O príncipe Ribamar da beira fresca e o projeto de modernização conservadora do cariri

 

Fotografia do Príncipe Ribamar da Beira Fresca em seus trajes cotidianos. (FOTO | Reprodução | Internet). 

Por César Pereira, Colunista

Joaquim Gomes Menezes seu nome, marceneiro de excelente arte para móveis, (principalmente caramanchões), também entalhava tesouras para os tetos das igrejas e santuários do Cariri. Era preto, negro, filho de pais que sempre foram pobres, nunca se casou, viveu sempre com a mãe e uma irmã que morreram bem antes dele, e dizem que estas morreram de fome.

Foi personagem muito conhecido em Juazeiro do Norte. Sempre visto em repartições públicas, saguões de hotéis, agências bancárias, escritórios, cartórios e na própria prefeitura municipal. Dele muito se falava. Falava-se dele na Rádio Progresso, falava-se dele na Rádio Iracema. Sobre ele escreviam os cronistas e os poetas. Era famigerado, pois seu nome era sempre propalado nas rodas de conversas, lembrado nas praças, nas feiras, nas bodegas.

Nos dias de festas, principalmente nas festas cívicas, dia do município e 7 de setembro, aparecia em público vestido roupa de gala. Nessas ocasiões trajava-se com apuro, pois aí envergava sua melhor vestimenta. Uma casaca com galões e botões dourados, dragonas e capa, calça de linho com vinco, cinto de couro e muitas medalhas, representando suas muitas condecorações e títulos honoríficos.

Nos dias comuns caminhava pelas ruas de Juazeiro do Norte vestindo terno, chapéu e pasta e guarda-chuva nas mãos. Dentro da pasta tinha tudo: cheques já descontados, documentos vencidos, cartas e uma fotografia da princesa Gioconda da Eslobóvia, também projetos de engenharia, ideias políticas e folhetos de cordel.

Os incautos o acreditavam doido, mente fraca, um homem que teria perdido o juízo. Muitos o tratavam com desdém e o viam apenas como o restolho de um mundo arcaico que o rápido progresso de Juazeiro do Norte ia tratando de eliminar para deixar a cidade limpa, pronta para receber os bons ventos da modernidade.

Para muitos, o príncipe era maluco, um pobre coitado com o cérebro derretido pelo sol do sertão. Riam dele, roubavam e escondiam o retrato da Gioconda. Nestes momentos, o príncipe se imobilizava, uma explosão de dor o congelava. Eu me lembro dele, assim privado da sua amada, feito uma estátua no meio da praça. Parecia tão triste e ausente de si que, eu juro, flutuava a meio metro do chão, pendurado no guarda-chuva branco. Quando uma alma boa lhe devolvia seu bem mais precioso, a felicidade saltava dos seus olhos como um raio na tempestade. Talvez ele fosse realmente louco. Mas uma loucura que fazia nascer uma tal felicidade e uma felicidade que vinha de um amor tão grande me deixavam na dúvida. (WILKER, 1995, disponível em: http://oberronet.blogspot.com/2011/07/principe-ribamar-o-sonhador-de-juazeiro.html, acesso em 21 de maio de 2023).

           

Na década de 1950 a cidade de Juazeiro do Norte já despontava como uma das mais promissoras do interior nordestino. Impulsionado pelas romarias em torno da figura e da memória do padre Cícero Romão Batista, o progresso econômico deste município do sul do estado do Ceará já era celebrado em todo o Brasil. Na década seguinte, isto é, 1960, as lideranças políticas de Juazeiro do Norte ganhariam força quando se posicionaram ao lado dos grupos hegemônicos na política cearense.

O período que vai de 1964 a 1985, ficou conhecido no Ceará como o do Ciclo dos coronéis. Isto porque ao longo desses vinte e um anos, os principais líderes da política do nosso estado foram homens ligados aos generais-presidentes que governaram a república brasileira durante a vigência da ditadura civil-militar.

Do início dos anos 1970 à metade da década seguinte, a política cearense foi compartilhada por três grupos oligárquicos liderados pelos coronéis do exército Virgílio Távora, Adauto Bezerra e César Cals. [...] o controle que os coronéis exerciam sobre o Ceará decorria, sobretudo, de um fator externo, isto é, o apoio que recebiam da ditadura militar brasileira. (FARIAS, 2015, p.493).

A atuação política do coronel Adauto Bezerra, juazeirense nascido em 1926, ao lado de outros líderes cearenses alinhados com a ditadura, transformou assim o estado do Ceará num forte reduto de apoio ao regime político implantado por meio de um golpe de estado no dia 31 de março de 1964.

Esse período de triste memória para a história de nosso país, marcou uma época de avanços econômicos no Cariri, em especial nas cidades de Juazeiro do Norte e Crato, os dois municípios onde se concentrava a atenção dos políticos caririenses.

Aos poucos essas cidades do Cariri iam perdendo sua base econômica agrária estruturada na lavoura de cana-de-açúcar, criação de gado, cotonicultura e na produção de mandioca, e enveredavam por um projeto de industrialização financiado por investimentos de capitais estrangeiros e do governo federal na região.

A economia das três principais cidades caririenses (Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte), diversificou-se bastante. O comércio cresceu, bancos foram fundados, outros que já existiam e eram importantes casas financeiras em todo o país abriram agências nessas cidades. O crédito disponível aumentou o número de fábricas e novas casas comerciais foram abertas nesses municípios.

Ainda na década de 1970 e 1980, Juazeiro do Norte tornou-se o principal centro econômico do sul do Ceará. Dezenas de indústrias se instalaram no município e em consequência disto houve um rápido aumento demográfico na cidade. O progresso econômico também alterou o ritmo da metrópole regional e assim a relação dos seus habitantes com o espaço e o tempo também sofreu sensíveis rupturas.

Para se ter uma idéia da rapidez do desenvolvimento demográfico e econômico do Juazeiro, lembramos que em 1872, quando Padre Cícero lá chegou como capelão, aquele povoado contava aproximadamente duas mil almas. Em 1909, já contava 15.050 habitantes e, em 1940, 38.145, quase se equiparando ao Crato, que naquele ano contava 40.282 habitantes. Em 1940, a população urbana e suburbana de Juazeiro já era bem maior do que a do Crato: 24.155 habitantes, enquanto a zona urbana do Crato contava apenas 12.567 habitantes. Em 1950, a população de Juazeiro salta para 56.146 habitantes, enquanto que a do Crato vai para 46.408, mantendo-se a grande maioria dos habitantes do Juazeiro na zona urbana: 42.821, enquanto no Crato a maioria ainda habitava o campo, residindo na zona urbana apenas 16.776. Em 1960, a população de Juazeiro era de 68.494, dos quais 54.170 residiam na zona urbana, enquanto no Crato havia 59.464 habitantes, dos quais 29.308 habitando a zona urbana. (CORTEZ, 2000, p. 70).

 

Nos fins da década de 1930, Juazeiro do Norte era ainda vista como uma cidade arcaica. espécie de reduto do fanatismo religioso, antro de beatos, um lugar onde vicejavam as crendices e as práticas religiosas consideradas nefastas pela igreja católica. Padre Cícero Romão Batista havia falecido em 1934, o túmulo e os restos mortais de Maria de Araújo haviam sido destruídos em 1931, o beato José Lourenço havia sido expulso do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto em 1937, mas a população local teimava em manter viva as práticas religiosas heterodoxas da religiosidade popular.

As mentalidades do povo e os comportamentos dos “tipos” (romeiros, penitentes, beatos, rezadeiras, carpideiras, cegos, cantadores, pedintes), exasperavam as elites locais que sonhavam com uma cidade asséptica, uma cidade “civilizada”, onde prevalecesse principalmente a boa ordem cosmopolita que utopicamente existia nas grandes capitais brasileiras, modelos de cidades modernas para as demais.

O projeto de modernização conservadora que passou a ser efetivado no Ceará a partir da década de 1950 e logo foi igualmente introduzido no Cariri, este tinha como principal objetivo efetivar um ideal modernizador que favorecesse as elites locais em todos os aspectos: econômico, dispondo-lhes capitais para investirem em seus negócios;  culturais, abrindo escolas e faculdades para que os filhos dessa elite pudesse ter acesso a cultura “civilizada” do mundo; aspectos heterotópicos, criando espaços-outros., (FOUCAULT, 2001) (praças, parques municipais, balneários, clubes privados) onde essa elite pudesse divertir-se.

Mas enquanto a elite caririense ufanava-se com o aparente progresso do Cariri e acreditava haver enfim trazido a civilização para o sul cearense, indivíduos, grupos e mentalidades ditos “arcaicos” e que essa mesma elite desejava soterrar resistiam e sobreviviam impedindo a plena efetivação do projeto “civilizatório” da branquitude e do elitismo no Vale do Cariri.

Figuras populares como Maria Caboré, dona Pibite, Maria Dariú, beato da Cruz, Compadre Chico, Tandôr, Doida Amaral, João Mexe-bucho, Bilinha, se impunham como resistências ao projeto “civilizador” das elites. Assim, enquanto os grupos economicamente hegemônicos procuravam impor de cima para baixo seu ideal modernizador através do PLAMEG I (Primeiro Plano de Metas Governamentais), projeto de industrialização do estado do Ceará idealizado pelo coronel Virgílio Távora e toda a classe política conservadora que gravitava em torno do governador do estado, havia estratos, grupos, indivíduos que se impunham como resistência, fenda e desvio contra esse pacto pelo progresso das elites locais.

O Ceará sempre foi uma região de economia pouco dinâmica e periférica no Brasil, estado pobre distante dos grandes centros mundiais do capitalismo, sujeito a secas periódicas e de solos ruins, (pouco férteis e desgastados pela erosão, uso contínuo e falta de investimentos), apresentava uma estrutura latifundiária intocada e uma elevada concentração de renda, o que diminuía por demais o mercado consumidor interno. Sua economia no início dos anos 1960 era frágil baseada no comércio, na produção agropastoril, na lavoura de subsistência e nas atividades extrativistas. (FARIAS, 2015, p. 475).

Para superar este projeto econômico que vinha sendo a base da força política das elites cearenses desde o século XIX, o governado Virgílio Távora aderiu ao programa desenvolvimentista em voga no Brasil a partir da década de 1950:

Foi, portanto, com base nessas ideias desenvolvimentistas que Távora realizou sua gestão no Ceará. Não mudaria, é verdade, a estrutura fundiária nem diminuiria as abissais diferenças sociais, mas realizaria a “modernização conservadora” cearense – modernização no sentido de realização de grandes projetos estruturantes no sentido de ser feita baseada nos mesmos padrões políticos vigentes. (FARIAS, 2015, p.475).

          À medida que o projeto dessa modernização conservadora se aprofunda no Ceará ele chega ao Cariri e principalmente em Crato, Barbalha e Juazeiro do Norte, pois aí residia o grosso da elite política regional.

Essa modernização conservadora logo atinge os indivíduos e grupos tidos como “arcaicos” e que passam a ser vistos como sinônimo de atraso e incivilidade para a região. Esses grupos e indivíduos arcaicos, fanáticos, bárbaros vão sendo folclorizados ou somente postos a margem, e aqueles que resistem à folclorização e disciplinamento são extintos, caso ocorrido com as carpideiras de Nossa Senhora da Boa Morte.

Quem aceita o disciplinamento é conduzido para as margens da cultura oficial, sendo relegados a tomarem parte, mas estrito controle disciplinar por meio de contrato e cachês nas festas programadas pelo município ou a Igreja Católica, isto seu deu por exemplo com os grupos de penitentes, reisados, vendedores de cordel, cantadores, violeiros, artesãos. Homens e mulheres que não se alinharam ao modelo de modernidade projetado para as cidades de Crato, Juazeiro e Barbalha tornam-se logo incômodos e desapareceram sucumbidos ao esquecimento.

É neste período que as romarias antes manifestações espontâneas dos fiéis do Padre Cícero Romão Batista passam ao controle da Diocese do Crato que se faz representar em Juazeiro do Norte pela figura carismática do padre Murilo de Sá Barreto.

Por outro lado, todo centro de interesse peregrino surge de alguma teofania inaugural ou do anúncio de algum fato extraordinário à volta de determinada santidade. E Juazeiro, também nisso, não difere dos demais. Inegavelmente, porém, o que mais chama a atenção do estudioso desses fenômenos e que caracteriza ou particulariza as romarias do Juazeiro reside no fato de serem elas praticamente criadas e sustentadas autonomamente pelo povo e até, durante muito tempo indesejadas e reprimidas pela Igreja oficial ou sua hierarquia. (DIATAHY, 2004, p. 114).

Percebeu-se na segunda metade do século XX, que não se podia conter os movimentos religiosos no Cariri. Até então a atitude da Igreja Católica vinha sendo no sentido de fazer a repressão as romarias, ou quando muito tolerá-las. Mas a partir da década de 1960, uma aliança entre as forças políticas e religiosas locais adotou a estratégia da disciplina.

O objetivo das autoridades e elites regionais passou a ser explicitamente disciplinar. Não se combatia mais os movimentos religiosos em Juazeiro do Norte, procurava-se discipliná-los. A construção da estátua do Padre Cícero Romão Batista na Serra do Horto, a urbanização dos caminhos que davam acesso aos locais de devoção, o estabelecimento de calendários para as romarias oficiais, o credenciamento dos vendedores de santos, objetos sacros, pousadas, a criação de museus e galerias para abrigar os vestígios materiais e a memória do Padre Cícero, bem como os presentes e ex-votos dos romeiros foram aos poucos estabelecendo a ordem e a disciplina na espontaneidade dos movimentos religiosos caririenses.

esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar ‘disciplinas’. Muitos processos disciplinares existem há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. Diferentes da escravidão, pois não fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes (FOUCAULT, 2010, p. 133).

 

O processo de disciplinamento das cidades do Cariri efetivar-se-ia ao longo da segunda metade do século XX. Para os resistentes contra esta “modernização” foram construídas as instituições disciplinares tradicionais. Na década de 1970 inaugurou-se no Crato o hospital psiquiátrico Santa Tereza para abrigar os loucos. Para esta instituição eram encaminhados além dos doentes mentais assim diagnosticados pelo saber médico, também aqueles que viviam pelas ruas das cidades “perturbando” os transeuntes, pondo em risco a boa fluidez do trânsito, trazendo incômodos e constrangimentos para os consumidores e visitantes da terra.

No mesmo período foi inaugurada a Colônia Penal de Santana do Cariri, para onde iam recolhidos os criminosos e marginais das cidades caririenses. Nessa colônia penal realizavam trabalhos agrícolas e em oficinas, aí os presos viviam numa espécie de regime disciplinar semiaberto.

A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. Humildes modalidades, procedimentos menores, se os comprarmos aos rituais majestosos da soberania ou aos grandes aparelhos do Estado (FOUCAULT, 2010, p. 164).

 

Por meio do disciplinamento do corpo procurava-se reeducar os marginais do Cariri. Assim, além do hospício e prisões outras instituições de caráter disciplinar foram construídas ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980 no Vale do Cariri. É dessa época que data a abertura da escola agrotécnica da região, a escola técnica de comércio em Crato, a escola normal rural de Juazeiro do Norte, os hospitais especializados de Crato e Barbalha.

Diante de todo esse poderoso aparato “modernizador”, “civilizatório”, e principalmente disciplinador, o que pode o corpo negro de Joaquim Gomes Menezes, mais conhecido como Príncipe Ribamar da Beira Fresca?

A presença do corpo desse homem negro nos espaços utópicos gestados pelas elites locais foi tão marcante que mesmo intelectuais a serviço desta elite local não puderam prescindir da sua presença. O corpo negro do Príncipe Ribamar da Beira Fresca se impôs no seu próprio tempo como um instrumento de rebeldia contra a projeto de modernização conservadora no Cariri e mais especificamente em Juazeiro do Norte.


O Príncipe Ribamar da Beira Fresca em sua melhor vestimenta pronto para o desfile cívico de 7 de setembro. (FOTO | Reprodução | Internet). 

Não trataremos como coincidência o fato de que a suposta loucura que acometeu Joaquim Gomes Menezes tenha se desencadeado nos meados da década de 1950, exatamente quando os pactos das elites locais para modernizar e disciplinar as cidades de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha e a partir delas estender o modelo modernizador para toda a região se fizeram mais evidentes através da política de industrialização, modernização e desenvolvimento do Ceará proposta pelo PLAMEG I.

Sabemos que até fins da década de 1940, Joaquim Gomes Menezes vivia uma vida pacata em companhia de sua mãe e sua irmã nas proximidades do Rio Salgadinho em Juazeiro do Norte. Nessa época trabalhava como marceneiro, e era um profissional bastante requisitado para fabricar móveis, e criar tesouras para os tetos de prédios e igrejas da região. Consta que teria sido o criador das tesouras das que sustentam os tetos do santuário de São Francisco de Assis em Juazeiro do Norte e do Cine Eldorado na mesma cidade, também há notícias de ter sido este homem negro quem entalhou a tesoura que sustenta o teto da igreja matriz de Ipaumirim no Ceará.

O Príncipe Ribamar com seu Joaquim ele mesmo. (FOTO | Reprodução | Internet).

Relatos da época informam que era exímio entalhador de móveis e que tinha especial talento para criar caramanchões de jardim, muito comuns nos nas casas ricas daquelas décadas. Desse modo percebemos que Joaquim Gomes Menezes vivia como um trabalhador e um homem comum até princípios dos anos de 1950.

 

Em vários relatos sobre o Príncipe Ribamar temos o depoimento de que se tratava de um exímio carpinteiro, que abandonou a profissão para perambular pelas ruas de Juazeiro e mostrar as condecorações recebidas, simbolizadas em medalhas penduradas na sua incrementada vestimenta. Pelas suas qualidades de homem pacato e respeitador, todos lhe davam atenção. Era um excelente marceneiro: foi ele quem fez os cruzamentos e tesouras de madeira para a construção do Santuário São Francisco, cines Eldorado e Capitólio, caramanchões e outras obras em madeira. (João Caboclo, disponível em http://principeribamar.blogspot.com/, acesso em 21 de maio de 2023).

 

As primeiras notícias de que Joaquim Gomes Menezes adotara para si a personalidade de Príncipe Ribamar da Beira Fresca vem de relatos e crônicas de fins de 1950. Durante mais de duas décadas ele viveria em Juazeiro do Norte não mais como o marceneiro Joaquim Gomes, mas como o nobre Príncipe Ribamar a vagar pelo centro da cidade apresentando seus projetos para quem lhe desse a devida atenção.

Desse modo enquanto Juazeiro do Norte se “modernizava”, enquanto o progresso chegava e as elites se ufanavam dele, e enquanto essa mesma elite criava os espaços heterotópicos para seu gozo ou para disciplinamento biológico dos resistentes ao seu projeto de modernização conservadora, o Príncipe Ribamar da Beira Fresca rebelava-se com seu corpo negro contra os devaneios desenvolvimentistas das elites políticas e econômicas conservadoras regionais.

A rebelião do Príncipe Ribamar da Beira Fresca não se impunha somente pela presença do seu corpo negro rebelado contra as práticas disciplinares do ideal de modernidade da intelectualidade e da elite caririense. Além do seu corpo negro rebelde que se fazia presente nas festas e celebrações públicas dadas pela classe dominante para comemorar os fastos nacionais e municipais, havia toda uma estratégia de resistência nos gestos, nas falas e nas ideias do Príncipe Ribamar.

Segundo João Caboclo:

Figura bastante popular entre a população: cor morena, estatura elevada, físico esguio. Nos dias de festas, Dia do Município, 7 de setembro, trajava vestes reais: chapéu de penacho, sapatos com emblemas, muitas medalhas em metais luminosos lhe ornavam o peito, casaca de botões dourados, espada e outros aparatos que lhe davam aparência real. Usava óculos escuros e andava de forma imponente. Costumava conversar com pessoas eminentes, autoridades e frequentava diariamente as agências bancárias da cidade. (Disponível em: http://principeribamar.blogspot.com/, acesso em 21 de maio de 2023)

 

E Daniel Walker:

 

Quem conheceu o Príncipe Ribamar da Beira-fresca, em Juazeiro do Norte, sabe que ele tinha quatro grandes empreendimentos, tidos por todos como sendo coisas fantasiosas: 

1) Fábrica de desentortar banana; 

2) Fábrica de fumaça; 

3) Mina de espermatozoides e 

4) Cavalaria marítima. 

Ninguém o levava a sério, e ele morreu com muita gente acreditando tratar-se de mais um dos loucos da cidade. Mas isso pode não ser totalmente verdade, e talvez ele não tenha sido tão louco como se pensava... (Disponível em: http://principeribamar.blogspot.com/, acesso em 21 de maio de 2023).

 

A pasta de estadista Do Príncipe Ribamar da Beira Fresca trazia uma fotografia de sua dama prometida, a Princesa Gioconda de Eslobóvia e junto a fotografia dessa alteza real havia também documentos em que planejava como estabelecer a paz mundial, mas havia igualmente planos de gestão, ideias políticas, projetos de engenharia. Aos incrédulos tais projetos e planos semelhavam abusões geradas por um cérebro doente e uma mente ensandecida.

Desses ideais do Príncipe Ribamar costuma-se falar em tom geralmente chocarreiro e trocista. Se os seus contemporâneos ouviam-no falar ou tinham notícias de suas ideias para construir uma fábrica de fumaça, montar uma máquina de desentortar banana, aplainar a Serra do Horto para lá construir um sanatório para tratamento dos tuberculosos, trazer uma cavalaria marinha desde o mar através do curso do Rio Jaguaribe, Rio Salgado e Salgadinho para guarnecer Juazeiro do Norte ou instalar uma mina de espermatozoide, tratavam essas ideias como fantasias e produtos de uma mente doente.

Mas o que podemos perceber é que há uma evidente ironia subversiva nesses ideais surrealistas do Príncipe Ribamar. Vejamos alguns aspectos desses pensamentos. Sabemos que ao ser questionado sobre suas propriedades o Príncipe informou que se dedicava a criar macacos em sua fazenda, mas sua criação de símios estava sendo atacada por viventes humanos e para dar cabo da praga que atormentava seus macacos tinha passado a caçar tais viventes e com o couro destes fabricava cédulas de 5.000 e 10.000 cruzeiros que por isso possuíam alto valor monetário.

Esses e outros relatos sobre as falas e gestos públicos do Príncipe Ribamar da Beira Fresca mostram que sua lógica de pensamento se vinculava aos pensamentos oníricos dos surrealistas. Com efeito na lógica do surrealismo a realidade não se apresenta como foi gestada pela razão ocidental, os pensadores surrealistas, pintores, escultores, poetas, escritores, cineastas adotaram uma percepção maravilhosa da realidade.

Se a racionalidade extrema do século XIX, trouxe o caos para a
civilização, o Surrealismo, então, propôs uma nova lógica de pensamento., a realidade vista como espaço onde se funde o real e o maravilhoso, a antilógica surrealista se afirma como subversão da ordem burguesa. [...] o Surrealismo que preconizou quatro postulados: a liberdade, a poesia, o amor e o
maravilhoso. A liberdade no Surrealismo busca o desapego às regras sociais burguesas
religião, família, trabalho. (TIMBONI, 2012, p.3)

 

Ao inverter a lógica da racionalidade que se esperava de um homem disciplinado pelas luzes da modernidade o Príncipe Ribamar da Beira Fresca criava o estranhamento no seu ouvinte ou nas testemunhas dos seus atos e falas.

Máquina de desentortar banana? Fazenda de Macacos? O que significam essas ideias? Elas sugerem que o Príncipe Ribamar não se submetia aos princípios de uma racionalidade disciplinada gestada no âmago do projeto de modernidade e de sociedade “civilizada”, nem tampouco se submetia a lógica da “normalidade” burguesa transplantada ao longo do século XIX e XX para o Brasil.

Seus gestos depunham contra o sistema de valores impostos pela elite regional sobre a população caririense, isto é, enquanto a igreja e as autoridades políticas atuavam com o evidente objetivo de disciplinar os movimentos religiosos de Juazeiro do Norte e do Cariri em geral impondo aos romeiros práticas religiosas oficialmente construídas em torno da memória e da história do Padre Cícero Romão Batista, o Príncipe Ribamar circulava com suas vestes de alteza real pela cidade impondo sua presença e seu corpo negro àqueles que o queriam disciplinado.

Príncipe Ribmar da Beira Fresca e seus trajes de gala. (FOTO | Reprodução | Internet).


Ao não se sujeitar a ser recolhido ao hospício do Crato ou a colônia penal de Santana do Cariri, ao não aceitar ser medicalizado ou reeducado pelas instituições do biopoder local, o Príncipe Ribamar passou a representar toda uma estratégia de resistência contra os instrumentos de disciplinamento que vão tomando conta do Cariri e de Juazeiro do Norte ao longo da segunda metade do século XX.

Seus gestos são os gestos de um homem que se rebela contra os poderes constituídos, mas esta não é uma rebelião que agita bandeiras ou discursos inflamados, esta é a rebelião de um homem infame, de um homem que possuindo um corpo rebelde e uma inteligência sagaz deles faz uso para através da existência autêntica impor seu modo de ser contra as formas de existir criadas pela modernidade.

Como vimo a vida, os gestos e o corpo do Príncipe Ribamar da Beira Fresca nunca foram compreendidos pelos seus contemporâneos, não se percebeu que ele era um burlador, um Dom Quixote contra os moinhos de vento, um homem rebelado contra uma modernidade que submetia multidões a servidão voluntária e concedia privilégios as elites fechadas nos seus próprios nichos heterotópicos.

Diante da impossibilidade de viver de acordo com os princípios daquela sociedade disciplinar Joaquim Gomes Menezes criou para si a singular existência do Príncipe Ribamar da Beira Fresca, existência esta que cinquenta anos após seu desaparecimento ainda permanece como um desafio à sociedade disciplinar e à modernidade conservadora do Cariri.

REFERÊNCIAS

CORTEZ, Antônia Otonite de Oliveira. A construção da “cidade da cultura”: Crato (1889-1960), disponível em https://cariridasantigas.com.br/wp-content/uploads/2018/09/Disserta%C3%A7%C3%A3o-Otonite.pdf

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Trad. Mana Ermantina Galvão – São Paulo: Martins fontes, 1999.

MENESES Eduardo Diatahy Bezerra. Romarias e o Juazeiro do Padre Cícero. In: Anais do III Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero. Juazeiro-CE, 2004.

TIMBONI, Kétina Allen da Silva. O Surrealismo em Salvador Dalí, Pablo
Picasso e Eugenio Granell
, disponível em:
https://www.ufrgs.br/ppgletras/wp-content/uploads/2020/06/TIMBONIKetina.pdf.

WILKER, José. Revista Globo Rural, Editora Globo, Rio de Janeiro, 1995.

Quer saber até onde vai o compromisso antirracista de alguém? Solicite para enfrentar o sistema

 

(FOTO |Reprodução | EPA | BBC Brasil).


Por Nicolau Neto, editor

No último dia 13 de maio, o Brasil completou 135 anos da assinatura da Lei Áurea. Pouco ou quase nada foi modificada na situação da população negra que vivia escravizada. A situação reverberada hoje é um dos sinais de que a luta por igualdade de oportunidades e de enfrentamento ao racismo não deve ser, sob hipótese nenhuma, cessada.

A resistência dos (as) racistas – daqueles (as) que escancaram aos (as) que negam, passando pelos (as) que silenciam -, é grande. Mas a nossa precisa ser maior ainda. Quem é ativista sabe que o caminho é longo para superar o maior problema do país. Digo e repito sempre aos (as) estudantes que o maior problema brasileiro é o racismo, pois todos os outros são decorrentes deste.

Vejamos. Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) divulgados em junho de 2022 apontou que dos 33 milhões de brasileiros que passam fome, 70% são negros; Conforme informações de 2018 apresentadas pelo IBGE, a população negra é maioria entre desempregados. Esse número chega a casa dos 64%. Neste mesmo ano, o instituto cravou que a população citada representava 55,8% da população brasileira e 54,9% da força de trabalho; em 2021 um levantamento feito pelo Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege) e pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro apontou que negros são maioria de presos tendo como (na maioria dos casos) único critério reconhecimento fotográfico nas delegacias no Brasil, o que é, para especialistas uma prova sujeita a equívocos, falhas. Nesse caso, o número de negros vítimas desse fator chega aos 83%; nas universidades, a população negra é minoria; nos cargos de lideranças nas escolas, nas empresas, no poder legislativo (seja ele a nível federal, estadual ou municipal); no STF, no STJ, nos poder executivo (em qualquer dos níveis)….

Eu poderia citar vários e vários exemplos do racismo à brasileira e, inclusive, reforçar a tese do sociólogo brasileiro Jessé Souza que em sua obra “Como o racismo criou o Brasil” destaca que … “tanto no Brasil quanto fora dele, as tentativas de explicar o racismo se reduziram, no entanto, a meramente provar que ele existe.” (2021, p.8). Mas no Brasil as discussões sobre racismo, como em qualquer outro país engatinham. Aqui mais do que em qualquer outro lugar. No Brasil, esse debate ainda está na fase do provar que existe racismo e é preciso, como pontua Sousa ultrapassar esse muro porque ele é descabido.

Institucionalmente somente no início desse ano é que a injúria racial foi equiparada ao crime de racismo e a lei que tornou obrigatória o ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas públicas e particulares apesar de já ter duas décadas de existências, ainda não é cumprida. Há falta de compromisso político-pedagógico com a educação antirracista. O que prova que o compromisso do estado com a superação das desigualdades raciais é recente e falta ainda fiscalização para fazer cumprir o que ele mesmo transforma em lei.

Para superar esse desafio é preciso, em primeiro lugar, não cessar o ativismo. Em segundo, fazer desse ativismo não só como instrumento de denúncias, mas sobretudo de construções ações que permitam a construção de uma sociedade reconheça e valorize a diversidade. Sem esquecer, evidentemente, seus limites de atuação e onde entra o do Estado. E é justamente nesse campo que se conhece quem de fato é antirracista. Quer saber até onde vai o compromisso antirracista de alguém? Solicite para enfrentar o sistema, para ser um elo entre você e o sistema ou para ser um propagador de ideias e ações que tenham como propósito derrotar as barreiras racistas.

Em abril deste ano iniciei uma oficina sobre “O saber afro-indígena e o ensino de Sociologia nos livros didáticos” junto a estudantes do 3º ano da EEMTI Pe. Luís Filgueiras, em Nova Olinda-Ce. Este mês comecei uma campanha para que seja criado uma Secretaria da Equidade Racial nos vinte e oito municípios do cariri. A oficina teve repercussão na região através do site CREDE 18 e nacionalmente por meio de sites como Alma Preta Jornalismo (Rio de Janeiro) e Instituto Búzios (Bahia). Mas não foi propagado no município. A proposta da Secretaria, por sua vez, apesar de ter sido veiculada em alguns blogs, não encontrou apoio. Nem mesmo de quem mais deveria dar. Solicitei, inclusive, e a grande maioria ou deu o silêncio como resposta ou destacou que não via necessidade na criação.

Referências

Dos mais de 33 milhões de brasileiros que passam fome, 70% são negros. Disponível em: https://pesquisassan.net.br/. Acesso em: 21.mai.2023;

Injustamente: negros são maioria de presos com base no reconhecimento fotográfico nas delegacias no Brasil. Disponível: https://www.anf.org.br/injustamente-negros-sao-maioria-de-presos-com-base-no-reconhecimento-fotografico-nas-delegacias-no-brasil/. Acesso em: 21.mai.2023;

Lula sanciona lei que equipara o crime de injúria racial ao de racismo. Disponível em: https://www.geledes.org.br/lula-sanciona-lei-que-equipara-o-crime-de-injuria-racial-ao-de-racismo/. Acesso em: 21.mai.2023;

Negros são maioria entre desocupados e trabalhadores informais no país. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/negros-sao-maioria-entre-desocupados-e-trabalhadores-informais-no-pais. Acesso em: 21.mai.2023;

Negros são 75% entre os mais pobres; brancos, 70% entre os mais ricos. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/11/13/percentual-de-negros-entre-10-mais-pobre-e-triplo-do-que-entre-mais-ricos.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 21.mai.2023;

Professor Nicolau Neto realiza oficina sobre saberes afro-indígenas nos livros didáticos. Disponível em: https://www.institutobuzios.org.br/professor-nicolau-neto-realiza-oficina-sobre-saberes-afro-indigenas-e-o-ensino-de-sociologia-nos-livros-didaticos/. Acesso em: 21.mai.2023;

Professor Nicolau Neto inicia campanha para criação da Secretaria da Equidade Racial. Disponível: http://www.blogdoboa.com.br/?page=post&cod_post=5783. Acesso em: 21.mai.2023.

SOUZA, Jessé. Como o Racismo Criou o Brasil. 1º ed. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2021.

Nova carteira de identidade será emitida sem informação sobre sexo

 

(FOTO | Reprodução).

O governo federal mudará a apresentação da nova Carteira Nacional de Identidade (CIN) para tornar o registro mais inclusivo e representativo. O documento não terá mais distinção entre nome social e nome do registro civil. Dessa forma, passará a adotar o nome ao qual a pessoa se declara no ato da emissão.

A carteira de identidade será impressa sem o campo referente ao sexo. O decreto que regulamentará a emissão da CIN com as alterações tem previsão de ser publicado no final de junho. A partir da divulgação da norma, todos os novos documentos já serão emitidos no novo modelo.

As mudanças no Carteira de Identidade Nacional foram solicitadas pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, com o objetivo de promover mais cidadania e respeito às pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexos, Assexuais e Outras (LGBTQIA+) e fazem parte do compromisso do governo federal com políticas públicas voltadas a este público.

Identidade

A Carteira de Identidade Nacional determina o CPF como número único e válido em todo território nacional. O documento está apto a ser executado em 12 estados: Acre, Alagoas, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Para a emissão, a população deve procurar a Secretaria de Segurança Pública do estado onde deseja ser atendido.

Com a nova identidade, a probabilidade de fraudes é menor, visto que antes era possível que a mesma pessoa tivesse um número de RG por estado, além do CPF.

A nova carteira terá um QR Code, que permite verificar sua autenticidade do documento, bem como saber se foi furtado ou extraviado, por meio de qualquer smartphone. Conta ainda com um código de padrão internacional chamado MRZ, o mesmo utilizado em passaportes, o que o torna ainda um documento de viagem.

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Com informações da Agência Brasil e Notícia Preta.

Constituição e Lei Maria da Penha ganham tradução em idioma indígena

 

(FOTO | Reprodução | Agência Brasil).

Quinze tradutores indígenas estão trabalhando em uma tradução da Constituição Federal para o nheengatu, língua de origem tupinambá falada por diversos povos que vivem na região amazônica. O trabalho deve ser concluído em outubro, com o lançamento da obra em uma cerimônia na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM). Será a primeira versão da Carta Magna em idioma indígena.

A iniciativa é do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e está sendo coordenada pelo presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, e pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Ribamar Bessa. Outro projeto pretende traduzir a Lei Maria da Penha para idiomas indígenas, atendendo a uma demanda apresentada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Segundo Lucchesi, essas iniciativas são apenas o começo.

Como o nheengatu tem uma relação importante com a língua portuguesa, no sentido de ser permeável, a gente vai dar uma ampliação maior no diálogo com a perspectiva jurídica". Lucchesi destaca também duas questões associadas a essas iniciativas: disseminar o direito e dar protagonismo às línguas originárias.

O nheengatu é conhecido como língua geral amazônica. Ela começa a se formar espontaneamente por meio do contato entre indígenas de diferentes etnias nos aldeamentos coloniais, mas passa por diversas transformações por influência dos portugueses, sobretudo dos missionários religiosos que buscaram gramatizá-la e padronizá-la. No livro Introdução ao Estudo das Línguas Crioulas e Pidgins, o pesquisador Hildo Couto define o nheengatu como idioma cujo léxico é constituído a partir do tupi, enquanto a gramática se aproxima do português.

Apesar de ser um trabalho que Lucchesi vem desenvolvendo de forma pessoal, as traduções se alinham com um dos focos de atuação da Biblioteca Nacional sob sua gestão: aumentar o acervo da instituição relacionado aos povos indígenas e outras populações tradicionais do país. “São quase 300 línguas no Brasil, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística]. Estamos conferindo e organizando o ordenamento dos livros bilingues, para que a Biblioteca também os acolha”, explica.

A ampliação do acervo já está em andamento. A instituição está guardando fotos de populações do Vale do Javari, no Amazonas, produzidas no mês de março durante expedição que contou com a participação de Luchesi. Além disso, nos próximos dias, serão recebidas cópias de cartazes elaborados pelo TJMT que trazem informações importantes nas línguas maternas de vários povos indígenas.

A Biblioteca Nacional é o espelho da memória do país. Se o Brasil desaparecesse e a Biblioteca Nacional ficasse, ela teria a capacidade de especular, refletir e devolver a imagem do país, porque aqui existem vários brasis. Ela tem aqui dentro a polifonia, todas as vozes”, avalia Lucchesi. Ele adiantou que a instituição está programando viagens a territórios quilombolas para também produzir registros nesses locais. "Estamos hoje preocupados em ampliar o nosso dossiê étnico”.

Internacionalização

A Biblioteca Nacional também está intensificando projetos de internacionalização da cultura brasileira. Um deles é a concessão de bolsas de tradução de obras brasileiras com demanda de leitores em outros países. Por meio dessa iniciativa, a obra A Paixão Segundo GH, de Clarice Lispector, ganhou em fevereiro sua primeira tradução em ucraniano. A autora nasceu no país europeu, mas veio para o Brasil ainda pequena, naturalizando-se depois.

Um aporte de R$ 1 milhão foi feito pelo Ministério da Cultura para financiar as bolsas este ano. De acordo com Lucchesi, a instituição pleiteia recursos também para a expansão do prédio anexo e para acelerar a digitalização das obras. Atualmente, cerca de um terço do acervo de mais de 10 milhões de itens está digitalizado.

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Com informações da Agência Brasil.

Instituto Búzios repercute oficina sobre saberes afro-indígenas desenvolvida pelo professor Nicolau Neto

 

Instituto Búzios repercute oficina sobre saberes afro-indígenas desenvolvida pelo professor Nicolau Neto. (FOTO | Reprodução | Site Instituto Búzios).


Por Valéria Rodrigues, Colunista

Uma oficina sobre “Saberes afro-indígenas e o ensino de sociologia nos livros didáticos” desenvolvida por Nicolau Neto, professor e editor deste blog, nas turmas de terceiro ano da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral Padre Luís Filgueiras, no município de Nova Olinda -CE, repercutiu não só na região do cariri, mas a nível nacional.

Na região do cariri, sites como o da 18° Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação (CREDE 18) e blogs como o blog do Boa e do Amaury Alencar replicaram o texto produzido para este blog. A nível nacional, o site Alma Preta Jornalismo, com sede no Estado de São Paulo, repercutiu a oficina.

A oficina continua sendo alvo de repercussão nacionalmente. Na manhã desta quarta-feira, 17, foi a vez do site do Instituto Búzios reproduzir o texto na íntegra.

O Instituto Búzios “é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, entidade nacional sem fins lucrativos, reconhecida pelo Ministério da Justiça (Processo MJ nº 08026.001014/2004-04)” e tem como objetivo “apoiar e estimular o fortalecimento das organizações e movimentos sociais autônomos, comprometidos com a implementação de políticas e ações para a promoção da equidade racial, de gênero, a justiça ambiental, a conquista de direitos e a afirmação da cidadania”. Conforme informações constante do próprio site, “o nome do instituto é uma homenagem à Conjuração Baiana de 12 de agosto de 1798, também denominada Revolta dos Búzios”.

Com sede em Salvador, Bahia, o Instituto conta com vários integrantes, dentre os (as) quais Allan Assunção de Oliveira que responde pela coordenadoria geral, Guilherme Moreira da Silva (coordenador de comunicação social), Tamiris Pereira Rizzo (coordenadora de cursos e eventos) e Maria das Graças Terra Nova (coordenadora administrativa).

Na localidade, nenhum site, blog ou emissora de rádio repercutiu a oficina.

Clique aqui e confira a repercussão da oficina no site do Instituto Búzios.

Apenas quatro universidades federais não têm banca anti-fraude de cotas raciais

 

 Ilustração:  Nathi de Souza/Alma Preta.


Das 69 universidades federais existentes no Brasil, quatro ainda não possuem em seus cursos de graduação comissão ou banca de heteroidentificação para identificar possíveis fraudes nas cotas raciais.

De acordo com dados obtidos pela Alma Preta via Lei de Acesso à Informação (LAI), as instituições federais de ensino superior que ainda não possuem o mecanismo são a Universidade Federal de Rondônia (UNIR), a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Das quatro universidades que ainda não possuem as comissões que verificam a autodeclaração racial dos estudantes autodeclarados negros e indígenas, duas estão em fase de instalação: a UNIR e a UFOPA. Na UnB, a comissão existe apenas para a pós-graduação e a única que não possui é a UTFPR.

Em todas as universidades que possuem bancas de heteroidentificação, a análise é feita com base no fenótipo da pessoa autodeclarada negra (preta e parda), como a textura do cabelo, nariz e boca, por exemplo. Na maior parte, as avaliações são feitas de forma presencial e telepresencial.

A maioria dos integrantes das bancas possui formação, estudos ou integra coletivos voltados para a temática étinico-racial. Algumas regulamentações mencionam capacitação e outras têm como pressuposto a experiência e vivência no tema como capacitação para participação dessa atividade nas universidades.

A reportagem questionou no pedido de LAI qual o perfil racial dos membros das bancas nas universidades, mas não foi possível obter essa informação já que os dados fazem parte de um levantamento interno realizado em março de 2023 pela Diretoria de Desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de Educação Superior (DIFES) a pedido da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SNPIR).

Em resposta, a DIFES informou que "não possui as informações solicitadas, uma vez que são de responsabilidade de cada universidade federal".

Universidades dizem que vão implementar bancas de heteroidentificação

A Universidade de Brasília informou que a previsão é de que as bancas de heteroidentificação nos cursos de graduação sejam implementadas para todos os alunos com entrada a partir do segundo semestre deste ano.

Em relação aos critérios para a análise dos alunos autodeclarados negros, indígenas e quilombolas, a UnB respondeu que o processo será fundamentados em critérios como o "respeito à dignidade da pessoa humana", "observância do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal", "garantia da padronização e de igualdade de tratamento entre os(as) candidatos(as) submetidos(as) ao procedimento de validação da autodeclaração", entre outros.

Já em relação aos membros que irão compôr as bancas, a universidade informou que eles "são partícipes de um banco coordenado pela Comissão de Acompanhamento de Políticas de Ações Afirmativas na Pós-Graduação (COPEAA) e passam por curso de formação".

A UFOPA, por sua vez, disse que planeja implementar a política de heteroidentificação em 2024 e que já possui um processo em tramitação no Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão sobre a Política de Heteroidentificação e Comissão Permanente para a Promoção da Igualdade e da Diversidade Étnico-Racial da Ufopa.

Segundo a universidade, atualmente o processo seletivo regular conta com oito grupos de cotas, quatro voltados para o perfil PPI (pretos, pardos e indígenas).

Sobre o processo de análise, a UFOPA afirmou que o critério exclusivo será a análise fenotípica, como cor da pele, textura do cabelo, formato do rosto, lábios, traços faciais.

Para a composição da comissão de heteroidentificação, os critérios serão para membros "que tenham conhecimento na temática étnico-racial e ações afirmativas", "preferencialmente com experiência na temática da promoção da igualdade étnico-racial e do enfrentamento ao racismo" e "preferencialmente que acompanhem e tenham conhecimento sobre as políticas de ações afirmativas e as políticas de cotas existentes tanto em âmbito interno como externo", conforme cita a nota enviada pela UFOPA.

A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) informou que ainda não adotou o uso das bancas de heteroidentificação porque durante o período em que adotou o Sisu como forma exclusiva de ingresso transferiu ao Ministério da Educação a gestão do processo seletivo "diminuindo, assim, a capacidade de realizar decisões mais estratégias sobre o processo".

Disse também que a decisão se deu pelo baixo número de servidores técnico-administrativos na universidade que, segundo a instituição, "é um dos menores de toda a rede de universidades e institutos federais", o que fez com que a universidade "optasse por concentrar sua força de trabalho para o cumprimento integral da legislação, que exige apenas a autodeclaração para concorrer no sistema de cotas".

Atualmente, o ingresso de alunos negros (pretos e pardos) e indígenas na UFTPR acontece por meio de duas cotas: para candidatos autodeclarados com renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas; e para candidatos que, independentemente da renda, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.

A UFTPR também acrescentou que uma comissão interna, instituída em julho de 2022, atua na elaboração de um plano para implantação da heteroidentificação na instituição e que, assim que for finalizada, será encaminhada para o Conselho Universitário da Universidade.

Apenas a Universidade Federal de Rondônia não deu retorno sobre a implementação do mecanismo anti-fraude de cotas. Caso a instituição de ensino se posicone, o texto será atualizado.

Denúncias sobre fraude de cotas raciais são frequentes

Há pouco mais de dez anos, o sistema de cotas raciais nas universidades, previsto na Lei 12.711/2012, reserva vagas a alunos autodeclarados pretos, pardos e indígenas para ingresso no ensino superior como parte das políticas afirmativas de um processo de reparação histórica.

Mesmo com a implementação das bancas de heteroidentificação, são frequentes as reclamações sobre o ingresso irregular de estudantes através das políticas afirmativas.

Só entre 2020 e 2022, as universidades federais do país registraram, em média, sete casos de uso irregular das cotas raciais por mês, segundo levantamento feito pela GloboNews. Ao todo, 69 instituições de ensino superior contabilizaram pelo menos 1.670 denúncias de uso das cotas raciais no período analisado.

Na Bahia, um caso recente aconteceu em uma instituição estadual, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). A história de Janecleia Sueli, 49 anos, ganhou repercussão nacional após ela passar no curso de Medicina na instituição. Natural de Piritiba, no centro norte baiano, e moradora da periferia de Petrolina, em Pernambuco, a diarista passou 12 anos tentando realizar o sonho até que foi aprovada no vestibular da Uneb no início de 2023. Através de uma campanha de financiamento virtual, ela conseguiu levantar uma quantia para arcar com o deslocamento para Salvador e manter os estudos.

Porém, o que era para ser uma história de superação se tornou um caso de apuração após denúncias de que Janecleia, lida como uma pessoa branca, teve a autodeclaração como parda deferida pela banca de heteroidentificação da Uneb.

À Alma Preta, a autora da denúncia, que não quis se identificar, destacou a importância de dar visibilidade a esses casos, que, segundo ela, são frequentes nas universidades. "Pelo menos eu acho que as pessoas que querem cometer uma fraude dessas vão pensar duas vezes antes de fazer isso. Porque se a pessoa faz e fica 'de boa' (sic) durante o curso inteiro, a probabilidade é de outras pessoas fazerem também", desabafa.

Em março deste ano, a universidade informou que enviou o caso para a Comissão de Validação Departamental e aos setores competentes para verificar se a denúncia é plausível. "Será garantido à denunciada o direito ao contraditório e a ampla defesa da pessoa acusada, bem como o respeito a sua dignidade", cita a nota.

A Uneb disse ainda que adota a autodeclaração como regra geral e que, uma vez verificada inconsistência, os/as candidatos/as "serão eliminados(as) do processo seletivo ou terão a matrícula anulada a qualquer tempo, mesmo se já matriculados(as)”.

O caso foi registrado na Ouvidoria do Ministério Público estadual da Bahia (MP-BA). Uma reunião entre o órgão e a Uneb estava prevista para acontecer no dia 3 de abril, mas, segundo nota enviada pelo MP-BA, o encontro foi adiado a pedido da universidade.

Heteroidentificação: por uma política de reparação

Frutos de articulação do movimento negro, as comissões de heteroidentificação nas universidades surgiram como uma reação aos processos de fraude nas cotas raciais. Uma das primeiras experiências das cotas raciais aconteceu na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), em 2003.

Segundo o advogado, professor e militante do movimento negro, Samuel Vida, com as ameaças à continuidade das políticas afirmativas, viu-se a necessidade de aperfeiçoar as cotas, até então validadas pela autodeclaração.

"Durante a implementação, a gente descobriu de forma não demorada que a fraude ameaçava o êxito da política e privava uma parcela de beneficiários do acesso já que pessoas brancas se autodeclaravam pardas ou até pretas e ocupavam essas vagas", explica Samuel, que participou dos processos de institucionalização da agenda do movimento negro desde a Constintuinte e foi consultor na elaboração do Estatuto da Igualdade Racial.

Em uma banca de heteroidentificação, um dos principais critérios para avaliar uma pessoa negra, grupo racial composto por pretos e pardos é o fenótipo. De acordo com a cientista social e pesquisadora dos processos de heteroidentificação, Najara Costa, o preconceito racial no Brasil se organiza pelo racismo de marca, que vai determinar a posição de cada pessoa na sociedade.

"Quando uma pessoa vai procurar ou concorrer a uma vaga de emprego, o que vale é o fenótipo dela e aquilo vai determinar com que ela tenha direitos dentro dessa sociedade que se organiza a partir desse racismo de marca e é isso que vai determinar que ela tenha oportunidades ou não e uma série de questões que vão desde a própria sobrevivência dessa pessoa porque a violência policial se caracteriza a partir desse fenótipo", comenta a pesquisadora, autora do livro "Quem é negra/o no Brasil?", obra que analisa as comissões nos concursos públicos no município de São Paulo.

"A autodeclaração é o primeiro elemento, é uma conquista universal. Se autodeclarar é como eu me entendo no mundo, é como a minha identidade foi forjada/construída. A heteroidentificação é como a sociedade me vê", completa Najara.

O "pardo"

O uso da categoria "pardo" nas cotas raciais das universidades também têm sido debatido por especialistas por gerar confusão no limite entre uma pessoa negra não retinta e uma pessoa branca que se considera parda, por exemplo.

No Pará, uma estudante autodeclarada parda teve a heteroidentificação negada pela comissão da Universidade Federal do Pará (UFPA) no início deste ano. Clara Costa, de 26 anos, já havia ingressado em 2013 na instituição de ensino pelas cotas raciais e por ser oriunda de escola pública. Ela se considera uma mulher negra de pele parda e realiza palestras sobre a temática racial em eventos acadêmicos.

A reportagem entrou em contato com a UFPA e questionou os critérios utilizados para indeferir a heteroidentificação da estudante. Em nota, a universidade respondeu que a banca é adotada pela UFPA desde 2021 para "validar a autodeclaração de pessoa negra (de cor preta ou parda) apresentada pelos(as) candidatos(as) classificados(as) em cotas PPI".

"Até então, era utilizada apenas a autodeclaração como único critério para reconhecer o direito dos(as) estudantes a essas vagas. Com o tempo, porém, foram recebidas denúncias de uso indevido dessas vagas por pessoas não negras, fosse por desconhecimento do público a que se destinam essas vagas, fosse intencionalmente (fraude)", disse a universidade.

Para a cientista social Najara Costa, um dos caminhos possíveis seria substituir o termo "pardo" por "negro" como forma de reivindicação diante do processo de apagamento histórico da identidade da população negra no país.

"Acho que a melhor estratégia para a gente definir quem é branco no Brasil é perguntar: 'Essas pessoas enfrentam o racismo?'. A forma como a pessoa se autodeclara para uma política pública precisa com que a gente tenha essa compreensão até porque essa é uma reparação histórica e para essa política pública a gente precisa defender que pessoas que enfrentam o racismo entre pela política de cotas", sugere.

Historicamente, o "pardo" foi utilizado como uma estratégia classificatória adotada pelas elites brancas brasileiras para inferiorizar e marcar uma distinção em relação àquelas pessoas não retintas mas que possuíam traços fenotípicos negróides: cabelo crespo, lábios grossos, nariz negróide, como explica o professor Samuel Vida.

"O Censo usa a categoria 'pardo' para se referir a pessoas negras de pele não retinta desde o século 19. As descrições sobre a escravidão durante o período colonial e durante o período imperial apresentam o pardo como escravizado e você pode ver isso nos anúncios de jornais procurando fugitivos e nos processos judiciais descrevendo fisicamente os escravizados punidos", exemplifica.

O professor defende o uso da categoria "pardo" para as políticas de cotas e avalia que o termo se trata de uma disputa política que tem que continuar a ser reafirmada pelos negros. Para ele, existem dois riscos em abandonar a categoria para os brancos:

"Primeiro, uma parcela de pessoas negras de pele clara retomariam um lugar de insegurança e indefinição identitária, ou seja, voltaria para o limbo que lhe foi reservado pela estratégia dominante no Brasil. Segundo, os brancos inventariam outra estratégia para fraudar porque ela não está definida pela ambiguidade do termo 'pardo', a fraude está definida por uma resistência política da branquitude à mudança das relações raciais", argumenta.

Como evitar fraudes de cotas raciais?

Diante da importância das ações afirmativas para a população negra nas instituições de ensino, especialistas comentam a necessidade de aperfeiçoamento das bancas de heteroidentificação.

Para Najara Costa, é fundamental que as pessoas que compõem as bancas passem por um processo de formação em letramento racial, em como o racismo opera no Brasil e quem faz jus às políticas de cotas raciais para evitar erros durante o processo.

"Ao meu ver, isso é falta de formação sobre o que deve caracterizar essa pessoa que vai fazer jus a essa política pública que é tão importante e é uma conquista histórica não só para as pessoas negras, mas para o Brasil para que a gente avance enquanto democracia e representação", ressalta.

O professor Samuel Vida acrescenta que as bancas ainda são uma experiência em construção e defende que elas passem por um processo de uniformização. Para ele, as comissões devem ser compostas por pessoas que atuam dentro das instituições de ensino e que possuem envolvimento com o movimento negro e sociais que discutem relações étnico-raciais no Brasil.

"Uma pessoa que integra uma banca deveria ser preparada mesmo que ela já venha dos movimentos sociais e que tenha algum conhecimento para produzir uma maior homogeneidade, não no sentido de uma unidade absoluta, mas uma compreensão a partir de parâmetros comuns", conclui.

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Com informações do Alma Preta.