Foucault, Deleuze e um diálogo para recordar


Em conversa com Deleuze, Foucault dizia (o que já havia dito em seus livros anteriores, sobretudo em “A defesa da sociedade”) que as lutas antijudiciárias provêm sob o ódio que o povo tem da justiça, das prisões e, portanto, não são contra as injustiças, mas contra o poder. Isso Deleuze viria a completar, com relação à circulação nos jornais, dizendo que o que se encontra na realidade, por exemplo, dentro de uma escola ou de uma prisão, é muito diferente do conteúdo da informação midiática circulante em sua grande parte.

Por Iana Pires*, no Algo Interessante

Hoje notamos um impacto no discurso das pessoas, com destaque para as da classe média, que o inscreve num posicionamento que, como desde há meses, defende a redução da maioridade penal, o apoio a atitudes antidemocráticas, como impeachment da presidente Dilma ou a comportamentos fascistas da polícia militar, entre outros. Desse impacto, as mídias se fazem valer manobrando as deficiências e a falta de clareza da população com relação aos manejos de poder.

De modo mais primitivo, não há clareza sobre a exploração imanente ao sistema capitalista, porque este é o sistema do não-dito, apesar de sabermos quem são as empresas que mais lucram e quem são essas mãos que recebem os lucros. O jogo de poder é difuso, escondido, por isso o discurso das lutas se opõe ao segredo e este é difícil de escavar. Então, o que ocorre com as pessoas que não têm tanto interesse no poder, mas o seguem, o agarram com força e mendigam uma parcela dele? Talvez porque exista o desejo de investimento, nascido do sistema e também alimentado por ele, o que justifica que a população desejou o fascismo em algum momento. Assim, as pessoas conduzidas pelo desejo que modela o poder, e que investem nesse desejo, no sentido econômico, se permitem de maneira confortável ser manejadas pelas mídias amigas do sistema. Essas mídias, por sua vez, também produzem informações de modo mais confortável, que lhe assegurem adesão a seus propósitos articulados ao poder. Portanto, o desejo material, que confere a uma pessoa algum grau de destaque na sociedade, favorece os manejos de poder, caminhando com o conforto do irrefletido, e explica porque esse mesmo poder se encontra tanto na polícia como no Estado.

Assim, as manobras de poder são retroalimentadas pela própria sociedade. Quando pensamos nas mídias como veículo de manipulação dos enunciados da informação, sejam elas televisivas, radiofônicas, impressas ou da internet, faz-se necessário despir das ideologias (ou ao menos fazer esforço para), reconhecendo-se como sujeito quase sempre portador de um direcionamento político. É necessário sair da ilha para ver a ilha, uma vez que os limites delineados pelas direções políticas tornam as informações nebulosas e, com isso, mais confortáveis para serem adotadas superficialmente.

Mas onde, afinal, encontramos os outros veículos de informação que têm a preocupação de refinar a fidelidade à informação? Essas mídias, raras, existem concentradas na internet, mesmo que ainda em processo de refinamento e amadurecimento, pois é comum trazerem resíduos da parcialidade ou da tendenciosidade. Mas elas trabalham com o esforço para trazer a informação com embasamento intelectual, confrontada com os questionamentos teóricos e históricos. Em geral, por isso, seus textos são mais extensos, de modo a desenvolver reflexão coerente, escavando os fatos, os enunciados e as motivações, com o cuidado de afastar as tendências especulativas totalmente.

Bem, termino com uma inquietação óbvia, mas não menos nebulosa: Embora existam as mídias críveis, ainda assim a grande parte das pessoas não está interessada nesses veículos de informação em sua proposta de verdade. É comum, mas não pode ser tratado como normal. É mais confortável, mas não menos grave. Aliás, gravíssimo.


*Iana Pires é mestra em ciências pela USP e pesquisadora

Deleuze (Esqu) e Foucault.

O deus branco que nos perdoe, por Luara Colpa*



Estamos em 2016, 128 anos pós Lei Áurea.

Há alguns meses cinco garotos foram brutalmente fuzilados, o que motivou a escrever este texto. Esta semana um garoto de 10 anos foi assassinado. Todos os dias eles são executados. Todos os dias. E o que tem em comum?

A negritude.
Publicado originalmente no Negro Belchior

Estou a parir meu filho preto.

Na maca onde a enfermeira impaciente empurra minha barriga. Me livro da dor pensando em seu futuro. De uniforme e banho tomado ele desce a ladeira:

– Cuidado ao atravessar a rua! (Ele olha pra trás e sorri)

– Não esquece a merendeira hein filho? – Tá mãe!!

– Esteja bem vestido (para não te confundirem … com ladrão).

– Não erga a cabeça pro polícia.

Vou franzindo a testa e abaixo o tom de voz:

– Ande com carteira de Trabalho no bolso e apresente-a sempre que abordado.

– Se quiser ter o cabelo colorido, será confundido com bandido. Se quiser homenagear seus ancestrais e fazer dreads e penteados, será chamado de vagabundo.

– Você poderá apanhar na cara – Por que mãe? Porque sim, Não revide

– Você sofrerá revistas vexatórias todas as semanas da sua vida. Porque sim.

– Você será chamado de macaco, “esse preto”, “de cor”.

– Não ande em grupos pra não ser confundido com arrastão.

– Estude filho, vão falar que as cotas o salvou, que é incapaz. Não dê ouvidos à eles.

– Se você se esforçar muito no trabalho, será chamado de “moreninho até que esforçado” e mesmo que te explorem e expurguem, e que seu salário seja menor que o de todos – usarão seu exemplo, pra justificar a Meritocracia canalha que nos imputam.

– Em qualquer furto na empresa você é o suspeito, filho. Sim.

– Você será mal visto o resto da sua vida na família da sua namorada branca. Porque sim também…

Sua mãe vai sofrer violência obstétrica no hospital. Porque é preta. Você vai nascer na contramão da vida. Porque alguma igreja um dia disse que não tínhamos alma.

Que nossa cultura era inferior, e mediram nossos dentes e nossas canelas. E nos deram um terço pra tentarmos nos redimir de termos nascido nessa cor.

Quando acharam oportuno, vestiram nossos turbantes e se apropriaram da nossa capoeira. Quando não nos queriam mais, nos forjaram “livres” na Lei do sexagenário. E então fomos expulsos da escravidão para a escravidão real.

Aqui estamos. Somos a história dos centros urbanos, filho. Fomos expulsos do modelo de cidade e do convívio entre pessoas. Nunca fomos pessoas.

Da periferia pra periferia seguimos, expurgados.

Não nos perguntaram onde construímos nossa vida, nossa raiz. Somos sem estória. A cada despejo fomos para a região metropolitana que nos colocavam. Em cada plano de habitação que meia dúzia de engomados brancos escreveram, fomos encaixotados nos predinhos de 40m². Bem longe. Longe dos olhos dos gringos.

Taparam nossas casas com tapumes pra Copa do Mundo. Botaram camburão na nossa quebrada, pra nos lembrar que desde “o fim” da escravidão, não sabem o que fazer pra tampar nossa existência.

Vão te dizer que mesmo em Estado de Sítio, você tem direito à ir e vir no seu país (que seus ascendentes construíram lajota por lajota.. paralelepípedo por paralelepípedo).

Mas você será executado à luz do dia filho. Na porta de casa. E eu vou lavar seu sangue.

Você será metralhado, “confundido”. Você e seus amigos pretos. Porque sim. Porque fazem parte da parcela da população que tem que ter regras pra estar vivo. Que é achincalhado desde o nascimento.

Nos exterminarão todos os dias, todos os dias “um crime isolado”.

E jogarão a culpa no policial noiado, no indivíduo sob pressão, na legítima defesa. A sociedade não reconhecerá que são todos cúmplices da sua morte.

Eles estão certos, agem em “legítima defesa”. Te avisei pra não sair sem a carteira de trabalho filho. Aliás, nem deu tempo de mostrar né? Te avisei pra não encarar o polícia…. Também não precisou. É, não deu tempo.

Vamos entrar pra estatística filho.

Eles só têm a televisão. Só tem a visão longínqua e deturpada do que somos. Eles desligarão a TV quando incomodar. Eles não sabem de mim, nem de você.

Só mais uma mulher sozinha parindo sob violência.

Só mais um preto metralhado. O Deus branco que nos perdoe, somos sem alma.
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Luara Colpa é brasileira, tem 28 anos. É mulher em um país patriarcal e oligárquico. Feminista e militante por conseguinte. Estuda Direito do Trabalhador e o que sente, escreve.

Luara Colpa





Altaneira foi a capital do ciclismo neste domingo (05)


Com uma premiação de mais de R$ 4.000 reais e medalhas para todos os participantes, o município de Altaneira foi a capital do ciclismo de montanha na manhã deste último domingo, 05 de junho ao realizar a III edição do Desafio 3 Horas de MTB.

O evento contou com a participação de 61 competidores divididos em nove categorias, a saber - I – Junior (de 14 a 17 anos); II - Sub 23 (de 18 a 23 anos); III - Sub 30 (de 24 a 29 anos); IV - Master A (de 30 a 39 anos); V - Master B (de 40 a 49 anos); VI - Master C (acima de 50 anos); VII – Feminino (todas as idades); VIII - Turismo Feminino (todas as idades); IX - Ecoturismo: todas as idades, de municípios próximos, de quatro estados vizinhos e da própria localidade.

Segundo Raimundo Soares Filho, do Blog de Altaneira e organizador da competição as novidades deste ano é que a disputa ocorreu exclusivamente no circuito da Trilha Sítio Poças, com extensão de 4.600 metros. A cronometragem foi feita através de um moderno sistema de chips que possibilitou mais segurança, confiabilidade e rapidez na hora de apuração (cronometragem do tempo de cada Dhiogo Correia, da equipe Beto Ciclo, do município de Crato com um tempo de 03h04mim (03:04:41:919), segundo o Cronos Cariri, foi o campeão do desafio, seguido de perto por Ruan Jacinto Martins(Bicicletaria K&A) e João Vidal Saraiva com tempos de 03h06mim e 03h15mim, respectivamente e todos com um total de 11 voltas completadas.

Entre os altaneirenses, Lindevaldo Ferreira (TSP/Mega Som) que na categoria “Sub 23” conquistou o primeiro lugar com um tempo de 03h00 e 09 voltas completadas. O segundo lugar ficou com Evandro Laurentino (TSP/Mega Som) com a mesma quantidade de voltas e um tempo de 03h12mim. Na mesma categoria, Jonathan Soares Lima lacrou a medalha de prata com sete voltas e um tempo de 03h04mim.


Ciclistas antes do Desafio 3 horas MTB de Altaneira. Foto: Anchieta Santana.

2 anos da Associação dos (as) Condutores/as de Trilha de Altaneira


A Associação dos (as) Condutores/as de Trilha de Altaneira (Acontrial) formada em 2014 por crianças, jovens e adolescentes, alguns dos membros universitários (as) tinha como base da criação a preocupação com a prática de atividades de condução de trilha e de esportes de aventura.

Os proponentes da associação passaram por cursos e formações nos moldes do turismo de base comunitária e visam cotidianamente atingir um dos principais objetivos - introduzir de forma sustentável Altaneira na Rota Turistica do Cariri Oeste, que, não sem razão, lhes proporciona belezas naturais, além de uma tímida base arquitetônica com prédios históricos, mas pouco preservado e a cultura popular encontrada através de danças e ações que remontam as práticas indígenas e afrodescendentes (negras).

A Acontrial ao longo desses dois anos vem colocando o município na rota do turismo ao receber visitas de universitários de outros municípios que além de conhecer o histórico da entidade, têm a oportunidade de realizar práticas esportivas como o arborismo e o rapel tendo como espaço a Trilha Sítio Poças e a Pedra dos Dantas, no Sitio Tabocas.

Um dos integrantes do grupo, o estudante de Educação Física Pedro Rafael Pereira divulgou nesta segunda-feira, 06 de junho, nota em seu perfil na rede social facebook em que menciona a passagem dos dois anos da Acontrial.

Nela, Pedro menciona os passos dados em direção a qualificação sobre Turismo de base comunitário e acerca da socialização dos trabalhos. “Nesses dois anos aprendemos muito, expandimos nossos horizontes e mentes, fortalecemos laços e criamos novos, conhecemos pessoas e nos fizemos ser conhecidos”, disse.

Confira íntegra da nota

Hoje completamos 2 anos de luta junto a ACONTRIAL- Associação dos condutores de trilha de Altaneira-Ce, dois anos do primeiro passo dado em busca de "sabiduria" e qualificação sobre Turismo de base comunitário, com módulos e professore(a)s que nos animavam e que abriram nossas mentes frente a diversos problemas e adversidades do atual mundo. Nesses dois anos aprendemos muito, expandimos nossos horizontes e mentes, fortalecemos laços e criamos novos, conhecemos pessoas e nos fizemos ser conhecidos.


Espero que continuemos firmes e fortes nessa luta, e para aqueles que continuam no grupo e os que se agregaram com o tempo, e assim como eu, querem ver tudo dando certo e da forma certa, agradeço! agradeço pela amizade e por todos os momentos vividos e por aqueles que estão ainda por acontecer”.


Integrantes da Acontrial. Foto: Divulgação.




O papel do negro na televisão brasileira, por Kelly Souza


Em tempos em que continuamos a ver mulheres e homens negros somente em novelas “de época” representando escravos, sempre me pergunto, até quando?

Publicado originalmente no Beleza Black Power

Dias atrás a rede Record estreou mais uma novela com a pauta voltada aos escravos. Intitulada “Escrava Mãe”, a novela contará a história da mãe da escrava Isaura (a escrava branca, educada na casa grande e de caráter nobre, mas que sofria constante assédio do seu senhor.)


Assisti o primeiro capítulo para ter alguma opinião e tinha um pouco de esperança em ver algo novo. Me decepcionei mais uma vez.


Não costumo assistir novelas assim, pois o foco costuma ficar entre os brancos da trama e os negros só aparecem para sofrer. Mas era o que acontecia naquele momento da história? Sim. Era pior.

O problema maior não é colocar isso na tela, até porque todos assistimos “12 anos de escravidão” e percebemos que foi algo muito bem feito. E nos EUA os negros estão na TV. A questão é: temos novelas durante toda a história da teledramaturgia brasileira, que nem sequer havia um negro que não fosse empregado para servir aos brancos. Normalmente os negros das novelas não tem família formada, nunca são bem sucedidos, nunca são protagonistas e carregam grandes estereótipos de vagabundos e preguiçosos.

Em 1969, quando tivemos uma atriz negra de destaque a saudosa Ruth de Souza, em uma novela com grande audiência – “A cabana do pai Tomás”, tivemos também o black face. Simplesmente pintaram um homem branco de preto. Em 1976, foi ao ar a “Escrava Isaura”, tinha uma escrava como protagonista, mas esta era branca como disse acima. Ambas novelas de sucesso.

Em entrevista para o Observatório de Direito à Comunicação, o publicitário e diretor executivo do Instituto Mídia Étnica Paulo Rogério Nenes diz que ainda há um racismo enorme na TV brasileira e que a TV norte americana possui mais negros atuando, do que no Brasil, país majoritariamente negro.
Kelly Souza é administradora, pós graduada em
marketing e apaixonada por cultura, arte, cinema
e beleza negra.

Pra fazer uma reflexão, vamos lembrar quem era Mussum? Um homem negro ébrio, estereótipo do negro maltrapilho, vagabundo, sem perspectiva. Em vários momentos da teledramaturgia e em outras produções da TV brasileira, há uma carga muito grande de estereótipos e preconceitos. Há uma ação deliberada para, além de sub-representar, colocar os negros e negras em patamar de desigualdade, de inferioridade. E isso é prejudicial para quem assiste.” E quem assiste à essas novelas? Para os jovens negros ou até mesmo crianças em processo de formação de identidade, o negro sempre carregará aquele esterótipo que a TV delimita. A TV muitas vezes reafirma todo o tipo de racismo que vimos na sociedade.

Uma rede de televisão que mostra um Egito extremamente embranquecido, com apenas uma negra (de pele clara) é a mesma rede que se vangloriou e fez questão de mostrar todo o elenco de pessoas negras que interpretariam os escravos da nova novela.

Existem atores negros extremamente competentes aos montes, mas que não tem espaço na tv, no cinema e nem no teatro brasileiro. Por que a mídia é racista? Sim. Por que o povo brasileiro amante das telenovelas é racista? Também.

O Brasil é um país racista e isso não é diferente quando falamos em mídia. Confiram esta entrevista maravilhosa do cineasta, pesquisador e escritor mineiro Joel Zito Araújo, autor do livro e documentário “A negação do Brasil”:

Provavelmente vocês se lembram quando Taís Araújo foi protagonista numa certa novela global e a mesma foi extremamente criticada. O roteiro não foi favorável a mulher negra que ocupava um papel (Helena) que até então somente ocupado por mulheres brancas. O público reagiu e não foi pouco. A própria atriz disse que pensou que sua carreira acabaria ali.

Até quando os negros não terão espaço na TV brasileira? Até quando seremos obrigados a assistir novelas onde o negro sempre carrega estereótipos e carmas que estão inseridos na sociedade? Até quando seremos coadjuvantes?

Não julgo os atores e atrizes que aceitam papéis estereotipados na TV, ninguém vive de luz, quem deve ser responsabilizada são as redes televisivas. Mas precisamos de posicionamento.

Nos últimos anos vimos alguns destaques para atores negros, mas sempre aqueles que possuem certo padrão e que aceitos pela mídia. Já disse e repito, que meu sonho é ainda poder assistir algo na TV onde teremos uma atriz negra, de pele escura, no estilo Lupita N’yongo. Mas a cada dia perco mais as esperanças. Ainda há muito para ser feito. Tanto no cinema quanto na tv, os negros não estão atuando como deveriam estar.

Eu prefiro não assistir ou acompanhar essas novelas. Não me representam, logo não as vejo. Mas precisamos discutir sim, uma vez que a maioria dos brasileiros acabam formando sua opinião a partir desses dramas. E se continuarmos vivendo no século passado, nosso povo nunca será reconhecido.