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Para valorizar a herança africana no Brasil, é preciso compromisso político. (FOTO | Victor Vec | Ministério da Cultura |
Nesta reta final de 2024, podemos localizar ao menos quatro importantes acontecimentos que provocaram debates sobre o compromisso por uma educação antirracista no país: 21 anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) alterada pela Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas; o lançamento da Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (Pneerq), do Ministério da Educação (MEC); o primeiro ano em que 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, foi caracterizado como feriado nacional; e o tema de redação do Enem sobre a valorização da herança africana no Brasil.
Cada
uma dessas conquistas deve ser celebrada porque é resultado de séculos de muita
pressão popular de movimentos negros, organizações e pessoas que compreendem o
dano material e imaterial que o racismo promove na sociedade brasileira. Porém,
essas medidas não eximem o Estado de ações permanentes para que os compromissos
gerem transformações reais nas escolas e da necessidade de monitoramento,
efetividade e avaliação da qualidade das medidas efetuadas para cada uma dessas
iniciativas.
Em
2024, 94% dos estudantes que concluíram o ensino médio se inscreveram no Enem
e, no primeiro dia de prova, os candidatos tiveram que escrever sobre os
“desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. Os seis textos
motivadores para o desenvolvimento do tema indicaram pontos chaves para
reflexão, como manutenção de estereótipos, reconhecimento e valorização de
epistemologias e apagamento da cultura e história africana e afro-brasileira.
Sem
dúvidas, pautar o tema na principal prova de ingresso à educação de ensino
superior no país tem a importância de promover a reflexão na sociedade,
aprofunda o compromisso do Estado com a relevância desse conhecimento como
indicador de qualidade educacional e elemento fundamental da LDB, e sinaliza
que este é um dever de todos os âmbitos de gestão, do poder público à gestão
educacional e pedagógica.
Ao
defendermos a Educação Básica e a escola como lugar para a promoção da
valorização cultural, econômica e política da população africana e
afro-brasileira na história do nosso país, percebemos que o direito de crianças
e adolescentes a este acesso tem sido legalmente descumprido há, pelo menos, 21
anos, quando a LDB foi alterada para garantir a abordagem étnico-racial nos
currículos de escolas públicas e privadas.
Apesar
de ter alterado a principal regulamentação da educação nacional, 71% das
Secretarias Municipais de Educação descumprem a Lei nº 10.639/03, essa que é a
principal lei de combate ao racismo nas escolas, conforme apontou um estudo de
Geledés Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana realizado em 2023 com 21%
dos municípios brasileiros. Para chegar a esse percentual, foram consideradas a
alteração nos currículos, disponibilidade orçamentária e de equipe, e
coordenação das ações feitas pelas escolas.
Nesse
sentido, é importante destacar o papel do profissional de educação comprometido
com o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, que muitas vezes
está na escola de forma solitária e sem condições materiais para avançar nas
práticas pedagógicas. Apesar disso, ele mantém o objetivo de garantir os
direitos de crianças e adolescentes de conhecerem a história do país que vivem,
sob a perspectiva africana, afro-brasileira e indígena, para romper com a
hierarquização do saber e fortalecer novos referenciais da história do povo
brasileiro.
Recentemente,
o MEC publicou os dados do Diagnóstico Equidade, respondido por 98% das redes
públicas, sobre a implementação das leis que obrigam o ensino de história e
cultura africana, afro-brasileira e indígena. O principal resultado reafirmou a
constatação do baixo índice da educação para as relações étnico-raciais, que
apresenta uma média de 25,3% nos municípios e 48,8% nos estados. Esses números
indicam um baixo nível de formação dos profissionais da educação, uso
insuficiente de materiais didáticos e paradidáticos, financiamento inadequado e
baixas estratégias de gestão escolar, avaliação e monitoramento com pouca
atenção orientados às questões raciais.
Vale
lembrar que, para 64% de jovens entre 16 e 24 anos, o ambiente educacional é
aquele onde mais sofrem racismo, segundo pesquisa realizada pelo Projeto Seta.
Os dados do diagnóstico do MEC também indicam que as mulheres pretas são as que
mais percebem que raça/cor é o principal motivador de violência nas escolas.
Os
achados trazidos pelas pesquisas indicaram a necessidade de protocolos para
enfrentamento ao racismo nesses ambientes, o que fez com que o ministério
passasse a impulsionar sua adoção, também uma conquista e uma medida a ser
acompanhada pelos movimentos sociais e sociedade civil organizada.
Na
pesquisa de Geledés e Alana, ao serem questionados sobre os desafios para
implementação do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas
escolas, 53% dos respondentes reclamam da ausência de apoio de outros entes
e/ou organizações para o cumprimento da Lei 10.639, 42% afirmam que há
dificuldade dos profissionais sobre como transpor o ensino nos currículos e
projetos das escolas e 33% afirmam que a secretaria não tem informação e
orientação suficientes sobre a temática. Isto é, depois de 21 anos, gestores
públicos ainda não se comprometeram em enfrentar o racismo frontalmente e
garantir o direito de crianças e adolescentes à valorização da herança africana
no Brasil.
Em
consequência, isso significa que as pessoas que tiveram que escrever sobre esse
tema no Enem, possivelmente viveram
cotidianamente o complexo contexto escolar agravado pelo racismo e não tiveram
acesso a esse conteúdo nas salas de aula. Ou se tiveram, foi pontualmente no
mês da Consciência Negra, mas dificilmente de forma contínua e interdisciplinar
como preconizam as Diretrizes Curriculares e que deve ser defendido e garantido
pelo poder público.
Por
isso, o compromisso político com a valorização do povo africano e
afro-brasileiro na história política, econômica e cultural deve ser fortalecido
entre tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas, de modo que se
garanta condições materiais para que profissionais já comprometidos com a
questão racial tenham suporte para executarem práticas pedagógicas de qualidade
e que assegurem plenamente os direitos de crianças e adolescentes de
frequentarem escolas que considerem a história negra e que assegurem um
ambiente sem discriminação racial.
____
Com informações da Alma Preta Jornalismo.
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