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A
filosofia africana é geralmente negligenciada no estudo de Filosofia, sem que
se saibam claramente as razões para isso. Alguns argumentam que o fato de ela
estar estreitamente vinculada às suas tradições orais tornaria difícil
compartilhar a sua extensa história com uma audiência mais ampla. Outros
argumentam que a sua natureza afrocêntrica a faria menos atraente para o resto
do mundo.
Publicado
originalmente no Global Voices
O
filósofo nigeriano K.C. Anyanwu define a filosofia africana como “aquela que se
interessa na maneira que o povo africano, do passado e do presente, entende o
seu destino e o mundo no qual vive”. Apesar de em grande parte permanecer um
mistério para os outros países, a filosofia africana é uma disciplina sólida,
enriquecida por séculos de pesquisa, que datam desde a filosofia do Egito
antigo, até o pensamento pós-colonial moderno. Ao longo de sua história, a
filosofia africana contribuiu significantemente à filosofia grega, notadamente
através do filósofo egípcio Plotino –
figura fundamental na continuação da tradição da Academia filosófica de Platão,
e à filosofia cristã, através do pensador argelino Agostinho de Hipona, que
estabeleceu a noção do pecado original.
Para
entender melhor a atual evolução da filosofia africana contemporânea, aqui
estão cinco pensadores do continente que devem ser observados:
1. Séverine Kodjo-Grandvaux (Costa do
Marfim)
Natural
da Costa do Marfim, Séverine Kodjo-Grandvaux escreve para a revista “Jeune
Afrique” (“África Jovem” em tradução livre do francês) e é a autora da obra
“Philosophies Africaines” (“Filosofias africanas”, em tradução livre do
francês), na qual ela analisa a atual elite de filósofos africanos. Ela estabelece
que a filosofia africana moderna é geralmente classificada em quatro grupos
principais: etnofilosofia, sagacidade filosófica, filossofia
ideológica-nacionalista e filosofia profissional. No entanto, Kodjo-Grandvaux
acredita que a definição da tendência da filosofia moderna africana pode ser
resumida em como ela evoluiu de sua influência colononial.
Num
debate sobre o livro, o seu colega na revista “Jeune Afrique”, Nicolas Michel,
faz um sumário da origem e evolução da filosofia africana contemporânea e as teorias de Kodjo-Grandvaux:
Como uma arqueóloga das ideias,
Séverine Kodjo-Grandvaux explora as camadas de uma epistomologia que, ao longo
do último século, foi construída essencialmente em reação ao Ocidente. Num
primeiro momento, sob o jugo da influência imperealista colonial,
posteriormente, em reação contra esse domínio. Na medida que os movimentos de
independência se espalhavam pelo continente (nos anos 50), a filosofia de busca
do retorno à “identidade africana” e de afastamento do molde ocidental
tornou-se mais forte. Kodjo-Grandvaux argumenta que tal ideologia de “retorno
às origens” é uma proposta arriscada. Ela escreve: “À medida que a filosofia se
encaixa na busca de um padrão ‘regionalista’
– isto é, continental, nacional ou étnico – ela deve evitar várias
armadilhas, entre elas, a do pensamento homogêneo e do isolamento excessivo”. A
contribuição da filosofia ocidental e de outras correntes de pensamento não
devem ser rejeitadas.
Kodjo-Grandvaux
destaca o debate sobre etnofilosofia, com o qual filósofos africanos vêm
lidando por muito tempo: a ideia de que uma cultura ou região em particular
possui uma filosofia específica, fundamentalmente diferente de outras
tendências filosóficas, é em si controversa. No entanto, muitos filósofos
africanos modernos argumentam que o trabalho deles é uma reflexão crítica sobre
lideranças africanas e de seus impactos nas vidas diárias de seus compatriotas.
Consequentemente, é fundamental que a filosofia africana se desenvolva no
contexto do continente africano e que se comunique com uma audiência africana.
2. Souleymane Bachir Diagne (Senegal)
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Souleymane Bachir Diagne, filósofo senegalês e pioneiro na nova cena filosófica africana - Domínio Público. |
Souleymane
Bachir Diagne, filósofo senegalês e professor da Universidade de Columbia,
acredita que os flósofos africanos precisam tornar o trabalho deles mais
acessível aos seus compatriotas. Ele declara:
Nós devemos produzir os nossos
próprios textos em línguas africanas. Um dos meus antigos alunos americanos
está trabalhando no sentido de produzir uma antologia de textos escritos por
filósofos africanos, os quais foram incumbidos de escrever artigos em suas
próprias línguas. Posteriormente, os falantes nativos dessas línguas farão a
tradução para o inglês.
3. Léonce Ndikumana (Burúndi)
Além
da importância de se comunicar melhor com seus seguidores africanos, atualmente
surgem com destaque outras tendências de pensamento dos filósofos africanos.
Léonce Ndikumana cresceu em Burúndi e hoje é professor de Economia da
Universidade de Massachusetts em Amherst. Em seu livro “Africa's Odious Debt:
How Foreign Loans and Capital Flight Bled a Continent” (Dívida odiosa da
África: Como os empréstimos externos e a fuga de capital sangraram um
continente), Ndikumana se dedica a combater muitas narrativas sobre a África
que são lugar comum e tidas como fato no mundo todo, como, por exemplo, a
crença de que a ajuda externa subsidia o continente. Na realidade, a fuga de
capital do continente africano (US$ 1,44 trilhão desaparecem de países
africanos sem deixar rastros e acabam aparendo em paraísos fiscais ou em outros
países ricos) excedem em muito o capital da ajuda externa (US$ 50 bilhões para
a África).
Ndikumana
também é um dos principais líderes de opinião na África que rejeitam as
diretrizes das agências internacionais que frequentemente vão de encontro à vontade
dos cidadãos africanos.
4. Kwasi Wiredu (Gana)
O
combate às falsas narrativas é uma tendência crescente entre os intelectuais
africanos. Entre aqueles que tentam fazer justamente isso, encontra-se o
filósofo ganense Kwaisi Wiredu. Ele argumenta que o sistema político
multipartidário, frequentemente visto como o fundamento para a democracia, nem
sempre conduz à unidade e à estabilidade. Em vez disso, a democracia de
consenso é muito mais adequada ao contexto africano:
Posto que a democracia é governo por
consentimento, a questão é saber se um sistema menos conflitante do que o de
partidos, o qual é vinculado ao sistema majoratório de tomada de decisão, não
poderia ser concebido. É um fato importante o de que seres humanos razoáveis
podem chegar a um acordo sobre o que deve ser feito pela virtude do
compromisso, sem concordar em questões de moral e verdade.
5. Kwame Anthony Appiah (Gana)
Entretanto,
Kwame Anthony Appiah, um outro filósofo ganense que atualmente ensina na
Universidade de Nova Iorque, opõe-se à tendência de afrocentrismo dos filósofos
do continente. Ele acredita que o afrocentrismo é um conceito ultrapassado. Ele
defende que deve-se encorajar mais o diálogo entre culturas e menos
“regionalismo”:
[Diógenes, filósofo da antiguidade
grega] rejeitava a visão convencional de que toda a pessoa civilizada pertencia
a uma comunidade entre outras comunidades[…] Uma comunidade global de cosmopolitas
desejará aprender sobre outros estilos de vida no rádio e em programas de TV,
por meio da Antropologia e História, por romances e filmes, por noticiários e
jornais e na internet.
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"Somos todos iguais perante a lei", em tradução livre. Filosofia de rua em City Bowl, Cidade do Cabo, Cabo Oriental, África do Sul, por Anne Fröhlich em Flickr - licença CC-NC-2.0 |