Engana-se
quem pensa que a hegemonia branca do ministério do presidente interino Michel
Temer é apenas um golpe simbólico à representatividade dos negros nos escalões
superiores do governo.
Publicado
originalmente no DCM
Com
o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos diluído
no Ministério da Justiça, é improvável que a gestão Temer se empenhe na
promoção de políticas de igualdade racial.
Não
bastasse o esvaziamento da pasta relativo aos Direitos Humanos, o histórico
profissional do novo Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ratifica a ideia
de que conquistas no campo das políticas raciais, como a lei de cotas que
ajudou 150 mil jovens negros a ingressar em universidades, serão na melhor das
hipóteses estagnadas.
Advogado
formado pela USP, onde atua como professor, Moraes estava desde janeiro de 2015
à frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, instituição que
ordena as ações truculentas da Polícia Militar contra movimentos sociais e as
operações de retirada dos estudantes que ocupavam escolas públicas por
melhorias na qualidade do ensino.
Foram
desocupações nas quais a PM atuou sem mandado judicial e atropelando o Estatuto
da Criança do Adolescente.
Durante
sua gestão na Segurança Pública, o número de mortes de suspeitos em confrontos
com a polícia subiu 61%. Outra iniciativa contrária à promoção dos direitos
humanos foi a determinação do sigilo de 50 anos para dados de boletins de
ocorrência registrados pela polícia.
Não
é de se espantar que Moraes, que advogou para Eduardo Cunha e a cooperativa de
transporte Trasncooper, suspeita de envolvimento com o PCC (Primeiro Comando da
Capital), tenha classificado manifestações contra o impeachment de “atos de
guerrilha”.
Os
entraves aos avanços nas políticas raciais se encontram também no Ministério da
Educação, chefiado por Mendonça Filho, do Democratas. Em 2009, o partido entrou
com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo contra a implantação de
cotas raciais nas universidades públicas.
A
legenda ajuizou o mesmo tipo de ação contra o Decreto nº 4.887/2003, cujo texto
“regulamenta o procedimento para
identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras
ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos”.
Para
deixar a situação ainda mais difícil para o povo preto, a delimitação dos
territórios quilombolas ficará sob responsabilidade da pasta comandada por
Mendonça Filho, que incorporou o Ministério da Cultura.
Impossível,
nesta situação, não lembrar da figura clichê do lobo cuidando das ovelhas.
Nas
palavras do diplomata e cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, a composição
do ministério de Temer foi uma medida “conservadora,
retrógrada e poderia se dizer até gagá”.
Em
um vídeo que compartilhou em sua página no Facebook, Pinheiro, ex-ministro de
Direitos Humanos no governo FHC e um dos oito integrantes da Comissão Nacional
da Verdade, explica que a medida do presidente interino anulou uma “política de
estado” que remonta aos anos 40.
“Depois da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, vários pactos foram assinados, como o Pacto internacional Sobre
Direitos Civis e Políticos, a Convenção da Tortura, que o presidente Sarney
assinou em 1985 – o Brasil foi um dos primeiros a assinar essa convenção.
Depois outras convenções como a da discriminação racial, da violência contra a
mulher, dos portadores de necessidades especiais (sic), sobre os
desaparecimentos, enfim, pouco a pouco mais grupos sociais determinados foram
tendo seus direitos reconhecidos.”
“Mas esse governo tem uma ignorância crassa
sobre o que ocorreu no mundo desde 1948. Agora, o que é mais grave é o
desconhecimento do que ocorreu no Brasil, porque praticamente todos presidentes
da república desde o presidente José Sarney até a presidenta Dilma, todos
contribuíram na construção de uma política de estado de direitos humanos”,
disse o diplomata.
Se
em três dias de governo Temer conseguiu esta proeza, o que aprontará nos
próximos 180 dias? Seja lá o que for, não será favorável aos negros e demais
grupos historicamente discriminados.
![]() |
Michel Temer e Alexandre Moraes. |
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