De 2020 para 2021, o programa "1 Milhão de Cisternas", do Governo Federal, sofreu um corte de cerca de 94%. (FOTO/ ASA Brasil). |
Em
muitos lares do semiárido, ter água em casa é um privilégio. O clima é marcado
por altas temperaturas e chuvas irregulares, o que deixa a região sob-risco
constante de escassez hídrica. No Brasil, a região ocupa 12% do território
nacional e abriga cerca de 28 milhões de habitantes, é um dos semiáridos mais
povoados do mundo.
Sem
nenhum rio perene, que corra durante o ano inteiro, a região apresenta o menor
percentual de água reservada no país, algo em torno de 3%. Para lidar com essa
realidade e mostrar que o êxodo não é a única saída para o sertanejo, a
Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), há mais de vinte anos vem desenvolvendo
tecnologias de convivência esse clima.
Entre os exemplos está o programa que já construiu mais de 1 milhão de
cisternas distribuídas pela região Nordeste e pelo Norte de Minas Gerais.
Alexandre
Pires, coordenador executivo da ASA, conta como o Programa 1 Milhão de
Cisternas (P1MC) impactou a população do semiárido: "o Programa de Cisternas rompe com um ciclo histórico que é o da
dependência da população do carro pipa, da dependência da população rural do
semiárido às vontades políticas e interesses políticos eleitorais. Então, o
programa de cisternas mudou a cara do semiárido quando assegurou uma tecnologia
simples, barata, de domínio popular, uma tecnologia social, que garantiu à
população, através da captação de água das chuvas, ter água na porta de casa".
Pires
explica ainda que o P1MC é uma iniciativa da sociedade civil, que o governo
Lula acolheu como uma política pública capaz de resolver um problema secular,
enfrentado pela população rural do semiárido, que é o de acesso à água: "Essa decisão política fez com que a gente
conseguisse, num diálogo entre sociedade civil e governo, garantir que em 2016
chegássemos a 1,2 milhão de cisternas construídas".
As
cisternas, além de água para beber e para o uso diário, armazenam também a
possibilidade de geração de renda através da agricultura e pecuária familiar, impactando
de forma significativa sobretudo na vida das mulheres. Como explica o
coordenador executivo da ASA no Ceará, Marcos Jacinto: "era comum a imagem da mulher com a lata
d'água na cabeça no nosso semiárido. Essa imagem ficou mais rara com a chegada do
Programa 1 Milhão de Cisternas porque com ele a família tem na sua própria
residência a água para consumo das pessoas e também para sua própria produção".
No
Estado do Ceará, desde o início do programa, a meta era beneficiar 304 mil
famílias. Desse total, 248 mil receberam a tecnologia, o que sinaliza que
muitas outras ainda vivem num contexto de insegurança hídrica. Uma preocupação
que se intensifica ainda mais num contexto de desmonte da política promovido
pelo atual governo de Jair Bolsonaro.
É o que denuncia Jacinto: "esse momento nos preocupa muito mais, porque
nós sabemos que existe ainda um contingente muito grande de famílias no
semiárido cearense, que ainda não tem acesso a água potável. Nós temos ainda
cerca de 50 mil famílias que ainda não têm a tecnologia social de primeira água
e nós estamos num momento em que o programa tem sido desmontado e está
paralisado do ponto de vista de investimentos públicos federais".
E
essa não é uma realidade só do Ceará, no país cerca de 350 mil famílias do
semiárido ainda não dispõem da tecnologia. Nos últimos anos, o recurso federal
destinado aos programas de convivência com o semiárido vem sofrendo sucessivos
cortes. Em 2012, por exemplo, o P1MC teve o menor orçamento da história
destinado ao programa.
"É difícil da gente compreender como uma
política que tem tanto sucesso, mudou e transformou tanto a vida das pessoas no
semiárido brasileiro, e em outras regiões semiáridas, é desestruturada por este
governo. Quer dizer, eu digo que é difícil da gente compreender, mas a gente
sabe que o governo Bolsonaro é um governo que não tem prioridade pela população
mais pobre do nosso país, na verdade é um governo que tem prática genocida, uma
prática que não atende as necessidades daqueles que mais precisam",
enfatiza Alexandre.
Nossa
reportagem entrou em contato com o Ministério do Desenvolvimento Regional para
questionar sobre o corte, mas não obtivemos resposta até o fechamento da
matéria. Para continuar o trabalho, a ASA está com uma campanha para levantar
fundos para o programa. Intitulada 'Tenho Sede', a campanha já está dando
resultado: agora em março, estão executando as 20 primeiras cisternas com
dinheiro arrecadado. Para saber como ajudar, acesse o site tenhosede.org.br
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Com informações do Brasil de Fato CE.