Atualmente
o brasileiro vem sendo provocado a discutir e opinar sobre a situação de crise
do nosso país. Em momentos como esse os argumentos da grande maioria da
população se constitui por meio das notícias veiculadas pela grande mídia
nacional. O problema é que essa mesma mídia não é isenta como parece ser. Ela
está envolvida no jogo e nas disputas de poder. Neste momento, o grande desafio
consiste em conseguir olhar para além da “nuvem de fumaça” produzida pela
grande mídia e reproduzida nas redes sociais e nos bate-papos das ruas, das
esquinas, dos botecos, etc..
Na
tentativa de identificarmos o contexto da crise a partir de uma visão mais
ampla, queremos começar destacando três problemas de fundo:
A
vitória da economia sobre a política
A
vitória do mercado e do consumo sobre a ética
A
vitória da alienação sobre o exercício da cidadania.
No
primeiro caso, aquilo que estamos vendo na mídia todos os dias no Brasil é
reflexo de um problema mundial que tem como base o sistema
capitalista-neoliberal. Se por um lado a política deveria se definir como uma
forma de organização e relação de poder tendo em vista o bem comum, por outro,
(nesse sistema) a economia de mercado não se preocupa com a desigualdade
social. O bem da economia está acima do bem de todos. A saúde da economia está
acima da saúde do povo. Uma economia forte é mais importante que um povo forte.
A
segunda situação é consequência da primeira. Mesmo porque, nesse sistema nós
aprendemos que a medida do consumo é a medida da felicidade. Só quem pode
consumir pode ser feliz. Sendo assim, a mercadoria se torna mais importante do
que o sujeito que a produz. E, se a ética está situada no campo da reflexão e
escolha livre, consciente e coerente, dentro do universo de corresponsabilidade
nas relações humanas, nesse sistema ela fica completamente comprometida. Nesse
universo, quem não produz e não consome atrapalha os produtores e consumidores.
Portanto, poderiam deixar de existir. Não fariam nenhuma falta. Nesse contexto,
a vítima é transformada em vilã. Não importa se não recebeu educação adequada,
se não teve estrutura familiar, se não recebeu apoio nem oportunidades nos
momentos decisivos de escolhas. De qualquer forma será visto como um derrotado
e como um “peso morto” que os que produzem e consomem precisam carregar. E a
lógica é perversa. O responsável pelas ações sociais que incluem os mais pobres
é o Estado. Porém, os capitalistas defendem um “Estado Mínimo”, sem influência
no mercado, com economia enxuta. E, para estes, gastar com quem não produz é desperdício
de dinheiro e risco para a economia. Um sistema sem coração e sem ética.
Contudo,
este sistema só pode se manter se receber uma aceitação coletiva. Mas, como a
maioria do povo poderia aceitar um sistema tão perverso, que produz efeitos
muito negativos para a maioria da população e para o meio ambiente (como
podemos ver no mundo inteiro)? É muito simples: por meio de um processo de
alienação. E sobre isso já falamos em outras reflexões. No sistema capitalista
orientado pelo mercado a lógica de funcionamento é muito simples: a economia é
o Deus. E todos precisam prestar culto à ela. O problema é que esse culto exige
sacrifícios. E, problema maior ainda é que esse “Deus” só aceita um tipo de
sangue: o humano. Mas ainda com um agravante: não pode ser qualquer humano, e
sim aquele tipo que não possui poder de reação. Portanto, em tempos de crise,
não se percebe a diminuição dos gastos do Palácio do Planalto, da câmara dos
Deputados, do Senado, etc.. Também não se tem coragem de tomar o caminho de “taxar
as grandes fortunas”. Aliás, onde foi parar a enorme lista de brasileiros com
contas no exterior? Ah, é claro: havia muita gente da Globo nessa lista. Estes
sabem como reagir e possuem meios para isso. Então, o que sobra? Cortar gastos
da saúde, da educação, dos projetos sociais, etc..
Sendo
assim, quem será, de fato, sacrificado? Quem ganha menos e quem consome mesmo.
Estes são os que precisam da escola pública, da saúde pública, dos
investimentos em projetos sociais.
Porém, o grande problema daqueles que possuem o poder de influenciar a
mídia tendo em vista produzir uma imagem distorcida da realidade (ideologia
negativa) são os mesmos que não se conformam com o fato de as últimas eleições
serem decididas justamente pelos que sempre foram os mais marginalizados. Não
porque eles ganharam consciência de cidadania da noite para o dia, mas porque
sentiram os efeitos diretos de pequenos investimentos em projetos sociais que,
mesmo com grandes problemas e com muitos erros, de certa maneira distribuía
renda. Contudo, o mesmo sistema que tirou muita gente da miséria fez aumentar a
classe média em nosso país. E essa classe média foi convencida de que o
problema da crise está localizado no governo, no Estado e nos “pobres” que
precisam dos projetos sociais. Sendo assim, a corrupção é vista apenas como
sendo dentro do governo; os gastos desnecessários estão sendo feitos com quem
não produz; e o Estado deveria abrir mão das maiores riquezas nacionais para o
capital internacional. E nesse contexto a Petrobrás se tornou a grande
referência em disputa.
Por
outro lado, o governo, sabendo que o “Deus” capital é quem domina todas as
formas mais importantes de poder, se corrompe para se manter com seu grupo e
seus privilégios. Sendo assim, mesmo um partido popular – como era o PT – achou
que deveria prestar culto à Deus e ao Diabo, cultuando “dois senhores”, e
pensou que seria possível fazer isso sem ter de assumir as consequências dessa
escolha contraditória. Com isso, cooptou as grandes lideranças dos movimentos
sociais e sindicais colocando-os dentro do governo. Negociou com a extrema
direita e se corrompeu na lógica do mercado dentro de um projeto de
continuidade no poder.
E
quais seriam as piores consequências desse triste quadro?
Os
movimentos sociais e os sindicatos se enfraqueceram, porque passaram a fazer
parte de um sistema e mecanismo de poder – ficou comprometida a concepção de
“esquerda”.
Aos
primeiros sinais de uma crise financeira o governo foi abandonado pelos seus
aliados da “direita”. Não só abandonado, mas acusado como o único culpado.
Aliás, com a descoberta do maior sistema de corrupção de nossa história, se
descobriu também de que forma o governo conseguia vitórias no Congresso em meio
à Deputados e Senadores corruptos.
Para
sair da crise precisou lançar mão de medidas impopulares. O que facilitou a
tarefa da mídia na construção de um “bode expiatório” e de um processo de
alienação. Nesse contexto até a vítima ainda não percebeu que ela está sendo
conduzida ao “matadouro” oferecendo poder aos que querem um sacrifício ainda
maior. E a maioria passou a reproduzir o discurso dos seus “algozes”
(carrascos).
Porém,
aqueles que nós chamamos de “elite” dentro de um projeto de poder que
privilegia apenas o mercado e não as pessoas e nem a ética, estão lutando para
destruir o último sustentáculo de um governo que, apesar de cometer erros
imperdoáveis, se diferenciou no investimento de projetos sociais: falta apenas
sacrificar diretamente os que fizeram a diferença na disputa pelo poder – bolsa
família, minha casa-minha vida, PROUNE, FIES, etc., etc..
Diante
desse quadro, é praticamente certo um retrocesso do ponto de vista da política,
da ética e da justiça social. Já temos um terreno completamente preparado para
que o sistema de mercado volte a assumir seu império absoluto. Ao invés de
corrigir os erros das estatais, evitando que sejam comandadas por indicações
políticas, será melhor privatizá-las. Ao invés de votar a lei que torna crime
hediondo a corrupção, é melhor afirmar que ela pertence à um só partido. Ao
invés de mudar o sistema tributário, é melhor cobrar mais impostos. Ao invés de
diminuir os privilégios dos políticos profissionais, é melhor aumenta-los para
garantir a votação das leis necessárias para retomada da economia. Ao invés de
diminuir os Ministérios, é melhor mantê-los como instrumento de barganha com os
“Partidos aliados”. Ao invés de taxar as grandes fortunas, é melhor apertar o
“cinto” dos mais pobres e taxar os setores produtivos. Ao invés de investir em
projetos sociais, em saúde e educação, é melhor investir no fortalecimento da
economia, levando em conta apenas quem é capaz de “aquecer” o mercado. Nesse
sentido, a pergunta mais trágica não é a que a mídia está colocando todos os
dias: “quem paga a conta”. A pergunta é: quem será abandonado ou será realmente
sacrificado? Quem não paga plano de saúde, quem não tem seus filhos em Escolas
particulares e pode pagar faculdade particular, quem não precisa dos benefícios
do governo. Aliás, são estes que estão tirando hoje o governo do poder. E a
maior acusação são os gastos do Estado e a corrupção da qual eles mesmos fazem
parte elegendo e mantendo no poder políticos corruptos. Para se ter uma ideia,
aqui em São Paulo, por exemplo, os Malufistas de “carteirinha” se tornaram
militantes nas ruas gritando contra a corrupção do PT. E com eles estão os
militantes do PSDB, do PMDB, do PPS, do PP, etc..
Bem,
mas se hoje a “oposição” ao governo tem a maioria no Congresso, porque já não
pediram o empeachment de Dilma?
Por
dois motivos básicos – entre outros:
Ainda
não “minaram” todas as bases de seu adversário. Não sangraram o suficiente para
que ele não se recomponha. Se eles entrarem agora, assumindo o lugar de Dilma,
e tiverem de retirar todos os benefícios dos pobres (como eles querem),
perderão novamente as eleições no voto. Querem que, antes de sair, o PT mesmo
faça a “limpeza étnica” – decrete o abandono aos pobres.
Em
segundo lugar porque o argumento legal que pode tirar Dilma do Poder hoje é o
uso de dinheiro da corrupção em sua campanha eleitoral. Este fato pode ser
provado e já serve de argumento suficiente para caçar o mandato. O problema é o
seguinte: qual deles não se utilizou do dinheiro de corrupção para chegar ou
manter o poder? Por isso também não mudam a lei.
Bem,
mas será que não resta nada de bom nessa história toda?
Penso
que algo de bom pode surgir. Aliás, está surgindo. Na semana passada,
dialogando com um grande amigo sobre a política nacional, nós chegamos à
conclusão que a rotatividade de governos diferentes e o retorno das grandes
lideranças dos movimentos sociais e sindicais ao posto de oposição poderá gerar
uma dialética saudável ao nosso país. Além disso, problemas que já fazem parte
de nossa cultura – como a corrupção, por exemplo – só mudam através de
enfrentamentos de grandes crises. O que aconteceu com outros países da Europa
após a destruição das grandes guerras mundiais. A nossa esperança é que essa
crise possa fazer emergir em nosso país uma nova consciência e postura,
principalmente diante da corrupção, que o brasileiro não aguenta mais.
Concluímos
então com essa esperança, que pode ser ou não compartilhada por você.
*Doutorando em Ciências das
Religiões e professor de filosofia da Universidade Regional do Cariri (URCA)