Mães que amamentam em público. O que a Lei tem a dizer?


Por Thiago Pacheco*, no Jusbrasil

Escrevo este artigo para falar de um fato demasiado antigo, mas como ainda vejo e ouço certo fervor por uma situação equivocada sinto que uma discussão faz-se necessária, para que surjam alguns esclarecimentos.

Passei a acompanhar com mais atenção o constante repúdio manifestado em posts e comentários nas redes sociais decorrente de uma aprovação de suposta (ratifico, suposta) lei que proibiria a amamentação em ambientes públicos.

Essa aprovação não existiu porque tal regulamento não existe! O que de fato aconteceu foi a sanção de uma lei pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), que prevê multa de R$500,00 para estabelecimentos que proíbam amamentação em público, após um episódio no Sesc Belenzinho, em 2013, onde um funcionário repreendia uma mãe que alimentava seu bebê.

Vale ressaltar mais uma vez que trata-se de uma lei municipal, válida no município de São Paulo. Existe norma semelhante no Rio, com uma multa mais salgada - R$2.000,00.

Foto: Reprodução/Facebook.
A imagem acima fora utilizada nos posts que trazem de forma errônea essa suposta aprovação, mas ela é datada de outubro de 2013, tirada durante um evento organizado por uma Universidade de Medicina russa, criado para incentivar a amamentação materna.

Para que tal matéria entrasse em vigor seria necessário passar por aprovação pelas duas casas legislativas (Câmara Legislativa e Senado Federal) em Brasília, além de ter a sanção da Presidente. Ora, não me parece possível que a Representante maior do nosso Estado - mãe que é - sancionaria uma lei como essa. Que fique claro, ao falar da Presidente o meu interesse não é levantar discussões políticas.

Por fim, reitero que as informações divulgadas são infundadas, não tendo o mínimo embasamento legislativo.

A incoerência desse episódio torna-se ainda mais gritante quando sabe-se que os deputados cujo seriam responsáveis pela autoria da lei existem, de fato, porém são mexicanos. Isso mesmo, Oscar Garcia Barron e Rogério Castro Vazquez são políticos do México.

Além de informar, este artigo tem como função reduzir a reprodução de um conteúdo equivocado nas redes sociais. Atualmente, com a facilidade para escrever coisas infundadas e a facilidade de difusão de informações (sejam elas verdadeiras ou não), não se pode apenas “compartilhar” algo que está sendo falado, faz-se imprescindível checar a veracidade.

O mundo já tem muitos motivos para raiva e confusões, que tal espalharmos um pouco mais de amor, paz e harmonia?

*Estudante de Direito na Faculdade Católica do Tocantins - FACTO; ex-integrante do Centro Acadêmico de Direito da FACTO; e com desejo de fazer carreira na advocacia.

Livro “Povos Indígenas no Brasil Mirim” Pode entrar na grade do MEC



Por meio de uma iniciativa do Instituto Socioambiental (ISA), crianças brasileiras poderão ampliar o conhecimento sobre os povos indígenas. O livro “Povos Indígenas no Brasil Mirim” carrega esta proposta, como afirma Tatiane Klein, do ISA, para a Rádio Brasil Atual. “O principal objetivo deste livro é desconstruir uma ideia genérica de que estes povos ficaram no passado e que não existem mais no Brasil contemporâneo”, afirma.

Brasil abriga 246 povos indígenas, totalizando 900 mil pessoas que falam mais de 150 línguas.
A entidade aguarda edital do Ministério da Educação (MEC) para ampla distribuição nas escolas do país. Por enquanto, é possível encontrar exemplares da obra em escolas que demonstrarem interesse espontâneo, e também nas livrarias Cultura e da Vila, além do portal da instituição: mirim.socioambiental.org.

Atualmente, o Brasil abriga 246 povos indígenas, em um total de 900 mil pessoas que falam mais de 150 línguas. A proposta do ISA, segundo Tatiane, tenta abranger o maior número de diferenças entre os povos, também analisando as similaridades. “Temos muitos textos sobre povos que vão além da Amazônia, como na região do Xingu, também índios do Amapá e os Guarani, que vivem em uma situação de vulnerabilidade importante de se mostrar para as crianças."

A situação complicada, descrita por Tatiane, revela a importância da obra, que tenta enxergar padrões que fogem dos naturalizados sobre os povos indígenas. “Temos muitos discursos sobre a miséria dos povos indígenas e tentamos valorizar situações diferentes. Apesar de estarem ameaçados por propostas do Legislativo, que oferecem várias violações de direitos, nas aldeias, as comunidades resistem e vivem de uma forma digna e feliz, ao menos tentam”, observa.

A chave de argumentação da obra está focada na desnaturalização do olhar ao indígena, muitas vezes carregados de conceitos equivocados. “Tem até textos produzidos por crianças indígenas que ajudam a quebrar preconceitos, como de que o índio não é capaz de manejar o português, ou de que eles não possuem projetos de futuro”, diz Tatiane.

Interações entre povos e mitologias também são presentes. Algumas narrativas são apresentadas, porém, chamando atenção para o fato de que essas histórias não são a única fonte de conhecimento de mundo desses povos. “Tentamos mostrar como alguns temas estão presentes nas mitologias de alguns povos das Américas. Tem comparações com mitologias Inuítes, no Canadá, sobre a descoberta do fogo, ou mesmo a criação do sol e da lua”, diz.

“Conhecendo a Constituição Federal de 88 - Conhecer para Respeitar". Preâmbulo


O preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é contraditório com pelo menos quatro dispositivos. Para entender o que ora se expõe perceba abaixo o que ele apregoa:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (Site do Planalto, acesso em 10 de fevereiro de 2016 às 07h50)

Pelo texto é notório que o inciso IV, do Art. 3º desta carta magna que assim dispõe “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” não está sendo levado em consideração. Da mesma forma o Art. 5º, no inciso VIII. Este assim discorre “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. Ora, a primeira privação ocorre em face da própria CF neste texto, quando impõe uma doutrina religiosa aos que não possuem crença em seres “divinos”.



Ainda neste campo, o mesmo Art. 5°, agora no inciso VI possui uma inconsistência, mas que poderia ser solucionado com uma ementa alterando o texto. Para entender, deixo entrever o que ele afirma:

é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

O texto ficaria mais consistente e de acordo com o Estado Democrático de Direito incluir a liberdade de “não crença”. Não que inexista, mas estar esboçado na Constituição é mais legal (no sentido jurídico do termo).

No entanto, apesar deste artigo ter apresentado duas incoerências e, ou, desrespeitos, há que notar que ele permite que os leitores e conhecedores do documento base que rege a sociedade brasileira possam se arvorar de discursos que lhes assegure contestá-la como ora se faz. No inciso IV há o seguinte “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

O preâmbulo é incoerente ainda com o Estado Laico, mas pretendo voltar a esse tema quando for descrever o Art. 19.  Pretendo ainda discutir o conceito de Estado Confessional.


Questão de Gênero: A origem dos casamentos infantis no Brasil


Do BBC

Imagine que sua filha vai se casar. Engravidou do primeiro namorado, um rapaz mais velho que ela conheceu na vizinhança. Vai deixar de estudar por causa da gravidez e do marido. O jovem casal vai morar na casa dos pais dele. No entanto, ela só tem 12 anos.

O casamento de crianças e adolescentes brasileiros, como na situação narrada acima, é o tema da pesquisa Ela vai no meu barco, realizada pelo Instituto Promundo, ONG que desde 1997 estuda questões de gênero.


De acordo com o Censo 2010, pelo menos 88 mil meninos e meninas com idades de 10 a 14 anos estavam casados em todo o Brasil. Na faixa etária de 15 a 17 anos, são 567 mil.

A partir dos dados do Censo, a equipe de pesquisadores – financiada pela Fundação Ford, com apoio da Plan International e da Universidade Federal do Pará (UFPA) – foi ao Pará e ao Maranhão, Estados onde o fenômeno do casamento infanto-juvenil é mais comum, e mergulhou no universo das adolescentes que tão cedo têm que se transformar em adultas.

Numa pesquisa qualitativa, foram entrevistadas 60 pessoas, entre garotas de 12 a 18 anos, seus maridos (todos com mais de 20 anos), seus parentes e funcionários da rede de proteção à infância e adolescência no Brasil.

A idade média das jovens entrevistadas foi de 15 anos; seus maridos são, em média, nove anos mais velhos.

Mas os pesquisadores descobriram que, no Brasil, o casamento de crianças e adolescentes é bem diferente dos arranjos ritualísticos existentes em países africanos e asiáticos, com jovens noivas prometidas pelas famílias em casamentos arranjados pelos parentes ou até mesmo forçados.

O que acontece no Brasil, por outro lado, é um fenômeno marcado pela informalidade, pela pobreza e pela repressão da sexualidade e da vontade femininas.

Normalmente os casamentos de jovens são informais (sem registro em cartório) e considerados consensuais, ou seja, de livre e espontânea vontade.
Naturalização

Entre os motivos para os casamentos, a coordenadora do levantamento, Alice Taylor, pesquisadora do Instituto Promundo, destaca a falta de perspectiva das jovens e o desejo de deixar a casa dos pais como forma de encontrar uma vida melhor.

Muitas fogem de abusos, escapam de ter de se prostituir e convivem de perto com a miséria e o uso de drogas. As entrevistas das jovens, transcritas no relatório final da pesquisa sob condição de anonimato, mostram um pouco do que elas enfrentam, como esta que diz ter saído de casa por causa do padrasto, que a maltratava.

Porque eu tava entrando na minha adolescência, eu queria sair, eu queria curtir, queria andar (…). Eu me relacionei com ele, namorei com ele três meses, ele me convidou pra morar na casa dele, aí eu fui pra casa dele. Não gostava muito dele, eu só fui mesmo pelo fato de o meu padrasto (me maltratar), aí na convivência nossa ele (o marido) me fez aprender a gostar dele, e hoje eu sou louca por ele“, conta uma das garotas.

A jovem casou-se aos 12 anos, grávida, com um homem de 19. No relatório, os pesquisadores afirmam que ela relatou ser abusada pelo padrasto, mas não fica claro o tipo de abuso.
Também em Belém, outra jovem entrevistada, que casou grávida aos 15 anos, diz que a mãe “achou por bem a gente se casar logo, pra não haver esses falatórios que ia haver realmente”. O rapaz era cinco anos mais velho.

Em São Luís, uma das meninas mais novas entrevistadas relata que se casou aos 13 com um homem de 36 anos. E mostra a falta de perspectiva como fator fundamental para a decisão, ao dizer o que poderia acontecer caso não estivesse casada: “Acho que eu estaria quase no mesmo caminho que a minha irmã, que a minha irmã tá quase no caminho da prostituição”.

A coordenadora da pesquisa de campo em Belém, Maria Lúcia Chaves Lima, professora da UFPA, disse que as entrevistadas falaram de modo natural sobre suas uniões conjugais, mesmo sendo tão precoces.

É uma realidade naturalizada e pouco problematizada na nossa região“, afirma.

Segundo Lima, a gravidez ainda é a grande motivadora do casamento na adolescência, e a união é vista como uma forma de controlar a sexualidade das meninas.

A lógica é: ‘melhor ser de só um do que de vários’. O casamento também aparece como forma de escapar de uma vida de limitações, seja econômica ou de liberdade“, diz.

Legislação atrasada

O casamento infantil, reconhecido internacionalmente como uma violação aos direitos humanos, é definido pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CRC) – que o Brasil assinou e ratificou em 1990 – como uma união envolvendo pelo menos um cônjuge abaixo dos 18 anos.

No Brasil, acontece mais frequentemente a partir dos 12 anos, o que faz com que os pesquisadores definam o fenômeno como casamento na infância e na adolescência.

Segundo a pesquisa, estimativa do Unicef com dados de 2011 aponta que o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em números absolutos de mulheres casadas antes dos 15 anos: seriam 877 mil mulheres com idades entre 20 e 24 anos que disseram ter se casado antes dos 15 anos.

Mas essa estimativa exclui, por falta de dados, países como China, Bahrein, Irã, Israel, Kuait, Líbia, Omã, Catar, Arábia Saudita, Tunísia e os Emirados Árabes Unidos, entre outros.

De qualquer modo, os pesquisadores alertam para a falta de discussão sobre o tema no Brasil e a necessidade de mudanças na legislação. No Brasil, a idade legal para o casamento é estabelecida como 18 anos para homens e mulheres, com várias exceções listadas no Código Civil.

A primeira exceção — compartilhada por quase todos os países do mundo — permite o casamento com o consentimento de ambos os pais (ou com a autorização dos representantes legais) a partir dos 16 anos.

Outra exceção é que a menor pode se casar antes dos 16 anos em caso de gravidez.
Sonhos que envelhecem cedo

De acordo com as entrevistas e a análise dos pesquisadores, o que acontece, na maioria das vezes, é que, em vez de serem controladas pelos pais, as garotas passam a ser controladas pelos maridos. Qualquer sonho de escola ou trabalho envelhece cedo, na rotina de criar os filhos e se adequar às exigências do cônjuge.

O título da pesquisa, Ela vai no meu barco, vem de uma frase de um dos maridos entrevistados, de 19 anos, afirmando que a jovem mulher, de 14 anos, grávida à época do casamento, tinha de seguir sua orientação.

Ela vai no sonho que eu pretendo pra mim, né? Ela vai seguindo… Acho que é uma desvantagem de a pessoa não ser bem estruturada, né? Geralmente cada um leva as suas escolhas, né? Mas por ela ser mais nova e eu ser mais velho, tipo assim, ela vai no meu barco“, resume ele.

Casadas, as jovens muitas vezes enfraquecem seus laços de amizade, sua vida social e passam a se dedicar apenas ao marido e aos filhos. São alvo do controle e do ciúme dos maridos, e algumas relataram casos de violência.

Queremos alertar que essa situação não é apenas restrita aos rincões do país. As entrevistas foram feitas em Belém e São Luís, o que mostra que é uma questão que ocorre nos centros urbanos“, afirma Alice Taylor.

O primeiro dia de aula em cada curso da Faculdade em Tirinhas



Na maioria das vezes, no primeiro dia de aula de cada curso na Faculdade, os professores reúnem todos os colegas e fazem aquela famosa pergunta: “Fale o seu nome, quantos anos você tem e porque escolheu esse curso”.

A ansiedade lhe acompanha até o momento em que o primeiro professor apresenta a disciplina que irá ministrar passando por sua apresentação enquanto universitário(a).

O portal Graduação da Depressão separou essas charges feitas pelo cartunista da página Caixa de Remédios com as falas de cada curso no primeiro dia de aula.

Confira abaixo.









Informações em Foco lança a série “Conhecendo a Constituição Federal de 88 - Conhecer para Respeitar"


Escrever acerca do documento base para o efetivo sustento da democracia ao qual se vivencia permite que se tome uma posição através de análises reflexivas. Será mesmo que se vivencia uma democracia aos moldes do pregado na Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988? Será que os direitos e os deveres impregnados nas páginas dessa carta magna estão sendo levados em consideração? E como anda a liberdade de expressão, um dos pilares para uma boa convivência social? O racismo, leitores e leitoras, em que pé está? Testemunha-se mesmo uma sociedade onde impera uma democracia racial ou isso é só um mito alimentado para manter a supremacia de seres que se julgam superiores por não terem uma pele negra? O Voto é um direito ou uma obrigação? O Estado Laico, amigos e amigas, é respeitado ou apenas um mito constitucional?

Sem se ter a pretensão de respondê-las por completo e muito menos de esgotar o assunto, pode-se dizer que o surgimento das Constituições marcou definitivamente a mudança do Estado absoluto para o Estado liberal. Elas possuem na sua origem a reação ao autoritarismo e passam a representar uma proteção do indivíduo frente ao Estado. Na atualidade constitucional, à defesa dos indivíduos somaram-se questões sociais, culturais, políticas, econômicas e ambientais de grande abrangência que necessitam ser enfrentadas e demandam importantes decisões que a todos afetam, mas nem todos enfrentam e lutam por tais questões. Nas sociedades com pouca experiência democráticas, caso em que se inclui o Brasil (Apenas 27 anos sob o julgo constitucional), a assimilação da linguagem dos direitos e a configuração do Estado democrático de direito ainda representa um doloroso e imenso desafio, tanto que está se verificando um verdadeiro massacre e um desrespeito a própria Carta Magna nos últimos dois anos.

E foi por pensar assim que em 2013 este blogueiro escreveu acerca dos avanços e desafios da CF/88 quando ela fez 25 anos de existência e, por todos os pontos acima elencados continuarem sendo um desafio a ser respeitado é que o Informações em Foco está lançando a série “Conhecendo a Constituição Federal de 88 - Conhecer para Respeitar". Tem-se, portanto, o compromisso de diariamente (sempre que possível) escrever um texto equivalente aos pontos mais desrespeitados da carta magna.

Entendendo a Miséria Humana em 5 obras fundamentais


Por Marcelo Hailer, na Revista Fórum

A classificação de um produto cultural enquanto “clássico” não se dá à toa. Uma série de fatores estão envolvidos em torno da obra que fazem dela atemporal e fundamental para se compreender eventos, trágicos ou não, que aconteceram durante a história. No momento presente vivemos uma série de acontecimentos que são alvos de inúmeras análises – jornalísticas, sociológicas e históricas – tais como os novos conflitos de guerra, seca no Brasil, grupos políticos da extrema esquerda e direita que disputam a narrativa político-social e, claro, a concentração de riqueza e a miséria inerentes ao sistema capitalista.

Obras de Literatura para entender a Miséria Humana. Imagem: Pragmatismo Político.
Por mais que os temas acima citados sejam contemporâneos, eles são recorrentes na história do mundo, seja no Ocidente, na Ásia ou na África. E todos eles já foram fontes de inspiração para obras primas que nos trazem algum entendimento das atitudes dos considerados “humanos” e que, inevitavelmente, levam à tragédia. Para tanto, selecionamos cinco autores e uma obra respectiva que trata de questões presentes no cotidiano, seja ele político, jornalístico ou social.

1 – Os Demônios, de Fiódor Dostoiévski

Obra fundamental para quem deseja compreender e acompanhar os resultados de quando duas figuras ávidas pelo poder travam uma disputa na qual as pessoas são meramente instrumentos para tal objetivo. De acordo com especialistas na obra de Dostoiévski, Os Demônios é uma das poucas, senão a única obra do escritor russo que teve como ponto de partida uma tragédia real: o assassinato do estudante Ivanov por um grupo de niilistas liderados Nietcháiev, em 1869.

Todo o ambiente político de então é recriado por Doistoiévski de maneira magistral e, a partir dos personagens Kirilov, Chigalióv e Piotr Stiepánovitch, temos a representação do intelectual pessimista e dos fanatismos políticos perpetrados pelos grupos de Chigalióv e Stiepánovitch. Temas como fundamentalismo religioso, fanatismo político e terror se fazem presente nesta obra prima. As análises críticas sobre o humano e a sua busca pelo poder são de uma atualidade perturbadora. Para historiadores, ao construir as personagens de Chigalióv e Stiepánovitch, Dostoiévski foi profético a respeito dos horrores cometidos em nome de Hitler e Stálin.

2 – Os Miseráveis, de Victor Hugo

Esta obra monumental do escritor francês Victor Hugo é fundamental não apenas para se compreender a questão da miséria humana, mas também para quem deseja ter acesso a críticas e percepções do período revolucionário que resultou na fundação do Estado francês. Inúmeras críticas tecidas pelo escritor podem ser muito bem adaptadas e trazidas para o atual contexto político, principalmente quando pensamos na atual fase da Europa e dos novos movimentos revolucionários.

Os Miseráveis não chamou apenas a atenção, à época, por conta de seu teor crítico, mas, principalmente, por ter como protagonistas um presidiário (Jean ValJean), uma prostituta (Fantine) e uma criança explorada por adultos (Cosette). Tal escolha de personagens foi considerado um escândalo, pois, à época, os romances apenas retratavam o cotidiano da realeza e da burguesia.

A partir da narrativa de Jean, Fantine e Cosette, Victor Hugo mergulha na hipocrisia humana e como está dividida entre “ambiciosos” e “invejosos” e que tal divisão é parte da cultura e, portanto, presente desde a educação infantil. Ao mesmo tempo em que o autor desnuda a “sociedade de bem”, ele dá voz aos sujeitos subalternos que passam ao largo da Revolução Francesa.

3 – Vidas Secas, de Graciliano Ramos

Considerada a obra mais importante do movimento realista da literatura brasileira, Vidas Secas nunca esteve tão atual, principalmente quando pensamos que nos dias atuais o que mudou foi o mapa geográfico da seca retratado na obra. Se antes eram exôdos rurais, hoje o Brasil vive na iminência de um êxodo urbano.

Empurrados pela seca, a família de Sinhá Vitória e Fabiano empenha uma jornada em busca de meios à sobrevivência. Na obra, o que chama atenção é que, a única personagem humanizada e com sentimentos é a cachorra Baleia e também é a única que possui um nome. As outras personagens são referidas pelos cargos que ocupam ou posição genética na família, tais como filho mais novo.

Vidas Secas é um mergulho profundo na miséria humana no que diz respeito a explorar o próximo em situações de calamidade, tal como a seca. O que impressiona é a crítica de Graciliano Ramos: profética e atual.

4 – O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago

Como será que Jesus Cristo narraria a sua trajetória se lhe fosse dada esta oportunidade? É o que faz o escritor José Saramago em O Evangelho segundo Jesus Cristo, onde o Messias é o narrador de sua própria história na qual mitos bíblicos e crenças religiosas são desconstruídos.

Em tempos onde fundamentalistas religiosos ocupam cargos de poder no Brasil e em outros países, resgatar a obra de Saramago é de fundamental importância, principalmente quando lembramos da memorável cena onde Cristo estabelece um diálogo com o Diabo e Deus e fica sabendo do provável acordo entre as duas imagens referências da religião.

Além de toda a crítica à moral religiosa, principalmente a católica, reler O Evangelho… é de suma importância para compreendermos que, entre laicos e fundamentalistas, o acordo político vem antes.

5 – Ventos do Apocalipse, de Paulina Chiziane

Ventos do Apocalipse, ao lado de Neketcha – Uma história de poligamia, é considerada uma das obras mais controversas de Paulina Chiziane, onde a escritora moçambicana pesa a caneta para retratar os horrores da guerra de civil de Moçambique, que aconteceu entre 1977 e 1992 e onde a escritora atuou como voluntária para ajudar os feridos de guerra.

Na obra, Paulina Chiziane está mais interessada em discutir a relação e a destruição entre os irmãos moçambicanos do que as questões políticas. Ativista da revolução que libertou Moçambique da colonização portuguesa, Chiziane sempre declara que, à época, não se conformava que, depois de tanto lutar contra os colonizadores, moçambicanos iniciassem uma guerra contra… moçambicanos.

Com uma narrativa muito particular, Paulina Chiziane retrata os horrores da guerra civil que, segundo a autora, presenciou durante o conflito. Não existe bem ou mal, apenas guerra e miséria.

Manifesto: Nós, mulheres negras, queremos o fim da Globeleza



A Mulata Globeleza não é um evento cultural natural, mas uma performance que invade o imáginário e as televisões brasileiras na época do Carnaval. Um espetáculo criado pelo diretor de arte Hans Donner para ser o símbolo da festa popular, que exibiu durante 13 anos sua companheira Valéria Valenssa na função superexpositiva de “mulata”. Desde a década de 1990 a personagem segue à risca o mesmo roteiro: é sempre uma mulher negra que samba como uma passista, nua com o corpo pintado de purpurina, ao som da vinheta exibida ao longo da programação diária da Rede Globo.

Nayara Justino, a Globeleza rejeitada pela Globo por ser "escura demais". Reprodução.
Para começar o debate em torno dessa personagem, precisamos identificar o problema contido no termo “mulata”. A palavra de origem espanhola vem de “mula” ou “mulo”: aquilo que é originário do cruzamento entre espécies. Mulas são animais nascidos do cruzamento dos jumentos com éguas ou dos cavalos com jumentas. Trata-se de uma palavra pejorativa que indica mestiçagem, impureza. Mistura imprópria que não deveria existir.

Empregado desde o período colonial, o termo era usado para designar negros de pele mais clara, frutos do estupro de escravas pelos senhores de engenho. Tal nomenclatura tem cunho machista e racista e foi transferido à personagem globeleza, naturalizado. É uma memória triste dos 354 anos de escravidão negra no Brasil.

A mulher negra exposta como Globeleza segue, inclusive, um padrão de seleção estética próxima ao feito pelos senhores de engenho ao escolher as mulheres escravizadas que queriam perto de si. As escravas consideradas “bonitas” eram escolhidas para trabalhar na casa-grande. Da mesma forma, eram selecionadas as futuras vítimas de assédio, intimidação e estupro.

Desde o período colonial, mulheres negras são estereotipadas como sendo “quentes”, naturalmente sensuais, sedutoras de homens. Essas classificações, vistas a partir do olhar do colonizador, romantizam o fato de que essas mulheres estavam na condição de escravas e, portanto, eram estupradas e violentadas, ou seja, sua vontade não existia perante seus “senhores”.

Veja só como isso é verdade: em 2015, a Globo trocou a Globeleza Nayara Justino, eleita por voto popular no programa Fantástico, por uma de pele mais clara, a atual Globeleza Érika Moura, escolhida internamente, já que a primeira “não teria se alinhado à proposta”, segundo eles. Reafirmando “o paladar” eurocêntrico de escolher a mulher negra apta para ser exposta como objeto sexual. Em outras palavras, pautados por racismo e machismo (de forma velada para alguns, para nós, muito evidente) selecionam quais padrões de negras vão explorar em suas vinhetas seguindo critérios de pele mais clara, traços considerados mais finos e corpo mais esbelto, porém voluptuoso e luxurioso “tipo exportação”.

Érika Moura está como Globeleza desde 2015. Reprodução/Facebook.
Um exemplo dos estigmas que estão colocados sobre os corpos das mulheres negras, e demonstra como funciona a imposição do lugar que devemos ocupar, é o caso da Vênus Hotentote. Seu nome original é Sarah Baartman. Nascida em 1789 na região da África do Sul, ela foi levada, no início do século 19, para a Europa. Sarah Baartman deu um corpo à teoria racista. Ela foi exibida em jaulas, salões e picadeiros por conta de sua anatomia considerada “grotesca, bárbara, exótica”: nádegas volumosas e genitália com grandes lábios (uma caracteristica presente nas mulheres do seu povo, os khoi-san). Seu corpo foi colocado entre a fronteira do que seria uma mulher negra anormal e uma mulher branca normal, a primeira considerada selvagem.

A história de Baartman se passou há séculos, mas esse estigma ainda hoje recai sobre nós, negras. Atualmente vemos um canal influente como a Rede Globo que, por quase 30 anos, expõe mulheres negras nuas a qualquer hora do dia ou da noite no período de Carnaval, negando-se a nos representar para além desse lugar de exploração dos nossos corpos no resto de todo o ano. Quantas mulheres negras vemos como atrizes, apresentadoras, repórteres nas grades das grandes emissoras?

É necessário entender o porquê de se criticar a Globeleza. Não é pela nudez em si, tampouco por quem desempenha esse papel. Não temos problema algum com a sensualidade, o problema é somente nos confinar a esses lugares negando nossa humanidade, multiplicidade e complexidade. Quando reduzimos seres humanos somente a determinados papéis e lugares, se está retirando nossa humanidade e nos transformando em objetos.

Não somos protagonistas das novelas — não somos as mocinhas nem as vilãs, no máximo as empregadas que servem de mera ambientação, adereço (inclusive apto ao abuso) para a estória do núcleo familiar branco. Basta lembrar do último papel da grande atriz Zezé Motta na emissora, onde foi a empregada Sebastiana em Boogie Oggie. Em contrapartida, algumas atrizes como Taís Araujo e Camila Pitanga se destacam, mas não podemos fingir que isso não é por serem jovens e negras com pele mais clara.

Zezé Mota é atriz e cantora; Foto: Reprodução/Facebook.
Qual será o destino das atuais atrizes negras brasileiras?

Talvez o mesmo das atrizes negras mais velhas e globelezas: o descarte e o esquecimento quando seus corpos não servem mais. A verdade nua e crua é que a Globeleza, atualmente, só reforça um lugar fatalista, engessado, pré-estabelecido para a mulher negra numa sociedade brasileira racista e machista e esse lugar fixo precisa ser rompido, quebrado, começando com o fim desse símbolo/personagem.

Não aceitamos ter nossa identidade e humanidade negadas por quem ainda acredita que nosso único lugar é aquele ligado à exploração do nosso corpo. Não mais aceitaremos nosso corpo refém da preferência e da vontade de terceiros, para deleite de um público masculino e de uma audiência que se despoja do puritanismo hipócrita apenas no Carnaval. Não mais aceitaremos nosso corpo narrado segundo o ponto de vista do eurocentrismo estético, ético, cultural, pedagógico, histórico e religioso. Não mais aceitaremos os grilhões da mídia sobre nosso corpo!

É necessário sair do senso comum, romper com o mito da democracia racial que camufla o racismo latente dessa sociedade. Não podemos mais aceitar que mulheres negras sejam relegadas ao papel da exotização.

Esse Manifesto não só clama pelo fim da Globeleza como nasce da urgência e do grito (há muito abafado) pela abertura e incorporação de novos papéis e espaços para mulheres negras no meio artístico brasileiro. Um novo paradigma precisa despontar no horizonte dos artistas negros sempre tão talentosos, porém, ainda sem o abraço do reconhecimento.

Viola Daviz ao receber o Emmy.  Foto: Flick/cc/Disney/ABC
Television Gr.
O que falta para mulheres negras, como frisou a americana Viola Davis em seu discurso após ganhar o Emmy, são oportunidades. A construção de novos espaços já vem sendo feita de forma árdua na sociedade real, nas classes pobres, nos coletivos organizados, na juventude periférica, estudantil e trabalhadora onde negras são maioria entre as adeptas de programas como Prouni, ou já são cotistas nas universidades. Entretanto, esse novo lugar ainda não é refletido na mídia, ao menos não da forma mais fidedigna e verossimilhante possível. Fica evidente que não há interesse em nos representar tal qual somos. Parecemos um incômodo e as poucas vozes negras de destaque são maquiadas, interrompidas ou roteirizadas a fim de amenizar nossa realidade e quando não, glamourizar a favela.

Não podemos mais naturalizar essas violências escamoteadas de cultura. A cultura é construída, portanto, os valores dela também o são. É preciso perceber o quanto a reificação desses papéis sulbalternos e exotificados para negras nega oportunidades para nós desempenharmos outros papéis e ocuparmos outros lugares. Não queremos protagonizar o imaginário do gringo que vem em busca de turismo sexual.

Basta! Já passou da hora!