Padre José de Anchieta esteve entre os primeiros estudiosos da língua tupi. (FOTO/ Biblioteca Nacional). |
Os
povos que habitavam o território brasileiro antes da chegada dos primeiros
colonizadores portugueses falavam cerca de mil línguas, segundo registros da
Faculdade de Filosofia; Letras e Ciências da Universidade de São Paulo
(FFLCH-USP).
Além
da riqueza linguística, a maioria deles, principalmente os que habitavam o
litoral, onde se formaram as primeiras cidades do país, falava uma língua
comum, o tupi antigo. Chamado de "língua brasílica" pelos
portugueses, ele foi utilizado no Brasil durante séculos, por jesuítas, colonizadores
e até bandeirantes.
Na
verdade, os falantes do tupi antigo, assim como os do guarani – vale ressaltar
que tupi-guarani não é uma língua, mas uma família de línguas indígenas –, iam
muito além do Brasil e se espalhavam por um vasto território da América do Sul,
na época da chegada dos europeus ao continente.
Dentro
do Brasil, o tupi antigo apresentava variações linguísticas ao longo da costa.
Os potiguares do Paraíba até os tamoios do Rio de Janeiro, por exemplo, pronunciavam
inteiros os verbos acabados em consoante, enquanto os tupis de São Vicente não
pronunciavam a última consoante. Mas eram variações próximas, que permitiram
aos colonizadores identificarem uma unidade entre os povos.
Segundo
o professor da FFLCH-USP Eduardo Navarro, atualmente um dos principais
estudiosos da matéria, o tupi é considerado o idioma indígena clássico do
Brasil, uma vez que "foi a única língua indígena, das centenas que foram
faladas no país, que se fez representar significativamente no léxico da língua
portuguesa".
Por
isso, até hoje é possível encontrar milhares de palavras do tupi no dia a dia
dos brasileiros, que vão desde nomes de alimentos (como abacaxi, mandioca,
açaí, paçoca, pipoca), animais (capivara, tatu, arara, jacaré-açu, jabuti,
perereca), cidades e estados (Pará, Paraná, Manaus, Sergipe, Maceió), rios
(Xingu, Xapuri, Ipiranga), vegetação em geral (cipó, capim, jacarandá,
samambaia) e até nomes próprios (Iracema, Iara, Araci, Jacira, Maiara).
O
tupi antigo está presente até mesmo nos primórdios da literatura nacional,
tendo, inclusive, duas gramáticas publicadas: uma em 1595, Arte de gramática da
língua mais usada na costa do Brasil, de autoria do padre José de Anchieta, e
outra de 1621, organizada pelo também jesuíta Luís Figueira.
Bandeirantes e cidades
Quem
roda pelo Sudeste e Centro-Oeste brasileiros percebe a quantidade de cidades
com nomes indígenas. Exemplos não faltam: Araçatuba, Bertioga, Itanhaém,
Paraguaçu, Cuiabá, Niterói, Curitiba, Peruíbe, Pindamonhangaba, Taubaté,
Ubatuba, Uberaba, Piracicaba, Piratininga, entre outras.
Isso
porque outro personagem do período colonial que se valeu da língua tupi para se
aproximar dos indígenas foram os bandeirantes, que indicavam com os nomes tupis
as localidades por onde passavam.
"Noutra
faceta, o tupi também serviu aos bandeirantes para melhor entenderem-se com os
índios, que levavam escravizados para o desbravamento dos sertões, e por onde
passavam as entradas e bandeiras, os portugueses iam denominando esses lugares
com toponímias indígenas”, diz trecho de artigo da Universidade Federal do Rio
de Janeiro Os tupinismos na formação do léxico português do Brasil, publicado
em 2008 na Revista Philologus.
"Chorar as pitangas"
Diversas
expressões utilizadas até hoje vieram da fusão do português dos colonizadores
com o tupi antigo dos indígenas. Por serem resultado desse casamento
linguístico e cultural, elas são chamadas de brasileirismos, ou
"tupinismos” para alguns autores, expressões que existem apenas no
português falado no Brasil.
Um
dos exemplos mais conhecidos de brasileirismos é a expressão "chorar as
pitangas”.
Segundo
artigo da linguista Nancy Arakaki, a origem da expressão formada no Brasil pode
ser bíblica, vindo, provavelmente, de trecho do Evangelho de Lucas em que o
sofrimento de Jesus é retratado pelo "seu suor”, suor esse que "era
como gotas de sangue que caíam no chão”. Mas não somente, uma vez que a
expressão "lágrimas de sangue” já existia em Portugal.
O
fato é que, segundo a linguista, os indígenas podem ter absorvido o significado
da expressão, "lastimar-se", mas segundo os seus próprios códigos
culturais: o sangue deu lugar à pitanga, fruta que ressalta a forma de uma
lágrima e a cor do sangue.
"É
interessante destacar que a expressão 'chorar pitangas' nos remete à ideia de
eufemismo em relação a 'chorar lágrimas de sangue' porque lhe é atribuído um
valor menor, menos doloroso que é o ato de lastimar-se, lamentar. Essa foi a
imagem captada pelos índios num tempo de trocas culturais e vivências ora turbulentas,
ora pacíficas e harmoniosas", escreveu Arakaki em Memória cultural e
linguística do Brasil Colônia em ‘chorar as pitangas'.
brasileirismos
usados até hoje são "ficar com nhenhenhém", "estar jururu",
"ficar de tocaia", "parecer pamonha", "estar na
pindaíba", "ir para a cucuia", além de outros.
Língua proibida
Segundo
registros da biblioteca Brasiliana da USP, a língua brasílica, ou tupi antigo,
foi usada por todos, brasileiros e estrangeiros, até meados do século 18.
Em
1758, porém, Marquês de Pombal, o primeiro-ministro de Portugal, publicou um
decreto tornando o português o idioma oficial do Brasil, a "língua do
rei", ao mesmo tempo em que proibiu o uso do tupi antigo e demais línguas
faladas na colônia na época, como as africanas.
Já
era tarde, contudo: o tupi já havia se ramificado pelos costumes e cultura do
país.
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Com informações do DW.