Mostrando postagens com marcador Divergência da esquerda. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Divergência da esquerda. Mostrar todas as postagens

Divergências


Um tema que me intriga é a resolução de divergências. É comum, principalmente nas esquerdas brasileiras, as pessoas tratarem opiniões diferentes como inimizades pessoais que não levam a nenhum resultado positivo.

A tradição da filosofia política há muito se debruça sobre a capacidade do ser humano de se organizar em sociedade através de acordos e superação de controvérsias. Quando as questões se tornam irreconciliáveis o desafio do ser humano é conseguir conviver, respeitar aqueles com os quais não concorda. A cooperação social e muitos avanços só são possíveis com essa convivência.
Fazer política requer entender que há quem pense distinto e que a melhor análise de conjuntura e a melhor leitura da realidade nem sempre serão suas.

Não existe somente diferenças de interesses sociais e econômicos como também diferenças entre teorias políticas, econômicas e sociais gerais sobre o funcionamento das instituições, bem como concepções diferentes sobre as prováveis conseqüências de políticas públicas. As pessoas tem o direito de pensar diferente sobre essas questões.

É um aprendizado quando entendemos que aqueles que o fazem tem legitimidade para tal e nem por isso são antiéticos, desonestos, safados, pelegos, chapa branca; ou por outro lado, sectários, porra locas, baderneiros, vândalos e ignorantes.

No fundo as relações de poder, de classe e culturais estão acima dos sujeitos, demandam disputas coletivas para serem modificadas, disputas essas que são inerentes à política.
Vale trazer a interessante passagem do autor John Rawls no livro Justíça como equidade para ilustrar o que estou dizendo.

Acredito que uma sociedade democrática não é e não pode ser uma comunidade, entendendo por comunidade um corpo de pessoas unidas por uma mesma doutrina abrangente, ou parcialmente abrangente. O fato do pluralismo razoável, que caracteriza uma sociedade com instituições livres, torna isso impossível. Esse fato consiste em profundas e irreconciliáveis diferenças nas concepções religiosas e filosóficas, razoáveis e abrangentes, que os cidadãos têm do mundo, e na idéia que eles têm dos valores morais e estéticos a serem alcançados na vida humana.




Publicado originalmente no Gregoriogrisa



Debate sobre Lei da Mídia não unifica a esquerda




A audiência pública sobre o projeto de iniciativa popular da Lei da Mídia Democrática, realizada na terça passada (12), na Câmara, acabou se transformando em uma discussão política e ideológica sobre as diferentes visões da esquerda sobre a comunicação. E demonstrou a voracidade com que se dará, nas eleições 2014, o debate no campo progressista sobre as reformas estruturantes necessárias à consolidação da democracia brasileira.

Enquanto os deputados do PT, PCdoB, PDT, PSB buscaram as convergências que os unem na defesa do projeto, o PSOL fez duras críticas aos governos Lula/Dilma e explicitou diferenças ideológicas que dividem os principais partidos de esquerda que estão na situação e na oposição.

O evento, organizado em conjunto pelas comissões de Educação, Cultura e Ciência e Tecnologia, convidou a representante do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, Sônia Corrêa, e a presidente do Fórum Nacional de Democratização da Mídia (FNDC), Rosane Bertotti, que apresentaram o projeto da Lei da Mídia Democrática aos deputados e representantes da sociedade civil. E lotou o plenário da casa com parlamentares, militantes da causa e estudantes, muitos deles os mesmos que ganharam as ruas, em junho, para protestar, entre outras coisas, contra a mídia.

Presidente da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, a deputada Luíza Erundina (PSb-SP) lembrou que o projeto aborda os principais pontos construído na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), ocorrida há quatro anos, que deixou um grande legado sobre o tema. Para ela, o projeto tem o mérito de estar fundamentado em um amplo processo de construção coletiva, a Confecom, além de ser encaminhado ao congresso via iniciativa popular. A deputada ressaltou o fato de que, apesar de haver consenso na sociedade sobre a importância de se regulamentar a comunicação, o parlamento não responde a esta reivindicação histórica da população.

O deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) recordou a luta travada pela principal liderança do seu partido, Leonol Brizola, contra os abusos da mídia e reafirmou o apoio do seu partido à proposta. Ele cobrou uma presença mais efetiva do das centrais sindicais nas mobilizações, considerando que elas também são vítimas privilegiadas do oligopólio da mídia, assim como os movimentos populares e a política no seu sentido mais amplo. “É essencial uma reforma democrática e democratizante que transfira poder à sociedade”, ressaltou.

A deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) acrescentou que a luta pela democratização da comunicação precisa sair da seara das entidades que debatem o assunto e virar uma bandeira de toda a população. Segundo ela, uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, que será lançada na semana que vem, revela que 71% da população é favorável a algum tipo de regulação da mídia. “Todos os países regulam a mídia, todas as outras concessões públicas do Brasil tem algum tipo de regulação”, argumentou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), à exemplo de Erundina,  abordou a dificuldade do tema encontrar abertura no parlamento. “Estou no meu quinto mandato e se há um tema que não consegue avançar aqui, é este, até porque vários parlamentares são donos de meios de comunicação”, observou. Segundo ela, a pauta sobre o tema é extensa, e toda ela travada: seu projeto de regionalização da produção de comunicação continua engavetado, enquanto a comissão criada para regulamentar a Constituição de 88 aprovou, à toque de caixa, proposta bastante conservadora sobre o tema.

A deputada Fátima Bezerra (PT-RN) lembrou que a democratização da mídia está diretamente ligada a outra pauta essencial à consolidação da democracia brasileira: a reforma política. E ressaltou que ambas não conseguem avançar no parlamento, apesar do compromisso assumido por seu partido com as duas bandeiras. “Esses dois temas, quando caminham no Congresso, é para pior.  Vejam o debate sobre essa minirreforma eleitoral:  é um insulto à sociedade se discutir tamanho de adesivos quando precisamos de mudanças profundas”, pontuou.

Visões divergentes

A cizânia começou quando o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) criticou a forma como os movimentos de defesa da democratização da mídia e a esquerda tradicional encaram o processo de comunicação. “Não podemos considerar os meios de comunicação como controladores absolutos de corações e mentes. (...) Não vamos avançar neste processo se não sairmos deste maniqueísmo simplista que transforma a mídia em inimigo”, contrapôs.

Segundo ele, a produção de sentidos se dá na recepção, cuja audiência é heterogênea. Além disso, na opinião de Wyllys, os veículos de comunicação são arenas de disputa. Como exemplo, citou o fato de, apesar dos meios de comunicação tenham se aliado contra o governo petista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deixou de ser reeleito e de eleger a presidenta Dilma Rousseff, por conta do Bolsa Família.  “Não podemos tratar a audiência como algo monolítico, porque a produção de sentido é feita na recepção, a partir da posição do sujeito”,  pontuou.

O deputado - que é adepto das chamadas teorias da recepção e ganhou projeção nacional ao vencer o reality show Big Brother, da TV Globo - criticou duramente o descompromisso do governo do PT com a pauta da comunicação, nesses quase 10 anos de mandato. E defendeu o papel social das novelas na formação de consciência e cidadania, postura conflitante com a da esquerda tradicional, que julga o gênero como principal veia de transmissão dos valores da elite dominante.

No momento em que o governo Dilma enterrava o projeto contra a homofobia, quem manteve o assunto foi uma novela da TV Globo. As novelas, eventualmente, politizam em temas em que o governo se omite”, justificou.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) argumentou a democratização da mídia, assim como a reforma política, é tema fundamental para o aprimoramento da democracia brasileira. E reconheceu que o governo petista deixou a desejar no tema, em função da correlação de forças desfavorável. Ele defendeu que o governo encaminhe ao congresso o projeto deixado pelo ex-ministro da Comunicação, Franklin Martins, que enfrenta o assunto.  E criticou a atual forma de distribuição da publicidade estatal, centrada nos meios convencionais, enquanto o mundo mudou e novos veículos ganharam espaço nas redes.

Mais direta, a deputada Fátima Bezerra ressaltou que e coligação que governa o país não tem interesse nenhum na reforma política e na democratização da mídia.

Isso é o óbvio do óbvio. Todos nós sabemos que ela nuca vai aprovar nada progressista. Por isso, a importância da mobilização popular”, acrescentou.

A deputada Luciana Santos lembrou das implicações do caráter monopolista da mídia brasileira no resultado do processo de comunicação, sustentando que, ainda que o domínio não seja absoluto, o poder de criar consensos de uma mídia concentrada é desproporcional e nocivo ao debate público inclusivo. “Quando se tem um monopólio, você só reflete a visão de mundo daquele grupo. Isso é explícito. E a história dos meios de comunicação no Brasil tem DNA”, argumentou.

Ela lembrou também que Lula se elegeu em um processo democrático, dentro das regras estabelecidas e, por isso, precisou fazer concessões. “Lula se elegeu. Nós não fizemos uma revolução. O poder político do governo é muito menor do que gostaríamos”, justificou.

Com uma visão mais gramsciana do processo comunicacional, a deputada Erika Kokay (PT-DF) acrescentou que vivemos uma espécie de luta de classes pós-moderna, em que os meios de comunicação têm lado muito definido. Segundo ela, eles são responsáveis por um forte processo de invasão da cidadania e desconstrução dos sujeitos, que desestabiliza a correlação de forças. “É óbvio que a sociedade está em disputa e que há outros espaços de construção do sujeito. Mas quando esses outros espaços não estão fortes, a opressão da mídia é inegável”.

Kokay também defendeu um virada no governo para enfrentar esse e outros temas relevantes à democracia. “Temos um governo dominado por limites de uma eleição, inclusive, midiática. O que foi possível construir de transformação dentro desses limites já está se esgotando. Ou enfrentamos questões estruturantes, ou paramos de avançar”, diagnosticou.

Numa postura mais conciliadora, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) agradou a ala mais tradicionalista ao citar o velho Karl Marx – “as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante”. Mas, em seguida, concordou com o colega de partido ao admitir que os meios de comunicação desempenham papel de vanguarda em assuntos nos quais o governo se omite.  “A gente tem que considerar, sim, o receptor crítico. Fiquei impressionado com a total rejeição da garotada que foi as ruas em junho aos meios de comunicação”, esclareceu.

As divergências políticas e teóricas preocuparam militantes da democratização da mídia, que esperavam conquistar nos partidos de esquerda uma defesa mais homogênea do projeto, que não encontra respaldo entre os setores mais conservadores do congresso. Porém, divergências à parte, todos concordaram há uma omissão do parlamento e dos sucessivos governos em relação ao tema, que é preciso democratizar o acesso à mídia, regulamentar padrões mínimos de procedimento para os veículos e rever as concessões historicamente tratadas como armas para favorecimento político.


Via Carta Maior