas com relação  a toda legislação que dispõe sobre racismo no Brasil.

No histórico do Brasil, os brancos sempre se sentiram superiores com relação aos negros e esse sentimento que foi enraizado ainda é dominante no atual cenário, em pleno século XXI, quando contamos com 400 anos de escravidão e apenas 100 anos de abolição mal feita e sem inclusão social dos negros alforriados.

Sobre a época da escravidão, que podemos afirmar que acabou faz bem pouco tempo em termos históricos, motivo pelo qual os negros no Brasil ainda sofrem com as heranças malditas desse holocausto, vejamos:

Eram examinados como animais: apalpados, dedos enfiando-se pelas bocas, procurando os dentes para adivinhar a idade ou conferir se o vendedor não mentia”. (CHIAVENATO, 1980, p.127)​

Diante disso, a legislação que trata de racismo no Brasil foi criada para proteger brancos de negros ou o contrário?

Quem foi inferiorizado no Brasil Colônia e é até hoje ? O branco ou o negro?

Foi a lei Afonso Arinos (lei 1390/51) a primeira a tratar da questão do preconceito e da discriminação racial e nessa época eram os negros os opressores ou os brancos?

Todas as legislações citadas foram criadas após constatação muito atrasada das autoridades de que a escravidão no Brasil foi um grande erro, um holocausto. Não existiu no Brasil um holocausto Branco, e brancos aqui nunca foram considerados não humanos, nem moeda de troca, nem objetos.

Suscitar o princípio da igualdade para alegar racismo reverso também não pode ser aceito. Motivo? O princípio da igualdade é aplicado entre os iguais. Quando negros e brancos foram tratados com igualdade nesse país para que os brancos, em flagrante situação de privilégio, possam invocar o princípio da igualdade sem relativizar quando alegam racismo reverso?

O princípio da igualdade tem o objetivo de garantir o tratamento igual entre os iguais e desigual entre os desiguais. Caso contrário, poderíamos suscitar o direito de receber remuneração igual a de um juiz de Direito. Certo?

Importantes e renomados juristas já se manifestaram na doutrina jurídica, contribuindo de forma grandiosa para que fique explícita a impossibilidade de alegar crime de racismo contra brancos:

Com o termo Racismo se entende, não a descrição da diversidade das raças ou dos grupos étnicos humanos, realizada pela antropologia física ou pela biologia, mas a referência do comportamento do indivíduo à raça a que pertence e principalmente, o uso político de alguns resultados aparentemente científicos, para levar a crença da superioridade de uma raça sobre as demais. Este uso visa a justificar e consentir atitudes de discriminação e perseguição contra as raças que se consideram inferiores”. (Dicionário de Política de Noberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino – 2004, p.1059)

Além disso, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema no julgamento do  “Caso Ellwanger” (Habeas Corpus n. 82.424-2/RS).

Portanto, pessoa branca alegar que sofreu preconceito pela cor ou raça é impossível,  pois que a análise não considera apenas a questão biológica e antropológica, mas a questão cultural e social, e na questão cultural e social é o povo negro que é oprimido desde sempre, motivo pelo qual é o principal alvo das políticas públicas de inclusão social, como as ações afirmativas, as cotas raciais.
Se considerada a questão cultural e social, quem é o oprimido e quem é o opressor num país com histórico escravocrata como o Brasil? O negro ou o branco?

Por fim, será de bom tom que pessoas que ocupam local de privilégio por serem brancas, numa sociedade que segrega os negros, apenas parem de suscitar o "crime" racismo reverso, visto que o mesmo é juridicamente impossível.

* Advogada sindicaria desde 2005, especialista em direito público. Mulher negra e militante do feminismo negro interseccional. 

Onde está a doutrinação do ENEM 2015? Uma falácia.



Lembrou na edição desse domingo, 25 de outubro, a insuspeita jornalista econômica Miriam Leitão, que nesses 30 anos, avançamos em três áreas importantes: democracia, estabilidade e inclusão. E que voltar atrás é inaceitável.


No sábado, dia 24, a prova de Ciências Humanas do Enem, cujas questões são formuladas por um pool de professores das 57 universidades públicas do país, deu um banho de democracia, estabilidade e inclusão, elencando para os jovens postulantes a uma vaga no ensino superior, questões sobre a terceira revolução industrial e a desterritorialização da produção ( o que lembra o quanto é bem vinda a multietnicidade dos produtos ao mesmo tempo em que renascem os discursos racistas quanto a pessoas), sobre a moda dos selfies e o narcisismo epidêmico das sociedades urbanas contemporâneas, sobre o desencantamento e a racionalização em Max Weber, sobre a precaução necessária com o transgênicos, sobre a luta histórica pela igualdade de gêneros, sobre os condicionamentos sociais em Mannheim, sobre as guerras e os riscos aos patrimônio material, sobre a proteção ao meio ambiente, sobre a crise da água, sobre a superação da visão mítica do mundo nos pré-socráticos, sobre a alteridade ( em uma bela questão lembrando a importância de se colocar no lugar do outro para avaliar nossas convicções), sobre os excessos do Estado nos regimes ditatoriais, sobre os riscos da espionagem via internet, sobre a multiperspectividade do passado ( ao apresentar dois textos sobre o mesmo fato, a Guerra de Canudos, mostrando a importância do cotejamento das fontes), sobre o papel simbólico e a extensão social da Abolição, sobre o papel de apoio ( aparentemente controverso) das colônias africanas às suas metrópoles na segunda guerra mundial, sobre o papel dos movimentos sociais no aprofundamento da democracia brasileira, levando-a para além da mera participação eleitoral, sobre o conceito de Estado em Hobbes, sobre a importância das imagens no cenário político brasileiro, sobre o papel dos intelectuais na formação do mundo ocidental, sobre a ágora ateniense, sobre a globalização e sua crítica, sobre o problema da erosão nos rios, sobre a concentração urbana no Brasil, sobre o Código eleitoral brasileiro de 1932 e seus avanços, sobre o endividamento brasileiro no regime militar que fundamentou o chamado “milagre brasileiro”, sobre o pan-africanismo, sobre a construção da memória por meio da arte ( e como ela pode servir a propósitos que não são a verdade dos fatos), sobre os sofistas gregos, sobre o conceito de “homem cordial” em Sérgio Buarque de Holanda, sobre as novas formas sustentáveis de explorar a Amazônia, sobre os biomas brasileiros e os problemas que apresentam, sobre as relações entre trabalho e avanço tecnológico, sobre o conceito de Maioridade em Kant ( por meio de uma bela citação de Paulo Freire), sobre os riscos dos agrotóxicos nos alimentos, sobre a dificuldade de os europeus aceitarem a cultura ameríndia ao longo da colonização, sobre o confronto do conceito de socialismo e o capitalismo de Estado da China contemporânea e, finalmente, sobre a crise financeira mundial.

Como se pode ver, a prova de Ciências Humanas do Enem abordou, com largo espectro, temas políticos, econômicos, sociais, culturais, tecnológicos, filosóficos, educacionais, regionais, nacionais e globais, com competência e precisão, utilizando textos e imagens de autoridades e/ou personalidades conhecidas e respeitadas em suas áreas de atuação.

A opção da prova do Enem é claramente a de uma prova cidadã, preocupada com a seleção de jovens capazes de ler, interpretar e se posicionar sobre temas fundamentais, relevantes e urgentes da contemporaneidade.

E a pergunta que resta é: onde está a “doutrinação?” Onde está o viés de “esquerda”? Por acaso os temas tratados na prova não se coadunam com as importantes questões da nossa democracia? Por acaso não é importante que jovens conheçam e debatam essas questões?

O que fica cada vez mais claro é que a falácia da “doutrinação” esconde o desejo da censura e do autoritarismo, travestido de peroração voltado para os que não cuidam de ver com seus próprios olhos e escutar com seus próprios ouvidos.

Que este artigo funcione como um convite para que os leitores e leitoras leiam a prova, analisem suas questões, avaliem as alternativas e só depois formulem seus julgamentos. Não ver e não gostar, não ler e condenar é o caminho mais rápido e fácil para o retrocesso. E quem REALMENTE quer o retrocesso?

25 de outubro de 2015

ENEM 2015 tem o menor índice de abstenção desde 2009


A presidenta Dilma Rousseff (PT) usou sua página na rede social facebook na noite deste domingo, 25, para falar sobre a edição 2015 do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) aplicado em todo o território nacional.

Presidenta Dima afirma que edição do ENEM 2015
teve o menor índice de abstenções desde de 2009.
O ENEM foi aplicado nesse final de semana, sábado (24) com as provas de Ciências Humanas e Suas Tecnologias e Ciências da Natureza e Suas Tecnologias, ambas com quarenta e cinco questões (45) e hoje (25) onde além das provas alusivas a Linguagens e Códigos e Matemática - totalizando 90 questões - os candidatos ainda dispuseram de uma proposta de redação.

Segundo a presidenta, a edição deste ano teve o menor índice de abstenção desde 2009. Dilma frisou ainda a pouca quantidade de candidatos eliminados, atribuindo o fato ao “esforço de segurança e conscientização que vem sendo feito pela organização” do certame.

O tema da redação que abordou a violência contra a mulher a partir da temática “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” também mereceu destaque na nota. “A sociedade brasileira precisa combater a violência contra a mulher”, ressaltou a petista.

A importância do exame como porta de entrada dos estudantes ao ensino superior também foi lembrada. 

24 de outubro de 2015

Seria cômico se não fosse trágico. “O país não era racista até criarem as cotas”, diz Alexandre Garcia



O jornalista Alexandre Garcia, da Globo, conseguiu falar outra bobagem numa lista que parece interminável. Comentando sobre o cadastro do Simples Doméstico, Garcia descobriu o seguinte: “O país não era racista até criarem as cotas”.

É uma revelação fabulosa. Alguém precisa avisar sua colega do Jornal Nacional, Maju Coutinho, que aquele pessoal que a chamou de “macaca fedida” é cotista. Nem o chefe Ali Kamel, autor do clássico “Não Somos Racistas”, acredita mais nessa atrocidade.

Ader Gotardo, fotógrafo do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, escreveu uma resposta no Medium:

Carta aberta a Alexandre Garcia

“Institucionalização do racismo”?

Hoje é 21/10/2015, com bom humor, muitos estão comemorando o “Back To The Future”, em alusão ao filme dos anos 80. Muitos dizem “o futuro chegou!” Será que chegou mesmo?

Pleno 2015, Alexandre Garcia, jornalista em rede nacional destila desinformação para corroborar sua indignação, usando falsidade intelectual e abusando de privilégio branco. É impossível respeitar seus cabelos brancos, Garcia. Só na cabeça de desonestos as empregadas e empregados domésticos não merecem mesmo respeito e direitos que os demais trabalhadores neste país, ou em qualquer outro lugar.

Manter empregados não é fácil para nenhuma empresa, mas dentro de casa, patrões querem regalias para continuar tratando essa força laboral como se fosse “da família”, ou seja: muitas vezes dispensando a eles educação que não têm nem para como seus pais, remunerando auxiliares como se fossem seus cunhados, com um tapinha das costas e um muito obrigado, quando muito. Quem trabalha merece remuneração justa e direitos assegurados. É leviano confundir recolher os impostos devidos nessa área com as consequências do não retorno em serviços a população. Pagar impostos e cobrar o governo pertence a relação de dever e direito que nós, cidadãos, temos que exercer.

Quanto a “institucionalização do racismo”, basta dizer que esse é o tipo de asneira que um privilegiado é capaz de reproduzir, sem conhecer ou, ainda pior, sem valorizar dados que já existem, estudos já publicados e experiências comprovadas. Raça não existe. Fato. Mas alguns da “raça humana” de pele mais clara resolveu classificar outros por “racismo”, que é a opressão por meio da cor da pele.

O combate contra o racismo quer exatamente isso, acabar com o preconceito por raça. O racismo, Garcia, pode ser comprovado em todas as classes de trabalho, em todos os bancos escolares. Homens e, principalmente, mulheres negras ganham menos em qualquer faixa salarial, qualquer função, com qualquer capacitação educacional.

Só mesmo alguém com dificuldades cognitivas não enxerga algo que até mesmo a emissora onde trabalha já noticiou, por meio de sua colega de bancada, Míriam Leitão! Além, Leitão também discursa sobre as cotas, vale a pena sua leitura. Cito Míriam Leitão, porque brancos como o senhor tem especial necessidade que outro semelhante seu produza discurso inclusivo para que este seja validado. Em alguma área obscura do cérebro, alguns acham que negros advogando direitos para outros negros não vale. É preciso uma validação “branca”. Então, estou usando o seu racismo, para chamar sua atenção.

É absurdo ainda convivermos com tal discurso de que cotas é uma institucionalização do racismo. A segregação americana, o Apartheid sul-africano, esses são exemplos da institucionalização do racismo. Será que você, Garcia, é tão desonesto intelectualmente que é capaz de comparar esses regimes do passado com a política de reparação das cotas brasileira? Puxado.