3 de julho de 2017

Emir Sader: Contra a democracia, a exclusão social que o capital exige



O neoliberalismo nasceu para buscar superar a incompatibilidade entre a soberania popular da democracia e os interesses do grande capital. Para destravar os obstáculos à livre circulação do capital, entre os quais os governos que se resistem à sua centralidade .

Da RBA - O neoliberalismo exige governos fracos, sem legitimidade, sem poder de ação e sem disposição de se opor aos ditames do grande capital. Vem daí a franca crise em que se encontra a democracia tradicional, a democracia liberal, conforme o neoliberalismo foi se impondo como modelo global.

Nos EUA, na Europa, na América Latina, em países como a África do Sul e Índia, há uma perda clara de legitimidade desses regimes políticos, afetados pelo poder do capital financeiro de definir as regras da vida econômica, pela fraqueza de governos incapazes de avançar na solução dos problemas criados pelos mecanismos de mercado, que cada vez mais controlam o poder político.

Lutar contra o neoliberalismo é, ao mesmo tempo, lutar pela democracia. E vice-versa.

No Brasil, avançam juntos o golpe contra a democracia e a restauração do modelo neoliberal. A ruptura de uma se deu para reinstaurar o outro. A sobrevivência do governo golpista se dá como forma de preservação de seu verdadeiro núcleo fundamental – a equipe econômica, dirigida sem intermediações por banqueiros.

A associação indissolúvel do golpe com o neoliberalismo se faz pela ruptura dos direitos democráticos do povo de escolher seus governantes. Da expropriação dos direitos sociais da massa da população.

A recessão e o desemprego intensificados pela política econômica do governo Temer representam ataque aos direitos da população e contra a democracia, que deveria proteger os cidadãos das ações do chamado mercado.

O neoliberalismo começou a ser implementado na América Latina mediante uma ditadura – a de Pinochet, no Chile. Mas seu auge foi quando conseguiu se realizar mediante governos eleitos, como os de Menem, FHC, Fujimori, Carlos Andres Peres, Carlos Salinas de Gortari, entre outros.

Porém esses governos, depois de conseguirem, vários deles, se reeleger, fracassaram, sobretudo por conta do caráter antipopular de suas políticas neoliberais. A partir do momento em que as questões sociais passaram a ser consideradas predominantes pela população, em vários países os candidatos neoliberais foram sendo sucessivamente derrotados.

O único país em que o modelo neoliberal foi retomado mediante eleições – após ter passado por governos populares – foi a Argentina, mas isso se deu também porque o candidato que personifica essa restauração – Mauricio Macri – negou enfaticamente nos debates eleitorais que faria tudo o que está fazendo, caso contrário não teria conseguido triunfar.

No Brasil, foi mediante um golpe que o modelo neoliberal está sendo retomado. Derrotado quatro vezes sucessivamente, ficou claro que a maioria da população prefere um modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda.

O golpe deixou claro que seu objetivo estratégico é a retomada do modelo neoliberal, a promoção da hegemonia inquestionada do capital financeiro, a intensificação da exploração dos trabalhadores, o corte drástico das políticas sociais e a privatização do patrimônio público. Um programa com essas características só se faz pela ruptura da democracia.

Daí o pânico pela convocação de novas eleições que têm as elites, cujos interesses estão representados pelo governo golpista. Seja por eleições diretas já, seja mesmo em 2018 – para o quê necessitam castrar o processo eleitoral, com eliminação da candidatura de Lula, e com modalidades eleitorais que impeçam a expressão democrática da vontade da maioria da população.

Por isso a luta pela democracia no Brasil hoje está indissoluvelmente ligada à luta pela superação do modelo neoliberal, que retomou intensamente a dinâmica de concentração de renda, de exclusão social, de reprodução da pobreza e da miséria.


O resgate da democracia é o resgate do direito do povo de eleger livremente seus governantes, ao mesmo tempo em que é o resgate dos direitos formais dos trabalhadores, os direitos sociais da massa da população, a proteção e o fortalecimento dos bancos públicos, como indutores do crescimento econômico com inclusão social, e do patrimônio público do país.

Corte drástico das políticas sociais, concentração de renda e exclusão social. Um programa com essas características só se faz pela ruptura da democracia. Foto: CC Wikimedia/ O Financista.


2 de julho de 2017

As ciências humanas e a guerra cultural no Brasil



Uma das facetas da “guerra cultural” entre a esquerda e a direita que o Brasil vive atualmente é a crítica generalizada às ciências humanas. Dois conjuntos de críticas podem ser lidas e ouvidas nos mais diversos meios de comunicação e espaços sociais: a opinião pública de extrema direita, a direitona tosca, acha que as ciências humanas “são um antro de esquerdistas”, ou “esquerdopatas”, como preferem dizer. A direita liberal, que se quer mais civilizada, afirma que as ciências humanas são simplesmente inúteis e gastam dinheiro precioso das agências de pesquisa e horas preciosas dos alunos que deixam de aprender o que interessa nas escolas do ensino básico e superior.

Por Marcos Napolitano, no Brasileiros - Vamos lá. Em primeiro lugar, sinto dizer que as ciências humanas há muito não são um “antro de esquerdistas ou revolucionários de plantão”, se é que um dia o foram. Hoje, o marxismo é uma entre tantas possibilidades teórico-metodológicas aceitas, como sempre foi, aliás. Foi-se o tempo das “patrulhas metodológicas” tão presentes nos anos 1970 e 1980. Obviamente, essas ponderações pouco valem para a direitona, para a qual todo mundo que defenda direitos humanos, estado laico e não fica histérico diante de um discurso feminista, é um radical de esquerda. É verdade que vaia de bêbado não vale. Entretanto, causa muito ruído.

Quanto à inutilidade, devo dizer que ela não é uma exclusividade das ciências humanas. Basta uma olhada no hilariante site do Prêmio Ignobel que premia pesquisas reais e, à primeira vista, completamente inúteis, em várias áreas nobres das hard sciences. Mas como estou no ramo universitário há algum tempo, sempre acho que pode haver alguma utilidade futura inaudita em pesquisar como os cães e gatos se posicionam para urinar em relação às linhas magnéticas da Terra, qual a personalidade das rochas a partir de uma perspectiva de vendas ou como o Boletim da Sociedade Kardecista de Ximbica da Serra representou a Revolução Russa de 1917 (só essa última eu inventei, desculpem-me os kardecistas e ximbiquenses…). O lema do prêmio, inclusive, é premiar “ pesquisas improváveis que fazem as pessoas rir, para depois pensar”.  Apesar do risco da endogenia, é preciso confiar nos pares para avaliar a relevância de um tema de pesquisa, cabendo à universidade se comunicar melhor com a sociedade leiga para convencê-la da importância.

Também não se pode acusar as humanidades de ser a vilã dos gastos com a ciência e com a pós-graduação no Brasil. Os dados de 2016 indicam que cerca de 10% a 12% das verbas do CNPq e FAPESP são direcionadas para esta área. Pelo preço de quatro microscópios eletrônicos de varredura é possível sustentar um programa de pós-graduação em história ou ciências sociais, gigantes como os da USP, durante um ano.

O fato é que não é raro, no próprio meio acadêmico, até em universidades públicas, ouvirmos à boca pequena (e à boca grande) que as ciências humanas não fazem pesquisa, não geram patentes, e tem “apenas” vocação para formar professores e fazer atividades de extensão, algo visto preconceituosamente como a “sopa para os pobres” do entorno.

Há também o outro lado da moeda. Muitos colegas respeitáveis acham que só as Humanidades tem capacidade de pensar a sociedade, o que é um grande exagero. Pessoalmente, eu não quero que historiadores e poetas pensem pelos engenheiros, mas eu gostaria de engenheiros que também pensassem como historiadores e poetas. O país, a engenharia e a história só ganhariam com isso.

Se quisermos um país com capacidade de formulação de políticas públicas eficazes, consciente dos seus interesses econômicos e posição geopolítica em um mundo complexo, de um aluno e um trabalhador que possam ser algo mais do que repetidores de tarefas mecânicas, precisamos das ciências humanas na pesquisa e na educação. Independente do debate esquerda / direita, que se bem colocado pode até ser muito produtivo (o que não é o caso do Brasil atual, infelizmente), as ciências humanas têm um papel a cumprir na sociedade.

Como desenvolver políticas de saúde, políticas de inclusão social, políticas de segurança, políticas culturais, políticas de transporte e energia sem a ajuda da sociologia e da antropologia? Como fundamentar o debate sobre reformas políticas, constituição e cidadania, sem a ciência política? Como conhecer o legado ou desmontar as armadilhas institucionais colocadas pelo passado sem a história? Como desenvolver políticas agrícolas, agrárias, urbanas, de moradia, de preservação ambiental, sem a geografia?

Sim, é possível que um governo desenvolva todas estas políticas públicas sem as pesquisas inúteis em ciências humanas. Como? Deixando que as corporações e a burocracia produzam estudos e formulações ou importando pesquisas de consultorias milionárias e de agências internacionais nem sempre independentes dos interesses econômicos e financeiros que regem o mundo. Não que a universidade esteja isenta deste risco, mas um ambiente de pesquisa em uma universidade pública, ou mesmo privada mas pautada por uma gestão comunitária, financiada a partir de critérios claros de qualidade e relevância, examinado por pares e controlado pela sociedade civil, ainda é o melhor caminho para se produzir ciência e conhecimento. Aliás, isto já vem sendo feito pelas universidades brasileiras. Se os políticos e gestores públicos não utilizam este conhecimento “público e gratuito” como deveriam, isso é outra história. Diz mais sobre nossos governantes, burocratas e parlamentares do que sobre a nossa universidade.

Para os que acham que a qualidade e relevância do conhecimento acadêmico se mede pela inserção no mercado, deveriam levar em conta que as ciências humanas também tem um potencial muito grande neste campo. Além de consolidar uma comunidade de leitores, consumidores de mídias e impressos, o vigor das humanidades tem impacto direto na indústria do turismo, no jornalismo, na indústria editorial, e indireto na chamada “economia criativa” (publicidade, games, design, moda). Portanto, não se trata de responder a estas demandas matando a pesquisa e transformando os cursos de ciência humanas em escolões genéricos. É verdade que os currículos dos cursos devem ser atualizados, como também é verdade que as pesquisas puras, “inúteis” para alguns, deveriam ser melhor articuladas à pesquisas aplicadas e ao desenvolvimento de C&T. Da minha parte, como profissional pesquisador e docente da área de Humanidades há mais de 30 anos, aceito esta cobrança.

Estas mudanças implicariam em construir um novo patamar da relação entre pesquisa, ensino e extensão, e não em destruir o próprio conceito de pesquisa em humanidades a partir da separação dos professores universitários da área entre um grupo seleto de pesquisadores full time e uma massa de professores horistas em salas lotadas de graduação. A área de humanidades, nas universidades públicas brasileiras, consolidou sua identidade e vocação: pesquisa e ensino articulados e inseparáveis. E apesar das dificuldades, é um modelo bem-sucedido, ainda que possa ser aprimorado e revisado. Por exemplo, na última lista do badalado QS World University Ranking sete cursos de graduação da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP estão entre os 100 ou 150 melhores do mundo, o que não é pouco para uma Faculdade com 10 mil alunos de graduação, 3 mil de pós-graduação e para um país sem tradição universitária. E todos estes cursos de graduação, diga-se, tem programas de pós-graduação a eles conectados que são considerados “de excelência” pela CAPES e reconhecidos internacionalmente.

Mas sabemos a guerra cultural contra as humanas está longe de ser desinteressada, meramente preocupada com a “doutrinação” dos pobres alunos quase adolescentes por professores mal-intencionados ou com a gastança do precioso dinheiro público que poderia ir para o superávit primário e fazer os investidores mais felizes. Trata-se de uma concepção de país, de ciência e de educação que está em jogo, e que veio à tona de maneira avassaladora nesta aliança tática entre a direitona autoritária e a direitinha liberal que tomou conta do Brasil contemporâneo. 

No ensino, a guerra às humanidades tem produzido outras críticas superficiais. Por exemplo, a de que o currículo do ensino médio está cheio de “penduricalhos” desinteressantes para os alunos, desviando do que realmente interessa aprender no mundo de hoje: português, matemática e inglês. A integração curricular das disciplinas, a interdisciplinaridade, a flexibilização e o protagonismo dos alunos, sobretudo no ensino médio, são propostas importantes, mas não podem ser implementados a partir da virtual exclusão das humanidades no ensino médio.

Mas este assunto fica para um próximo texto.

Manifestação a favor do impeachment  de Dilma na Avenida Paulista. Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil.

1 de julho de 2017

Historiador João José Reis vence o Prêmio Machado de Assis


O historiador baiano João José Reis, considerado referência mundial para o estudo da História e da escravidão no século 19 no Brasil, é o vencedor do Prêmio Machado de Assis, concedido anualmente pela Academia Brasileira de Letras a um intelectual pelo conjunto da obra. Reis ganhou R$ 100 mil.

Do Correio - A entrega será feita no Salão Nobre do Petit Trianon, no dia 20 de julho, durante as comemorações pelos 12 anos da fundação da ABL.

Formado em História pela Universidade Católica de Salvador, João José Reis tem mestrado e doutorado pela Universidade de Minnesota e diversos pós-doutorados, que incluem a Universidade de Londres, o Center for Advanced Studies in the Behavioral Sciences, da Universidade de Stanford, e o National Humanities Center. Também foi professor visitante das seguintes universidades: Universidade de Michigan, Universidade Brandeis, Universidade de Princeton, Universidade do Texas e Universidade de Harvard.

Historiador João José Reis. Foto: Reprodução.

Arraiá do 18 de Dezembro homenageia João Zuba, mestre da cultura popular, no XVII Festival Junino de Altaneira



Teve início na noite da última quinta-feira, 29, e segue até hoje , 1º de julho, no Ginásio Poliesportivo Antonio Robério Carneiro, o XVII Festival Junino com o tema “Na roça, na Fazenda e no Sertão – Dançando e Festejando o Sertão”.

Com um bom público e sobre, em alguns momentos, pancadas de chuvas, sete arraiás das escolas do município fizeram a alegria cantando, dançando e contando a história do povo nordestino.

Antes das apresentações, segundo informações do site oficial do Governo Municipal de Altaneira, discursaram Antonio de Kaci, secretário de cultura, Leocádia Rodrigues, secretária de educação e o prefeito Dariomar Soares. O primeiro destacou a potencialidade do município nesse cenário. “Não é novidade que Altaneira sempre se destaca como um dos maiores festivais da região do cariri”. Antonio frisou ainda que este evento conta com o total apoio do governo municipal e que isso “demonstra o compromisso e a dedicação ao povo altaneirense” e teceu agradecimentos as parcerias, principalmente das secretarias de educação, saúde, assistência social, infraestrutura e do poder legislativo municipal. Leocádia, por sua vez, cumprimentou aos pais, alunos (as), professores (as) e a mesa, ao passo que agradeceu a todos (as) pelo empenho na realização do festival. O prefeito elogiou o trabalho da secretaria de cultura. “ A cada ano, a gente não sabe mensurar, mas a cada ano, a secretaria se supera”. Ele agradeceu a presença de todos no festival, ao passo que declarou aberto o evento.

A primeira a usar o cenário do ginásio foi a Creche Ciranda do Saber. Com o tema “Sol e Chuva no Sertão”, a criançada demonstrou desenvoltura ao frisarem problemas como a fome, sede e as poucas chuvas. A Escola de Ensino Infantil Fausta Venâncio, outrora denominada de Disneylândia, veio logo na sequência contando a história de João Batista, personagem bíblico. Na mesma desenvoltura, a Escola Joaquim Soares da Silva trouxe para o ginásio a temática “Festejando e Dançando no Roça do Joaquim” trabalhando os vários fazeres de agricultores e agricultoras. As agremiações do Joaquim Rufino e do 18 de Dezembro não deixaram por menos e arrancaram aplausos. A Joaquim trabalhou “Do Colorido do Sertão ao Brilhos do São João”, enfocando as principais problemáticas do país no contexto político, mas sem esquecer a bravura do povo nordestina para vencer. Já a Escola 18 de Dezembro com o arraia “Quadrilha 18 Tao – Chuvas no Sertão” que, além de falar de um dos principais mecanismos de desenvolvimento econômico, a chuva, homenageou o símbolo da cultura popular de Altaneira, falecido na noite do dia 24 de fevereiro do corrente ano.


Responsável por resgatar e manter viva a Banda Cabaçal ao lado do amigo Luis, João Zuba deixou um legado invejável na cultura local ao abrir espaços para aprendizes do ramo da música, sanfoneiros, violeiros e cantores semiprofissionais – como o cantor Sebastião Amorim (conhecido popularmente por Charles Tocador). Este ao lado dos alunos e integrantes do arraia da escola relembraram na quadra uma das principais marcas do homenageado, o pífano e a zabumba,

A noite de apresentações juninas foi encerrada com a Escola de Ensino Médio Santa Tereza que encenou uma das obras de Machado de Assis - o Dom Casmurro - enfocando a personagem Capitu com o tema “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”.

Na noite de ontem, 30, 09 (nove) agremiações de outros municípios se apresentaram na etapa regional e hoje, 1º de julho, mais nove irão encerrar o festival, inclusive o "Arraiá do Ribuliço”, representante da municipalidade. 

Arraiá do 18 Tão homenageia João Zuba no XVII Festival Junino de Altaneira. Fotomontagem: Blog Negro Nicolau.

30 de junho de 2017

Rocha Loures, flagrado recebendo uma mala com R$500 mil, é solto a mando do STF



O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator das ações da Lava Jato no Corte, mandou soltar o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), preso há mais de um mês na carceragem da Polícia Federal em Brasília. Em troca, Loures deverá cumprir algumas medidas cautelates, como recolhimento domiciliar.

Da Agência Brasil - Com a decisão, Loures deverá permanecer em casa das 20h às 6h de segunda a sexta-feira, e durante todo o dia aos sábados, domingos e feriados. Ele também deverá ser monitorado por tornozeleira eletrônica.

O ex-deputado foi flagrado pela PF recebendo uma mala com R$ 500 mil na Operação Patmos, investigação baseada nas informações da delação premiada dos executivos da JBS. Quando Rocha Loures foi preso, Fachin havia atendido a um pedido feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo o procurador, a prisão de Loures era “imprescindível para a garantia da ordem pública e da instrução criminal”.


Por que os negros não apresentam programas de televisão


Em pesquisa organizada pela Vaidapé, levantamos os dados sobre os apresentadores e apresentadoras de televisão no Brasil para quantificar o racismo nas emissoras de TV.

Depois que a Vaidapé decidiu quantificar o número de apresentadores pretos no país, entramos em contato com as principais emissoras de TV da rede aberta: Cultura, SBT, Rede Globo, Rede Record, RedeTV!, Gazeta e Bandeirantes. A dificuldade em conseguir números claros fornecidos pelas empresas fez com que a gente organizasse uma pesquisa para dimensionar como é a divisão racial entre os apresentadores da televisão brasileira.

Por Henrique Santana e Iuri Salles, do Vaidapé - Checamos 204 programas das sete emissoras citadas que foram transmitidos entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2017. O resultado foi um levantamento de 272 apresentadores que compõem as grades de programação. Ainda que a maioria dos programas sejam exibidos em rede nacional, para os casos que variam de região para região foi adotado como padrão a programação de São Paulo. Mesmo assim, a pesquisa dá um bom panorama da televisão brasileira.

As primeiras respostas obtidas não surpreendem. Apenas 3,7% dos apresentadores são negros. Em valores absolutos, de todos os analisados, foram apenas 10 apresentadores negros contra 261 brancos. De acordo coma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2014, organizada pelo IBGE, 53% da população brasileira é de pretos ou pardos, grupos agregados na definição de negros.

Procuramos utilizar como critério de análise a autodeclaração dos apresentadores. Como em muitos casos foi complicado encontrar estas declarações, o critério secundário foi o de observação dos pesquisadores.

Você é muito graciosa. Embora sendo a única negra entre as brancas, é bonita. É bonita de verdade– Silvio Santos, apresentador e proprietário do SBT

A emissora que apresenta maior diversidade é a RedeTV!, onde pouco mais de 9% dos apresentadores são negros. Já a a Record e o SBT são as campeões no quesito branquitude. Ambas não possuem sequer um apresentador negro figurando nos programas analisados. Na emissora de Silvio Santos, a única apresentadora negra que constava na grade de programação era a jornalista Joyce Ribeiro, que foi demitida no início deste ano.

Dois meses antes da demissão de Joyce, Silvio Santos protagonizou um caso de racismo explícito durante o Teleton de 2016. Na ocasião, o apresentador e proprietário da emissora ao entrevistar Daiane, dançarina que se apresentava no programa, afirmou: “Você é muito graciosa. Embora sendo a única negra entre as brancas, é bonita. É bonita de verdade”.

Não foi o primeiro comentário desse tipo proferido pelo dono do SBT. Também em 2016, ele havia dito a uma criança que se apresentava em um de seus programas que seu cabelo estava “chamando muita atenção”.

Além da falta de representatividade na televisão, é possível observar que apresentadores negros estão majoritariamente em programas culturais e de entretenimento. Nos casos analisados, 80% dos negros estavam em programas deste tipo e 20% protagonizavam programas de caráter religioso. Na programação jornalística, educativa e infantil não figurava nenhum apresentador negro.

Também foi possível comparar na pesquisa a média de tempo que brancos e negros ficam no ar. Em uma situação hipotética, se a grade da televisão brasileira fosse composta apenas por programas com apresentação, em 24 horas, apenas 6 minutos da grade seriam apresentados por negros.

O que diz a academia?

Conversamos com um dos poucos professores negros do curso de jornalismo da USP, Dennis Oliveira, doutor em comunicação social e militante do movimento negro, pra saber o que ele achava da presença mínima de negros na programação da televisão. Para ele, “é racismo e discriminação com certeza, porque hoje você tem um grande número de negros que poderia desenvolver essa função”. 

Uma das manifestações da discriminação racial é você interditar a introdução de homens e mulheres negras em posições de visibilidade– Dennis Oliveira, doutor em comunicação social e militante do movimento negro

A escolha de pesquisar apenas os apresentadores foi de esclarecer como se dá a divisão racial no que é, provavelmente, a função de maior protagonismo e visibilidade da televisão. Para Dennis, a discrepância nos números esclarece o preconceito institucional que vigora nas empresas. “Uma das manifestações da discriminação racial é você interditar a introdução de homens e mulheres negras em posições de visibilidade”, pontua.

O professor também reflete sobre como a TV embranquecida afeta um jovem comunicador negro, que não consegue ver quadro de referências no principal canal de comunicação utilizado pelos brasileiros. “Ele não se identifica e cria a falsa ideia de que ele não pode estar lá. Então você limita as expectativas profissionais desse jovem. Mais do que isso, vai se constituindo uma estética ariana”, conclui.

Os dados da pesquisa apontam para um racismo mais escancarado do que “velado”. Mesmo com a esmagadora presença branca, a Rede Globo, por exemplo, não enviou informações sobre seus apresentadores com a justificativa de não separar seus funcionários por raça.

O que dizem os apresentadores negros?

Para ter uma visão de dentro das emissoras, entrevistamos a Roberta Estrela D´Alva, uma das poucas apresentadores negras que está no ar em uma grande emissora. Mestre em comunicação semiótica pela PUC de São Paulo e idealizadora do “ZAP! Zona Autônoma da Palavra”, primeiro campeonato de poesias brasileiro, ela apresenta atualmente o programa “Manos e Minas” na TV Cultura.

Existe preconceito dentro da televisão brasileira? E como combater isso?

A televisão e a mídia não estão separadas de toda uma estrutura cultural dentro da qual a gente vive, que ainda é racista e machista . Então claro que, considerando historicamente a representatividade na televisão brasileira , o espaço para negros e negras é muito reduzido , ainda mais se considerarmos que mais da metade da população desse país é negra.

Ser uma mulher negra dentro da televisão brasileira, ainda mais em um programa onde também estou pautando, era um lugar de fala, um ponto de vista que está muito focado nessas questões de gênero e raça. Todos sabem que minha pauta  central no Manos e Minas desde que entrei é dar visibilidade à mulher negra.

Temos apenas dez negros apresentando programas na TV aberta, você acha que existe alguma justificativa pra isso?

Quatrocentos anos de sistema escravocrata que contaminou todas as estruturas de poder nesse país. A mídia  e a polícia se tornaram mecanismos de controle e existem para servir a um poder hegemônico. E esse poder é invariavelmente masculino, eurocêntrico e branco. Então está explicado.
Você teve alguma apresentadora negra como referência? Lembra do trabalho de alguma?

Acho que a gente tem aquela coisa inconsciente do Fantástico né?  A Glória Maria chamava a atenção por ser a única. Mas se for pra falar de gente preta na televisão, acho que fui mais influenciada pelo Mussum do que por qualquer apresentadora ou apresentador. E olha que os Trapalhões tinham piadas racistas, homofóbicas e machistas pra caramba, hein…

A televisão brasileira é racista? Você se sente representada pela programação da TV aberta?

A televisão é racista na medida em que a sociedade também é.  Eu não tenho televisão há uns 15 anos.  Assisto as coisas pela internet. Até o meu programa. Mas esses dias vi um “blackface” num desses programas de humor. É lamentável… A Angela Davis, quando veio para o Brasil, ficou em choque com as novelas, com o tanto de atrizes brancas de olhos azuis e nenhuma representatividade negra. E é chocante mesmo.

Como foi feita a pesquisa

A pesquisa foi feita a partir dos dados sobre a programação fornecidos pelo site oficial de cada emissora, considerando programas que foram exibidos no segundo semestre de 2016 e no primeiro de 2017. São considerados para essa pesquisa, apenas programas com apresentadores fixos.

Os programas reprisados e de Reality Show organizados por temporada foram considerados na pesquisa, quando não anunciado o cancelamento. Programas voltados exclusivamente para a venda de produtos, bem como eventos esportivos e de celebração religiosa transmitidos ao vivo, ainda que com apresentadores, não foram considerados.

Como citado anteriormente, quando possível, a pesquisa analisou a cor dos apresentadores com base na autodeclaração. Para os casos em que a autodeclaração não foi encontrada, o critério de avaliação se deu pela observação dos pesquisadores.




29 de junho de 2017

Seca no Nordeste é chamada de ‘atração turística’ por Dória


Em 1987, o atual prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), era o presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur). Três décadas atrás, o tucano já mostrava a capacidade de criar ideias mirabolantes. À época, Doria acreditava que a fome, a subnutrição e a seca do Nordeste poderiam ser uma opção de atração turística para os visitantes do Centro-Sul do país.

Do 247 - A informação foi publicada na Revista Agropecuária tropical, na edição de Setembro/Outubro de 1987. Em discurso feito em Fortaleza, em julho daquele ano, o atual prefeito defendia o corte de verbas de irrigação e aumento das verbas para a Embratur. Com isso, disse Doria, "os moradores do Sul do país poderiam conhecer de perto a seca, uma vez que eles só conheciam a seca através da imprensa".

A revista criticou a frase de Doria com uma afirmação irônica. "Ou seja, em vez de empregar o dinheiro do governo para financiar a produção, o presidente da Embratur defende empregar verbas para que turistas em ônibus refrigerado e regado a whisky possam ver crianças esqueléticas tomando lama em vez de água".

Na época, uma radialista de Fortaleza chamou Doria de "dandi transplantado para a vida pública", de acordo com reportagem da Gazeta Mercantil.



28 de junho de 2017

Conheça e baixe a cartilha “Somos Todas Rainhas”



A associação Frida Kahio, organização voltada para abordagem do tema juventude e que une jovens de diferentes movimentos juvenis na organização e com iniciativas que visem tratar assuntos doloridos e difíceis da sociedade  com “leveza, responsabilidade e arte” traz histórias de grandes Guerreiras Africanas e brasileiras, por diversas vezes esquecidas com a publicação da cartilha “Somos Todas Rainhas”.

Atualmente, a organização desenvolve dois projetos: Pesquisa Mulheres e Homens Jovens Dialogando Sobre a Co-responsabilidade com o apoio da UNFPA- Brasil e também idealizou e desenvolve o projeto  Mulheres Negras têm História e as Jovens Negras estão aqui para Contar, com a Articulação Políticas de Juventude Negra e o VAI – Programa de Valorização e Incentivo à Cultura da Secretaria Municipal de Cultura e apoio da BrazilFoundation.