Caríssima,
Luana Piovani!
Li
a respeito do seu questionamento sobre que tipo de preconceito a Taís Araújo
teria sofrido e se alguém poderia lhe esclarecer melhor. Pois bem! Com o devido
respeito que lhe tenho como atriz, pois sou fã do seu trabalho, e como
apreciador da sua postura não hipócrita e sempre autêntica diante das câmeras,
o que me faz crer que você é o que é, e não "doura pílula", venho por
meio deste artigo tentar responder a sua pergunta.

Tenho
certeza de que você tem conhecimento que tivemos um período historicamente
ordinário no qual seres humanos viviam sob o regime de escravidão. Por acaso
isso aconteceu no Brasil também. E também por acaso, esses seres humanos
escravizados eram negros trazidos da África em navios chamados
"negreiros" e obrigados a trabalhar de graça, dia e noite para os
colonizadores europeus. Que por acaso eram brancos. Essas pessoas, Luana, eram
vistas e tratadas como verdadeiros animais. Eram acorrentados. Era-lhes privado
o direito de ir e vir. Não tinham dignidade. Não tinham escolha. Não tinham
liberdade. E caso ousassem a querer ter, eram castigados. Açoitados da forma
mais vil e covarde. Isso quando não era-lhes tirada a vida como punição.
Essas
pessoas, Luana, eram vendidas como se fossem animais de estimação ou aparelhos
de uso doméstico. Por acaso, quem as traficava eram brancos. Essas pessoas, que
por acaso eram negras, eram tidas como "sem alma", pelos senhores
colonizadores e até mesmo por alguns sacerdotes representantes de Deus da
época. Afirmação usada para legitimar a escravidão e os maus tratos a eles
destinados. Toda referência à cor negra era usada como ofensa. Negro era um
substantivo quase sempre acompanhado de um adjetivo desqualificante. Negro
fujão. Negro safado. Negro abusado. Compará-los a um macaco também era uma
brincadeirinha comum na época, para desqualificar o indivíduo e igualá-lo a um
animal primitivo e de raciocínio limitado.
Luana,
não eram poucas as menções pouco elogiosas às características étnicas dos
negros. Seus cabelos eram considerados ruins. Cabelo duro. Cabelo carapinha.
Seus narizes eram achatados. Nariz de batata. Suas bocas eram grandes.
Beiçolas. Seus traços eram marcantes demais. Tudo visando a inferiorização da
etnia para que se justificasse cada vez mais a sua exploração e segregação.
Ainda hoje, Luana, alguns brancos se utilizam dessas referências para tentar
nos ofender. Talvez numa atitude insana e nostálgica de retornar ao passado,
onde tudo era permitido e ninguém era punido por isso. Era tão bom poder
maltratar as pessoas e não ter que responder por isso. Hoje é tudo muito chato.
Nem uma piadinha de preto se pode contar mais. Não posso mais chamar meu
coleguinha de escola de Mussum, tição, suco de asfalto. Tá ficando sem graça!
Afinal, o sofrimento alheio não comove o opressor.
Você
perguntou se ela foi sacaneada na internet, né? Não! Ela não foi apenas
sacaneada, Luana. Ela e muitos outros negros foram ofendidos na sua essência.
Na sua honra. Na sua autoestima. No seu direito de serem como Deus os fez e com
as características que a natureza os abençoou. Você disse que é "blaster sacaneada e xingada na net"
e ninguém nunca saiu em sua defesa. Talvez seja porque nunca fizeram piada com
a sua cor. Com os seus cabelos. Talvez seja porque nunca lhe dirigiram ofensas
racistas nas redes sociais. Talvez seja porque a sua etnia nunca foi
escravizada nesse país. Nunca foi explorada, chicoteada, açoitada. Talvez seja
porque é considerado normal um branco ser protagonista de uma série de TV ou
postar fotos glamourosas no facebook sem que cause estranheza. Afinal, somos um
país europeu, não é verdade?
Em
suma, Luana, acho esses ataques racistas algo orquestrado, sim. Não pelo PT ou
pela esquerda, como os escravocratas modernos disfarçados de democratas querem
fazer a sociedade acreditar. A intenção é manter acesa a chama do preconceito
racial. Rende polêmicas. Estimula-se hashtags hipócritas do tipo: somos todos
fulano. É plataforma política para os aproveitadores. É deleite fascista. Tem
sabor de champanhe e caviar para alguns da elite europeia tupiniquim. É crueldade
gratuita. É instigar o ódio de uma etnia contra a outra. É fazer com que
racistas mais tímidos sintam-se incentivados a praticar a sua estupidez de
forma pública e notória. É tentar fazer com que se enxergue com naturalidade o
desrespeito ao outro. É tentar intimidar minando a autoestima. É atacar as
políticas de afirmação social.
Uma
ferida jamais cicatrizará se ficarmos mexendo nela a todo instante. Mas existe
uma "junta médica" paralela, cuidando para que essa ferida nunca
cicatrize. É a tal novela de época que vira e mexe está no ar, não para contar
a história, mas apenas para te fazer lembrar que a senzala um dia abrigou os
seus antepassados. E que por sorte você não está lá ainda. É o enredo do
folhetim que coloca os negros apenas como personagens de apoio, como se na vida
real fossemos apenas serventes da realeza branca do pau Brasil. É o filme
publicitário que escolhe e a etnia que julga superior e mais vendável para falar
do que é bom e a outra etnia inferiorizada pela patologia de mentes brilhantemente
perversas, para falar do que é ruim ou secundário, porque a imagem do negro não
é vendável.
Não
existe vitimismo. Existe um sistema perverso que manipula as pessoas como bem
entende, se aproveitando da podridão de sentimentos contida na alma de muitos
que se dizem humanos. Não se engane Luana! Quem trata alguém com diferença ou
indiferença e preconceito pelo fato desse alguém ser negro, branco, índio,
gordo, magro, pobre, rico, gay, hétero, cristão, ateu, flamenguista ou
vascaíno, tem sérios problemas. Talvez seja o preconceituoso e o racista quem
não mereciam estar no convívio da sociedade. Talvez seja o racista, o mal do
qual precisamos nos livrar para construirmos um mundo melhor, mais igual e
mais justo. Precisamos nos humanizar. Precisamos ser mais educados e
respeitosos com as diferenças. Enquanto não agirmos como seres de fato educados
e humanos, sugiro que usemos a hashtag: #SOMOSTODOSPORRANENHUMA!
Saudações!