Grunec lança nota de repúdio as violações a lei de cotas no Ceará

 

Grunec lança nota de repúdio às violações a lei de cotas no Ceará. (FOTO/ Reprodução).
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Por Valéria Rodrigues, Colunista

 

O Grupo de Valorização Negra do Cariri (GUNEC) lançou nesta segunda-feira, 19 de dezembro, nota de repúdio as violações sistemáticas à lei de cotas por parte das instituições públicas do estado do Ceará. Segundo o grupo, mesmo havendo legislações tanto a nível nacional, como o Estatuto da Igualdade Racial de 2010 e, no âmbito estadual, como a que preceitua a reserva de vagas nos cursos de graduação das universidades estaduais e a que estabelece a reserva de vagas nos concursos públicos de entidades públicas estaduais, de 2017 e 2021, respectivamente, foi preciso recorrer de forma coletiva ao sistema de justiça para denunciar a inobservância dessas normas.

 

A nota endereçada a governadora do Ceará, Izolda Cela (Sem partido) e ao governador eleito Elmano de Freitas (PT), foi assinada por vários movimentos.

 

Confira abaixo o documento:

 

À Excelentíssima Senhora Governadora do Estado do Ceará

Professora Isolda Cela

 

Ao Senhor

Elmano de Freitas

Governador Eleito do Estado do Ceará

Fortaleza/CE

 

  REPÚDIO A VIOLAÇÃO SISTEMÁTICA DA LEI DE COTAS PELO ESTADO DO CEARÁ

 

O Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) vem a público manifestar repúdio as violações sistemáticas à lei de cotas por parte das instituições públicas do estado do Ceará.

A efetividade das políticas de ações afirmativas, que resultou da luta histórica dos movimentos negros pela igualdade, impõe à Administração Pública a observância da sua concretude, tratando os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida da sua desigualdade. 

Apesar da existência da Lei nº 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial no âmbito nacional, que preza por políticas em prol da igualdade, no âmbito estadual, a Lei n.º 16.197, de 17 de janeiro de 2017 estabelece a reserva de vagas nos cursos de graduação das universidades estaduais e a Lei n° 17.432/2021, que estabelece a reserva de vagas nos concursos públicos de entidades públicas estaduais, apenas entre 2021 e 2022, diversos processos coletivos foram instaurados perante o sistema de justiça para denunciar a inobservância dessas normas.

A título de exemplo, cita-se:

1-   Procedimento nº 01.2022.00000958-4, em trâmite no Ministério Público do Estado do Ceará, em face do Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e Assistência Nacional (Idecan) e o Estado do Ceará para retificação do resultado dos candidatos autodeclarados negros do concurso público da Polícia Civil do Ceará (PCCE);

2-   o Procedimento n° 09.2022.00027444-7, em trâmite no Ministério Público do Estado do Ceará, em face da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Ceará e Perícia Forense do Estado do Ceará (PEFOCE) para retificação do resultado dos candidatos autodeclarados negros do concurso público da PEFOCE;

3-   a Ação Civil Pública n° 0201613-44.2022.8.06.0071 em face da Universidade Regional do Cariri (URCA) para retificação do edital do concurso público de magistério superior, visando aplicação do percentual correto de vagas reservadas ao cotistas sem o método de fracionamento;

4-   Procedimento nº 01.2022.00000969-5, em trâmite no Ministério Público do Estado do Ceará,  também em face da URCA para implantação da comissão de heteroidentificação nas seleções dos vestibulares;

5-   o acordo extrajudicial entre Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE), a Polícia Militar do Ceará (PMCE), a Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado do Ceará (Seplag), a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPCE) e Fundação Getúlio Vargas (FGV) para convocação de mais candidatos cotistas aprovados no concurso para soldado da PMCE.

O GRUNEC denuncia à sociedade que há por parte dos gestores do Governo e dos órgãos do estado do Ceará um descumprimento sistemático da efetividade da política de cotas por meio de omissões e práticas administrativas ilegais, que burlam o microssistema legal que rege a política afirmativa com o fim de criar obstáculos ou relaxar dolosamente os mecanismos de controle, diminuindo na prática o quantitativo de pessoas negras com acesso às vagas definidas em editais para os cotistas.

Importa ressaltar que a Política Afirmativa de Cotas no Brasil tem respaldo na Constituição Federal, nas leis federais, estaduais e nas diversas convenções internacionais firmadas junto aos sistemas globais e regionais, como:

A - Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial - aprovada pela Resolução 2106 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 21 de dezembro de 1965;  

B - Declaração de Durban – adotada em 31 de agosto de 2001, em Durban (África do Sul), durante a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata;

C - Convenção Interamericana Contra o Racismo e a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância, ingressando no ordenamento pátrio com status de Emenda Constitucional;

Há de se considerar que o período de 2015-2024 foi estabelecido como a Década Internacional dos Afrodescendentes proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), cuja proposta é reconhecer a desigualdade e a discriminação étnico-racial; promover a justiça através de medidas especiais e desenvolver a comunidade afrodescendente assegurando a adoção de políticas sociais.

As ações afirmativas são bandeiras históricas dos movimentos negros brasileiros que reivindicam plena democracia nos espaços de saber e poder. Na academia, é preciso que as universidades se comprometam com a construção de uma agenda de enfrentamento ao racismo, o que inclui a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 na estrutura curricular dos cursos que ofertam e da política de cotas, com garantias de acesso e permanência.

No Ceará, as organizações dos movimentos negros unem-se ao contexto nacional e, com isso, reivindicam a ampliação, o aperfeiçoamento e o monitoramento das políticas de ações afirmativas nas instituições públicas do Estado.

No Cariri cearense, o GRUNEC vem debatendo essa questão desde a sua criação em 2001, com a realização de audiências públicas e outras atividades onde essa pauta tem sido central, a entrega à URCA da Carta de Princípios Institucionais para Políticas Afirmativas da Igualdade Racial elaborada com a participação de outros coletivos negros como o Pretas Simoa, as discussões geradas anualmente nos últimos 13 (treze) anos por ocasião da realização do Artefatos da Cultura Negra que tem oferecido suporte formativo, além dos encaminhamentos via carta aberta pelos Coletivos que formam esse importante movimento de combate ao racismo e tem sido pauta das ações protagonizada pelos movimentos estudantis.

Não obstante, os dados divulgados pelos estudos do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE) demonstram que mesmo sendo um dos estados brasileiros com maior número de população negra (72%), considerando a soma de pretos e pardos, os marcadores sociais de desigualdades raciais são significativos no que diz respeito ao grau de escolaridade, taxas de encarceramento, renda e ocupação formal, evidencializando a precarização histórica da vida da população negra. 

É por isso que as medidas legais adotadas para a reserva de vagas para pessoas negras pressupõem uma reparação histórica de desigualdades e desvantagens acumuladas, de modo a aumentar a representação negra nos espaços de poder, saber e de tomadas de decisões, refletindo no seu acesso a direitos fundamentais com igualdade de oportunidades.

Nesse ínterim, a reserva de vagas para pessoas negras se justifica em face dos severos obstáculos enfrentados para a sua inserção nas mais diversas esferas da vida social, fazendo-se necessária, portanto, a aplicação da igualdade material, a fim de possibilitar o adequado combate à discriminação racial.

O GRUNEC informa que ante a ausência de uma retificação nas condutas dos gestores dos órgãos, autarquias e fundações estaduais para correção, reparo e restauro da máxima eficiência da Política de Cotas no Estado do Ceará passará a requerer providências perante as instâncias federais e órgãos internacionais para que esta unidade federativa seja compelida a repelir as burlas e omissões que afastam o povo negro do acesso às vagas que lhe são de direito.

 

Crato/CE, dezembro de 2022.

ASSINAM ESSA NOTA:

Ponto de Cultura Municipal Terreiro das Pretas

CONSELHO MUNICIPAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL-COMPIR CRATO

Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos (CEDDH) e Conselho Municipal de Direitos Humanos de Sobral (CMDH-Sobral)

NEDESA (Núcleo de Estudos de Descolonização do Saber)

Associação Quilombola do Cumbe/Aracati - CE

Organização Popular - OPA

Teia dos Povos do Ceará

Núcleo de Estudos em Gênero e Relações Étnico-Raciais (NEGRER)

Instituição Religiosa de matriz africana. Candomblé Quilombaxé Kwe Sèjá Omi Yponda

MNU (Movimento Negro Unificado)

Rede de Mulheres negras do Ceará

Confederação dos trabalhadores do serviço público municipal - Confetam/CUT

Conselho Municipal dos Direitos da Mulher do Crato

Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública

Caritas Diocesana de Crato

Fórum Cearense de Mulheres-AMB

De Preto Plataforma de Criação e Produção Artística

Espaço Arte Africana Campinas

NEPIR- Núcleo de Educação para Promoção de Igualdade Racial (Juazeiro do Norte)

Neabi -  IFCE Juazeiro do Norte

Coletivo Camaradas

Ponto de Cultura Carrapato Cultural

CAIC

CARLKISSDANCE- COMPANHIA DE DANÇA NEGRA CONTEMPORANEA

Associação Abayomi Juristas Negras

Associação Mensageiras da Paz

Comitê Quilombola

Fórum Permanente de Educação e Diversidade Ético Racial do Ceará

Comitê impulsionador em defesa da liberdade religiosa

NOSSO movimento pelo bem estar no Brasil

NEEHDREM UFCA (Núcleo de Estudos em Educação, História, Diversidades, Raça, Etnia e Movimentos Sociais)

Frente de Mulheres do Cariri

Instituto Feminista Casa Lilás

Íamis kariris

Trupe dos Pensantes - Artes

Coletivo Florestar

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