Mais
uma semana, e um turbilhão de acontecimentos ainda em fase de digestão. É assim
nesses dias acelerados, em que tudo parece acontecer ao mesmo tempo e nos faz
pensar ainda mais na nossa necessidade de buscar, na medida do possível, um
ponto de equilíbrio.
A
visita do papa e sua conversa com os movimentos sociais na Bolívia, a visita de
Dilma à Rússia, o Brics, a mandioca, o vídeo do Emicida e o linchamento de
Cleidenilson no Maranhão.
É
assim que as notícias que deveriam nos fazer corar ou, nas atuais
circunstâncias, enfiar a cabeça em buraco e nunca mais sair de lá, como o
linchamento de Cleidenilson, suspeito de ter realizado um roubo, passam, como
tudo.
O
linchamento de Cleidenilson nos humilha, nos atravessa como lança. Até onde
podemos ir em nosso grau de desumanização e aniquilação total do outro? É isso
que queremos?
É
assim que caminharemos, relativizando que se a polícia ou o Estado agissem, não
precisaríamos chegar a tal ponto. Hoje, pela manhã, bem cedo, vi um menino na
rua, em uma caçamba, catando material reciclável.
Suas
pequenas mãos, àquela hora, ainda bem friozinho (ele estava sem casaco) catavam
com a precisão de quem desde cedo já lida com o traçado. Não aguentei. Parei,
peguntei nome e idade, porque não estava na escola, enfim, que era bom pensar
na escola, no futuro. Fiquei pensando nos meus filhos, bem mais velhos, ainda
curtindo o quentinho da cama, e agradeci à Deus.
Seu
nome, Lucas, idade, 13 anos, vindo há pouco da roça, engrossa as fileiras da
família na catação ou garimpagem, como queiram. Falei que ele deveria estudar,
e ele disse que a família já estava procurando escola para ele.
Perguntei
em que parte do Borel ele vivia e me armei para a pergunta final.
Inquiri-o
sobre pensamentos de futuro, falei rápido, porque já havia me detido um
tempinho ali com ele. O que você quer ser, quais seus sonhos para o futuro?
Ele
parou (o único momento em que parou de catar durante a conversa), olhou para um
ponto imaginário, demorou alguns segundos e disse que queria ser empresário.
Saí,
as lágrimas desobedientes apareceram, e fui, rumo ao meu destino e pensando na
miséria de nossos dias, nos homens de terno escuro e religiosos, que nunca
pensarão em promover a possibilidade de um futuro para Lucas.
Ao
fazer a pergunta, queria provocar Lucas à pensar que é possível sonhar. Sua
demora em falar do seu desejo de futuro é o espelho do que fizeram a essa
geração e a constatação do nosso fracasso como sociedade, geração que não
sonha, nem sabe o que é sonhar.
“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade.
Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO, à REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL,
ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO, ao MACHISMO, À
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER e à REMOÇÃO!”
*Membro da Rede de Instituições do Borel,
coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE. (Twitter/@
MncaSFrancisco).