Quando
se fala de “pequeno grande filme”,
Moonlight – Sob a Luz do Luar é o exemplo perfeito para revelar o poder de um
filme aparentemente modesto, mas que no fundo é imenso. Indicado a oito Oscars,
incluindo o de Melhor Filme e Melhor Diretor, o longa dirigido por Barry
Jenkins tem a capacidade de revelar muito em seus 111 minutos e o poder de
narrar uma história individual e ao mesmo tempo universal, ainda que a trama
pareça, em um primeiro momento, muito específica.
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Captura do vídeo no Youtube. |
A premissa do filme partiu de uma peça do dramaturgo Tarell Alvin McCraney, In Moonlight Black Boys Look Blue (em tradução livre, Sob a Luz do Luar Garotos Negros Parecem Azuis). Mas talvez por ter crescido no mesmo bairro que o diretor Barry Jenkins, Liberty City na periferia de Miami, o dramaturgo praticamente levou sua infância e também a do cineasta para os palcos.
Ele narra a história de Chiron, um menino introspectivo, filho de uma mãe viciada em crack cujo paradeiro do pai não se sabe. Quem acaba se tornando sua figura paterna é o traficante do bairro, Juan, vivido por um impecável Mahershala Ali, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. É improvável, mas afetuosa e verdadeira a relação a que se estabelece entre os dois.
E
para tornar a vida mais complicada, Chiron sofre bullyings constantes dos
colegas de escola simplesmente porque talvez seja gay, algo que nem ele entende
muito bem ainda o que seja e muito menos sabe se é.
Por
uma via ou por outra, Jenkins afirma que esta história tem muito de sua
história e que Paula (a mãe, que, apesar de tudo, ama o filho, vivida por Naomi
Harris, indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante) é um retrato de sua própria
mãe. Por tudo isso, Jenkins soube não só farejar uma bela história como
transformá-la em um belo filme.
Para
ficar nos quesitos técnicos, Moonlight consegue a façanha de levar um texto
teatral para a linguagem cinematográfica. Feito raro. Basta observar outro
concorrente à estatueta de melhor filme este ano, o denso Um Limite Entre Nós
para entender que não é simples a tarefa. Denzel Washington dirigiu a peça e a
transformou em um filme. No entanto, ao contrário de Jenkins, o longa que deu a
Denzel a indicação ao Oscar de Melhor Ator, carece de respiro, de sair do
quadrados (as tais cercas do nome original: Fences) e ganhar as ruas.
Esta
tarefa Jenkins cumpre com maestria. Ele, que diz ter uma visão de mundo muito
fotográfica, não só adaptou a peça ao tempo linear (no texto para o teatro, os
tempos entre a infância, a adolescência e a idade adulta de Chiron se mesclam o
tempo todo) como levou sua ação para as ruas do bairro de Miami. Levou também
para a praia, onde as mais belas cenas do longa se passam. Primeiro, é Juan que
ensina Little (como Chiron é chamado na infância, vivido pelo garoto Alex Hibbert)
a nadar. Juan o ensina também que mais cedo ou mais tarde ele vai ter de
decidir quem e o que quer ser.
No
caso de Chiron, o adolescente, vivido pelo ator Ashton Sanders no segundo ato
da trama, a decisão só ocorre muito mais tarde.
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Para o diretor Barry Jenkins, a mãe de Chiron, Paula (Naomi Harris, indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante) se parece muito com sua própria mãe. |
Elipses temporais
– A propósito, Jenkins cria com liberdade várias elipses temporais e deixa
muito do texto principal ser entendido pelo subtexto. E por isso nos deparamos
no terceiro ato da história com Black, o jovem e másculo traficante em que se
tornou Chiron. Quem incorpora o personagem nesta fase é o ex-atleta Trevante
Rhodes, em sua estreia no cinema.
Ironicamente,
Chiron repete a saga destinada a Juan. Mas também carrega em si muitas
contradições. Ser negro, crescer na periferia de uma grande cidade americana,
não ser o estereótipo do machão (máscara importante para se afirmar em uma
sociedade machista e violenta), descobrir e assumir sua sexualidade, descobrir
quem se é. Não há respostas rápidas nem fáceis para Chiron. E muito por isso, a
história com o amigo de infância Kevin (o garoto Jharrel Jerome), que
protagoniza com ele a outra bela cena na praia, impregnada de descobertas e
desejo, não acaba na adolescência.
Chiron
não entende quem de fato é ao usar uma proteção de ouro nos dentes, que lhe dá
um ar agressivo, tão distante do sensível Little.
Há
tantas nuances construídas em Moonlight quanto as nuances da luz que ilumina
com maestria os personagens. Um Oscar de Melhor Fotografia não cairia mal ao
trabalho de James Laxton. Sem contar a trilha sonora, a cargo de Nicholas
Britell (também indicado ao Oscar), que cria a atmosfera perfeita para que o
espectador mergulhe na viagem de Chiron. As escolhas variam de Cucurucucu
Paloma, na voz de Caetano Veloso, a Laudate Dominum de Mozart, passando pela
belíssima The Middle of the World, composta por Britell para o longa e Hello
Stranger, cantada por Barbars Lewis.
As
idades de Chiron – Ainda que em diferentes fases da vida do personagem, os três
atores que vivem Chiron carregam o mesmo olhar melancólico e solitário, sempre
em busca do afeto que tanto falta e que ele alcança com dificuldade em cada uma
de suas relações. Black pode ser um traficante temido, mas sua armadura é fina
e translúcida. Quando Kevin (já adulto, interpretado por André Holland)
questiona Black e manda um direto “quem é você?”, é como se estivesse fazendo a
pergunta a Little. E a questão ecoa, obviamente, no espectador.
Mais
um ponto para Jenkins, que não deixou que os três atores se conhecessem antes e
nem durante as filmagens, para que não copiassem trejeitos um do outro. No
entanto, o mesmo olhar de quem busca a si mesmo e leva o tempo necessário para
realizar esta descoberta perpassa os três atores.
Por
tudo isso, Moonlight não se revela apenas o filme mais potente do Oscar 2017,
mas também uma história que deve, e vai, resistir ao tempo.