Estamos
publicando abaixo texto do economista José Carlos Peliano, publicado
originalmente no Carta Maior, que discorre sobre um dos problemas crônicos no
Brasil, a desigualdade de renda que, por sua vez, concorre para a desigualdade
social. Este entrave social está para além das barreiras educacionais. Ele é
estrutural, é histórico.
Vamos a ele
Textos
anteriores publicados na Carta Maior ilustraram uma visão diferenciada, não
convencional, sobre a relação entre desigualdade e mobilidade incluindo o papel
da educação como veículo de ascensão social.
A relação mostra que a desigualdade resulta da
ação conjunta das estruturas salariais e de rendimentos estabelecidas no
mercado bem como da colocação e mobilidade dos indivíduos nessas estruturas. Ao
que se conclui que tanto a desigualdade quanto a mobilidade depende menos da
formação educacional e do voluntarismo dos empregados e candidatos a empregos
do que as estratégias dos agentes de mercado em fixarem suas estruturas
ocupacionais e as respectivas remunerações. De fato, o mercado dá com uma mão e
retira com a outra.
Texto acadêmico explicitando essa relação
encontra-se em avaliação para publicação em conhecido periódico do país da área
econômica. Alguns resultados, no entanto, serão adiantados sobre uma análise
preliminar da situação brasileira - preliminar porque pesquisa em andamento no
Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP)/Unicamp vai usar dados mais
detalhados fornecidos pelo IBGE. Os dados disponíveis, agregados, até agora
utilizados vieram dos Censos de 60, 70 e 80 e das PNADS (Pesquisas Nacionais
por Amostras de Domicílios) de 2001 e 2011.
Foram avaliadas as distribuições de renda dos
indivíduos nos dois períodos acima considerados. Embora os levantamentos dos
censos e das pnads tenham coberturas um pouco diferentes, eles podem ser comparados
nos casos em que se tomam os grandes números, no caso a população apta ao
trabalho, incluídos os sem rendimentos. A metodologia não convencional
utilizada apresentou resultados convergentes com as usuais: os índices de
desigualdade calculados sobem de 60 a 80 e descem de 2001 a 2011.
Quanto aos componentes da desigualdade os
resultados mostram que nos dois períodos é maior o peso das estruturas
ocupacionais. As diferenças de rendas contam menos na evolução da desigualdade
no Brasil do que a colocação dos indivíduos nas estruturas ocupacionais e de
negócios no mercado e posterior mobilidade de uma faixa de renda a outra
(quando comparados os resultados de um levantamento a outro).
Embora sejam
notórias e descomunais as diferenças de salários e rendimentos entre os grupos
mais e menos abastados, na realidade a desigualdade é mais marcada pelas
oportunidades desiguais abertas pelo mercado aos trabalhadores e
empreendedores.
As escalas salarias e as estruturas
ocupacionais se modificam de um levantamento decenal a outro, assim como as
características da força de trabalho que entra no mercado e daqueles que
permanecem – parte se aposenta e outros tantos falecem.
Acontece que as estruturas ocupacionais, no
caso dos trabalhadores, e as estruturas de negócios, no caso dos
empreendedores, por mais que variem entre os períodos mantém um perfil
marcadamente piramidal. Poucas ocupações e áreas de negócios perto e no topo da
pirâmide de renda e milhares em torno da base. Assim, ao entrarem no mercado
trabalhadores e empreendedores chegam pesadamente por baixo e têm inúmeros
obstáculos definidos e oficializados pelo mercado para subirem nas estruturas
respectivas. O peso maior da estrutura piramidal aliado ao peso da escala
salarial e de rendimentos acabam por dar o contorno final ao perfil da
desigualdade no país.
Mesmo no período recente, 2001 a 2011, quando
a distribuição da renda melhora, a composição da desigualdade se mantém:
reduziram-se mais as diferenças de salários e rendimentos e menos as colocações
dos indivíduos no mercado. O primeiro filtro, portanto, para começar a
trabalhar não é a formação educacional dos indivíduos, mas as oportunidades de
trabalho que lhes são abertas! Em seguida vem o filtro das rendas. Os dois
filtros destilam a cara final da desigualdade.
Não adianta, portanto, sustentar que o aumento
do nível educacional da população vai alterar o perfil da desigualdade. É uma
prescrição inútil. A cara da desigualdade no Brasil está espelhada na estrutura
piramidal das ocupações e dos negócios; se a educação atinge mais indivíduos
neste pano de fundo, nada muda. Pode até piorar porque haverá mais educados em
ocupações e negócios menos valorizados já que as estruturas respectivas são
fortemente seletivas. E estarão sobrecarregadas. A universalização da educação
vale sim para melhorar o nível de conhecimentos de todos mas não vale para
reduzir a desigualdade.
É claro que as situações particulares de
alguns indivíduos melhoram com a maior qualificação educacional que adquirem
por conta de vagas específicas abertas de forma localizada no mercado. Bem como
os estudos sociológicos de mobilidade intergeracional apontam resultados
convergentes entre mais elevados níveis salarial e educacional - esses estudos
se valem de amostras da população. Mas na metodologia não convencional
utilizada na pesquisa do NEPP é verificada a situação de renda de toda a
população não de grupos selecionados dela; comparam-se as situações de renda de
todos os grupos em conjunto (por entrada no mercado de trabalho, nível educacional,
idade, sexo, etc). É um retrato da distribuição de renda de um período em
comparação com o retrato de outro período.
Dados da renda média real horária dos
trabalhadores por anos de estudo para o Brasil mostram que elas se reduzem
diferencialmente e relativamente à renda dos analfabetos quanto mais tempo
estiveram na escola (fonte: Núcleo de Pesquisas e Estudos do Trabalho/UERJ).
Resultados contrários àqueles que argumentam e defendem ampliar o acesso à
educação para todos para melhorar seus níveis de renda. A mesma tendência
ocorre entre as ocupações: as caracterizadas como menos qualificadas perdem
menos renda real que as mais qualificadas. São manifestações que indicam estar
o próprio mercado reduzindo os diferenciais de renda entre os menos e os mais
educados e qualificados.
Essas manifestações se somam aos resultados do
Programa Bolsa Família que tirou da miséria milhares de famílias de
trabalhadores trazendo-os para a escala de renda do mercado. Resumo da estória:
caiu a desigualdade de renda na última década, mas ficou solidificada a rígida
estrutura ocupacional e de negócios em forma de pirâmide. Uma escada com muitos
degraus em baixo e poucos em cima. Muitos os chamados e poucos os escolhidos.