Era para ser uma festa de arromba, com eventos se sucedendo em todo o país. Grande parte do que a TV Globo preparou para comemorar seu cinquentenário, a ser completado no domingo (26/4), está mantido, mas, sem dúvida, não terá o mesmo brilho de outras épocas. Depois dos problemas verificados durante a sessão solene da Câmara dos Deputados em homenagem à emissora, em que três militantes em prol da democratização da comunicação tiveram que ser retirados por seguranças, as festas em locais abertos ou de acesso público estão sendo repensadas. Os cuidados se justificam.
Nunca
a audiência da TV Globo, centro do império da família Marinho, esteve tão
baixa. O Jornal Nacional, seu principal informativo, que chegou a ter 85% de
audiência, agora não passa dos 20%. Suas novelas do horário nobre estão
perdendo público para similares da TV Record. No dia 1º de abril aconteceram
atos em prol da cassação da concessão da emissora em diversas cidades
brasileiras. O realizado no Rio de Janeiro, em frente à sua sede, no Jardim
Botânico, foi o mais expressivo e contou com 10 mil pessoas. Número
infinitamente maior participou, no mesmo horário, do tuitaço e faceboquiaço
“Foraglobogolpista”.
![]() |
Aniversário de 50 anos da Rede Globo: não há nada o que comemorar. Foto: Divulgação. |
Artistas
globais e a viúva de Roberto Marinho integram a relação de suspeitos de crimes
de evasão fiscal e serão alvo de investigação pela CPI do Senado, criada para
analisar a lista de mais de oito mil brasileiros que têm depósitos em contas
secretas na filial do banco HSBC, na Suíça. Este escândalo internacional
envolve milhares de pessoas em diversos países. A diferença é que fora do
Brasil o assunto tem tido destaque e é coberto diuturnamente, enquanto aqui, a
mídia, Globo à frente, prefere ignorá-lo ou abordá-lo parcialmente.
Além
disso, o conglomerado teria sonegado o Imposto de Renda ao usar um paraíso
fiscal para comprar os direitos de transmissão da Copa do Mundo Fifa de 2002.
Após o término das investigações, em outubro de 2006, a Receita Federal quis
cobrar multa de R$ 615 milhões da emissora. No entanto, semanas depois o
processo desapareceu da sede da Receita no Rio de Janeiro. Em janeiro de 2013,
uma funcionária da Receita foi condenada pela Justiça a quatro anos de prisão
como responsável pelo sumiço. No processo, ela afirmou ter agido por livre e
espontânea vontade.
Nem
mesmo a campanha filantrópica “Criança Esperança”, promovida em parceria com a
Unesco, se viu livre de críticas. Um documento datado de 15 de setembro de
2006, liberado pelo site WikiLeaks em 2013, cita que a Rede Globo repassou à
Unesco apenas 10% do valor arrecadado desde 1986 com a campanha (à época R$
94,8 milhões). A emissora garante “desconhecer” essa informação e afirma que
“todo o dinheiro arrecadado pela campanha é depositado diretamente na conta da
Unesco”.
Como
se tudo isso não bastasse, ao assumir a postura pró-tucanos durante a campanha
eleitoral de 2014, a emissora perdeu parte da régia publicidade oficial com que
sempre foi contemplada. O governo não anuncia mais na TV Globo e nem na revista
Veja e, pelo menos até o momento, não há indícios de que o quadro esteja
prestes a se alterar. Motivos que têm levado cada dia mais repórteres e equipes
da emissora a serem alvo de protestos e recebidos aos gritos de “O povo não é
bobo. Abaixo a Rede Globo!”
Os
protestos contra a Rede Globo, pelo visto, vão continuar e existem pelo menos
10 razões para que os setores comprometidos com a democratização da mídia no
Brasil não tenham nada a comemorar neste cinquentenário.
1. Canal 4 estava prometido à Rádio
Nacional
Em
meados de 1950, Roberto Marinho era apenas um entre os vários empresários da
comunicação no país. O magnata da época atendia pelo nome de Assis
Chateaubriand e detinha a maior cadeia de jornais, rádios e duas emissoras
nascentes de televisão. A rádio líder absoluta de audiência e mais querida do
Brasil era a Nacional, a PR-8 do Rio de Janeiro, de propriedade do governo
federal. O sucesso da Nacional era tamanho que animou seus dirigentes a
solicitar que o então presidente da República lhe concedesse um canal de TV.
Constava do currículo da Rádio Nacional já ter feito experiências pioneiras na
área, ao ocupar o canal 4 para televisionar (como se dizia na época) dois dos
seus programas.
O
presidente da República era Juscelino Kubitschek, que considerou justa a
reivindicação, uma decorrência natural da liderança da emissora. Na publicação
de final de ano em 1956, a direção da Rádio Nacional anunciava para “breve” a
entrada no ar da sua emissora, a TV Nacional, canal 4, conforme compromisso
assumido por Juscelino. As concessões de canais de rádio e TV eram atribuições
exclusivas do ocupante do Executivo Federal.
Os
meses se passaram e Juscelino ”esqueceu-se” da promessa. No final de 1957, para
surpresa da direção da Rádio Nacional, o canal 4 que lhes fora prometido acabou
concedido para a inexpressiva Rádio Globo, de Roberto Marinho. A decisão foi
condicionada por pressões diretas de Chateaubriand, que aceitava qualquer coisa
menos que a Rádio Nacional ingressasse no segmento televisivo, temendo as
consequências disso para seus negócios. Neste contexto, o canal ir para Roberto
Marinho era um mal menor.
O
Brasil perdeu assim a chance histórica de ter, no nascedouro, duas modalidades
de televisão: a comercial, representada pelas emissoras de Chateaubriand, e a
estatal voltada para o interesse público como seria a da Rádio Nacional.
2. Acordo com a Time-Life feriu
interesses nacionais
Ao
contrário da Rádio Nacional, que dispunha de todas as condições para colocar no
ar sua emissora de TV, a de Roberto Marinho precisou aguardar alguns anos. Para
a implantação da TV Globo, a partir de 1961, foi decisivo o apoio do capital
internacional, representado pelo gigante da mídia norte-americana Time-Life. A
emissora começou a operar de forma discreta em 26 de abril de 1965 e seus
primeiros meses foram um fracasso em termos de audiência.
Em
junho de 1962, Marinho passou a ser apoiado com milhões de dólares, num
episódio que a emissora ainda hoje sustenta que se tratou apenas de “um
contrato de cooperação técnica”. A realidade, fartamente documentada por Daniel
Herz, em sua obra já clássica A história secreta da Rede Globo (1995), prova o
contrário. Roberto Marinho e o grupo Time-Life contraíram um vínculo
institucional de tal monta que os tornou sócios, o que era vedado pela
Constituição brasileira. Foi este vínculo que assegurou à Globo o impulso
financeiro, técnico e administrativo para alcançar o poderio que veio a ter.
A
importância da ligação com os norte-americanos, nos primórdios da emissora,
pode ser avaliada pela declaração do engenheiro Herbert Fiúza, que integrou a
sua primeira equipe técnica: “A Globo era inspirada numa estação de Indianápolis,
a WFBM. E o engenheiro de lá foi quem montou tudo, porque a gente não sabia
nada”.
Chateaubriand,
que antes havia ficado satisfeito em inviabilizar o canal de TV para a Rádio
Nacional, percebeu o risco que suas emissoras passavam a correr. Tanto que
dedicou ao “Caso Globo/Time-Life” nada menos do que 50 artigos, todos atacando
Roberto Marinho e acusando-o de receber, na época, US$ 5 milhões, repassados em
três parcelas, o que representava “uma ofensiva externa contra os competidores
internos” (Morais, 1994, p.667).
A
repercussão dessas denúncias foi tamanha que a CPI criada pelo Congresso
Nacional para apurá-las acabou descobrindo que a TV Globo mantinha não um, mas
dois contratos com o grupo Time-Life. Em um deles, os norte-americanos tinham
participação de 49%. Em outras palavras, não se tratava de contrato, mas de
sociedade. A CPI pôs fim à sociedade. Mas, ao invés de sair penalizada do
episódio, a Globo foi duplamente beneficiada: Roberto Marinho ficou com o
controle total da emissora e os militares, então no poder, não tomaram qualquer
providência contra ela. A TV Globo poderia ter tido sua concessão cassada.
3. O apoio à ditadura militar
(1964-1985)
Nos
anos 1960, o Brasil era visto pelos Estados Unidos como sua área de influência
direta. E a TV Globo foi fundamental para trazer para cá o way of life
norte-americano juntamente com o seu modelo de televisão. A TV comercial, um
dos tipos de emissora existentes no mundo, adquire aqui o status de única
modalidade de TV. Não por acaso, Murilo Ramos (2000, p.126) caracteriza o
surgimento da TV Globo como sendo “a primeira onda de globalização da televisão
brasileira”, que, concentrada num único grupo local, monopolizou a audiência e
teve forte impacto político e eleitoral ao longo das décadas seguintes.
Durante
quase 20 anos, TV Globo e governos militares viveram uma espécie de simbiose.
Os militares, satisfeitos por verem nas telas da Globo apenas imagens e textos
elogiosos ao “país que vai para a frente”, retribuíam com mais e mais benesses
e privilégios para a emissora. A partir de dezembro de 1968, com a edição do
AI-5, o país mergulhou no “golpe dentro do golpe”, com prisão e perseguição a
todos os considerados inimigos e adversários do regime e a adoção de censura
prévia aos veículos de comunicação.
A
TV Globo enfrentou alguns casos de censura oficial em suas telenovelas, mas o
que prevaleceu na emissora foi o apoio incondicional de sua direção aos
militares no poder e a autocensura por parte da maioria de seus funcionários.
Ainda
hoje não falta quem se recorde de situações patéticas em que o então
apresentador do Jornal Nacional, Cid Moreira, mostrava aos milhares de
telespectadores brasileiros cenas de um país que se constituía “em verdadeira
ilha de tranquilidade”, enquanto centenas de militantes de esquerda eram
perseguidos, presos, torturados ou mortos nas prisões da ditadura. Some-se a
isso que a TV Globo sempre se esmerou em criminalizar quaisquer movimentos
populares.
4. O combate permanente às TVs
Educativas
Desde
1950 que as elevadas taxas de analfabetismo vigentes no Brasil eram uma
preocupação constante para setores nacionalistas e de esquerda. Uma vez no
poder, algumas alas militares viram na radiodifusão um caminho para combater a
subversão e, ao mesmo tempo, promover a integração nacional. O resultado disso
foi que, em 1965, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) solicita ao Conselho
Nacional de Telecomunicações a reserva de 48 canais de VHF e 50 de UHV
especificamente para a televisão educativa.
O
número era dos mais significativos e poderia ter representado o começo de
canais voltados para os interesses da população, a exemplo do que já acontecia
em outras partes do mundo. Pouco depois do decreto ser publicado, Roberto
Marinho começa a agir para reduzir sua eficácia. E, na prática, conseguiu seu
intento. O decreto-lei nº 236, de março de 1967, se, por um lado, formalizava a
existência das emissoras educativas, por outro criava uma série de obstáculos
para que funcionassem.
O artigo 13, por exemplo, obrigava essas emissoras a
transmitir apenas “aulas, conferências, palestras e debates”, ao mesmo tempo em
que proibia qualquer tipo de propaganda ou patrocínio a seus programas.
Traduzindo: as TVs Educativas estavam condenadas à programação monótona e à
falta crônica de recursos.
Como
se isso não bastasse, o artigo seguinte fechava o cerco a essas emissoras,
determinando que somente pudessem executar o serviço de televisão educativa a
União, os estados, municípios e territórios, as universidades brasileiras e
alguns tipos de fundações. Ficavam de foram, por exemplo, sindicatos e as mais
diversas entidades da sociedade civil.
Dez
anos após este decreto-lei, apenas seis emissoras educativas tinham sido
criadas no país, número muito distante dos 98 canais disponíveis. As emissoras
educativas não conseguiam avançar, esbarrando na legislação que lhes obrigava a
viver exclusivamente do minguado orçamento oficial, ao passo que as televisões
comerciais, em especial a Globo, experimentavam crescimento sem precedentes.
Crescimento que contribuiu para cristalizar, em parcela da população
brasileira, a convicção de que a emissora de Roberto Marinho era sinônimo de
qualidade.
5. O programa global de telecursos
Oficialmente,
o projeto tinha o nome de Educação Continuada por Multimeios e envolvia um
convênio entre a Secretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional
(Subin) da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o BID, a
Fundação Roberto Marinho (FRM) e a Fundação Universidade de Brasília (FUB).
Aparentemente, o seu objetivo era nobre: “O atendimento à educação de população
de baixa renda do país, mediante a utilização e métodos não tradicionais de
ensino”.
Na
versão inicial, o convênio tinha 15 cláusulas, com a FRM assumindo a condição
de entidade executora e a FUB a de sua coexecutora. Na prática, o convênio
ficou conhecido como Programa Global de Telecursos e atendia exclusivamente aos
interesses da FRM. Através dele, a FRM pretendia, sem qualquer custo,
apoderar-se do milionário “negócio” da teleducação no Brasil. Para tanto,
esperava contar com recursos nacionais e internacionais inicialmente da ordem
de US$ 5 milhões embutidos em um pacote de U$S 20 milhões solicitados pela
Subin ao BID, no início de 1982.
A
parceria com a FUB era importante por ela ser uma entidade voltada para o
ensino público e estar isenta de impostos para a importação dos equipamentos
necessários à montagem de um centro de produção televisiva a custo zero. Em
outras palavras, a FRM pretendia tornar-se a administradora da verba (nacional
e internacional) destinada às televisões educativas no Brasil, geridas pela
Funtevê, entidade governamental. Imediatamente, a Funtevê deixou nítido que o
convênio exorbitava as competências da FRM e da própria UnB. É importante
assinalar que pela UnB um dos raros entusiastas deste convênio era o seu então
reitor, capitão de mar-e-guerra José Carlos Azevedo.
A
discussão em torno deste convênio e da tentativa das Organizações Globo de
apropriarem-se dos recursos destinados às TVs educativas brasileiras ganham a
imprensa nacional no final de 1982 e início de 1983. Matéria publicada pelo
jornal Folha de S.Paulo (17/04/1983), sob o título de “Globo poderá monopolizar
teleducação”, tratava o assunto em forma de denúncia. O “tiroteio” entre os
jornais Globo e Folha de S.Paulo durou vários meses e o convênio, que acabou
não sendo assinado, só foi sepultado três anos depois, com o fim do regime
militar. Sem muita cerimônia, o então secretário-executivo da FRM, José Carlos
Magaldi, chegou a admitir que “é óbvio que não fazemos teleducação por
patriotismo”.
Esta
não foi a primeira e nem a última tentativa das Organizações Globo de se
apoderarem da teleducação no Brasil. Aliás, a FRM tem, nos dias atuais,
representado o Brasil em vários fóruns internacionais sobre educação e
teleducação. O MEC sabe disso?
6. O caso Proconsult e o combate a
Leonel Brizola
Antes
dos petistas, Leonel Brizola foi um dos políticos brasileiros mais combatidos
pela TV Globo e por seu fundador, Roberto Marinho. Marinho nunca o perdoou pelo
fato de ter comandado a Rede da Legalidade, nome que receberam as emissoras de
rádio que, quando da renúncia de Jânio Quadros à presidência da República, em 1961,
passaram a defender a posse de seu vice, João Goulart. Brizola, então
governador do Rio Grande do Sul, era cunhado de Goulart.
Com
a vitória do golpe civil-militar de 1964, Brizola foi para o exílio e só pode
retornar ao Brasil com a anistia, em 1979. Político com fortes compromissos
populares, em 1982 disputou o governo do Rio de Janeiro, pelo PDT, partido
criado por ele.
O
caso Proconsult foi uma tentativa de fraude nas eleições de 1982 para
impossibilitar a vitória de Brizola. Consistia em um sistema informatizado de
apuração dos votos, feito pela empresa Proconsult, associada a antigos
colaboradores do regime militar. A mecânica da fraude consistia em transferir
votos nulos ou em branco para que fossem contabilizados para o candidato
apoiado pelas forças situacionistas, Moreira Franco, do então PDS.
As
regras da eleição de 1982 impunham que todos os votos (de vereador a presidente
da República) fossem em um mesmo partido. Portanto, estimava-se um alto índice
de votos nulos. Os indícios de que os resultados seriam fraudados surgiram da
apuração paralela contratada pelo PDT à empresa Sysin Sistemas e Serviços de
Informática, que divergiam completamente do resultado oficial. Outra fonte que
obtinha resultados diferentes dos oficiais foi a Rádio Jornal do Brasil.
Roberto Marinho foi acusado de participar no caso.
A
fraude foi extensamente denunciada pelo Jornal do Brasil, na época o principal
concorrente de O Globo no Rio e relatada posteriormente pelos jornalistas Paulo
Henrique Amorim, Maria Helena Passos e Eliakim Araújo no livro Plim Plim, a
peleja de Brizola contra a fraude eleitoral (Conrad Editores, 2005). Devido à
participação de Marinho no caso, a tentativa de fraude é analisada no
documentário britânico Beyond Citizen Kane, de 1993. A TV Globo, por sua vez,
defendeu-se argumentando que não havia contratado a Proconsult e que baseava a
totalização dos votos daquela eleição na totalização própria que O Globo estava
fazendo.
Em
1994, Brizola venceu novamente Roberto Marinho e a TV Globo ao obter, na Justiça,
direito de resposta na emissora. Em 15 de março, um constrangido Cid Moreira
(que por 27 anos esteve à frente da bancada do Jornal Nacional) leu texto de
440 palavras que a Justiça obrigou a TV Globo a divulgar em seu telejornal mais
nobre.
Foram
cerca de três minutos nos quais Cid Moreira, a cara do JN, incorporou Leonel
Brizola, então governador do Rio de Janeiro, no mais célebre e então inédito
direito de resposta, que abriu caminho para que outros cidadãos buscassem
amparo legal contra barbaridades cometidas pela mídia brasileira.
7. Ignorou as Diretas-Já
O
PMDB lançou, em dezembro de 1983, uma campanha nacional em apoio à emenda do
seu deputado Dante de Oliveira (MT) que restabelecia as eleições diretas no
país com o slogan “Diretas-Já”. O primeiro grande comício aconteceu em São
Paulo, em 25 de janeiro do ano seguinte, e coincidiu com o 430º aniversário da
cidade. A TV Globo ignorou o comício que reuniu milhares de pessoas na Praça da
Sé. Reportagem do Fantástico sobre o assunto falava apenas em comemorações do
aniversário de São Paulo. Omissões semelhantes aconteceram em relação a outros
comícios pelas Diretas-Já em cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e
Salvador.
De
acordo com o ex-vice-presidente das Organizações Globo, José Bonifácio de
Oliveira Sobrinho, o Boni, em entrevista ao jornalista Roberto Dávila, na TV
Cultura, em dezembro de 2005, foi o próprio Roberto Marinho quem determinou a
censura ao primeiro grande comício da campanha pelas Diretas-Já. Segundo Boni,
àquela altura “o doutor Roberto não queria que se falasse em Diretas-Já” e
decidiu que o evento da Praça da Sé fosse transmitido “sem nenhuma participação
de nenhum dos discursantes”. Para Boni, aliás, no caso das Diretas-Já houve uma
censura dupla na Globo: “Primeiro, uma censura da censura; depois, uma censura
do doutor Roberto”.
A
versão de Boni é diferente da que aparece no livro Jornal Nacional – A Notícia
Faz História, publicado pela Jorge Zahar em 2004, e que representa a versão da
própria Globo para a história de seu jornalismo. O texto não faz referência
alguma a uma intervenção direta de censura por parte de Roberto Marinho. Aliás,
a Globo vem tentando reescrever a sua história e, ao mesmo tempo, reescrever a
própria história brasileira. Isto fica nítido, por exemplo, quando se compara a
história brasileira com a versão que é publicada pela Globo através dos
verbetes do Memória Globo. Pelo visto, a emissora aposta na falta de memória e
na pouca leitura da maioria dos brasileiros para emplacar a sua versão dos
fatos. Foi a partir da campanha das Diretas-Já que teve início a utilização,
pelos diversos movimentos populares, do bordão “O povo não é bobo. Abaixo a
Rede Globo”.
8. Manipulação do debate Collor x
Lula
Na
eleição de 1989, a primeira pelo voto direto para presidente da República desde
1964, a TV Globo manipulou o debate entre o candidato do PT, Luiz Inácio Lula
da Silva e o do PRN, Fernando Collor. O debate era o último e decisivo antes da
eleição. No telejornal da hora do almoço, a TV Globo fez uma edição equilibrada
do debate. Para o Jornal Nacional, houve instruções para mudar tudo e detonar
Lula. Foram escolhidos os piores momentos de Lula e os melhores de Collor.
Ainda foram divulgadas pesquisas feitas por telefone segundo as quais Collor
havia vencido. Além disso, o jornalista Alexandre Garcia leu um editorial
nitidamente contra Lula e o PT.
Desde
então, pesquisas e estudos sobre este “caso clássico de manipulação da mídia”
têm sido feitas no Brasil, destacando-se as realizadas pelo sociólogo,
jornalista e professor aposentado da UnB Venício A. Lima.
Apesar
dos esforços da TV Globo para manter a versão de que a edição deste debate foi
equilibrada, novamente seu ex-diretor José Bonifácio Sobrinho contribuiu para
derrubá-la. Depois de abordar o assunto em entrevistas à imprensa, por ocasião
do lançamento de seu livro de memórias, o ex-dirigente global deu entrevista à
própria GloboNews, canal pago da emissora, na qual admitiu, para o jornalista
Geneton Moraes Neto, que, durante os debates da campanha presidencial
transmitidos pela Globo em 1989, tentou ajudar o candidato alagoano. Para
muitos, Boni só fez esta “revelação bombástica”, que quase todos já sabiam,
para tentar promover seu livro.
9. Contra a democratização da mídia
Todos
os países democráticos possuem regulação para rádio e televisão. Na
Grã-Bretanha, por exemplo, a mídia e sua regulação caminharam juntas. O mesmo
pode ser dito em relação aos Estados Unidos, França, Itália e Japão. Nestes
países, tão admirados pelas elites brasileiras, nunca ninguém fez qualquer
vínculo entre regulação e censura, simplesmente porque ele não existe. No
Brasil, onde a mídia em geral e a audiovisual em particular vive numa espécie
de paraíso desregulamentado, toda vez que um governo tenta implementar o que
existe no resto do mundo é acusado de ditatorial e de querer implantar a
censura.
Quando,
em 2004, o governo do presidente Lula enviou ao Congresso Nacional projeto de
lei criando o Conselho Nacional de Jornalismo, uma espécie de primeiro passo
para esta regulação, foi duramente criticado pela mídia comercial, TV Globo à
frente. Desde sempre, as Organizações Globo foram contrárias a qualquer
legislação que restringisse o poder absoluto que desfruta a mídia no Brasil.
Prova disso é que os dispositivos do Capítulo V da Constituição brasileira, que
trata da Comunicação Social, continuam até hoje sem regulamentação.
Entre
outros aspectos, o Capítulo V proíbe monopólios e oligopólios por parte dos
meios de comunicação, determina que a programação das emissoras de rádio e TV
deva dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas. O capítulo enfatiza, ainda, que as emissoras e rádio e TV devem
promover a cultura nacional e regional, além de estimularem a produção
independente. Todos esses aspectos mostram como a TV Globo está na contramão de
tudo o que significa uma comunicação democrática e plural.
Aliás,
os compromissos dos mais diversos movimentos sociais brasileiros com a
regulação da mídia foram reafirmados durante o 2º Encontro Nacional pelo
Direito à Comunicação, promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da
Comunicação, de 10 a 12 de abril, em Belo Horizonte. O evento reuniu 682
participantes entre ativistas, estudantes, militantes, jornalistas, estudiosos,
pesquisadores, representantes de entidades e coletivos de todo o Brasil.
Presente ao encontro esteve também o canadense Toby Mendel, consultor da Unesco
e diretor-executivo do Centro de Direitos e Democracia.
A
carta final do encontro, intitulada “Regula Já! Por mais democracia e mais direitos”,
disponível na página da entidade (www.fndc.org.br), reafirma “a luta pela
democratização da comunicação como pauta aglutinadora e transversal, além de
conclamar as entidades e ativistas a unirem forças para pressionar o governo a
abrir diálogo com a sociedade sobre a necessidade de regular democraticamente o
setor de comunicação do país”.
10. Golpismo
Para
vários pesquisadores e estudiosos sobre movimentos sociais no Brasil, a mídia,
em especial a TV Globo, tem tido um papel protagonista nas manifestações contra
a presidente Dilma Rousseff. Alguns chegam mesmo a afirmar que dificilmente
essas manifestações teriam repercussão se não fosse o empenho Rede Globo (saiba
mais aqui). Em outras palavras, a Rede Globo, tão avessa à cobertura de
qualquer movimento popular, entrou de cabeça na transmissão destas
manifestações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!