A
pedido da Trip, a antropóloga Lilia Schwarcz e a historiadora Heloisa Starling,
autoras do recém-lançado ''Brasil: uma biografia'', fazem uma lista dos
episódios mais vergonhosos da história nacional
No
livro, com acesso a documentação inédita e vasta pesquisa, as autoras traçam um
retrato completo do país. Dão conta não somente da "grande história"
mas também do cotidiano, da expressão artística e da cultura, das minorias, dos
ciclos econômicos e dos conflitos sociais. E, claro, falam também sobre os
momentos tensos, de vergonha.
São
eles:
1 — Genocídio da População Indígena
Até
os dias de hoje há controvérsia sobre a antiguidade dos povos do Novo Mundo. As
estimativas mais tradicionais mencionam 12 mil anos, mas pesquisas recentes
arriscam projetar de 30 mil a 35 mil anos. Sabe-se pouco dessa história
indígena, e dos inúmeros povos que desapareceram em resultado do que agora
chamamos eufemisticamente de "encontro" de sociedades. Um verdadeiro
morticínio teve início naquele momento: uma população estimada na casa dos
milhões em 1500 foi sendo reduzida aos poucos a cerca de 800 mil, que é a
quantidade de índios que habitam o Brasil atualmente.
2 — Sistema Escravocrata
O
Brasil recebeu 40% do total de africanos que compulsoriamente deixaram seu
continente para trabalhar nas colônias agrícolas do continente americano, sob
regime de escravidão, num total de cerca de 3,8 milhões imigrantes. Fomos o
último país a abolir a escravidão mercantil no Ocidente (só o fazendo em 1888,
e depois de muita pressão) e o resultado desse uso contínuo, por quatro
séculos, e extensivo por todo o território foi a naturalização do sistema.
Escravos eram abertamente leiloados, alugados, penhorados, segurados,
torturados e assassinados.
3 — Guerra do Paraguai
O
Império brasileiro errou em cheio. Avaliou-se que a contenda internacional
opondo, de um lado, Brasil, Uruguai e Argentina, e, de outro, o Paraguai seria
breve e indolor. No entanto, a guerra – na época chamada de "açougue do
Paraguai" ou de "tríplice infâmia" – durou cinco longos e
doloridos anos: de 1865 a 1870. A consequência para o lado paraguaio não foi
apenas a deposição de seu dirigente máximo, mas a destruição do próprio Estado
nacional. Os números de mortes sofridos pelo país são até hoje controversos e
oscilam entre 800 mil e 1,3 milhão habitantes. Quanto às estatísticas
brasileiras, a relação de homens enviados varia de 100 a 140 mil.
4 — Canudos
Em
1897, a República abriu guerra contra Canudos: uma comunidade sertaneja
originada de um movimento sóciorreligioso liderado por Antônio Conselheiro.
Canudos incomodou o governo da República e os grandes proprietários de terras,
pois era uma nova maneira de viver no sertão. Em 1897, o arraial foi invadido
por tropas militares, queimado a querosene e demolido com dinamite. A população
foi dizimada. Em Os sertões, publicado em 1902, Euclides da Cunha escreve:
"Canudos não se rendeu. Caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os
seus últimos defensores, e todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois
homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil
soldados".
5 — Polícia política do Governo
Vargas
Em
1933, Getúlio Vargas criou a Delegacia Especial de Segurança Política e Social
(Desp). Para comandá-la, Vargas entronizou o capitão do Exército, Filinto
Müller. Na condição de chefe de polícia, Müller não vacilou em mandar matar,
torturar ou deixar apodrecer nos calabouços do Desp os suspeitos e adversários
declarados do regime sem necessidade de comprovar prática efetiva de crime.
Pró-nazista, sua delegacia manteve um intercâmbio, reconhecido pelo governo
brasileiro, com a Gestapo – a polícia secreta de Hitler – que incluía troca de
informações, técnicas e métodos de interrogatório.
6 — Centros clandestidos de
violação de direitos humanos
A
ditadura militar instalou, a partir de 1970, centros clandestinos que serviram
para executar os procedimentos de desaparecimento de corpos de opositores
mortos sob a guarda do Estado – como a retirada de digitais e de arcadas
dentárias, o esquartejamento e a queima de corpos em fogueiras de pneus. No
Brasil governado pelos militares, a prática da tortura política e dos
desaparecimentos forçados não foi fruto das ações incidentais de personalidades
desequilibradas, e nessa constatação reside o escândalo e a dor.
7 — Massacre do Carandiru
Mais
conhecida como Carandiru, a Casa de Detenção de São Paulo abrigava mais de 7
mil detentos, em 1992 – a capacidade oficial era de 3.500 pessoas. No dia 2 de
outubro, uma briga entre facções rivais de presidiários terminou num massacre:
a tropa policial entrou no presídio utilizando armamento pesado e munição
letal. 111 presos foram mortos e 110 feridos. O cenário era de horror. Passados
21 anos, somente em 2014, 73 policiais foram condenados – todos podem recorrer
em liberdade.