Já
confundo todos os olhares e desconheço todas as luas. Construo
versos para trincar certezas e já não me deito na cama para enganar
o coração. É tempo de amor, porque ele nunca sai de moda.
Sou
toda mentira que o amor é capaz de fazer. Inventei na palavra que o
amor era maior que a imensidão do universo e previsivelmente mais
quente que o sol, fui dogmática e professei que o amor era eterno.
Lógico que dopada e embriagada pela realidade alienante.
Eu
espedaçada, fui triturada, mas o amor nos faz mosaico, um todo
formado de pedaços. Enquanto me deito, não espero nada, mentira,
estou esperançando e de vez em quando sonho, nem tudo é
desespero. Ainda vejo estrelas e mares nos olhos. Estou vivinha,
ainda, assim quero ficar. Porque dizem por aí que o amor é
perigoso, vejo nas manchetes dos jornais flores, infelizmente nós
caixões.
O
amor é um bicho louco. O amor me esperou na esquina. Teve uma vez
que passou no trem. O amor ficou em casa guardado nos livros.
Apareceu cansado e o vi pelas frestas. O amor é teimoso e não
obedece a razão. É carne, fogo e furacão, mas é também são
manhãs de domingo mais preguiçosas, as equações de sexto grau,
que não sei nem o que é, só sei que são de difícil resolução,
principalmente para mim que não tenho nenhuma intimidade com a
matemática.
Depois
que cercaram as terras, o amor ficou tão desigual que desconfio que
ele foi reinventado.
Quem está contente no mundo político é o deputado federal Idilvan Alencar. Ele que lançou a professora Adriana Almeida como candidata a vereadora em 2020 e, hoje (07), ela assumiu uma cadeira na Câmara Municipal de Fortaleza, com a ida de Guilherme Sampaio para a Assembleia Legislativa.
Adriana é mais uma parlamentar da chamada “Bancada do Livro” liderada por Idilvan, que tem profissionais da educação ocupando espaços nos parlamentos de vários municípios do Ceará.
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Texto da assessoria do deputado Idilvan, encaminhado a redação do Blog.
Lideranças
do movimento negro e quilombola, como Douglas Belchior, Dulce Pereira
e Aline Mendes, estiveram reunidos com o presidente eleito Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) e apresentaram uma carta com pedido de
compromisso do presidente eleito no combate ao racismo ambiental e à
garantia da justiça racial. A importância de titulação das terras
quilombolas também foi reforçada pelo movimento negro durante o
encontro.
“Se
a gente não fizer agora com rapidez o reconhecimento dos quilombos
brasileiros, o processo demora muito. A burocracia não permite que
as coisas que parecem fáceis, sejam fáceis. Então eu voltei com a
disposição de fazer o que eu não fiz da outra vez, fazer mais e
com mais competência e mais qualidade”, destacou Lula no
evento.
Ao
longo do encontro com a sociedade civil, também foram entregues a
Lula cartas e demandas dos povos originários, das juventudes e das
populações das periferias, que destacaram a importância de
participação nas decisões sobre políticas públicas que os
afetam. “Nós vamos retomar as conferências nacionais para que o
povo decida qual é a política pública que entende ser a correta
para o meu governo colocar em prática”, afirmou Lula.
O
encontro, realizado nesta quinta-feira (17), foi organizado pelo
Brazil Climate Hub, espaço da sociedade civil criado desde a COP25,
em Madrid, na Espanha. Alguns nomes anunciados para a equipe de
transição do governo estiveram presentes na reunião, como Célia
Xakriabá, Douglas Belchior, Fernando Haddad, Joênia Wapichana,
Marina Silva e Sônia Guajajara.
A
carta feita pela Coalizão Negra por Direitos destaca a presença de
integrantes da organização durante a COP 27, em Sharm El Sheik,
Egito. Os participantes ressaltam a necessidade de manter o
aquecimento em 1.5 C até 2030, de acordo com as previsões do IPCC.
“O
movimento negro, unido ao movimento dos povos originários e unido ao
movimento dos povos tradicionais, aprofundou o debate sobre a questão
climática. Hoje, para nós, isso é fundamental. Não existe justiça
climática, sem enfrentamento ao racismo”, disse o historiador
e fundador da Uneafro, Douglas Belchior.
A
importância da adaptação para as mudanças climáticas também é
destacada na carta produzida pelas organizações negras para o
presidente eleito. "No Brasil, a população negra está
diretamente afetada pelos impactos das mudanças do clima nas
cidades, e no campo estamos vivendo a emergência climática. Mais de
60% da população negra no país está diretamente impactada pelos
eventos extremos do clima devido às condições de moradia,
alimentação, saúde, acesso à terra urbana e rural, trabalho e
renda, mobilidade e localização", afirma a Coalizão.
O
documento das organizações negras - que já reúne 256 assinaturas
- ressalta que as bases de conhecimento em saberes tradicionais,
técnicos, científicos e tecnológicos da população negra devem
ser consideradas para o alcance das metas de sustentabilidade
climática e social.
Durante
o evento, Lula também falou sobre a importância de se garantir a
proteção das terras indígenas. “Se a gente não resolver as
questões sociais, não vale a pena a gente governar esse país. É
por isso que vamos criar o Ministério dos Povos Originários, porque
a gente precisa fazer uma mudança completa na nossa relação com os
indígenas desse país”.
Além
disso, o presidente eleito contou que terá uma conversa com o
secretário-geral da ONU, António Guterres, em que pretende cobrar
um posicionamento mais contundente dos países signatários dos
acordos e metas climáticas. “Os fóruns da ONU não podem
continuar sendo fóruns de discussões teóricas intermináveis e
que, muitas vezes, não são levadas a sério”, destacou.
Anielle Franco sobre ser incluída na lista da Time das mulheres mais influentes do mundo: "Estou muito feliz e não chego sozinha. Esse reconhecimento não é só meu, é de todas as mulheres negras do Brasil".(FOTO | Ricardo Stuckert/PR).
A
ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi eleita pela revista
Time uma das mulheres do ano
em 2023. A lista, divulgada ontem (2), é composta por um total de 12
nomes. “Mulheres extraordinárias que estão liderando um mundo
mais igualitário”, define a publicação.
A
inclusão de Anielle Franco foi baseada por seu ativismo na luta
antirracista. “Sua trágica história familiar, personalidade
calorosa e uso hábil das mídias sociais transformaram a outrora
reservada Franco em uma líder improvável no movimento pelos
direitos dos negros no Brasil”, diz trecho do perfil que a
revista publicou sobre a ministra.
Irmã
da vereadora do Rio Marielle Franco, brutalmente assassinada em 2018,
Anielle é diretora do instituto que leva o nome da irmã. A
organização luta por direitos humanos e na defesa da memória de
Marielle. Desde sua criação, a agora ministra se envolveu
diretamente no ativismo político pelas causas da população negra,
das mulheres e da população LGBTQIA+.
Em
entrevista à GloboNews, a ministra comentou sobre a homenagem. “A
gente só dá valor pelo que a gente recebe e por estar aqui nesse
Ministério por ter passado por esses quatro anos de muito ódio, de
muito ataque, e ter hoje um governo federal que cuida da gente, que
cuida do caso da Mari, que cuida do povo preto. É entender que a
gente está de uma certa maneira vencendo esse ódio.”
Aos
38 anos, ela é jornalista formada pela Universidade do Estado da
Carolina do Norte (nos Estados Unidos), e em inglês e literatura
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Extraordinárias
Em
suas redes sociais, Aniele se manifestou sobre o reconhecimento
internacional. “Muito orgulhosa e emocionada em ter sido a
primeira e única brasileira indicada como ‘Mulher do Ano’ entre
as doze escolhidas pela revista norte-americana Time. Estou muito
feliz e não chego sozinha, esse reconhecimento não é só meu, é
de todas as mulheres negras do Brasil”.
Ao
lado de Anielle Franco, a lista das 12 mulheres mais influentes do
ano traz ativistas como a mexicana Véronica Cruz Sánchez, a
ucraniana Olena Shevchenko e a iraniana Masih Alinejad. Também estão
na lista mulheres influentes da cultura e do esporte, como a atriz
Cate Blanchet, a cantora Phoebe Bridges, a jogadora de futebol Megan
Rapinoe e a roteirista Quinta Brunson.
Molefi Asante, autor de 'Erasing racism: the survival of the American nation'. (FOTO| Divugação).
Sem
dúvida, as investigações do nosso grupo de pesquisa têm motivado
muitas objeções. Os estudos que realizamos sobre filosofia africana
não são inéditos; mas o aumento da circulação de material
acadêmico no Brasil que problematiza o nascimento da filosofia na
Grécia, trazendo à luz fontes africanas mais antigas que as
ocidentais, tem sido motivo de críticas variadas. Objeções que
alegam: “filosofia” é um termo grego; outras insistem que só na
Grécia Antiga o pensamento ganhou tom laico. Ou ainda, perguntam por
que deveríamos “impor” o registro filosófico a outras formas de
pensamento de povos da antiguidade fora do mundo helênico. Em
resumo, tais questões têm sido acompanhadas de argumentos diversos
que dizem algo como: a filosofia nasceu na Grécia, desenvolveu-se
dentro da ambiência territorial europeia como uma aventura ocidental
do pensamento humano. Não cabe destrinchar cada uma das objeções,
tampouco teríamos condições de apresentar o vasto elenco de
tréplicas em favor da produção filosófica africana desde George
James com Legado roubado, passando por Cheikh Diop, Theóphile
Obenga, Molefi Asante, até A filosofia antes dos gregos, de José
Nunes Carreira. Todos os autores advogam uma hipótese comum: a
filosofia não nasceu grega. A abordagem que defendemos denuncia uma
grave confusão. A questão não é onde nasceu a filosofia. Com base
em fontes históricas diversas, os textos egípcios são documentos
africanos mais antigos do que os escritos gregos, que são
referências da cultura ocidental. Alguns expoentes da egiptologia,
seja Jean-François Champollion (1790-1832), Cheikh Anta Diop
(1923-1986), Theóphile Obenga (1936-) ou Jan Assmann (1938-)
concordam que os textos egípcios são mais antigos do que os gregos.
A polêmica está no caráter filosófico dos escritos egípcios. Nós
estamos de acordo com Diop e Obenga – o material egípcio é
filosófico.
A
filosofia de Ptahhotep
Em
A filosofia antes dos gregos, Carreira menciona o Egito como uma
região rica em produção filosófica. Ptahhotep foi alto
funcionário do Faraó Isesi da 5ª Dinastia do Reino Antigo e sua
função era chamada de rekhet, traduzida por Obenga como
“filosofia”. Identificamos nos ensinamentos de Ptahhotep
recomendações para o debate, sugerindo uma conduta adequada numa
contenda. Ptahhotep diz que em relação ao contendor podem existir
três tipos de pessoas. 1ª) As que têm uma balança mais precisa,
“superiores”; 2ª) As que têm balança tão precisa quanto a
nossa, “iguais”; 3ª) As que têm balança menos precisa,
“inferiores”. O filósofo não menciona diretamente a deusa Maat;
mas ela aparece de modo indireto à medida que a balança é um dos
seus principais símbolos. “Maat” circunscreve várias ideias:
“harmonia”, “verdade”, “ordem”. A sua balança é o
instrumento que mede a palavra. O que está em jogo na contenda é o
uso adequado da balança para mensurar a verdade. Por isso, a arte da
rekhet é inconclusa; sempre podemos encontrar um contendor com
balança mais precisa. Os limites da rekhet “não podem ser
alcançados, e a destreza de nenhum artista é perfeita”. (Veja o
texto “Ensinamentos de Ptahhotep”, publicado no livro Escrito
para a eternidade: a literatura no Egito faraônico, de Emanuel
Araujo. Brasília/São Paulo, 2000.) Nossa defesa está a favor da
atitude filosófica de não recusar uma tese sem o seu devido exame;
por isso, a recomendação de ler Ptahhotep.
A
certidão de nascimento da filosofia
Propor
uma agenda de leitura dos textos africanos antigos não sinaliza um
interesse em substituir a Grécia pelo Egito, fazendo da cultura
africana o paradigma civilizatório na antiguidade. Pelo contrário,
o esforço por definir um “marco zero” para a filosofia vale-se
de uma interpretação entre outras – o que não pode ser um tabu
dogmático. A título de analogia, o filósofo inglês Michael Hardt
interpela a filosofia de Hegel por meio de Nietzsche, e nos diz que
“a dialética é um falso problema”(Em Gilles Deleuze: um
aprendizado filosófico, na tradução de Sueli Cavendish. São
Paulo, 1996). Algumas abordagens filosóficas usam o modelo dialético
como indispensável para a filosofia da história, enquanto outras a
recusam plenamente. Do mesmo modo, defendemos que o nascimento da
filosofia é um falso problema. Não se trata de afirmar que a
filosofia nasceu no Egito e substituir Tales de Mileto ou Platão por
Ptahhotep. Não pedimos a retirada da “certidão grega da
filosofia” dos manuais, mas sim que ela não venha sozinha, sem o
registro de que existem posições a favor do nascimento africano. Os
manuais de filosofia precisam incluir versões diversas sobre suas
origens, reconhecendo a legitimidade de todas, assim como não
ignoramos perspectivas diferentes em várias questões filosóficas.
É perigoso e reducionista para uma boa formação filosófica
limitar toda a filosofia a poucas tradições. Com efeito, o problema
não seria estritamente teórico, mas político (e obviamente
filosófico). O projeto de dominação do Ocidente tem um aspecto
epistemológico que pretende calar qualquer filosofia que tenha
sotaques diferentes. Afinal, a filosofia foi “eleita” como
suprassumo da cultura ocidental.
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Artigo de Renato
Noguera - doutor em Filosofia pela UFRJ, professor da UFRJ e
coordenador do grupo de pesquisa Afroperspectivas, Saberes e
Interseções. Publicado originalmente na Revista Cult.
Trabalhadores resgatados em situação semelhante à escravidão em Bento Gonçalves — Foto: Reprodução/RBS TV.
Relatos dos trabalhadores da colheita da uva resgatados em Bento Gonçalves (RS) na última semana descreveram um cenário de violência cotidiana, condições degradantes de vida e violações a direitos humanos básicos.
O caso é o registro mais recente de trabalho análogo à escravidão no Brasil. Mas, afinal de contas, o que a lei brasileira reconhece como trabalho escravo?
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro traz a definição jurídica do que é trabalho análogo à escravidão:
“É CARACTERIZADO PELA SUBMISSÃO DE ALGUÉM A TRABALHOS FORÇADOS OU A JORNADA EXAUSTIVA, QUER SUJEITANDO-O A CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO, QUER RESTRINGINDO, POR QUALQUER MEIO, SUA LOCOMOÇÃO EM RAZÃO DE DÍVIDA CONTRAÍDA COM O EMPREGADOR OU SEU PREPOSTO.”
A lei determina que é crime submeter alguém à condição de trabalho análogo à escravidão e que também é punível por lei qualquer pessoa que atue para impedir o direito de ir e vir do trabalhador que esteja nessa condição. Veja o que diz o texto:
“Também é punido com as mesmas penas aquele que, com o fim de reter o trabalhador: a) cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador; b) mantém vigilância ostensiva no local de trabalho; ou c) retém documentos ou objetos pessoais do trabalhador.”
Portaria
O Código Penal, no entanto, não é o único texto sobre o tema. A Portaria do Ministério do Trabalho e Previdência 1.293, de 2017, define os termos utilizados pelo Código Penal e ajuda a entender melhor os traços que caracterizam o trabalho análogo à escravidão, como trabalho forçado, jornada exaustiva e condição degradante.
Veja a seguir.
Trabalho forçado é qualquer tipo de atividade imposta ao trabalhador sob ameaça, seja ela física ou psicológica. No caso recente de Bento Gonçalves, os trabalhadores relataram que eram espancados e agredidos com choques elétricos e spray de pimenta.
Jornada exaustiva é qualquer período de trabalho que viole os direitos do trabalhador à segurança, saúde, descanso e convívio familiar ou social. Uma jornada exaustiva pode se caracterizar tanto pelo tempo de duração quanto pela intensidade das atividades desenvolvidas. Os trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves contaram que eram obrigados a trabalhar seis dias por semana, das 5h às 20h, sem permissão para pausas.
Condição degradante é qualquer prática que negue dignidade ao trabalhador e viole sua segurança, higiene e saúde. Em Bento Gonçalves, relatos ouvidos pelas autoridades apontaram que os trabalhadores recebiam comida estragada e só podiam comprar produtos em um pequeno comércio próximo ao alojamento, onde os preços eram superfaturados e o valor consumido era descontado de seu salário.
Restrição de locomoção é a violação ao direito de ir e vir livremente, sob o argumento de que o trabalhador deve dinheiro ao empregador ou a seu representante. A restrição pode tanto manter o trabalhador preso no local de trabalho como impedir que ele peça demissão. No caso recentemente descoberto no Rio Grande do Sul, os trabalhadores afirmaram que eram impedidos de sair do local sem antes pagar uma suposta “dívida” e que os empregadores ameaçavam seus familiares.
Cerceamento do uso de meios de transporte é toda ação que impeça o trabalhador de utilizar meios de transporte, sejam públicos ou particulares, para deixar o local de trabalho ou de alojamento.
Vigilância ostensiva é qualquer forma de fiscalização direta ou indireta praticada pelo empregador que impeça a saída do trabalhador do local de trabalho ou alojamento.
Apoderamento de documentos ou objetos pessoais é quando o empregador mantém sob sua posse, ilegalmente, documentos ou objetos pessoais do trabalhador, como forma de impedi-lo a sair do local de trabalho ou de pedir demissão.
Como denunciar?
Existe um canal específico para denúncias de trabalho análogo à escravidão: é o Sistema Ipê, disponível pela internet. O denunciante não precisa se identificar, basta acessar o sistema e inserir o maior número possível de informações.
A ideia é que a fiscalização possa, a partir dessas informações do denunciante, analisar se o caso de fato configura trabalho análogo à escravidão e realizar as verificações in loco.
Maria Telvira é Pós-Doutora em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Professora do Departamento de História da Universidade Regional do Cariri (URCA).
Qual
é a cor dos devotos de Padre Cícero? A constituição das romarias em Juazeiro do
Norte (CE) informa sobre um processo histórico que remonta o final do século
XIX. Tradicionais na região Nordeste, essas práticas são reconhecidas como um
dos maiores fenômenos religiosos do Brasil. Anualmente, estima-se que mais de
dois milhões de romeiros/as ocupem os espaços sagrados, valendo-se de um longo
ciclo de peregrinações.Diante da
expressividade numérica e simbólica dessas manifestações religiosas, interrogo
sobre a participação do povo negro nas romarias de devoção ao Pe. Cícero Romão.
Essaindagação remete à poesia-monumento
de Aimé Césaire: “Minha negritude não é uma pedra, surdez arremessada contra o
clamor do dia. Minha negritude não é uma mancha de água morta sobre o olho
morto da terra. Minha negritude não é uma torre ou uma catedral […]”.
Berço do Pe. Cícero – Momento de visita de romeiros no Museu Casa do Pe Cícero. Juazeiro do Norte (CE), s./d. Fonte: Acervo do Centro de Psicologia da Religião.
Este
texto é fruto da pesquisa A cor da devoção: africanidade e religiosidade no
Cariri contemporâneo, realizada com recursos da bolsa produtividade da Fundação
Cearense deAmparo à Pesquisa
(FUNCAP-CE), desenvolvida entre 2017 e 2018, com desdobramentos em 2019 e 2020
durante o pós-doutoramento no Programa Pós-Graduação em História Social da
Universidade Federal do Ceará. As análises focalizaram as cidades de Juazeiro
do Norte e Crato (CE). As fontes utilizadas incluem documentos de arquivos
físicos e virtuais, 34 entrevistas orais, bem como dados resultantes da
aplicação de um questionário para 2.009romeiros/as. Além disso, foi possível coletar informações com os/as
romeiros/as durante a realização de conversas, rezas, benditos, celebrações, as
narrativas de curas e de fé. Ainterlocução com os/as devotos/as no tempo presente favoreceu a
articulação de temporalidades e de contextos históricos diversos.
Ao
longo da investigação a questão central observada diz respeito sobre o
silenciamento da identidade racial dos/as devotos/as. Situação que denomino de
as fronteiras do silêncio. Contudo, no percurso destapesquisa, 74% dos romeiros/as entrevistadosas
se autorreconheceramnegros/as (pardos e
pretos). Vale ressaltar que essa porcentagem ultrapassa o quantitativo doBrasil e do Ceará.No que tange às práticas devocionais, no
caminho aberto por Carlos Moore, podemos dizer que “ a cor não se presta a
dúvida”. Contudo, apesar das evidências, há reiteradas tentativas de apagamento
das faces negras nas romarias da região.
A
fim de desnaturalizar essa visão, eu dialogo com aperspectiva contra-colonial, deAntonio Bispo,queenfatiza a necessidade de reconhecer as soberanias intelectuais,
alimentares, cartográficas e religiosas dos povos originários africanos,
chamados pelo autor deafropindorâmicos.
Essa abordagem favorece a emergência de novas interpretações sobre o passado e
o presente.
Negro zelador do Cemitério do Perpétuo Socorro. Fotografia: Roque Miranda. Juazeiro do Norte (CE), 1951. Fonte: Arquivo pessoal de Renato Cassimiro e Daniel Walker.
Em
termos históricos desde os primórdios da tradição, beatos/as majoritariamente
negros/as participaram de forma ativa. Os registros mostram que eles/as desenvolviam
atividades de assistência religiosa na comunidade local. O que incluía, por
exemplo, acompanhar pessoas que estavam no leito de morte, bem como a realizar
cantos fúnebres conhecidos como as incelências. De igual modo, podiam exercer a
função de zeladores de cemitério. Também estavam envolvidos/as com ações que
visavam angariar recursos financeiros, como o pedido de esmolas para sua
própria sobrevivência. Essas práticas integravam parte significativa do
trabalho de caridade. O queincluiu a
participação negra nas missões humanitárias do Pe. Ibiapina no Nordeste da
década de 1870.
A partir do século XIX, ocorreram migrações
negras de todo o Nordeste para Juazeiro. Situação que favoreceu a constituição
de agenciamentos individuais e coletivos em torno das romarias. Dentre eles
destaco:a trajetória da Beata Maria de
Araújo, afilhada do Pe Cícero, que desde a adolescência dedicou-se à vida
religiosa, bem como a existência da comunidade revolucionária do Caldeirão,
liderada por José Lourenço.
Fotografias de beatos da História de Juazeiro do Norte. Juazeiro do Norte (CE). Fonte: Ciclo Operário Complexo da Matriz de Nossa Senhora das Dores – Exposição Temporária.
Ademais,
ainda no século XVIII, o Cariri conheceu a formação de irmandades negras, sendo
a Irmandade do Rosário de Barbalha considerada a mais antiga. Essas
organizações eram formas de vivenciar religiosidades, de estreitar relações e,
sobretudo, de enfrentar as consequências da apartação racial, elemento fundante
da sociedade brasileira. Suas práticas coletivas atravessaram o século XIX e
chegaram até o século XX, conforme ocorreu com a IrmandadePenitentes Aves de Jesus e a IrmandadePenitentes da Santa Cruz do Deserto.
Pela
força do racismo, indivíduos e coletividades negras, além de apagados da
história, foram insultados pela elite, pela imprensa da época e pela própria
igreja como “rudes, atrasados,
delirantes, vagabundos e fanáticos”. Importante destacar que, mesmo tendo
suas ações desqualificadas como curandeirismo ou macumbaria, esses/as
sujeitos/as continuaram expressando suas devoções e participando da dinâmica
sociocultural do Cariri.Narrar suas
experiências é uma forma de promover reparação histórica, pois, conforme lembra
o historiador Michel-Rolph Trouillot, a história tem sido um discurso de poder
que se caracteriza pela produção da invisibilidade.
Nesse
sentido, é preciso combater aquilo que o autor chamou de o “poder da distribuição do registro”. A história que tem sido
considerada legítima sobre o Cariri subtrai as realizações, os fatos e as labutas
do povo negro.
Com
efeito, mesmo diante do silêncio historiográfico, do controle da Igreja e dos
preconceitos da sociedade, essas experiências negras atravessaram a cronologia
do silêncio, instituindo modos singulares de exercer a religiosidade. Para
isso, articularam sofisticados sistemas de memória e de vivências coletivas.
São histórias de reelaborações da existência cuja singularidade pode ser
expressas pela poética de Conceição Evaristo: “Meu rosário é feito de contas negras e mágicas. Nas contas de meu
rosário eu canto Mamãe Oxum e falo padres-nossos, ave-marias”.
Assista
ao vídeo da historiadora Maria Telvira da Conceição no Acervo Cultne sobre este
artigo:
O
país poderia ter evitado 6.379 homicídios, entre 2019 e 2021, se o governo
federal não tivesse flexibilizado o acesso às armas de fogo, revelou um
levantamento exclusivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP),
divulgado na última quinta-feira (29).
Uma
explicação trazida no estudo é que o aumento de circulação de armas, a partir
de 2019, tem relação com a ilegalidade: quanto mais armas nas mãos da
população, mais delas migrarão para o mercado ilegal — seja por meio de
extravios, roubos ou ações premeditadas de seus proprietários. A pesquisa
também revelou que a criminalidade cresce 1,2% — em latrocínio (roubo seguido
de morte) — a cada 1% a mais de pessoas armadas. Já a cada 1% de aumento de
armas, a taxa de homicídio cresce 1,1%.
Mais armas circulando
Em
2019, após assumir a presidência da República, Jair Bolsonaro (PL) promoveu uma
verdadeira mudança na legislação armamentista. Com mais de 40 atos normativos e
decretos publicados para fragilizar os mecanismos estabelecidos pela lei
10.826/03, as mudanças promovidas implicaram na facilitação dos requisitos para
aquisição de licenças, especialmente de colecionadores, atiradores e caçadores
(CACs), ampliação do limite de armas para todas as categorias, aumento da
quantidade de recargas de cartucho de calibre restrito que podem ser adquiridos
por atiradores desportistas anualmente, dentre outras.
As
ações do governo resultaram no crescimento de 476,6% nos registros ativos de
CACs entre 2018 e 2022 e em, ao menos, 4,4 milhões de armas em estoques
particulares, conforme dados recentes divulgados no Anuário do FBSP.
Redução poderia ser maior
Segundo
o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desde 2018 o país vem reduzindo a taxa
de mortes violentas intencionais, saindo de 30,9 por 100 mil habitantes em 2017
e chegando a 22,3 em 2021. No entanto, "o aumento da difusão de armas
terminou por impedir, ou frear uma queda ainda maior das mortes. No caso dos
latrocínios os efeitos também foram diretamente proporcionais e marginalmente
mais fortes. Por fim, não encontramos relação estatisticamente significativa
entre a disponibilidade de armas e outros crimes contra a propriedade, o que
evidencia a falácia do argumento armamentista, segundo o qual a difusão de
armas faria diminuir o crime contra a propriedade”, diz o estudo.
O
levantamento considera como hipóteses explicativas dessa queda na violência
letal a mudança do regime demográfico rumo ao envelhecimento da população,
mudanças nas políticas de segurança pública em alguns estados, e a dinâmica
pelo controle do narcotráfico no país - entre 2016 e 2017, o país assistiu a
uma guerra envolvendo as duas maiores facções criminais – o Primeiro Comando da
Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) que culminou no crescimento abrupto da
taxa de letalidade violenta.
“Os resultados robustos e estatisticamente
significantes indicaram que quanto maior a difusão de armas, maior a taxa de
homicídios. Isso implica dizer que se não fosse a legislação permissiva quanto
às armas de fogo, a redução dos homicídios (provocada por outros fatores, como
o envelhecimento populacional e o armistício na guerra das facções criminosas
após 2018) teria sido ainda maior do que a observada”, avaliou o estudo
feito pelo Fórum.